quinta-feira, 24 de novembro de 2022

A Nova Razão do Mundo: 7 - AS ORIGENS ORDOLIBERAIS DA CONSTRUÇÃO DA EUROPA

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AS ORIGENS ORDOLIBERAIS DA CONSTRUÇÃO DA EUROPA

A grande virada mundial que ocorreu nos anos 1980 e 1990 seguiu a poderosa onda conservadora que veio da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Como consequência, surgiu uma espécie de lenda encantada da construção europeia vista como bastião contra o “ultraliberalismo” anglo-saxão. Essa é uma das cantilenas do neoliberalismo de esquerda. A história é muito mais complexa, menos linear e, ao mesmo tempo, menos maniqueísta. Na realidade, como mostram com toda razão os universitários norte-americanos do coletivo Retort, “a noção de uma Europa politicamente autônoma, de uma Europa que se opõe à ‘barbárie’ norte-americana e ocupa um lugar relativamente positivo no capital e na modernidade é largamente ilusória”. Mirando-se em uma “imagem que se satisfaz a si mesma” com uma pretensa “exceção” europeia, “a esquerda abandona qualquer possibilidade de resistência real”[1]. Porque, se é verdade que essa construção da Europa é fruto de várias tradições, entre as quais a poderosa tradição da democracia cristã, ela está ligada também a uma das mais antigas estratégias neoliberais, cujos principais fundamentos teóricos foram vistos nos capítulos anteriores, quando analisamos o ordoliberalismo. Essa estratégia original, que com frequência não é reconhecida como tal, é anterior à difusão da ideologia neoliberal nos anos 1970 e à crise de regulação do capitalismo fordista. O neoliberalismo europeu não esperou seu triunfo no plano das ideias para progressivamente institucionalizar-se, graças a políticas conduzidas com um grande espírito de continuidade. A construção jurídica e política de um mercado concorrencial ocorreu pouco a pouco, enquanto continuava a predominar certa racionalidade administrativa e burocrática e, na prática, prevalecia o intervencionismo keynesiano ou, como na França, as diferentes formas de “colbertismo”. Não se trata em absoluto de transformar a Europa em um laboratório de uma experiência neoliberal que em seguida teria contagiado o resto do mundo; trata-se simplesmente de dar o devido lugar à lógica ordoliberal, que desde muito cedo orientou certo rumo à construção europeia. Como notava em 1967 um observador dos primeiros passos dessa construção, “o concorrencialismo está substituindo o liberalismo de antigamente”. Essa é, acrescentava, a “ideia de base do neoliberalismo contemporâneo”[2].

A construção do “mercado comum” na Europa é um exemplo particularmente interessante da implantação desse “concorrencialismo” neoliberal. O Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca) em 1951 e, depois, o Tratado de Roma em 1957 começaram a instaurar regras estritas para evitar que a concorrência fosse desvirtuada por práticas discriminatórias, abusos de posição dominante e subsídios governamentais. A partir de então, a Comissão Europeia, fortemente amparada na Corte de Justiça Europeia, elaborou um conjunto de instrumentos que, segundo um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, formou a base de uma verdadeira “constituição econômica”[3]. Essa política da concorrência, que continuou a ampliar-se e aprofundar-se[4], é considerada, aliás, uma das alavancas mais poderosas da integração econômica: “O encorajamento que a Corte deu à Comissão a propósito da determinação por esta última das condições de integração do mercado conferiu uma natureza quase constitucional às regras de concorrência do tratado”, ressalta a OCDE[5].

Esse neoliberalismo político não surgiu do nada. O ordoliberalismo constituiu a parte mais importante do fundamento doutrinal da atual construção europeia, antes mesmo de ela ser submetida à nova racionalidade mundial. Para os neoliberais europeus declarados, a filiação entre o ordoliberalismo e o espírito que governou a implantação do Mercado Comum Europeu e, depois, da União Europeia não deixa margem à dúvida. Essa filiação é até reivindicada por alguns deles. Um dos testemunhos mais convincentes a esse respeito é a conferência de Frits Bolkestein no Walter Eucken Institut em Freiburg, em 10 de julho de 2000. O orador, que se apresentava na época como o “responsável pelo mercado interno e pelo sistema fiscal” da Comissão Europeia, deu o seguinte título a sua conferência: “Construindo a Europa liberal do século XXI”[6]. Depois de lembrar o papel dos ordoliberais na política econômica e monetária da República Federal da Alemanha (RFA) e, mais particularmente, o papel eminente de Walter Eucken na doutrina, Bolkestein afirmava:

"Numa visão da Europa do futuro, a ideia de liberdade, como era defendida por Eucken, deve seguramente ocupar uma posição central. Na prática europeia, essa ideia é concretizada pelas quatro liberdades do mercado interno, a saber: a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais."

E acrescentava:

"De fato, está claro que ainda resta muito a fazer para que essas liberdades sejam garantidas. A Comissão Europeia e o Conselho têm consciência desse desafio e o assumiram, adotando um programa ambicioso de desregulamentação e flexibilização resumido na ata final da conferência de cúpula de Lisboa, realizada em março. A implantação do conjunto de medidas propostas em Lisboa representará um progresso considerável na realização de uma Europa em conformidade com as ideias “ordoliberais”."

A continuação é ainda mais explícita:

"O ambicioso projeto de união econômica e monetária é, sob esse aspecto, um desafio particular. Esse projeto tem não apenas o objetivo de fortalecer as liberdades do cidadão, como também constitui um dos principais instrumentos políticos que permitirão a estabilização da enorme economia de mercado que é a Europa. Portanto, por essa razão, ele é puro produto do pensamento “ordoliberal”."

Bolkestein detalhava o programa de reformas que deveria permitir a realização integral dessa Europa “ordoliberal”. Quatro pontos eram destacados.

1) A flexibilização de salários e preços mediante a reforma do mercado de trabalho: “É absolutamente necessário avançar no campo da flexibilização do mercado de emprego”; “um de nossos principais desafios, portanto, é melhorar a flexibilidade do mercado de trabalho e do mercado de capitais”.

2) A reforma do sistema de aposentadorias mediante o estímulo à poupança individual: “Se quisermos evitar a detonação da bomba-relógio que são as aposentadorias, é urgente enfrentarmos seriamente a reforma da legislação sobre as aposentadorias. Os fundos de pensão devem poder aproveitar as novas possibilidades de investimento oferecidas pelo euro”.

3) A promoção do espírito de empreendimento: “Os europeus parecem dar mostras de pouco espírito de empreendimento. O problema da Europa não é tanto a falta de capital de risco para o lançamento de novos projetos de negócios. Dinheiro não falta. Em compensação, pouquíssimas pessoas estão dispostas a criar sua própria empresa. Portanto, as reformas estruturais devem vir acompanhadas de uma mudança de mentalidade no cidadão”.

4) A defesa do ideal de civilização de uma sociedade livre contra o “niilismo”: “O relativismo moral e epistemológico dessa corrente ameaça os valores essenciais do projeto liberal, como o espírito crítico e racional e a crença na dignidade fundamental do indivíduo livre”; “o advento da Europa liberal de amanhã pode ser abalado pela educação que se dá hoje aos jovens europeus nas escolas e nas universidades [...]. A tarefa dos universitários, portanto, é transmitir, por meio de seu trabalho, os valores fundadores da sociedade livre ou, em todo caso, combater as ideias que visam a pôr em risco esse tipo de sociedade”.

Bolkestein não escondia que, para ele, a construção da Europa era desde o princípio um projeto antissocialista ou, até mesmo, um projeto voltado contra o Estado social. Lembrava que, “para Eucken, o socialismo era uma visão do horror, um modelo não só ineficaz, mas também, e sobretudo, de falta de liberdade”.

A “Europa liberal”, portanto, é um programa claramente desenhado, como Bolkestein teve o grande mérito de lembrar. Também estava certo ao sublinhar que essa construção se inseria na linhagem do ordoliberalismo alemão, indo de encontro, portanto, à ideia de que a Europa encarna um “modelo social” contrário à globalização “ultraliberal” dos anglo-saxões. A confusão, largamente intencional, diz respeito ao sentido da expressão tipicamente ordoliberal “economia social de mercado”, dada por muitos como sinônimo de “Europa social”. Numa entrevista de 2005, quando perguntado por um jornalista “como o novo tratado permitirá que se lute contra as perversões do mercado?”, Jacques Delors deu a seguinte resposta:

"Em 1957, os países europeus consideraram que tinham um mercado comum: eles aumentariam a eficácia e a solidariedade entre eles. Não foi fácil fazer isso. São esses mesmos princípios que são retomados pelo tratado. Ele não é inovador nesse sentido. O que é novo é o progresso espetacular das forças políticas que rejeitam a intervenção do Estado e das instituições para equilibrar as forças do mercado. Em nome de um monetarismo que sempre combati, rejeita-se o reequilíbrio entre o econômico e o monetário [...]. O tratado não resolve isso. Ele dá às forças políticas a possibilidade de seguirem numa direção ou noutra. Sem o tratado, dispomos de menos trunfos para defender os interesses legítimos da França e seguir na direção dessa economia social de mercado, renovada, que é uma resposta à globalização e ao poder financeiro.[7]"

Essa resposta é bastante característica de certa leitura da história europeia que tende a ocultar o fato de que essa “economia social de mercado” era a fórmula do neoliberalismo alemão antes de se tornar a do neoliberalismo europeu. Jacques Delors não é o único a alimentar essa ocultação. Quase todos os partidários do Tratado Constitucional Europeu (TCE) defenderam interpretações semelhantes. Jacques Chirac, numa coluna publicada por 26 jornais europeus às vésperas da cúpula de Hampton Court, em 27 de outubro de 2005, declarava que o modelo da Europa “é a economia social de mercado. Seu contrato é a aliança entre a liberdade e a solidariedade, é o poder público garantindo o interesse geral”. E continuava: “Por isso a França jamais aceitará ver a Europa reduzida a uma simples zona de livre troca”, “por isso devemos relançar o projeto de uma Europa política e social, fundada sobre o princípio da solidariedade”.

Essas poucas citações ressaltam a necessidade de um esclarecimento, tanto a respeito das fontes do neoliberalismo europeu como dos caminhos pelos quais ele se impôs.

Arqueologia dos princípios do Tratado Constitucional Europeu

Reportemo-nos um breve instante à “Constituição Europeia”, em cuja elaboração os partidos liberais e democratas cristãos europeus tiveram papel fundamental. A campanha referendária que ocorreu na França em 2005 levantou o problema da “constitucionalização” de certas orientações de política econômica: o monetarismo do Banco Central Europeu (BCE), a concorrência como princípio da atividade econômica e o papel reduzido e secundário dos “serviços econômicos de interesse geral”. Essas opções levantavam a questão da natureza da “economia social de mercado”, fórmula oficial de referência da nova constituição para toda a União.

O tratado, que após uma revisão sumária em 2007 se tornará o Tratado de Lisboa, continha uma série de princípios fundamentais a respeito da natureza da economia europeia, princípios esses que eram apresentados na Parte III. Em especial, a partir do Artigo 3, havia uma formulação do objetivo que se deveria perseguir, supostamente claro para todos: “Uma economia social de mercado altamente competitiva”. Toda a política econômica definida na Parte III visa a organizar a Europa em torno de alguns princípios fundamentais de uma “economia de mercado aberta, na qual a concorrência é livre”, como repetem constantemente as partes e os artigos da Constituição. Esta consagra os dois pilares dessa “economia social de mercado”: o princípio supremo da concorrência nas atividades econômicas e a estabilidade de preços, garantida por um Banco Central independente.

A União dispõe, assim, de uma competência exclusiva para o “estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno” (Artigo I-13). Os artigos III-162 e III-163 aplicam esse princípio proibindo todas as práticas que possam desvirtuar a concorrência no mercado interno, assim como todas aquelas que sejam consideradas abuso de posição dominante. O Artigo III-167 proíbe, mais especialmente, ajudas do Estado que possam distorcer a concorrência.

A estabilidade da moeda é o segundo princípio decisivo. Na Parte I, título III, sobre “As competências da União”, encontramos no Artigo 29 a definição das missões e do estatuto do Banco Central Europeu. O parágrafo 2 declara:

"O Sistema Europeu de Bancos Centrais é dirigido pelos órgãos de decisão do Banco Central Europeu. O objetivo principal do Sistema Europeu de Bancos Centrais é manter a estabilidade dos preços. Sem prejuízo do objetivo de estabilidade dos preços, dá seu apoio às políticas econômicas gerais na União com o intuito de contribuir para a realização dos objetivos da União."

E o parágrafo 3 especifica:

"O Banco Central Europeu é uma instituição dotada de personalidade jurídica. É o único apto a autorizar a emissão do euro. No exercício de seus poderes e em suas finanças, ele é independente. As instituições e os órgãos da União, bem como os governos dos Estados-membros, comprometem-se a respeitar esse princípio."

Esses princípios não são novos. Em 1992, ao criar a União Europeia, o Tratado de Maastricht já introduzia pelo Artigo 3 o objetivo de um “regime que assegura que a concorrência não seja desvirtuada no mercado interno”; pelo Artigo 3A, que não era secundário, estabelecia como objetivo a “instauração de uma política econômica fundamentada na estreita coordenação das políticas econômicas dos Estados-membros, no mercado interno e na definição de objetivos comuns”, conduzida em conformidade com o respeito ao princípio de uma “economia de mercado aberta, na qual a concorrência é livre”. Essa última frase, que foi utilizada depois como um verdadeiro slogan, é repetida inúmeras vezes no Tratado de Maastricht, como o será também no Tratado Constitucional.

No entanto, o Tratado de Maastricht está inserido numa lógica mais antiga. O Tratado de Roma de 1957 afirmava a necessidade do “estabelecimento de um regime que assegura que a concorrência não seja desvirtuada no mercado comum” (I-3). O Artigo 29 especificava que a Comissão seguia a “evolução das condições de concorrência no interior da Comunidade, na medida em que essa evolução tiver como efeito o aumento da força competitiva das empresas”.

A terceira parte, dedicada à política da Comunidade, definia com cuidado as “regras da concorrência”. Lia-se no Artigo 85:

"São incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que possam afetar o comércio entre Estados-membros e tenham por objeto ou consequência impedir, restringir ou desvirtuar o jogo da concorrência no interior do mercado comum."

O Artigo 86 desenhava a imagem de uma economia de concorrência sem monopólios privados ou públicos:

"É incompatível com o mercado comum e proibido, na medida em que o comércio entre Estados-membros possa ser afetado, o fato de uma ou várias empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum ou em parte substancial deste último."

Eram proibidos, na mesma ocasião, as práticas de dumping e os auxílios de Estado. O Artigo 92 indicava:

"Salvo derrogações previstas pelo presente tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afetam as trocas entre Estados-membros, as ajudas concedidas pelos Estados ou por intermédio de recursos de Estado sob qualquer forma que seja, que desvirtuem ou ameacem desvirtuar a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções."

O Tratado de Roma, instituindo uma Comunidade Econômica Europeia (CEE), já continha o essencial da doutrina da construção europeia. Em 1957, as liberdades econômicas fundamentais (as “quatro liberdades de circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais”) ganham um valor constitucional, reconhecido como tal pela Corte Europeia de Justiça, enquanto direitos fundamentais dos cidadãos europeus[8]. O que é confirmado pelo TCE em seus numerosos artigos sobre os “princípios de uma economia de mercado aberta na qual a concorrência é livre”[9].

A partir de 1957, a lógica de “constitucionalização” da economia social de mercado tornou-se cada vez mais patente. Assim, ficou visível que a linha de força principal da construção europeia não era a cooperação setorial nem a organização de políticas específicas, mas a integração dos princípios fundamentais da economia social de mercado ao direito constitucional[10]. Sob esse aspecto, o TCE representa o apogeu de um lento movimento a favor de uma norma econômica suprema vista como um componente essencial da constituição política no sentido mais amplo do termo.

Essa “constitucionalização” das liberdades econômicas corresponde muito amplamente à realização dos princípios fundamentais do ordoliberalismo como foram definidos entre 1932 e 1945 e, de modo mais geral, do neoliberalismo europeu[11]. Foi com plena consciência que parte das autoridades políticas e dos economistas de inspiração liberal, em especial na França e na Itália, encorajaram essa construção, a qual eles viam como a implementação dos princípios do concorrencialismo. O caso de Jacques Rueff, sobre cujo papel na contestação das políticas intervencionistas de tipo keynesiano falamos antes, é muito esclarecedor a esse respeito.

Em 1958, Rueff mostrava que o Tratado de Roma, assinado meses antes, tinha a particularidade de criar um “mercado institucional”, que deveria ser cuidadosamente distinguido do “mercado manchesteriano”. Embora esse mercado institucional possuísse as mesmas qualidades de equilíbrio do outro, e “embora fosse também uma zona de ‘laissez-passer’, ele não era uma zona de ‘laissez-faire’”[12]. O poder público era convidado a intervir para proteger o mercado contra os “interesses privados”, que rapidamente teriam tratado de criar acordos e controlar mercados reservados; era convidado igualmente a amenizar as consequências sociais da abertura dos mercados à concorrência. Rueff explicava que a principal marca do mercado institucional era o que ele chamava de “realismo profundo”. Os fundadores haviam “preferido um mercado limitado por intervenções que lhe dariam uma chance de ser moralmente aceitável e politicamente aceito”[13]. Isso não significava um obstáculo ao mercado, na medida em que, como ele também sublinhava, essas intervenções deveriam consistir em procedimentos que “respeitavam o mecanismo dos preços” e não perturbavam sua livre formação no mercado.

Esse “mercado institucional”, cujo protótipo é a construção europeia, tem um grande futuro pela frente, segundo Rueff. Sua concretização deve reunir todos os partidos liberais e socialistas e estender-se ao conjunto das relações econômicas mundiais. O neoliberalismo, se já era para Rueff a base da construção europeia, seria igualmente o fundamento do mercado mundial, que “unirá amanhã, numa civilização comum, todos indivíduos e todos os povos que desejam dar aos homens liberdade sem desordem e bem-estar sem servidão, reduzindo ao mesmo tempo, tanto quanto for humanamente possível, a desigualdade e a injustiça”[14]. Meio século depois, só pode nos admirar o caráter premonitório das palavras de Rueff, quando anunciava que liberais e socialistas acabariam de acordo quanto ao objetivo de construção do “mercado institucional”, voltando à cantilena de antes da guerra de que o liberalismo não é nem de direita nem de esquerda[15].

E de onde vem essa ideia de um mercado construído e vigiado por uma autoridade política? Para Rueff, assim como para outros observadores da época, não resta dúvida de que a ideia que anima o “mercado comum” é puro produto do neoliberalismo que surgiu no fim dos anos 1930:

"O mercado institucional é o arremate e o coroamento do esforço de renovação do pensamento liberal, que nasceu cerca de vinte anos atrás e que, com o nome de neoliberalismo, liberalismo social ou mesmo socialismo liberal, tomou progressivamente consciência de suas aspirações e seus métodos próprios para satisfazê-las, reconhecendo-se, finalmente, nas fórmulas comunitárias da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e naquelas cuja aplicação generalizada será, amanhã, a Comunidade Econômica Europeia.[16]"

Como já vimos suficientemente, o ordoliberalismo não goza de nenhum monopólio, mas devemos convir que ele constituiu o corpo doutrinal mais coerente do neoliberalismo europeu. A homenagem que Rueff lhe presta, a influência que terá sobre o alto escalão francês, como o ex-presidente Valéry Giscard d’Estaing ou o ex-primeiro-ministro Raymond Barre, são símbolos claros disso[17].

A hegemonia do ordoliberalismo na República Federal da Alemanha (RFA)

Para compreendermos como esses princípios conquistaram a Europa, devemos voltar à maneira como eles se impuseram na RFA após a Segunda Guerra Mundial e como constituíram a base de um consenso em que encontramos as mais importantes formações políticas alemãs. Contudo, é importante não confundirmos, como muito frequentemente se faz, o que na Alemanha está estritamente ligado à filiação ordoliberal e o que diz respeito a uma herança mais antiga (o Estado social “bismarckiano”) ou às condições sociais e políticas do compromisso entre as forças sindicais e o patronato (a “cogestão”). O “capitalismo renano” não é a “economia social de mercado” definida pelos teóricos liberais alemães; ele remete a uma realidade híbrida, fruto da história e das relações de força sociais e políticas.

O êxito inicial do neoliberalismo alemão deve-se a vários fatores. Para a RFA, tratava-se de refundar a legitimidade do novo Estado, integrar-se no mundo livre e distanciar-se do passado nacionalista e totalitário[18]. Deveríamos mencionar ainda a influência dos Estados Unidos sobre a reconstrução e o medo da inflação, que destruíra a economia em 1923. Todos esses fatores pesaram a favor de uma mudança radical de situação num país que durante muito tempo se mostrou relutante em relação ao liberalismo. O ordoliberalismo conseguiu impor-se porque combinou, após o nazismo, a rejeição do estadismo autárquico com a rejeição do liberalismo puro pregado pela economia política clássica e neoclássica, que não teve nenhuma responsabilidade nas desordens que ocorreram entre as duas guerras. Ele promove um liberalismo organizado, que aceita um “Estado forte”, mas imparcial, capaz de impor-se aos interesses privados coligados e fazer com que todos respeitem as regras do jogo da concorrência.

No plano histórico e prático, a “grande oportunidade” do ordoliberalismo foi a criação de um Conselho Econômico, em 1948, junto às instâncias de ocupação responsáveis pela política econômica, aparentemente por instigação de Ludwig Erhard. Esse conselho era dominado pelos ordoliberais. Erhard, apresentado com frequência como o “pai do milagre alemão”, foi, mais do que um teórico, um prático da economia que se atinha às “necessidades do sistema” e rejeitava qualquer dirigismo econômico. Foi o artífice da reforma econômica de 21 de junho de 1948 que criou o ­Deutsche Mark. Pouco tempo depois, liberou brutalmente os preços. Foi ele também que conseguiu a lei “anticartel” de 1957[19] e decidiu no mesmo ano a independência do Bundesbank. Seu dogma era “concorrência acima de tudo”: “Apoiar a economia concorrencial é um dever social”, diz ele no best-seller La prospérité pour tous[20], fazendo eco à obra de um discípulo de Walter Eucken que publicou nos anos 1930 um livro sobre “a concorrência como dever social”. Erhard foi ajudado nessa tarefa por homens meio teóricos e meio práticos, como Alfred Müller-Armack, a quem parece que devemos a expressão Sozial Marktwirtschaft [economia social de mercado][21].

O êxito do ordoliberalismo é evidente primeiramente pela conversão dos grandes partidos alemães à “economia social de mercado”. Em 1949, a democracia cristã adota o essencial da doutrina ordoliberal por influência de Erhard. Os democratas cristãos dividiam-se entre duas referências: o cristianismo social que inspirou o Programa de Ahlen de 1947 e as diretivas de Düsseldorf, mais liberais[22]. Foram estas últimas que prevaleceram sobre o Programa de Ahlen, mais social. Como ressalta Joachim Starbatty, o elo entre essas duas orientações (cristã e ordoliberal) é o princípio de subsidiaridade: “Deixamos a cada cidadão, dentro dos limites do possível, a iniciativa e a responsabilidade. Isso determina a tomada de decisão descentralizada e a formação de um patrimônio privado: os dois componentes da economia de mercado”[23]. O que tornou possível essa conciliação entre o cristianismo e o liberalismo foi o fato de que os objetivos sociais são dados como uma consequência “justa” de uma competição econômica leal, assim como pelo fato de que esse neoliberalismo reprova a tradição hedonista anglo-saxã e reivindica para si uma “ética econômica” inspirada em Kant.

O Partido Social-Democrata Alemão (SPD, na sigla alemã) fará sua conversão oficial à economia de mercado exatamente dez anos depois, em 1959, durante o Congresso de Bad Godesberg. Embora falasse de economia de mercado “dirigida”, o SPD aderiu rapidamente à expressão consagrada Sozial Marktwirtschaft. Assim, os principais partidos de governo adotam a doutrina a partir dos anos 1960, da mesma forma que os sindicatos, já que o poderoso Deutscher Gewerkschaftsbund (DGB) declara sua adesão à economia de mercado em 1964. Em vinte anos, o ordoliberalismo tornou-se um “credo nacional”, segundo a marcante expressão de François Bilger[24].

A doutrina concretizou-se em grande parte, mesmo que a política social tenha sido mais “global” do que o previsto e a cogestão das empresas tenha sido uma prática estranha ao programa ordoliberal. Este último deparou com uma realidade social e histórica mais complexa, que exigiu concessões sociais e políticas. Os democratas cristãos, no poder até meados dos anos 1960, tiveram de conciliar-se com um Estado de bem-estar herdado da era Bismarck e com uma classe operária muito organizada e poderosa durante toda a fase de reconstrução industrial. A partir do fim dos anos 1960, o “modelo alemão” se “social-democratiza” e se “keynesianiza”, durante o período em que o SPD ocupa o poder. Em 1967, a lei da “promoção da estabilidade e do crescimento da economia” exemplifica essa conjunção inesperada de ordoliberalismo e a política conjuntural keynesiana[25]. De 1965 a 1975, a “economia social de mercado” adquire uma imagem de “esquerda” que, sem dúvida, está na origem da confusão que o sentido da expressão ganhará[26].

É importante não confundirmos doutrina ordoliberal e “modelo alemão” de capitalismo. Num livro que teve grande repercussão na França, no início dos anos 1990, Michel Albert contribuiu para propagar uma confusão que já era comum na época entre “economia social de mercado” e “capitalismo renano”, isto é, um modelo de capitalismo nacionalmente organizado[27]. Albert vê a economia social de mercado como um “conjunto compósito”, no qual se incluem as medidas de welfare e a cogestão[28]. Em sua tentativa de construir um “modelo de capitalismo” oposto ao que seria corrente nos países anglo-saxões, ele mistura as contribuições originalmente liberais com suas revisões social-democratas. A expressão “economia social de mercado” foi criada em 1947, enquanto a expressão “modelo alemão” surgiu mais tarde, nos anos 1970, quando a social-democracia conseguiu fazer a política alemã pender a favor dos assalariados e reorientá-la no sentido de um apoio conjuntural muito mais ativo. Isso se traduziu em uma ampliação das prestações sociais, uma política redistributiva mais ampla e um peso cada vez maior dos impostos, alinhando a RFA aos outros países europeus em matéria de proteção social.

Um dos aspectos mais notáveis do “modelo alemão” no plano social é a importância das relações negociadas entre patronato e sindicatos, que limitam as relações de puro mercado entre empregadores e assalariados[29]. O social-democrata Karl Schiller, que sucedeu a Ludwig Erhard, quis levar mais longe a “ação concertada” entre sindicatos, patronato e governo no que diz respeito à política social e salarial. Algumas leis simbolizam essa “concertação” estruturada e institucionalizada: a lei de cogestão (de 1976, que modifica a de 1951) e a lei sobre o estatuto das empresas (de 1972), que regulam a participação dos representantes dos trabalhadores nos conselhos de administração e vigilância e nos conselhos eleitos das empresas. Essa participação dos assalariados no processo de decisão das empresas é completada por convenções coletivas, que no nível setorial e territorial dizem respeito a salários e tempo de trabalho. Teoricamente, o Estado deixa sindicatos e patronato livres para negociar, conforme o princípio da autonomia dos parceiros. Como mostra Peter Wagner, a lei estruturou essas relações e impôs a “paz social”, vedando o recurso à greve antes dos procedimentos de conciliação.

O fim dos anos 1970 na Alemanha, como em outros países, é um período de questionamento da gestão social e keynesiana do capitalismo. A partir dos anos 1980, com a chegada ao poder da União Democrata Cristã (CDU, na sigla alemã), ocorre um “retorno às fontes” acompanhado de um questionamento do “desvio social da economia social de mercado”, segundo a expressão utilizada por Patricia Commun[30]. Esse retorno aos princípios do ordoliberalismo significa que os progressos sociais devem ser vistos, dali em diante, como efeitos da ordem concorrencial e da estabilidade monetária, e não como objetivos em si mesmos.

A construção da Europa sob influência

É nesse contexto que devemos compreender como o ordoliberalismo, verdadeira “tradição oculta” da Europa, vai tornar-se a doutrina de referência das elites governamentais da União Europeia a partir dos anos 1980, com algumas ressalvas aqui e ali, em particular na França. No caso francês, devemos desconfiar de certo reflexo nacionalista que atribui à Alemanha a responsabilidade por um crescimento baixo e um desemprego alto, em consequência de seu apego a uma moeda forte. Na realidade, não foi a potência econômica alemã que impôs seu “modelo renano” de capitalismo, mas foram as autoridades europeias que deram à construção da Europa uma lógica largamente influenciada pelo ordoliberalismo. Aliás, notaremos que o “modelo alemão” de capitalismo nacionalmente organizado é posto em questão precisamente pela unificação europeia, nem que seja porque o “diálogo social europeu” está muito longe das regras extremamente formalizadas e restritivas da “ação concertada”. Podemos até mesmo afirmar que a transferência da negociação social para o nível europeu, bem como para o nível infranacional, é um meio de o patronato alemão se livrar das limitações da negociação nacional, tais como foram estabelecidas numa fase anterior da relação de forças entre patronato e assalariados. Mais ainda, com a integração europeia fazendo-se cada vez mais pela concorrência entre sistemas institucionais (como veremos adiante), em nome do princípio do “reconhecimento mútuo”[31], a própria ideia de autonomia da concertação nacional é posta em questão pela “desregulamentação competitiva”.

Outra curiosidade é o fato de que essa referência ao “modelo alemão” ocorre no momento em que ele é questionado tanto pelos democratas cristãos quanto pelo SPD, e isso em nome da necessidade de reformas estruturais europeias. Mais espantoso ainda é que se tente estender a toda a Europa a rigidez orçamentária e monetária que mostrou sua ineficácia em termos de crescimento e emprego na Alemanha, ao mesmo tempo que a construção europeia é vista como uma das “alavancas” que permitirão reimportar para a própria Alemanha os princípios concorrenciais do ordoliberalismo. A globalização é dada como a grande limitação que condena a Alemanha e a União Europeia a aumentar a flexibilidade, a aliviar o custo salarial das empresas[32].

A história das relações entre o ordoliberalismo e a construção europeia é uma questão complexa. Ela vai, em cerca de quarenta anos, da resistência dos ordoliberais a uma conquista ideológica bem-sucedida. Desde o início, os ordoliberais, teóricos ou práticos (como Erhard), manifestaram desconfiança com relação ao que pudesse parecer controle administrativo e planificação econômica. Tudo que era oriundo da França, aliás, parecia cheirar a um dirigismo intolerável. Assim, quando Konrad Adenauer submeteu o plano Schuman sobre a Comunidade do Carvão e do Aço a Wilhelm Röpke em 1950, este lhe enviou um bilhete desaconselhando-o vivamente a ampliar essa perigosa iniciativa a outros setores, porque devia-se evitar “pôr a economia europeia sob a tutela de uma planificação onipotente”[33]. Erhard, no Ministério das Finanças, em seu desejo de limitar o suposto dirigismo dos franceses, opôs-se à política de Jean Monnet e da Alta Autoridade de Luxemburgo, que visava a estender a outros setores as colaborações econômicas administradas. A estratégia do governo alemão consistia em integrar a economia do país num sistema de livre troca mundial. O mercado comum europeu não devia ser concebido como uma fortaleza, mas como uma etapa nesse caminho.

Em maio de 1955, num texto intitulado “Considerações sobre o problema da cooperação ou da integração”, Ludwig Erhard diz que a Europa devia visar à “integração funcional”, isto é, à liberalização generalizada da circulação de bens, serviço e capitais, e à convercibilidade das moedas, e não à “criação de instituições sempre novas”. Na realidade, o governo alemão estava dividido entre os federalistas e os ordoliberais. Os primeiros visavam a uma unificação política que passava por uma integração econômica progressiva; os segundos optavam por uma economia de mercado europeia e uma integração no grande mercado mundial.

O mercado comum de 1957 é resultado, na verdade, de um duplo compromisso entre a França e a Alemanha e entre tendências internas do governo alemão. A França conseguiu o estabelecimento de políticas comuns – como a política agrícola, à qual continua apegada até hoje, considerando-a uma das principais conquistas comunitárias. Também obteve certos alinhamentos sociais, em particular em relação à licença dos assalariados, a uma tarifação externa comum bastante elevada (contra a opinião dos alemães) e a uma espécie de preferência pela importação proveniente de colônias ou ex-colônias. Como sabemos, a lógica da posição francesa consistiu, além das vantagens que queria preservar para seus agricultores, em dotar o conjunto europeu de força suficiente para garantir sua independência em relação aos “blocos”.

Mas o Tratado de Roma nasceu também de um compromisso interno do governo alemão entre a corrente federalista (Etzel) e a corrente ordoliberal (Müller-Armack). De um lado, preconiza-se uma ampliação setorial; de outro, uma “integração funcional” dos mercados. Esse compromisso foi selado simbolicamente na casa de campo de Alfred Müller-Armack em 22 de maio de 1955, onde se encontraram os representantes das duas correntes[34]. Foi com base nesse compromisso entre os líderes alemães[35] que foram preparados os dois tratados de Roma assinados no mesmo dia sobre o mercado comum e comunidade de energia atômica. Evitando a criação de órgãos administrativos supranacionais, exceto no caso da energia, a Alemanha assegurou o êxito de sua concepção de uma integração horizontal e “funcional”, repousando sobre as quatro liberdades econômicas fundamentais e o princípio de concorrência livre e não desvirtuada. Erhard saía vencedor, embora Monnet e o federalistas pensassem ter levado a partida. Para Erhard, como ele próprio disse após a conferência de Messina em 1955, a cooperação europeia deveria ocorrer dentro de um “sistema de economias livres” e os únicos órgãos supranacionais concebíveis deveriam ser “órgãos de vigilância para garantir que os Estados nacionais respeitem as regras do jogo que estabeleceram previamente”[36].

O tratado que instituía a Comunidade Econômica Europeia pode parecer como um compromisso entre a exigência de políticas comuns (agricultura, transporte) e medidas que visam a criar um livre mercado de pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Entretanto, o mercado comum tem um estatuto estranho. Essa “comunidade econômica europeia” é uma “comunidade” entre várias outras (carvão e aço, energia atômica, agricultura), mas ela também as engloba, submetendo-as a um princípio geral, do qual serão apenas parte ou exceção. O princípio da concorrência insere-se nisso como um princípio estruturante: o tratado estabelece um “regime que assegura que a concorrência não seja desvirtuada no mercado comum”.

Rumo à concorrência entre legislações?

Os grandes princípios ordoliberais encontram-se em ação na lógica europeia de constitucionalização da ordem liberal, na aplicação estrita da política de concorrência, bem como na independência do Banco Central Europeu. Poderíamos encontrá-los hoje ainda numa política favorável à ampliação da União Europeia e na defesa da livre troca mundial, orientações que são como réplicas dos combates que os líderes políticos alemães travaram em favor da adesão da Grã-Bretanha, da redução da tarifa externa comum e da participação no grande mercado mundial.

Esses princípios também se encontram em ação na aplicação de regras de disciplina cujo intuito é limitar a ação orçamentária dos governos e, ainda mais amplamente, na desqualificação da política conjuntural em proveito da política de “reformas estruturais”: flexibilização do mercado de trabalho e “responsabilização individual” em matéria de educação, poupança e proteção social. Hans Tietmeyer traçou a linha de conduta ordoliberal que a Europa deveria seguir, antecipando em suas intervenções escritas e orais a “Estratégia de Lisboa” formulada em 2000. Segundo ele, o imperativo consiste em limitar os esforços de distribuição e proteção que impedem a economia e o progresso social. O argumento do subemprego na Europa não deve mais servir para beneficiar gastos públicos e criação de moeda. A segurança é o emprego de cada um, não o auxílio social[37].

O neoliberalismo europeu construiu-se e difundiu-se, assim, via construção europeia, verdadeiro laboratório em grande escala do ordoliberalismo dos anos 1930. Poderíamos argumentar, é claro, que os princípios ordoliberais tiveram de conciliar-se com lógicas sociais, nacionais e políticas heterogêneas, mas foram eles que prevaleceram cada vez mais, como mostra melhor do que tudo o Tratado Constitucional e sua tentativa de constitucionalizar a economia de mercado.

A derrota do gaullismo e de suas escolhas estratégicas (política estrangeira de rejeição de blocos, independência militar por meio do armamento nuclear, modelo “político” de construção da Europa das nações e pátrias)[38] é um fato assumido nos anos 1970 por Valéry Giscard d’Estaing e Raymond Barre. A adesão de Jacques Chirac em outubro de 2005 à “economia social de mercado”, quatro meses após fracassar na ratificação do tratado, traduz simbolicamente o desmoronamento definitivo de uma construção política da Europa à la française. Vimos também que essa dominação foi resultado do fracasso da “social-democracia” europeia e de sua adesão ao modelo neoliberal, mediante alguns ajustes sociais.

A força do modelo ordoliberal é particularmente evidente em matéria de política monetária. Articulada aos “critérios de Maastricht”, a linha seguida em teoria proíbe qualquer regulação da conjuntura com o auxílio dos instrumentos monetário e orçamentário, isto é, a policy mix de inspiração keynesiana. A ideia tipicamente ordoliberal de Tietmeyer, segundo a qual a estabilidade dos preços é um “direito fundamental do cidadão”, tornou-se uma convicção compartilhada. Essa lógica doutrinal também é incontestável em matéria de política de concorrência, a qual, desde o Tratado de Roma e seu Artigo 3, está no cerne da construção europeia[39]. Todos os objetivos estabelecidos estão ligados a essa primazia: alocação ótima dos recursos, queda dos preços, inovação, justiça social, funcionamento descentralizado, abertura das economias nacionais, tudo é visto ou como causa ou como efeito da ordem concorrencial que a Comissão persegue[40].

A Comissão dispõe de um poder excepcional, apesar de perfeitamente conforme com a lógica ordoliberal, que consiste em dar a uma instância “técnica” situada acima dos governos o poder de impor as “regras do jogo”. É em conformidade com essa lógica do “governo pelas regras” que a direção-geral da “Concorrência” da Comissão Europeia faz seu trabalho de vigilância e sanção de acordos, abusos de posição dominante e concentrações. É ainda em conformidade com essa lógica que a Comissão toma medidas preventivas que lhe permitem, por exemplo, proibir uma fusão que julgue não conforme com seus princípios, o que dá às autoridades europeias um poder de vigilância e controle sobre as estruturas da economia[41].

A Comissão também supervisiona as ajudas do Estado e os aportes de capitais públicos que, em certos casos, podem ser interpretados como subvenções; é ela também que os autoriza, concedendo derrogações. Isso é uma espécie de “política industrial” que é ao mesmo tempo uma não política, porque é determinada de acordo com regras, não de acordo com fins, como faz a política norte-americana – que, desse ponto de vista, é muito mais “utilitarista”, isto é, menos formalista. Essa política é muito precisamente uma política de quadro: ela dá à Comissão um grande poder de interpretação sobre a natureza legítima ou não da ajuda, um poder que é simultaneamente de tipo administrativo (investigação, processo, aplicação de sanções) e de tipo judicial, já que é ela que julga e aplica as sanções. Sem ser tão independente quanto o Serviço de Controle de Cartéis alemão (Bundeskartellamt), a comissão afirma a superioridade do direito de concorrência sobre qualquer outra consideração, em particular social e política. Essa supremacia jurídica ocasiona inúmeros problemas. Por exemplo, o problema extremamente complexo da análise dos mercados: o que é uma posição dominante? Ela é em si um obstáculo à concorrência? Qual é a escala adequada de análise: um país, a Europa, o mundo? Parece bastante evidente que, na fase de globalização-concentração de capital, os critérios ordoliberais de uma “economia humana”, formada de pequenas e médias empresas, são um mito largamente ultrapassado.

Mas, se existe um domínio em que a Comissão parece ser de uma fidelidade quase absoluta à doutrina ordoliberal, esse domínio é o dos “serviços econômicos de interesse geral”, que também devem submeter-se à regra suprema da concorrência, porque, por definição, o direito de concorrência é superior a qualquer outro[42]. O que aconteceu com os transportes, as telecomunicações, a energia e os correios é uma ilustração perfeita disso. Nesse quesito, a Europa se conforma ao ideal do “consumidor-rei”, que deve sempre poder escolher a empresa que lhe prestará serviço.

Hoje, a Europa expandida vai ainda mais longe na lógica da concorrência, a ponto de o velho ordoliberalismo, tal como foi inserido nos tratados, parecer dominado por concepções “ultra”. Parece tomar forma uma lógica mais radical, baseada na concorrência entre os próprios sistemas institucionais, quer se trate de impostos, proteção social, quer se trate de ensino. O que é chamado, criticamente, de “dumping social e fiscal” não entra no âmbito da crítica liberal da distorção da concorrência, e se os subsídios do Estado são proibidos, isso não vale para a redução dos impostos sobre as empresas, que visa a atrair capital de investidores ou poupadores de países vizinhos. Desse ponto de vista, a Irlanda mostrou o caminho. Todos os países europeus, em particular os novos membros, lançaram-se nessa nova etapa da “ordem concorrencial”, que aparece como um meio privilegiado no que diz respeito à integração econômica.

É como se as transformações que afetaram mundialmente a gestão do capitalismo a partir dos anos 1970 e 1980 tivessem induzido uma inflexão do neoliberalismo europeu, invertendo os termos que o individualizavam: não mais estabelecer a ordem da concorrência pela legislação europeia, mas estabelecer a legislação europeia pelo livre jogo da concorrência. O que parece se esboçar hoje é uma espécie de mutação de certas correntes do ordoliberalismo, revelando uma convergência cada vez maior entre as duas “estirpes” principais do neoliberalismo: a alemã e a austro-americana.

Essa mutação corresponde ao desejo de algumas correntes de retornar às fontes do neoliberalismo europeu, ou até mesmo de radicalizá-lo, a fim de derrubar aquilo com que foi necessário transigir: o Estado social, os serviços públicos fornecedores de bens sociais e o poder sindical[43]. Aliás, parece que a concepção “estática” e estatal dos ordoliberais da primeira geração foi superada pela concepção dinâmica e evolucionista dos “neo-ordoliberais” da segunda geração, sendo que uma das principais preocupações destes diz respeito à integração europeia – que eles gostariam de realizar pelo princípio da concorrência entre sistemas. Em outras palavras, em vez de construir um quadro por intermédio da legislação, gostariam que esse quadro fosse produto da concorrência entre sistemas institucionais.

A deslocalização, a migração de trabalhadores e as mudanças de residência são os vetores da nova integração europeia por meio da concorrência. O critério do “país de origem”, contrário ao de destinação, aparece como fundamental, porque é por esse viés que se consegue estabelecer a concorrência entre as regulamentações nacionais e chegar a uma harmonização não mais prévia à troca, mas posterior a ela, uma harmonização que provém não de cima, mas de baixo, pelo livre jogo dos mercados. O árbitro final é o consumidor dos regulamentos e das instituições, por assim dizer[44]. Essa harmonização pela concorrência deve operar-se nos serviços públicos e nos sistemas de impostos e seguridade social, tanto na legislação comercial e financeira como no direito trabalhista[45]. Para essa nova geração de ordoliberais, ainda restam muitos obstáculos, alguns dos quais erguidos pela própria Comissão quando quis estabelecer regras sociais uniformes, como aconteceu nos anos 1980. É preciso, portanto, que a Comissão fixe regras de jogo mais claras, que permitam essa concorrência entre sistemas e regulamentos, generalizando o princípio do “país de origem” e o do “reconhecimento mútuo” e deixando que os agentes econômicos arbitrem livremente entre os sistemas por sua inteira mobilidade. Para eles, esse é o único meio de evitar que a Europa continue a ser um “cartel de Estados de bem-estar”.

Para esses “neo-ordoliberais”, é importante que “o estabelecimento dessa concorrência entre jurisdições seja consagrado numa constituição europeia da liberdade”[46]. A expressão, que obviamente remete a Hayek, parece indicar uma aproximação decisiva entre as variantes alemã e austro-americana do neoliberalismo. Seja como for, essa orientação radical evidencia a direção que a Europa tomou sob a condução da Comissão a partir dos anos 1990.

Foucault acertou quando identificou no ordoliberalismo essa ambição muito original, e até mesmo excepcional, de legitimar instituições políticas exclusivamente sobre a base dos princípios econômicos do livre mercado. Há uma relação de homologia entre a reconstrução alemã – o mito do “ano zero” – e o mito da Europa como “tabula rasa” das instituições políticas existentes. Construir um edifício político mínimo sobre a base da economia de mercado e da concorrência mediante a instauração da constituição econômica aparece como a principal mola do sucesso do ordoliberalismo. Contudo, enquanto o primeiro ordoliberalismo procurava enquadrar o mercado por meio de leis feitas pelos Estados e pelas instâncias europeias, o novo ordoliberalismo procura fazer do próprio mercado o princípio de seleção das leis feitas pelos Estados. Por essa ótica, o papel da Comissão Europeia se reduziria à sanção da arbitragem decidida pelo mercado em matéria de legislação – o que teria, na opinião dos novos ordoliberais, a vantagem de frear o ativismo regulatório excessivamente zeloso que essa instância demonstrou no passado. Desse modo, instaurar-se-ia uma legislação europeia que acabaria por impor-se aos próprios poderes legislativos – nacionais e europeus – de forma tanto mais indiscutível porque se consagraria pelo veredito do mercado.

Essa evolução, se de fato se verificasse, lançaria uma luz singularmente crua sobre o ideal de uma “sociedade de direito privado”, como foi desde o princípio o ideal do neoliberalismo (Böhm retomado por Hayek): os Estados terem de aplicar a si mesmos as regras do direito privado encontra uma forma de realização nessa proposta de fazer do princípio da concorrência o princípio da harmonização das legislações nacionais, logo, o princípio da elaboração da própria legislação europeia. Essa tendência indica desde já que, dentro do próprio neoliberalismo europeu, certas forças pretendem esvaziar a democracia liberal de toda a sua substância, retirando dos poderes legislativos suas principais prerrogativas. No entanto, podemos prever que esse projeto encontrará resistências dentro das próprias instâncias europeias, em particular da parte dos que continuam aferrados à especificidade “europeia” do ordoliberalismo. A crise financeira que começou em 2007, e já teve como primeiro efeito agitar as linhagens dentro do próprio neoliberalismo político, poderia muito bem devolver um brilho inesperado às velhas fórmulas da tradição mais clássica do ordoliberalismo.

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[1] Retort, “Note aux lecteurs de la traduction française”, em Des images et des bombes: politique du spectacle et néolibéralisme militaire (trad. Rémy Toulouse e Nicolas Vieillescazes, Paris, Les Prairies Ordinaires, 2008), p. 8-9.

[2] Louis Franck, La libre concurrence (Paris, PUF, 1967). Franck especificava: “Admite-se a partir de agora que as intervenções públicas são necessárias para a preservação de certas formas de livre concorrência, que essa livre concorrência não faz parte ou não faz mais parte da natureza das coisas, que as noções de livre concorrência e de laissez-faire devem ser dissociadas – esse é, como sabemos, um dos ensinamentos do novo liberalismo, mas, em relação à escola clássica, ele é um pouco revolucionário” (ibidem, p. 7).

[3] OCDE, Droit et politique de la concurrence en l’Union Européenne (Paris, OCDE, 2005), p. 12.

[4] A concorrência livre e não desvirtuada, vista como um meio de eficácia econômica, fundamenta a legitimidade das diretivas extremamente normativas e a jurisprudência das instituições europeias. As normas jurídicas definidas pela Direção Geral da Concorrência, sustentadas pela jurisprudência da Corte de Justiça, correspondem a objetivos econômicos de bem-estar e competitividade. Sobre esse ponto, a Comissão continuou absolutamente fiel ao programa neoliberal. Empenhando-se num primeiro momento em controlar as condições de concorrência no setor privado, a partir dos anos 1980 a Comissão e a Corte começaram a atacar os monopólios das empresas públicas no setor das telecomunicações. Em 1988, a Comissão, generalizando seus objetivos de luta contra as distorções da concorrência, iniciou seu longo combate a favor da liberalização dos serviços públicos por uma diretiva que visa a eliminar todos os monopólios públicos que violem o direito de concorrência. Energia, transportes, seguros, serviços postais, radiodifusão: são vastos os domínios em que as empresas públicas são intimadas a alinhar-se ao direito de concorrência que se aplica ao setor privado.

[5] OCDE, Droit et politique de la concurrence en l’Union Européenne, cit., p. 12.

[6] Bolkestein é um político holandês, líder do Partido Popular (liberal) durante anos, presidente da Internacional Liberal de Londres entre 1996 e 1999, autor da diretiva sobre “Serviços”, elaborada por ele durante seu mandato na Comissão Europeia, entre 1999 e 2004.

[7] Jacques Delors, “Entrevista”, Nord-Éclair, 14 maio 2005; grifo nosso.

[8] Ver Laurence Simonin, “Ordolibéralisme et intégration économique européenne”, Revue d’Allemagne et des Pays de Langue Allemande, v. 33, n. 1, 2001, p. 66.

[9] Os socialistas franceses favoráveis à ratificação, cuja prática de negação da realidade foi particularmente visível no episódio do referendo, defendiam ao contrário que esse tratado marcava o fim do “tudo é econômico”, mostrando com isso a que ponto não entendiam, ou não queriam entender, a lógica “ordoliberal” do processo em andamento. Assim, para citarmos apenas um exemplo, Dominique Strauss-Kahn e Bertrand Delanoë escreveram numa coluna do jornal Le Monde: “Até aqui, a história da União Europeia foi largamente escrita em torno da construção econômica. [...] O novo tratado marca o fim dessa abordagem monolítica e diversifica a ambição da Comunidade Europeia: além dos direitos sociais dos cidadãos, ele consagra o modelo europeu de sociedade, tendo em seu centro o modelo de justiça social – a ‘economia social de mercado’, à qual somos tão apegados” (“Il faut ratifier le Traité”, Le Monde, 3 jul. 2004).

[10] Aliás, isso é perfeitamente reconhecido por especialistas que defendem a legitimidade e a necessidade dessa “constitucionalização”. Francesco Martucci escreveu a respeito do que chamou de “constituição econômica europeia”: “A Comunidade Europeia dispõe de uma constituição econômica fundamentada numa economia de mercado”, e detalha seus objetivos, instrumentos e princípios (“La Constitution Européenne est-elle libérale?”, La Lettre, Supplément, Fondation Robert Schuman, n. 208, 25 abr. 2005; disponível em: <www.robert-schuman.eu/fr/supplements-lettre/0208-la-constitution-europeenne-est-elle-liberale>; acesso em: 28 fev. 2016).

[11] Ver o capítulo 3 deste volume.

[12] Jacques Rueff, “Le marché institutionnel des communautés européennes”, Revue d’Économie Politique, jan.-fev. 1958, p. 7.

[13] Ibidem, p. 8.

[14] Idem.

[15] Rueff afirmava que “liberais e socialistas estão igualmente fadados, se quiserem alcançar seus fins, às disciplinas do mercado institucional”, porque tanto uns como outros aderem às mesmas “civilizações de mercado” contra o totalitarismo planificado (idem).

[16] Ibidem, p. 8. No início dos anos 1960, outros autores fizeram a ligação entre os princípios do mercado comum e o neoliberalismo. É o caso de Louis Franck (La libre concurrence, cit., p. 20): “Não há dúvida também de que o neoliberalismo influenciou profundamente a política de salvaguarda da concorrência, adotada pelos tratados de Paris e Roma, que instituíram, respectivamente, a Ceca e a própria CEE”.

[17] Não devemos esquecer que a construção europeia serviu conscientemente e desde muito cedo de alavanca para se questionar a “rigidez das estruturas sociais e econômicas” dos países-membros. Em 1959, o Rapport sur les obstacles à l’expansion économique, conhecido como “Relatório Armand-Rueff”, fundamenta suas preconizações na preparação da economia e da sociedade francesa à concorrência europeia.

[18] Sobre esse ponto, ver Michel Foucault, Naissance de la biopolitique (Paris, Seuil/Gallimard, 2004).

[19] Segundo Jean-François Poncet, em La politique économique de l’Allemagne occidentale (Paris, Sirey, 1970), p. 156, a lei de 1957 contra os monopólios é considerada uma “lei fundamental”, o que no campo econômico seria correspondente à constituição. O autor mostra que ela é fruto de um compromisso laborioso entre um patronato pragmático, preocupado com a potência econômica, e um governo influenciado pelo ordoliberalismo.

[20] Ludwig Erhard, La prospérité pour tous (Paris, Plon, 1959), p. 113.

[21] De acordo com alguns testemunhos, Erhard teria lhe sugerido a expressão em 1945. Alfred Müller-Armack foi nomeado por Erhard “diretor para as questões de princípios” do Ministério das Finanças, cargo que em si já é um programa, passando em seguida a secretário de Estado para os problemas europeus; nessa qualidade, participou da redação do Tratado de Roma no castelo de Val-Duchesse, nos arredores de Bruxelas.

[22] Joachim Starbatty, “L’économie sociale de marché dans les programmes de la CDU/CSU”, em Les démocrates chrétiens et l’économie sociale de marché (Paris, Economica, 1988), p. 91. As interpretações do conceito de “economia social de mercado” dadas pela União Democrata Cristã refletem as tensões programáticas entre dois textos de referência: um, o chamado Programa Ahlen, é influenciado pela doutrina social católica, enquanto o outro, intitulado Diretivas de Düsseldorf, é mais claramente de inspiração ordoliberal.

[23] Ibidem, p. 92.

[24] François Bilger, “La pensée néolibérale française et l’ordolibéralisme allemand”, em Patricia Commun (org.), L’ordolibéralisme allemand, aux sources de l’économie sociale de marché (Cergy-Pontoise, Cirac/Cicc, 2003), p. 17.

[25] Nota-se que foi isso, sem dúvida, que os socialistas franceses tentaram reeditar no fim dos anos 1990, quando quiseram introduzir uma flexibilidade conjuntural no Pacto de Estabilidade europeu.

[26] A mudança foi de tal magnitude que, em 2004, o chanceler Schröder reivindicava uma economia social de mercado, ao passo que os democratas cristãos tinham tendência a renegar uma noção que se tornara demasiado próxima da imagem do Estado social. Sobre todos esses pontos, ver Fabrice Pesin e Christophe Strassel, Le modèle allemand en question (Paris, Economica, 2006), p. 14.

[27] Michel Albert, Capitalisme contre capitalisme (Paris, Seuil, 1991).

[28] Ibidem, p. 138.

[29] Peter Wagner, “Le ‘modèle’ allemand, l’Europe et la globalisation”, Multitudes, v. 27, n. 1, 1995; disponível em: <www.multitudes.net/Le-modele-allemand-l-Europe-et-la/>; acesso em: 28 fev. 2016.

[30] Patricia Commun (org.), L’ordolibéralisme allemand, aux sources de l’économie sociale de marché, cit., p. 9.

[31] De acordo com esse princípio, que se aplica tanto aos produtos como aos diplomas, tudo que é permitido num país deve ser permitido nos demais países da União Europeia.

[32] Como diz Hans Tietmeyer, ex-presidente do Deutsche Bundesbank, “a globalização recompensa quem é flexível e pune a falta de flexibilidade”. Ver Hans Tietmeyer, Économie sociale de marché et stabilité monétaire (Paris, Economica/Bundesbank, 1999), p. 81.

[33] Wilhelm Röpke, citado em Andreas Wilkens, “Jean Monnet, Konrad Adenauer et la politique européenne de l’Allemagne fédérale. Convergences et discordances (1950-1957)”, em Gérard Bossuat e Andreas Wilkens (orgs.), Jean Monnet, l’Europe et les chemins de la paix (Paris, Publications de la Sorbonne, 1999), p. 154.

[34] Andreas Wilkens descreve esse episódio da seguinte maneira: “Houve acordo, de um lado, quanto à aceitação do princípio de criação de um “mercado comum de livre troca” em etapas sucessivas, dentro do qual deveria ser assegurada a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, e, de outro, quanto à participação no projeto de uma comunidade europeia no campo da energia atômica e – como concessão suplementar do Ministério Federal da Economia aos amigos de Monnet – quanto à criação de um fundo europeu destinado a apoiar os investimentos produtivos dos países da comunidade. O fato de que Müller-Armack tenha aderido, em uma etapa anterior, ao princípio de um mercado comum estruturado institucionalmente teve um papel importante na obtenção desse compromisso”. Andreas Wilkens, “Jean Monnet, Konrad Adenauer et la politique européenne de l’Allemagne fédérale”, cit., p. 181.

[35] Deve-se notar que o SPD se alinhou ao federalismo de Jean Monnet e a seu Comitê de Ação para os Estados Unidos da Europa.

[36] Ludwig Erhard, citado em Andreas Wilkens, “Jean Monnet, Konrad Adenauer et la politique européenne de l’Allemagne fédérale”, cit., p. 186.

[37] Hans Tietmeyer, Économie sociale de marché et stabilité monétaire, cit., p. 39.

[38] De Gaulle sempre criticou uma Europa composta por mercados dirigida por “um areópago tecnocrático, apátrida e irresponsável” e pronunciou-se a favor de uma “cooperação organizada dos Estados que, sem dúvida, evoluiria para uma confederação” (entrevista coletiva, 9 set. 1965).

[39] Fabrice Fries, Les grands débats européens (Paris, Seuil, 1995), p. 186.

[40] Fries mostra que essa política de “concorrência pura” é formal, e mesmo formalista, em oposição à prática norte-americana mais “substantiva” que admite as “efficiency excuses”, ou o que poderíamos chamar de exceções por motivo de eficiência.

[41] Fabrice Fries, Les grands débats européens, cit., p. 192.

[42] Desse ponto de vista, o compromisso do “minitratado simplificado” não muda estritamente nada. Em certo sentido, a formulação utilizada – a concorrência como “objetivo” e não mais como “princípio” – só torna ainda mais patente a dimensão construtivista da iniciativa dos dirigentes europeus.

[43] Patricia Commun fala a esse respeito de uma “nova economia social de mercado”, uma economia sem dúvida muito distante dos sonhos de renovação de um Jacques Delors. Ver Patricia Commun (org.), L’ordolibéralisme allemand, aux sources de l’économie sociale de marché, cit., p. 11. Ver também idem, “Faut-il réactualiser l’ordolibéralisme allemand? Réflexions sur la dimension historique, philosophique et culturelle de la pensée économique allemande”, Allemagne d’Aujourd’hui, n. 170, 2004. A autora evoca a tentativa de retorno às fontes dos que se uniram na Initiative Neue Soziale Marktwirtschaft. Esses novos neoliberais redefinem o “social” do seguinte modo: “É social aquele que mostra iniciativa pessoal e responsabilidade, qualidades essenciais para uma verdadeira solidariedade”.

[44] Segundo uma observação de Laurence Simonin, “a possibilidade de emigrar dá um poder suplementar aos cidadãos, já que é mais do que suficiente que uma ameaça de emigração leve à disciplina de um governo”. Ver Laurence Simonin, “Ordolibéralisme et intégration économique européenne”, cit., p. 66.

[45] Ibidem, p. 85.

[46] Citado em ibidem, p. 84.

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