segunda-feira, 28 de julho de 2014

Leonardo Boff: “Dentro do sistema capitalista, não há salvação”



“Esse sistema não é bom para a humanidade, não é bom para a ecologia e pode levar eventualmente a uma crise ecológica social com consequências inimagináveis, em que milhões de pessoas poderão morrer", diz o teólogo
28/07/2014 - Por Débora Fogliatto,

Um dos mais conhecidos teólogos do Brasil, Leonardo Boff é um nome atualmente aclamado em todo o mundo, mas que já foi muito marginalizado dentro da própria Igreja em que acredita. Nos anos 1980, o então frade foi condenado pela Igreja Católica pelas ideias da Teologia da Libertação, movimento que interpreta os ensinamentos de Jesus Cristo como manifesto contra as injustiças sociais e econômicas.

Aos 75 anos, Boff é um intelectual, escritor e professor premiado e respeitado no país, cuja opinião é ouvida por personalidades com o Papa Francisco e os presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff. Nesta entrevista aoSul21, concedida durante sua vinda a Porto Alegre, Boff fala do momento atual da Igreja Católica, critica os religiosos que usam o evangelho para justificar ideias retrógradas ou tirar dinheiro dos fiéis, tece comentários sobre a situação no Oriente Médio, aborto, violência e sobre a crise ecológica e econômica mundial.

As duas estão profundamente interligadas: como explica Boff, o capitalismo está fundado na exploração dos povos e da natureza. “Esse sistema não é bom para a humanidade, não é bom para a ecologia e pode levar eventualmente a uma crise ecológica social com consequências inimagináveis, em que milhões de pessoas poderão morrer por falta de acesso à água e alimentação”, afirma ele, que é um grande estudioso das questões ligadas ao meio ambiente.

Sul21 – Nos anos 1980, por causa dos ideais defendidos pela Teologia da Libertação, o senhor foi condenado a um ano de silêncio obsequioso e sofreu várias sanções, que acabaram sendo amenizadas diante da pressão social sobre a Igreja Católica, mas que o fizeram abandonar o hábito. O senhor acredita que atualmente a Igreja agiria da mesma forma?

Leonardo Boff – Não. O atual Papa diz coisas muito mais graves do que eu disse no meu livro “Igreja: carisma e poder”, que foi objeto de condenação. Se ele tivesse escrito isso, teria sido condenado. Eu disse coisas muito mais suaves, mas que afetavam a Igreja. Dizia que a Igreja não respeitava os direitos humanos, que é machista, tem um conceito de poder absolutista e absolutamente superado, sem limites.

Os tempos mudaram e a graças a Deus temos um Papa que pela primeira vez, depois de 500 anos, responde à reforma, responde a Lutero. Lutero lançou o que chamamos de Princípio Protestante, que é o princípio de liberdade. E esse Papa vive isso. E vive o cristianismo não como um feixe de verdade que você adere, mas como o encontro vivo com Jesus. Ele distingue entre a tradição de Jesus, aquele conjunto de ideais, tradições, e a religião cristã, que é igual a qualquer outra religião. Ele diz: “eu sou do movimento de Jesus”, e não da religião católica. Tais afirmações são escandalosas para cristãos tradicionais, mas são absolutamente corretas no sentido da Teologia, daquilo que nós sempre dizíamos e éramos perseguidos por isso.

E eu fico feliz que a Igreja não é mais uma instância que nos envergonhe, mas sim uma instância que pode ajudar a humanidade a fazer uma travessia difícil para outro tipo de sociedade que respeite os direitos da natureza, da Terra, preocupada com o futuro da vida. Eu mesmo tive contato com o Papa e o tema central dele é vida. Vida humana, da terra, da natureza. E nós temos que salvá-la, porque temos todos os instrumentos para destruí-la.

Sul21 – O senhor acredita que a Igreja Católica, sob orientação do papa Francisco, vai efetivamente renunciar a alguns temas tratados como tabu, como a união homossexual?

Leonardo Boff – Ainda não sabemos bem a opinião dele. Ele diz: “quem sou eu para julgar?”, no fundo diz para respeitar as pessoas. Ele vai deixar haver uma grande discussão na Igreja sobre a questão do divórcio e dos homossexuais, sobretudo a moral sexual cristã, que é extremamente rigorosa e restrita, em alguns casos é criminosa. Por exemplo, pregar na África que é pecado usar a camisinha, em lugares onde metade da população sofre de Aids, é cometer um crime contra a humanidade. Foi o que o papa Bento XVI disse várias vezes. Eu acho que o Francisco é mais que um Papa, é um projeto de mundo, projeto de Igreja, ele se dá conta de que a humanidade é uma, está sob risco e temos que nos unir nas diferenças para superar a crise.

Acho que a grandeza desse Papa não será ele definir as coisas, mas deixar que se discutam. E eu acho que ele vai respeitar as pessoas, porque a maioria não é homossexual, ou homoafetivo, por opção. As pessoas se descobrem homoafetivas. E ele vai dizer: “ande dentro de Deus, não se sinta excluído”. Vai dizer que (os homossexuais) são tão filhos de Deus quanto os outros. E daí respeitar. Talvez ele diga “não chame matrimônio, que é um conceito canônico”. Mas uma união responsável, que merece a benção de Deus, e que tenha uma proteção jurídica, que tenha seu lugar na Igreja, que possam frequentar os sacramentos. Esse seguramente vai ser o caminho dele.

Sul21 – E com essas posições do Papa Francisco, o senhor acha que Igreja Católica talvez consiga recuperar fiéis diante do avanço das igrejas evangélicas?

Leonardo Boff – Esse Papa não é proselitista e diz claramente que o evangelho deve atrair pela sua beleza, seu conteúdo humanitário. Ele não está interessado em aumentar o número de cristãos, em fazê-los voltar. Está interessado em que as pessoas, com a situação confessional que têm, se coloquem à disposição do serviço da humanidade, das coisas boas que a humanidade precisa.

É aquilo que nós chamamos de “ecumenismo de missão”. Estamos divididos, é um fato histórico, mas não é uma divisão dolorosa. Porque cada um tem seus antros, profetas e mestres. Mas como nós juntos nos reconhecemos nas diferenças e como juntos vamos apoiar os sem terras, os sem tetos, os marginalizados, as prostitutas. Esse serviço nós podemos fazer juntos.

Sul21 – Muitas pessoas usam a religião para justificar opiniões conservadoras, machistas e homofóbicas. Qual a sua opinião sobre essas posições?

Leonardo Boff – Há o exemplo concreto do aborto nas últimas eleições. Isso mobilizou as igrejas, foram até o Papa, fizeram pressão sobre os fiéis. Eu acho que é uma falsa utilização da religião. A religião não foi feita para isso. E todos devem reconhecer, e são obrigados a reconhecer pela Constituição, que há um Estado que é laico. Então essas pessoas pecam contra o princípio fundamental da democracia, não são democratas. Eles podem ter a opinião deles, mas não podem impô-la.

É muito fácil a posição deles, é salvar a criancinha. E depois que salvou ela está na rua, abandonada, passando fome e morrendo. E nem têm compaixão pelas mais de cem mil mulheres que morrem por ano por causa de abortos malfeitos. São pessoas que pecam contra a democracia e contra a humanidade, o senso humanitário. Ninguém é a favor do aborto em si, as mulheres que fazem aborto não pediram por isso. Mas muitas vezes passam por situações tão delicadas que precisam tomar essa decisão.

O que eu aconselho e o que muitos países fizeram, inclusive Espanha e Itália, que são cristianíssimas e permitiram o aborto, pediram que houvesse um grupo de acompanhamento, que converse com a mulher e explique o que significa. E deixar a decisão a ela, se ela decidir vamos respeitar a decisão. Mas ela faz com consciência. Isso eu acho que seria democrático e seria responsável diante da fé, você não renuncia à tua fé, mas respeita a consciência, que é a instância última a que responde diante de Deus.

“Então eles têm um país que foi vítima do nazismo e utiliza os métodos do nazismo para criar vítimas. Essa é a grande contradição.”

Sul21 – Algumas igrejas aqui cobram dízimo dos fiéis, muitas vezes dizem que para agradecer a Deus as pessoas têm que pagar as igrejas. Qual a sua opinião e como a teologia da libertação vê essa prática?

Leonardo Boff – São igrejas do chamado “evangelho da prosperidade”, dizem que você dá e Deus te devolve. Eu acho que é um abuso, porque religião não foi feita para fazer dinheiro. Foi feita para atender as dimensões espirituais do ser humano e dar um horizonte de esperança. Agora quando a igreja transforma a religião num poder econômico, como a Igreja Universal do Reino de Deus, que em Belo Horizonte tem um shopping ao lado, chamado de “o outro templo”, que é o templo do consumo, e depois do culto as pessoas são instruídas a comprar. Para mim, é a perversão da religião. Inclusive acho que é contra a Constituição utilizar a religião para fins não naturais a ela. Eu combato isso, sou absolutamente contra. Porque isso é enganar o povo, é desnaturar e tirar o caráter espiritual da religião. A religião tem que trabalhar o capital espiritual, e não material.

Sul21 – E em relação a essa crise violenta entre Israel e a Faixa de Gaza, em que o Estado de Israel já matou centenas de pessoas, como o senhor acha que o resto do mundo deveria agir em relação a isso? O Papa poderia ser uma pessoa a mediar o conflito?

Leonardo Boff – Esse Papa é absolutamente contemporâneo e necessário. Acho que é o único líder mundial que tem audiência e eventualmente poderia mediar essa guerra de massacre criminosa que Israel está movendo contra Gaza.

E eu acho que grande parte da culpa é do Obama, que é um criminoso. Porque nenhum ataque com drones (avião não tripulados) pode ser feito sem licença pessoal dele. Estão usando todo tipo de armas de destruição, fecharam Gaza totalmente, ficou um campo de concentração, e vão destruindo. Então eles têm um país que foi vítima do nazismo e utiliza os métodos do nazismo para criar vítimas. Essa é a grande contradição.

E os Estados Unidos apoia, o Obama e todos os presidentes são vítimas do grande lobby judeu, que tem dois braços: o braço dos grandes bancos e o braço da mídia. Eles têm um poder enorme em cima dos presidentes, que não querem se indispor e seguem o que dizem esses judeus radicais, extremistas e que se uniram à direita religiosa cristã. Isso está aliado a um presidente como Obama que não tem senso humanitário mínimo, compaixão para dizer “acabem a matança”.

Sul21 – Qual a sua avaliação da atual disputa para a presidência da República?

Leonardo Boff – Notamos que é uma disputa de interesses de poder. Não se discute o projeto Brasil, se discute poder. O que eu acho lamentável porque não basta ter poder, o poder é um meio. Eu vejo que há duas visões de futuro. Uma é mais progressista, que é levada pelo atual governo. E eu torço que ele ganhe. Mas ganhar para avançar, não reproduzir agenda. Ele atingiu uma agenda que é o primeiro passo, de incluir milhões de pessoas que têm agora direito de consumir o mínimo, de comida, ter geladeira, casa, luz. Isso é direito de todo cidadão. Essa etapa eu acho que o governo cumpriu e bem. Mas agora vem uma nova etapa, porque o ser humano não tem só fome de pão. Tem fome de escola, beleza, lazer, participação na vida social, dos espaços públicos.

E há os que querem impor aquilo que está sendo imposto e não está dando certo na Grécia, em Portugal, na Itália, na Irlanda, que é o neoliberalismo mais radical. Que no fundo é uma austeridade, é o arrocho salarial, aumentar o superávit primário, que é aquele bolo com que se paga os rentistas. Há a visão de futuro que quer enquadrar o Brasil nesse tipo de globalização que é boa para o capital, porque nunca os capitalistas enriqueceram tanto. Tanto que nos Estados Unidos 1% tem o equivalente a 99% da população, enquanto no Brasil 5 mil famílias controlam o equivalente a 43% do PIB. São famílias da casa-grande, que vivem do capital especulativo.

Acho que nós temos que vencer esse projeto, porque não é bom para o povo. Mesmo com todos os defeitos e violações de ética que houve, erros que o PT cometeu, ainda assim o projeto deles é o mais adequado para levar adiante um avanço. Agora se for ganhar para avançar, porque se for para reproduzir dá no mesmo do que outro ganhar.

Sul21 – O senhor mencionou a crise econômica pela qual passam a Grécia, Espanha e países europeus que seguem o neoliberalismo. Há maneiras de reverter a crise?

Leonardo Boff – A Europa está tão enfraquecida e envergonhada que nem mais aprecia a vida. Aquilo que mais escuto em cada palestra que vou na Europa é pessoas me pedindo “por favor, me dê esperança”. Quando um povo perde esperança, perde o sentido de viver. Isso acontece porque alcançaram tudo que queriam, dominaram o mundo, exploraram a natureza como quiseram, ganharam um bem-estar que nunca houve na História e agora se dão conta que são infelizes. Porque o ser humano tem outras fomes. Fome de amar e ser amado, de entender o outro, conviver, respeitar a natureza.

E tudo isso foi colocado à margem. Só conta o PIB. Mas tudo que dá sentido humano não entra no PIB: o amor, a solidariedade, a poesia, a arte, a mística, os sábios. Isso é aquilo que nos faz humanos e felizes. E essa perspectiva em que só contam os bens materiais poderá levar a humanidade a uma imensa tragédia. Dentro do sistema capitalista, não há salvação. Por duas razões. Primeiro porque nós encostamos nos limites da Terra. É um planeta pequeno, com a maioria dos recursos não renováveis. O sistema tem dificuldade de se auto-reproduzir, porque não tem mais o que explorar. E segundo porque os pobres, que antes da crise que eram 860 milhões, pularam, segundo a FAO, para um bilhão e 200 milhões.

Então esse sistema não é bom para a humanidade, não é bom para a ecologia e pode levar eventualmente a uma crise ecológica social com consequências inimagináveis, em que milhões de pessoas poderão morrer por falta de acesso à água e alimentação. Esse sistema, para minha perversidade total, transformou tudo em mercadoria. De uma sociedade com mercado para uma sociedade de mercado, transformando alimentação em mercadoria. O pobre não tem dinheiro para pagar, então ele passa fome e morre.

Sul21 – O senhor se preocupa também com o avanço da extrema direita na Europa?

Leonardo Boff – É a reação normal de quando há uma crise maior que alguns postulem soluções radicais. No caso da Europa, é a xenofobia. Mas são todos países que têm problema de crescimento negativo de população. A Alemanha tem que exportar 300 mil pessoas por ano para manter o crescimento mínimo de população, e na França a situação é parecida. Então estão em uma dificuldade enorme, porque precisam deles, mas querem os expulsar. Mas há o risco de que haja um processo que gerou a Segunda Guerra Mundial, que era fruto da crise de 1929 que nunca se resolvia, até que a direita criou o nazifascismo. Mas hoje o mundo é diferente, é globalizado. Não dá para resolver a questão de um país sem estar vinculado aos outros.

Sul21 – Os governos da América Latina oferecem uma alternativa a esse modelo europeu que está em crise?

Leonardo Boff – Muitos veem, como o (sociólogo português) Boaventura de Sousa Santos, que na América Latina há um conjunto de valores vividos pelas culturas originárias que podem ajudar a humanidade a sair da crise. Especialmente com a característica central do bem-viver, que significa ter outra relação com a natureza, entender a Terra como mãe, que nos dá tudo que precisamos ou podemos completar com o trabalho. E inventaram a democracia comunitária, que não existe no mundo, é uma invenção latino-americana, em que os grupos se reúnem e decidem o que é melhor para eles, e o país é feito por redes de grupos de democracias comunitárias. Essa nova relação com a natureza e o mundo é o que precisamos desenvolver para ter uma relação que não seja destrutiva e possa fazer com que a humanidade sobreviva.

Há uma revisitação das culturas originárias, porque elas têm ainda respeito com a natureza, não conhecem a acumulação. São valores já vividos pelas culturas andinas, sempre desprezadas e hoje estudadas por grandes cientistas e sociólogos que percebem que aqui há princípios que podem nos salvar. Em vez de falar de sustentabilidade, respeitar os ritmos da natureza. Em vez de falar de PIB e crescimento, garantir a base físico-química que sustenta a vida. Porque sem isso a vida vai definhando. E em vez de crescimento, redistribuição. É tanta riqueza acumulada que se houvesse 0,1% de taxa sobre os capitais que estão rolando nas bolsas, estão na especulação, daria um fundo de tal ordem que daria para a humanidade matar a fome e garantir habitação. Porque o capital produtivo é de U$ 60 trilhões, enquanto o especulativo é U$ 600 trilhões. Então é uma economia completamente irracional e inimiga da vida e da natureza. E não tem futuro, caminha para a morte. Ou nos levará todos para a morte, ou eles mesmos se afundarão.

Sul21 – E onde entra o papel do Brasil no âmbito ecológico? Os governos têm conseguido lidar com as questões ambientais?

Leonardo Boff – O Brasil é a parte do planeta mais bem dotada ecologicamente. Tem as maiores florestas úmidas, maior quantidade de água, maior porcentagem de terrenos agriculturáveis no planeta.  Mas não têm consciência de sua riqueza. E as políticas públicas não têm nenhuma estratégia de como tratar a Amazônia, tratar os vários ecossistemas. Sempre é em função da produção. Então estão avançando sobre a floresta Amazônica e deflorestando para ter soja e gado.

E o Ministério do Meio Ambiente é um dos mais fracos, assim como o dos Direitos Humanos. Isso significa que não conta a vida, conta a economia. Eu acho lamentável isso. E essa crítica tem que ser feita pelos cidadãos. Dizer que apoiamos um projeto de governo, mas nisso discordamos. Porque é uma ignorância, uma irresponsabilidade, uma estupidez governamental. Muita coisa do futuro da humanidade passa por nós, especialmente água potável, que possivelmente será a crise mais grave, até mais do que aquecimento global. E o Brasil tem capacidade de ser a mesa posta para o mundo inteiro e fornecer água potável para o mundo inteiro. Acho que não temos consciência da nossa responsabilidade. Os governantes são vítimas ainda de uma visão economicista, obedecem as regras da macroeconomia. A nossa relação com a natureza não é de cooperação, é de exploração.

Sul21  – Como o Brasil pode lidar com o grave problema de violência urbana?

Leonardo Boff – O problema que deve ser pensado de que já agora 63% da humanidade vive nas cidades, no Brasil 85%. Não dá mais para pensar apenas na reforma agrária, tem que pensar como vão viver as pessoas. Nós vivemos no Brasil a vergonha de que todas as cidades têm um núcleo moderno cercado por uma ilha de pobreza e miséria, que são as favelas. Esse é um problema não resolvido e para mim central na campanha: como trabalhar os 85% que vivem nas cidades, já perderam a tradição rural, de plantar e viver da natureza, e não assimilaram a cultura urbana. Então são perdidos. Daí o aumento da criminalidade. E muitos dizem que a sociedade têm um pacto social que rege o comportamento dos cidadãos. Ou seja, “vocês nos excluíram, então não somos obrigados a aceitar as leis de vocês, vamos criar as nossas”. As milícias do Rio criaram funções de Estado paralelas, criam sua organização e distribuição e o governo é impotente. E as UPPs não são a solução, porque cria ilhas e as drogas ficam nas margens. O problema não é de polícia, é do tipo de sociedade que nós criamos, montada em cima do colonialismo, escravagismo e etnocídio dos indígenas. Nós não “temos violência” no Brasil, nós estamos sentados em cima de estruturas de violência. É um estado de violência permanente.

Sul21 – E como o país pode fazer para fugir disso?

Leonardo Boff – Aquilo que já começou, parar de fazer políticas ricas para os ricos e pobres para os pobres para fazer políticas de integração, inclusão, começando pela educação. Porque onde há educação a pessoa se habilita a se autodefender, buscar novas formas de sobrevivência. Um país que não investe em educação e saúde conta com pessoas ignorantes e doentes. E com essas pessoas não têm como dar um salto de qualidade. Para mim esse é o grande desafio e isso deveria ser discutido nas campanhas, e não partidos. Desafiar todo mundo: “como vamos sair disso?”, porque tende a piorar cada vez mais. Essa seria uma política ética, digna, onde o bem comum estaria no centro e somaria forças, alianças de pessoas que se propõem a mudar as estruturas que sustentam um Estado injusto, que tem a segunda maior desigualdade do mundo. Desigualdade significa injustiça, que é um pecado social estrutural mortal. E isso não é discutido.

http://www.brasildefato.com.br/node/29325

Questão Palestina: Professora Arlene Clemesha






Espaço para a Profª Arlene Clemesha

Arlene Clemesha é uma historiadora brasileira, professora de História Árabe do curso de Árabe da Universidade de São Paulo (DLO-FFLCH/USP) e atual diretora do Centro de Estudos Árabes da USP

Nascida na cidade paulista de São José dos Campos, em 18 de dezembro de 1972, Arlene Elizabeth Clemesha é filha de mãe brasileira, Ida Clemesha e pai inglês, Barclay Robert Clemesha, e concluiu sua graduação em História pela Universidade de São Paulo no ano de 1994. Possui mestrado e doutorado em História Econômica pela mesma universidade, onde atualmente é professora. É ainda membro do comitê de coordenação do United Nations International Coordinating Network on Palestine (ICNP-UN).

Obras publicadas

- Marxismo e Judaísmo (1998) ISBN 85-85934-29-8
- Mandato Britânico na Palestina (2002)
- A questão israelo-palestina (2002)
- Edward Said: uma herança árabe internacionalista (2005)
- Uma educação para preservar a identidade palestina (2006)
- Palestina 1948-2008: 60 anos de desenraizamento e desapropriação (2008)
- A imigração árabe no Brasil (2010)

Isto é, não é uma leiga no assunto.....  O meu ponto de vista também......  Um paíszinho pequenininho sofrendo embargo por parte dos USA e nem por isso baixou a cabeça perante tão grande desafio....

Esperem que vai vir uma enxurrada de vídeos dela....








sexta-feira, 25 de julho de 2014

Lindo!!!!

Como diz a frase: Oh!! Deus. O me dê dinheiro ou me tire o bom gosto...  hahahah!!






terça-feira, 22 de julho de 2014

Radioactive



Radioactive

I'm waking up to ash and dust
I wipe my brow and I sweat my rust
I'm breathing in the chemicals
I'm breaking in, and shaping up
Then checking out on the prison bus
This is it, the apocalypse, whoa

I'm waking up, I feel it in my bones
Enough to make my systems blow
Welcome to the new age, to the new age
Welcome to the new age, to the new age
Whoa, whoa, I'm radioactive, radioactive
Whoa, whoa, I'm radioactive, radioactive

I raise my flag, and dye my clothes
It's a revolution I suppose
We'll paint it red to fit right in, whoa
I'm breaking in, and shaping up
Then checking out on the prison bus
This is it, the apocalypse, whoa

I'm waking up, I feel it in my bones
Enough to make my systems blow
Welcome to the new age, to the new age
Welcome to the new age, to the new age
Whoa, whoa, I'm radioactive, radioactive
Whoa, whoa, I'm radioactive, radioactive

All systems go, the sun hasn't died
Deep in my bones, straight from inside

I'm waking up, I feel it in my bones
Enough to make my systems blow
Welcome to the new age, to the new age
Welcome to the new age, to the new age
Whoa, whoa, I'm radioactive, radioactive
Whoa, whoa, I'm radioactive, radioactive

segunda-feira, 21 de julho de 2014

A Iniciação segundo Fernando Pessoa


Chama-se iniciação ao entendimento profundo dos símbolos, sendo considerados símbolos, e não lições diretas ou fatos históricos, os rituais e (...) de todas as religiões. Assim um cabalista não interpreta os «seis dias» da criação do mundo como sendo «dias» no sentido direto; atribui-lhe outro sentido, que não importa qual seja. Assim um cabalista cristão não toma literalmente a narrativa dos Evangelhos; o nascimento de Jesus, e a sua morte, por exemplo, são por ele considerados como exposições simbólicas. Para um cabalista cristão a Segunda Pessoa da Trindade não pôde nascer em Nazaré (Belém).

Os Três Caminhos para Iniciação:

São três os caminhos da iniciação; servir-nos-emos, para os designar, das palavras de Saint-Martin: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. A iniciação fraternitária consiste na entrada do candidato para qualquer Ordem com fins diretamente iniciáticos, seja a Maçonaria seja qualquer Ordem superior a ela que não exija a qualificação maçônica. Este tipo de iniciação é o que convém aos espíritos por natureza pouco desenvolvidos, a quem a «cadeia de união», a participação com outros do mesmo simbolismo, é indispensável para abrirem caminho - se de todo lhes não for vedado abri-lo - através dos graus íntimos, em que a iniciação consiste.

O caminho da igualdade consiste na entrada do candidato para qualquer religião (...). Há homens que só podem ser indivíduos em sociedade, isto é, cuja vida é essencialmente subordinada, para seu desenvolvimento, ao contato com a vida alheia. Há outros homens que precisam, como aqueles, da vida alheia para se completarem em si mesmos, porém não precisam da subordinação, senão da simples coexistência. Há ainda outros, mas são raros, para quem a vida alheia é inútil, quando não daninha; que passam no mundo solitários por natureza, e são indivíduos em si mesmos.

A nenhum homem, se nele houver a disposição e o destino, a iniciação é vedada. A cada um dos três tipos de homens convém contudo um dos três tipos de iniciação. Os três tipos de iniciação são a iniciação pela Fraternidade, a iniciação pela Igualdade e a iniciação pela Liberdade. Sirvo-me da expressão trinitária de Saint-Martin, mas deve compreender-se que ela nada tem que ver com os falsos usos que mais tarde se fizeram dela, quer tomando-a como lema ou moto de algumas das Maçonarias (com a notável excepção da inglesa, cujo lema é «temer a Deus e honrar o Rei»), quer tomando-a como lema ou moto de coisas puramente profanas, como a Revolução Francesa, os princípios democráticos, ou o que mais seja.

A iniciação por Fraternidade convém aos indivíduos espiritualmente pouco desenvolvidos, e em quem o estímulo das faculdades intuitivas não pôde ser dado senão por meios materiais e grosseiros, como, por sua natureza, são os rituais, a cadeia de união, o contacto com outros em templos telhados.

Os Três tipos de iniciação:

Há três tipos distintos de iniciação — simbólica ou exterior, intelectual (exterior à interior) e vital (interior). Nas iniciações simbólicas, que reforçam a vontade e que, portanto, conduzem à Magia como realização, o candidato não passa por graus de entendimento, mas por graus de intuição, por assim dizer; ele está continuamente à superfície e na aparência das coisas, e, embora ele atinja o grau mais elevado, qualquer que seja a ordem ou ordens por que prossiga, esse grau mais elevado não precisa de corresponder (geralmente não corresponde) a qualquer coisa como um grau paralelo em qualquer das iniciações interiores. Nas iniciações intelectuais, que reforçam o intelecto e que, portanto, conduzem ao Misticismo como realização, o candidato passa por estádios de entendimento, mas não por estádios de vida; ele pode saber muito, mas não precisa de viver aquilo que conhece no mesmo plano em que o conhece. Nas iniciações vitais, que reforçam a emoção e, portanto, conduzem à Alquimia como realização, o candidato vive aquilo que sente e sabe.

(Isto está certo?). Não será antes que estas iniciações diferem numa outra medida, enquanto a diferença entre Magia, Misticismo e Alquimia (então e a Gnosis?) se encontra noutro plano de interpretação? Estas iniciações não são antes físicas, etéreas e astrais? (ou, talvez, etéreas, astrais e espirituais, ou astrais, mentais e espirituais?).

— Possivelmente há três modos pelos quais as iniciações podem ser interpretadas: (I) os três caminhos de realização, mágico, místico e gnóstico, (2) os três estádios de realização, Neófito, Adepto e Mestre, (3) os três graus de realização, astral, mental e espiritual.

Há, primeiro, e no nível ínfimo, a iniciação exotérica, análoga à iniciação maçônica, e de que esta é o tipo mais baixo: é a iniciação dada a quem propriamente se não encaminhou para ela, nem para ela se preparou (porque sugestão de outrem, o impulso externo, e a simples curiosidade não são preparações), e que serve para pôr o indivíduo em condições de poder dar-se o caminho esotérico, de poder buscar, pelo contacto, embora esotérico, com símbolos e emblemas, o verdadeiro caminho. O mais exterior e nulo dos sistemas iniciáticos — como o é hoje a maçonaria — serve este fim, logo que tenha conservado os símbolos pelos quais em nós se infiltra o primeiro conhecimento do oculto. O único fim com que os Rosa-Cruz instituíram a maçonaria exotérica é o de pôr muita gente em contacto com, por assim dizer, o aspecto externo da verdade oculta, podendo assim aqueles, que se sintam aptos, ascender a ela lentamente.

Há, depois, a iniciação esotérica. Difere da primeira em que tem que ser buscada pelo discípulo, e por ele desejada e preparada em si mesmo. «Quando o discípulo está pronto», diz o velho lema dos ocultistas, «o mestre está pronto também.»

Há, por fim, a iniciação divina. Esta, não a dão nem exotéricos ou esotéricos menores, como a exotérica, nem até Mestres ou Esotéricos Maiores, como a esotérica; vem diretamente, e por cima destes todos, das mesmas mãos, do que chamamos Deus. O tipo supremo desta iniciação é o de Jesus, a quem Deus, de nascença, converteu em sua mesma Essência, tornando-o Cristo.

Iniciado exotérico é, por exemplo, qualquer maçon, ou qualquer discípulo menor de uma sociedade teosófica ou antroposófica. Iniciado esotérico é, por exemplo, um Rosa-Cruz, um Francis Bacon, seja. Iniciado Divino é, por exemplo, um Shakespeare. A este tipo de iniciação vulgarmente se chama gênio.

Quando Shakespeare disse, «uns nascem grandes, outros chegam à grandeza, a outros é a grandeza imposta» deu, talvez sem querer e julgando ser simplesmente irônico, a chave das três iniciações, na ordem descendente. Outro sentido não tem a mesma frase do Cristo que diz o mesmo pela «a uns fazem eunucos desde o ventre materno», em que, por uma expressão simbólica que a intuição facilmente compreende, se exprime pelo eunuquismo o afastamento dos outros que caracteriza a iniciação.

A busca pela Iniciação:

Como, então, deve um homem que busque a iniciação treinar-se para ela? Como, por outras palavras, deverá ele tomar dentro de si os Graus de Neófito da Ordem Interior? Ele deve começar por familiarizar-se com sistemas filosóficos e com a filosofia que emerge, mal ou bem, das aquisições mais recentes da ciência Com este suporte, ele deve refletir e comparar, confrontando sistema com sistema, teoria com teoria e parte de cada sistema com as outras partes. Desenvolverá assim a sua inteligência abstrata sem a qual a intuição que ele busca desenvolver mais não será do que emoção.

Ele deve começar por se despir de todos os preconceitos dogmáticos, de todas as coisas que foram introduzidas no seu espírito pela educação e pelo hábito. O caminho da iniciação não pode ser alcançado através dos portais de qualquer das igrejas, mas antes através dos portais de todas ao mesmo tempo ou de nenhuma. Seguidamente, ele deve familiarizar-se com sistemas religiosos de todas as espécies, com sistemas filosóficos.... (ut supra).

Deve depois elaborar, o melhor que puder, um sistema próprio seu, construído lentamente, com aquilo que ele aprendeu, sem necessariamente o escrever, um sistema, tão coerente quanto ele puder fazê-lo, de interpretação do universo nas triplas linhas de verdade, beleza e conduta.

Depois procederá ao abandono do sistema que formar. Terá chegado a amá-lo, mas cabe-lhe agora reconhecer que ele não vale mais do que os outros sistemas filosóficos que ele comparou entre si e, uma vez que estabeleceu o seu próprio sistema, rejeitou.

Assim, ele terá atravessado os quatro estádios da tentação do Mundo — o Dogma, a Inteligência Concreta ou Ciência, a Inteligência Abstrata ou Filosofia e a Inteligência Crítica.

O Dogma pelo qual ele está preso aos outros; a Ciência pela qual ele está preso à Natureza; a Filosofia pela qual ele está preso aos espíritos de outros; a sua própria filosofia pela qual ele está preso a si próprio, porque o Mundo é tudo isto. Uma vez que passou estes quatro estádios do grau de Neófito, está pronto para a iniciação. Dele depende agora escolher por que caminho a fará —  se pelo caminho místico, se pelo caminho mágico ou pelo gnóstico. É mais justo dizer o caminho por onde ele começará a fazê-la, porque a iniciação plena no grau de Adepto inclui os três. No primeiro Grau de Adepto ele tomará a via que escolheu e completará o seu caminho nela; no segundo Grau de Adepto ele tomará uma das outras duas vias; no terceiro Grau de Adepto ele tomará a via que resta.

Ele tem de vencer as três tentações que estão subjacentes à Carne — os desejos que são vencidos pelo Misticismo; as indecisões que são vencidas pela Magia; os enganos que são vencidos pela Gnose. Tem de vencer (…)

Dir-se-á que isto torna a iniciação uma tarefa muito difícil. Torna-a, porque assim é. Por que é que a iniciação havia de ser fácil? Dir-se-á que só um homem de especial inteligência pode tomar os graus de neófito, uma vez que é necessário ter capacidade de reflexão abstrata para se ser apto em filosofia, e nem toda a gente a possui. Mas por que é que toda a gente havia de estar em condições de ser iniciado? Se se disser que isto é injusto, podemos replicar assim: Porque é que o universo havia de ser justo? — o que é talvez uma resposta errada, mas certamente suficiente, — ou que a questão se baseia no pressuposto de que não há desenvolvimento no mundo; ou, por outras palavras, que o homem termina num curto lapso de vida terrena e que é possível que a reencarnação seja verdadeira quando não há injustiça, mas apenas graus, porque na própria vida exterior há graus de força, beleza, inteligência e outras coisas idênticas.

Um homem pode, pelo menos, aspirar à iniciação e, se a inteligência abstrata é o primeiro grau no caminho e ele não tem inteligência abstrata, pode pelo menos aspirar a ela; custa-lhe tanto ou tão pouco aspirar à inteligência como à iniciação, e realmente ele aspira à mesma coisa na ordem própria quando aspira à inteligência.

(O místico sem inteligência não atingiu o primeiro Grau de Adepto: ele não fez mais do que atingir o grau intermédio entre os Graus de Neófito e de Adepto, o purgatório vazio da ascensão errada).

O Significado Real da Iniciação:

Mas o significado real da iniciação é que este mundo visível em que vivemos é um símbolo e uma sombra, que esta vida que conhecemos através dos sentidos é uma morte e um sono, ou, por outras palavras, que o que vemos é uma ilusão. A iniciação é o dissipar — um dissipar gradual, parcial — dessa ilusão. A razão do seu segredo é que a maior parte dos homens não está adaptada a compreendê-lo e, portanto, compreendê-lo-á mal e confundi-lo-á, se for tornado público. A razão de ele ser simbólico é que a iniciação não é um conhecimento, mas uma vida, e o homem deve, portanto, descobrir por si o que mostram os símbolos, porque, assim, viverá a vida deles, não se limitando a aprender as palavras em que são mostrados.

Dizer que Cristo é um símbolo do Sol é pôr o processo iniciatório ao invés. É o Sol que é o símbolo de Cristo. Por outras palavras, Cristo é a realidade e o Sol a ilusão, Cristo é a luz, e o Sol a sombra. (O Inefável é a luz; o GA, corpo; o mundo, sombra — a sombra projetada pelo denso quando iluminado pelo subtil. A luz está na circunferência e a sombra lançada para o centro. Isto tem alguma coisa a ver com o pt. dentro do c.?) (Cf. a ideia cabalística do En Soph retirando-se para dentro, manifestando-se dentro e não fora).

Iniciar um homem por um ritual complicado e mais ou menos impressivo e depois confiar-lhe, sob promessas de segredo e juras mais ou menos terríveis, que a Primavera vem depois do Inverno — isto nunca podia ter sido o plano de qualquer corpo ou sistema iniciático. Mas tê-lo-ia sido ensinar o contrário — que a Primavera, seguindo-se ao Inverno, é um símbolo de coisas maiores, que o natural é uma figuração do sobrenatural.

Isto, feito com mais ou menos pormenor, em símbolo, depois em doutrina, depois em revelação, é a essência de todas as verdadeiras iniciações, de Eleusis a Kilwinning.

Ordens de inic.: (I) através de símbolos e (mais tarde) explicações em si próprias simbólicas — cf. Pike; (2) através de doutrina simbólica, verdadeira ao seu nível, e explicações, já não simbólicas; (3) através de comunicação direta, embora não necessariamente falada ou expressa.

Não digo que estas coisas representem uma verdade e não digo que o não façam. Digo que este é o significado da iniciação, que é assim que a iniciação existe e que é para estes fins que ela existe.

Iniciação
                     
Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.

O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiramn-te os Anjos a capa :
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada :
Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.

A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não 'stás morto, entre ciprestes.

Neófito, não há morte.

Autor: Fernando Pessoa

segunda-feira, 14 de julho de 2014

IF, de Rudyard Kipling


Se

Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar --sem que a isso só te atires,
De sonhar --sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais --tu serás um homem, ó meu filho!

If

If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you
But make allowance for their doubting too,
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don't deal in lies,
Or being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise;

If you can dream--and not make dreams your master,
If you can think--and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build 'em up with worn-out tools;

If you can make one heap of all your winnings
And risk it all on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breath a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!"

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with kings --nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you;
If all men count with you, but none too much,
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,

Tradução de Guilherme de Almeida

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Memórias do Cárcere, por Florestan Fernandes


Memórias do Cárcere, por Florestan Fernandes
Publicado em 20 de agosto de 1984

Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo em 08 de agosto de 1984
Agradecimento especial à professora Ieda Lebensztayn pela localização deste artigo

Há quantos anos li Memórias do cárcere? Não me lembro. Não seria preciso ter vivido sob o inferno do Estado Novo para sofrer o impacto da grandeza daquele livro, que vincula a criação artística exemplar à ira moral e política mais consequente. Os que falam de “literatura crítica” e de “arte engajada” quase sempre permanecem na periferia dos símbolos e na superfície da luta política. Graciliano Ramos travou o combate ao nível mais profundo da defesa da dignidade do eu e da condenação irretratável do despotismo institucionalizado. Temperamento e circunstâncias acenderam a chama do intelectual revoltado, gerando-se assim a única obra de denúncia integral e de desmascaramento completo existente em nossa literatura.

Não voltei a ler o livro. Nem agora, que senti um ímpeto irrefreável de incentivar os leitores a não perderem a sua transposição cinematográfica. O vigor do livro, na minha memória, prende-se à revolta íntima, ao afã de denunciar e de desmascarar além e acima dos limites do inconformismo ideológico e político, de buscar uma objetividade tão intransigente e penetrante que nos lembra a verdadeira ciência, no sentido de Marx. Ao sobrepujar seu rancor e as humilhações sofridas, o intelectual descobre o significado da prisão e da violência que imperam em toda a sociedade brasileira, de modo a identificar o microcosmo dentro do qual fora lançado como o limite mais brutalizado e esquecido do todo, mas, ao mesmo tempo, o mais expressivo e revelador. De um golpe, o Estado Novo e as várias franjas psicológicas, policiais, militares ou políticas da opressão mostravam-se no que eram, em sua realidade histórica específica e nas projeções que a soldavam ao passado escravista e colonial mais ou menos remoto e recente, ou seja, em sua realidade histórica “estrutural”.

Em um país no qual a descolonização foi confundida com a troca de guarda na casa reinante e com a monopolização do poder pelos estratos dominantes dos estamentos senhoriais, Memórias do cárcere balizava-me o aparecimento de uma nova consciência política da realidade nacional e de uma repulsa ao conformismo típica dos movimentos de rebelião, que iriam engravidar a história das nações proletárias. Constituía uma dificílima tarefa criadora transpor para a linguagem do cinema um livro como esse, que comoveu a Nação mas permaneceu ignorado pelos estudiosos do Brasil na sua perspectiva original mais elucidativa e provocadora, em ruptura com a “história oficial” e, especialmente, com as várias modalidades então existentes de “sociologia de gabinete” e de “ciência social acadêmica”. Pela segunda vez um escritor escrevia uma obra-prima dentro do seu métier (se se tomam Os sertões como paralelo), só que, agora, o produto transcendia à ordem existente como um todo e a punha em xeque. O cinema poderia responder dialeticamente a essa realização?

Só assisti uma vez ao filme de Nélson Pereira dos Santos e seus colaboradores (entre os quais a competência dos técnicos nada fica a dever à excelência dos atores). A impressão que me ficou, corroborada por uma longa reflexão crítica, levou-me à certeza de uma correspondência dialética efetiva. O filme opera com os três níveis do livro: o psicológico e da memória propriamente dita, que focaliza as ocorrências do dia a dia; o dos acontecimentos, no qual a história também se objetiva através da memória e da experiência direta com a realidade do Estado brutal, chocante e repulsivo, retrato da sociedade de que fazia parte e daqueles que a comandavam, para os quais ele constituía uma necessidade política; o da “repetição da história”, parcialmente visível através de ocorrências do cotidiano e dos acontecimentos, mas em sua maior parte matéria da análise crítica desmascaradora, pela qual a brutalização e bestialização do homem refletiam como a ditadura se incluía em uma cadeia de continuidades, que faziam do presente um espelho fiel do passado oligárquico, do passado escravista neocolonial e do passado escravista colonial, pretensamente desaparecidos. O que é preciso assinalar: o filme faz tudo isso pelas vias próprias do cinema, sem parasitar no talento de Graciliano Ramos e sem mimetizar o portentoso quadro de referências obrigatório.

Memórias do cárcere, na versão cinematográfica, explora mais desenvoltamente a linguagem artística e as possibilidades que estão ao alcance do cinema de fragmentar a realidade para, em seguida, recompor o concreto nos diversos níveis em que ele aparece na percepção, na cabeça e na história dos homens. Quem ama o livro por ele mesmo não vai recuperá-lo no filme. Quem ama as várias verdades que Graciliano Ramos enfrentou com hombridade e coragem, irá ver no filme uma engenhosa e íntegra transposição do livro. Seria pouco dizer que ambos se completam. Nélson Pereira do Santos explora a técnica cinematográfica como Graciliano Ramos a técnica literária, como recurso de descoberta da verdade, arma de denúncia intelectual e instrumento de luta política.

Como a “sua” situação histórica é datada de hoje, o alvo imediato é, naturalmente, a ditadura atual e as condições que lhe conferem uma substância colonial inocultável. Esse é o aspecto por assim dizer genial do filme. A atualidade das Memórias do cárcere não poderia estar em algo exterior, como o “acaso” de uma ditadura ainda mais racional no uso da corrupção, da opressão e da violência institucionalizadas. Portanto, terminar o filme com as sequências que foram escolhidas para esse fim representa uma solução magistral, que confere ao filme o mesmo sentido intelectual, moral e político do livro, a mesma força de uma indignação avassaladora. O que poderia ser ou parecer um presente extinto converte-se, afinal, em presente vivo e vivido com sofrimento, vergonha, desespero e revolta. Em suma, ele se evidencia como um presente colonial, que não desaparecerá por si só ou por uma impossível ação redentora dos que tecem as continuidades do despotismo. Sair das prisões não é vencer as ditaduras. Para acabar com elas, no solo histórico da América Latina, seria preciso destruir o arcabouço colonial no qual elas se assentam e lhes dão a maligna capacidade de sobreviver aos que elas aprisionam e libertam…

Fernandes, Florestan. “Memórias do cárcere”. Folha de S.Paulo, São Paulo, 20 ago. 1984, p. 3.

Florestan Fernandes: sociólogo, ex-professor catedrático do Departamento de Ciências Sociais da USP e docente da PUC-SP. Autor de vasta obra sociológica.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O Sionismo é uma forma de Racismo (III)


A invenção do Estado de Israel

O sionismo, tal como apresentado por Theodor Herzl no livro O estado judeu, é uma doutrina política similar a outras tendências de pensamento nacionalista em vigor na Europa na segunda metade do século XIX. A partir do Congresso Sionista realizado em 29 de agosto de 1897 na cidade de Basiléia, Suíça, o sionismo revelou-se como um movimento político internacional, responsável por atividades de organização, negociação e colonização , tendo como objetivo final o estabelecimento do estado nacional judeu. Nos anos seguintes ao congresso, Herzl realiza inúmeras viagens, buscando o apoio diplomático da Alemanha, Rússia, Inglaterra e do Império Otomano ao seu projeto. Conforme escreve André Gattaz, no livro A guerra da Palestina, Herzl encontrou-se na Rússia com dirigentes antissemitas, como os ministros czaristas Plehve e Witte, que “o informaram da disposição do czar de apoiar moral e materialmente o movimento sionista nas medidas que provocassem a diminuição da população judaica na Rússia” (GATTAZ, 2002: 24). Embora tais conversações “não tenham levado a acordos concretos”, prossegue o autor, “Herzl estabeleceu um precedente que foi seguido por diversos líderes sionistas das futuras gerações, que não hesitaram em ter relações com defensores do antissemitismo” (idem, 26). O pacto paradoxal entre sionistas e antisssemitas foi apontado por intelectuais judeus como o professor norte-americano Norman Finkelstein, para quem “o sionismo político não desejou combater o antissemitismo, mas encontrar um modus vivendi com este” (idem, 28), fenômeno que adquiriu feições mais sombrias na II Guerra Mundial, quando as organizações sionistas colaboraram em diversas situações com os nazistas, o que foi amplamente documentado e revelado por Hannah Arendt no livro Eichmann em Jerusalém . Ao movimento sionista, era mais conveniente a segregação do que a assimilação dos judeus nos países onde viviam, porque a privação de direitos e ausência de cidadania plena poderiam ser elementos motivadores para a imigração, ao passo que a assimilação configurava um empecilho a esse projeto. 

André Gattaz ressalta que o sionismo, ideologia nacionalista laica, encontrou resistência na maior parte dos rabinos europeus, para quem essa doutrina “contrariava a idéia de uma nação judaica baseada nos laços espirituais, independente do local de residência, e trazia o judaísmo para o nível de uma ideologia secular, afastando-o dos verdadeiros princípios religiosos” (GATTAZ, 2002: 28-29). Além disso, muitos consideravam o sionismo político como herético e defendiam um “sionismo espiritual, que via a Palestina como o centro cultural do judaísmo” (idem). Apesar das resistências dos rabinos tradicionalistas e dos judeus assimilados, o movimento sionista obtém a simpatia dos governos europeus, a partir do final da I Guerra Mundial, conflito no qual o Império Otomano foi derrotado pelas forças aliadas – Inglaterra, França e Estados Unidos. Chaim Weissmann, que sucede Theodor Herzl na liderança do movimento sionista internacional, estabelece relações com líderes políticos ingleses, como Lloyd George, Herbert Samuel, Mark Sykes e Arthur Balfour, obtendo o seu apoio para a causa sionista, após “mostrar as vantagens estratégicas para a Inglaterra de um Estado judeu na Palestina” (idem, 41). Em carta endereçada a um de seus simpatizantes políticos, datada de 1914, Weissmann já afirmava que “se a Palestina ficar sob a esfera de influência britânica, e se a Inglaterra encorajar um assentamento judaico ali, como uma dependência britânica, nós poderíamos ter em 20 ou 30 anos mais de um milhão de judeus (...), que formariam uma guarda bem efetiva para o Canal de Suez” (idem). Com efeito, como resultado do Acordo Sykes-Picot , firmado em 1916 entre Inglaterra, França, Rússia e Itália, que dividiu o Império Otomano entre as forças aliadas, coube aos ingleses o domínio sobre a Jordânia e Iraque, enquanto a França recebeu o controle administrativo do sudoeste da Turquia, Síria, Líbano e norte do Iraque. A Palestina, a princípio, ficaria sob jurisdição internacional, mas na prática foi incorporada pelo Mandato Britânico. No início de 1917, Weissmann realizou esforços junto ao governo inglês para conseguir um compromisso formal do Império Britânico em favor da criação de um estado nacional judeu na Palestina, e o resultado foi a conhecida Declaração de Balfour, um bilhete escrito pelo secretário do exterior britânico, Lord Arthur James Balfour, ao banqueiro sionista Lord Rotschild, no qual afirmava: “O governo de Sua Majestade vê com aprovação o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, e fará todos os esforços para facilitar a obtenção de tal objetivo, ficando claramente expresso que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas na Palestina ou os direitos e status político dos judeus em qualquer pais” (idem, 43). A declaração, sem valor legal – na época em que foi redigido, a Palestina encontrava-se sob administração do Império Otomano – contrariava as garantias que o governo inglês apresentou anteriormente ao emir de Meca, em 1915, relativas à independência da região, e recebeu críticas de diversas personalidades judaicas, inclusive de Sehundo Edwin Montagu, secretário de estado para a Índia e único membro judeu do gabinete britânico. Montagu questionou a autoridade da Organização Mundial Sionista para falar em nome de todos os judeus e profetizou, em 1917: “A Palestina irá se tornar o maior gueto do mundo” (idem, 45).

Com o final da I Guerra Mundial e o estabelecimento do Mandato Britânico na Palestina, os ingleses favoreceram uma grande imigração judaica para a região entre as décadas de 1920 e 1930, alterando o balanço demográfico da Palestina e criando condições para a formação da entidade sionista, contrariando os interesses da comunidade árabe-palestina autóctone. Conforme escreve André Gattaz: “O Mandato sancionou, entre as potências aliadas vitoriosas, a Declaração de Balfour, e transformou o sionismo em política de Estado britânica, determinando o destino da Palestina” (idem, 54). Nos anos seguintes, o Iraque declarou a sua indcependência em 1932; o Líbano, em 1943; a Síria, em 1944, e a Jordânia, em 1946. “Apenas no caso da Palestina o Mandato, com suas contradições inerentes, não levou à independência reconhecida provisoriamente na Carta das Nações, porém aos conflitos que permanecem até os dias de hoje” (idem, 57).

A administração britânica favoreceu não apenas a imigração massiva de judeus, mas também a criação de um verdadeiro estado dentro do estado: os sionistas criaram os seus próprios bancos, escolas, empresas agrícolas, industriais, comerciais e universidade, tornando cada vez mais frequente a presença da bandeira com a estrela de David nos estabelecimentos judaicos . O primeiro assentamento sionista surgiu em 1909; cinco anos depois, já eram catorze, e os camponeses palestinos eram sumariamente expulsos, porque nas empresas agrícolas formadas pelos sionistas apenas trabalhadores judeus eram aceitos. Em 1914 é fundada a cidade judaica de Tel Aviv, que três décadas mais tarde seria a capital da entidade sionista. Nesse mesmo ano, conforme cita André Gattaz, 85 mil judeus viviam na Palestina, ao lado de 580 mil árabes (85% muçulmanos, 15% cristãos). “Após os anos da Primeira Guerra Mundial, a imigração retomou volumes expressivos, e só nos cinco primeiros anos da década de 1920 chegaram à Palestina mais de 89.000 judeus, que criaram as condições para os futuros conflitos ao transformar a sociedade local em detrimento de seus antigos habitantes” (idem, 60-61).

A comunidade árabe-palestina, frustrada pelo não-cumprimento das promessas feitas pelos ingleses de autogoverno e soberania nacional, reagiu realizando greves, manifestações políticas e ataques a instalações da administração britânica, violentamente reprimidas pelas forças de ocupação e também pelas milícias paramilitares criadas pelos sionistas, a Irgun e a Haganá, que dispunham de armas modernas e eram toleradas pelo governo britânico. “Os conflitos tornaram-se mais intensos a partir de 1933”, escreve André Gattaz, “quando grandes quantidades de judeus refugiados da Alemanha e Polônia chegaram à Palestina” (idem, 59). Apenas em 1935, vieram imigrantes 60.000 judeus, e ao final da década de 1930 a comunidade judaica somava 445.000 pessoas, numa população total de 1.500.000 indivíduos. Os conflitos entre árabes e judeus tornaram-se mais intensos entre 1935 e 1939, destacando-se o movimento liderado em 1935 pelo mufti Haj Amin, que conclamou os palestinos a não pagarem taxas às autoridades britânicas e a boicotar as lojas dos imigrantes sionistas. No ano seguinte, os palestinos realizaram uma greve geral que durou sete meses, com violentos confrontos entre trabalhadores e a polícia britânica. O movimento grevista evolui e assumiu um caráter insurrecional que durou até meados de 1939. O episódio é assim relatado por André Gattaz:

Durante os primeiros meses da rebelião, enquanto ainda durava a greve geral, os árabes atacaram tropas e postos policiais britânicos e assentamentos judeus, sabotando rodovias, ferrovias e oleodutos construídos pelos sionistas e ingleses. A administração britânica trouxe reforços da Inglaterra, Egito e Malta para controlar a situação, impondo toques de recolher, prisões em massa, multas coletivas, e destruição de casas, além de apelar aos demais líderes árabes para que interviessem em favor do final da greve. Ao mesmo tempo, anunciava-se a criação de uma comissão real para investigar a causa dos distúrbios – a Peel Comission (idem, 67).

A comissão real nomeada pelo governo britânico avaliou a situação e sugeriu a partilha da Palestina entre árabes e judeus, proposta que desagradou tanto aos nacionalistas palestinos quanto aos colonos sionistas, mas que seria retomada em 1947, quando a Organização das Nações Unidas aprovou a criação de dois estados na Palestina, um árabe, outro judeu. Conforme demonstra Edward Said no livro A questão da Palestina, o Estado de Israel, desde o seu surgimento, entrou em contradição com a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) e as declarações da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que estabelecem direitos básicos e universais do ser humano, tais como: 

a. Todos têm o direito, sem distinção de qualquer espécie, tais como raça, cor, sexo, língua, religião, convicção política ou outra, origem nacional ou social, propriedade, nascimento, casamento, ou outro estado civil, de retornar a seu país.
b. Ninguém deve ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade ou forçado a renunciar a ela como meio de privá-lo do direito de retornar a seu país.
c. Ninguém deve ser arbitrariamente privado do direito de entrar em seu próprio país.
d. Ninguém pode ter negado o direito de retornar a seu próprio país sob pretexto de não ter passaporte ou qualquer outro documento de viagem.

(in SAID, 2011: 55)

O que o Estado de Israel realizou, entre 1948 e 1949, durante o primeiro conflito armado entre árabes e israelenses, foi exatamente o contrário do estipulado pela ONU: privou os palestinos de seu país, tomando a parte que caberia a um futuro estado árabe, tal como proposto inicialmente na partilha da Palestina, destruiu mais de 400 aldeias palestinas, entre elas a de Deir Yassim, em que 250 homens, mulheres e crianças palestinas foram massacrados (num gesto de macabra ironia, os sionistas criaram no local um museu dedicado às vítimas do Holocausto), e levou cerca de 750 mil palestinos a um êxodo forçado, que se tornou conhecido internacionalmente como Nakba (em árabe النكبة ,“catástrofe”). Os refugiados palestinos foram proibidos pelas autoridades israelenses de retornarem a suas terras e casas, confiscadas pelo estado sionista – proibição estendida a seus filhos e netos, que hoje somam mais de cinco milhões de palestinos, distribuídos em comunidades que residem no Líbano, na Síria, na Jordânia, no Iraque e em outros países do Oriente Médio. Milhares de palestinos buscaram refúgio na Faixa de Gaza, que pertenceu ao Egito até 1967, quando foi tomada por Israel, na Guerra dos Seis Dias, outros permaneceram na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental e outras cidades que passaram à administração sionista. Como o novo Estado de Israel afirmou-se, desde o início, como um estado judaico, aplicando critério étnico e religioso para a definição da nacionalidade, os chamados árabes israelenses (cristãos e muçulmanos) converteram-se em cidadãos de segunda classe, sem o benefício de direitos plenos de cidadania, reservados apenas aos cidadãos judeus. O hebraico foi adotado como língua oficial do país, que adotou uma legislação que garante amplos benefícios aos judeus estrangeiros que imigrem para a região, ao mesmo tempo que limita o máximo possível os direitos da comunidade árabe. A segregação racial aplicada pelos sionistas na Palestina só encontra paralelo nas famigeradas Leis de Nuremberg, aprovadas na década de 1930 na Alemanha, e no sistema do apartheid imposto pela minoria branca na África do Sul sobre a maioria negra, que subsistiu até meados da década de 1990 (não por acaso, Israel foi um dos maiores aliados do regime sul-africano, colaborando inclusive em seu programa de desenvolvimento de armas nucleares). Israel tem um vasto currículo de desrespeito aos direitos humanos, que inclui a demolição de casas de palestinos suspeitos de terem relações com membros do Hamas (forma de punição coletiva implementada desde os anos 1920 pelas autoridades britânicas), destruição de oliveiras e abate de rebanhos pertencentes a palestinos, prisão e tortura de mulheres e crianças, sem mandado judicial, acusação prévia ou direito de defesa, para citarmos poucos exemplos. Segundo relatório divulgado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, cerca de 700 crianças palestinas são detidas todos os anos para interrogatórios ou confinamentos. As prisões em geral são feitas de noite ou de madrugada, num clima de terrorismo que inclui quebrar portas ou disparar balas para o alto, aterrorizando as crianças e suas famílias. Há registros de ocorrências de tais atos de violência em Al-aroub Camp, Bit-rima, aldeia perto de Ramallah City, Bit Ummar aldeia, Nabi Saleh, e em outras comunidades palestinas. Cerca de 35% das crianças palestinas detidas são submetidas a assédio sexual de vários tipos. A associação Alsajeen gravou depoimentos de crianças vítimas de assédio sexual, inclusive ameaças de estupro. Os maus-tratos incluem ainda espancamentos, humilhação verbal e várias formas de violência que atingiram 80% das crianças detidas, segundo o B'Tselem, Centro de Informação Israelense para os Direitos Humanos. Esta entidade aponta ainda a prática de tortura física e psicológica nos menores, como a privação do sono, golpes nas mãos, obrigar as crianças a ouvirem música em volume altíssimo, mantê-las por várias horas sentadas em pequenas cadeiras, confinamento em celas escuras, ameaça de demolição de suas casas e até o aprisionamento de seus familiares. Israel utilizou diversas vezes armas proibidas por leis internacionais, como bombas de fósforo branco (artefatos incendiários que podem causar ferimentos terríveis ou morte por queimadura, inalação ou ingestão), bombas de fragmentação (artefato explosivo que libera projéteis ou fragmentos menores em alta velocidade e em todas as direções, com o objetivo de causar um grande número de vítimas, sobretudo crianças) e bombas de urânio empobrecido (consideradas pelos especialistas como um tipo de armamento nuclear), que provocam horríveis deformações nas vítimas, além de afetar outras gerações, por herança genética.) em seus repetidos ataques à Faixa de Gaza. Israel, única potência nuclear do Oriente Médio, com um arsenal declarado de cerca de 200 ogivas, é talvez o único país do mundo que não possui uma Constituição, assim como não tem fronteiras delimitadas: após a anexação das terras palestinas, entre 1947 e 1949, Israel ocupou territórios da Síria (colinas de Golã), do Líbano (fazendas Cheeba), do Egito (deserto do Sinai, restituído após os acordos de Camp David) e da Jordânia (Cisjordânia, hoje território administrado pela Autoridade Nacional Palestina, com soberania limitada pela ocupação sionista), nas guerras realizadas entre 1948 e 1982. O povo palestino vive hoje em regime de segregação racial, privado de direitos elementares e sofrendo constantes abusos e violências por parte do estado e dos colonos sionistas, sem contar com o apoio de leis ou instituições internacionais. Confinados em menos de 23% do território original da Palestina, sofrem o severo bloqueio econômico imposto à Faixa de Gaza, onde o partido político Hamas venceu eleições democráticas, com a participação de observadores internacionais, e um regime de “liberdade vigiada” (cada vez menos livre, cada vez mais vigiada) na Cisjordânia, administrada pela Autoridade Nacional Palestina, onde cresce o número de assentamentos judaicos, com o objetivo de inviabilizar a possibilidade geográfica, econômica e social de estruturação de um estado palestino autônomo. O sonho colonialista de Theodor Herzl, tornado realidade meio século após o Congresso Sionista da Basileia, converteu-se, para os palestinos, no mais cruel de todos os pesadelos. 

Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

FINKELSTEIN, Norman. A indústria do Holocausto. Rio de Janeiro: Record, 2001. Na internet (em PDF): http://resistir.info/livros/filkenstein_pt.pdf

GATTAZ, André. A guerra da Palestina. São Paulo: usina do livro, 2002.

HERZL, Theodor. O estado judeu. Ensaio de uma solução da questão judia. São Paulo: Tipografia-editora Monte Scopus, 1956.

LANGE, Nicholas. Povo judeu. São Paulo: Edições Folio, 2008.

SAID, Edward. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

____ . A questão da Palestina. São Paulo: Editora da UNESP, 2011.

SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu. São Paulo: Benvirá, 2011.

____ . A invenção da terra de Israel. São Paulo: Benvirá, 2014.


Reportagens na forma de histórias em quadrinhos:

SACCO, Joe. Notas sobre Gaza. São Paulo: Schwarcz Editora, 2010.

_____. Palestina. São Paulo: Conrad, 2011.


Documentários disponíveis em vídeo na internet:

The zionist story (legendas em português), https://www.youtube.com/watch?v=3jNYlUj2gMU

Ocupation 101 – A voz da maioria silenciada (legendas em português), https://www.youtube.com/watch?v=H8CUdOZayu4

Al-Nakba (legendas em português), https://www.youtube.com/watch?v=-M9Hm49sS7Y
Depoimento de Norman Finkelsten, https://www.youtube.com/watch?

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O Sionismo é uma forma de Racismo (II)


O Sionismo é uma forma de Racismo (II)

Herzl traça as linhas gerais da criação do lar nacional judaico prevendo “um plano previamente organizado”, que incluía a compra de “grandes extensões de terra” (HERZL, 1956: 73), a construção de “caminhos, pontes, estradas” (idem, 65), além do estabelecimento de telégrafos, retificação de rios e edificação de moradias. Herzl recusa a adoção do hebraico como língua nacional, posto que poucas pessoas compreendiam esse idioma: “Cada um guarda a sua língua, que é a cara pátria do seu pensamento. No que concerne à possibilidade do federalismo de línguas, a Suíça nos oferece exemplo decisivo” (idem, 129), previsão que não se tornou realidade no estado israelense, que reabilitou o hebraico como idioma nacional e jurídico, embora outras línguas sejam faladas no trato cotidiano na multinacional sociedade israelense. A jornada de trabalho seria de sete horas diárias, com um regime hierárquico militarizado nas empresas, e as mulheres estariam isentas da execução de trabalhos pesados. O novo estado, embora étnico, não seria teocrático: conforme escreve Herzl: “O exército e o clero devem ser tão altamente honrados quanto as suas belas funções o exigem e merecem. No estado que os distingue, eles nada têm a dizer, porque de outra forma provocariam dificuldades exteriores e interiores” (idem, 129), passagem que hoje soa irônica, face ao caráter cada vez mais militarizado e teocrático do Estado de Israel, onde a cidadania plena é concedida apenas a indivíduos que tenham mãe judia, conforme critério biológico de raça e nacionalidade. O serviço militar é obrigatório para homens e mulheres e o orçamento militar israelense é um dos mais elevados do Oriente Médio. A ironia é ainda maior nesta passagem: “Cada um é completamente livre na sua fé ou na sua incredulidade como na sua nacionalidade. E se acontece que fieis de outra confissão, membros de outra nacionalidade habitam também conosco, conceder-lhes-emos proteção honrosa e a igualdade de direitos” (idem), o que nunca foi realizado nos territórios tomados dos palestinos, onde se encontram comunidades árabes religiosas cristãs e muçulmanas que em nenhum momento tiveram igualdade de direitos em relação aos judeus. Em outra discrepância entre profecia e realidade, Herzl afirma que “os judeus, sem dúvida, não terão mais inimigos no seu próprio estado” (idem, 137), tese desmentida pelo constante conflito não apenas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mas também nas cidades israelenses, onde vivem mais de um milhão de árabes, vítimas frequentes de ataques racistas por parte de grupos sionistas radicais. Como exemplo recente, podemos citar a punição coletiva ao povo palestino exercida por militares e colonos sionistas armados em julho de 2014, em represália a um caso não-esclarecido de sequestro e assassinato de três jovens israelenses. A verdadeira operação de guerra levada a cabo por Israel vitimou um total de vinte civis palestinos, incluindo crianças e adolescentes, nas duas primeiras semanas, além de um número desconhecido de feridos pelos bombardeios da Força Aérea israelense na Faixa de Gaza. Cerca de 700 civis palestinos foram detidos para investigação no mesmo período, 800 casas foram revistadas por soldados e várias em seguida demolidas, a partir da suspeita de vínculo de seus proprietários com acusados de terrorismo, e pelo menos mil estabelecimentos comerciais foram fechados na Cisjordânia sob a mesma alegação e com o propósito não-declarado de prejudicar a economia palestina e o abastecimento da população civil. Um caso especialmente chocante registrado nessa guerra não-declarada é o do jovem palestino Mohammed Abu Judair, de 16 anos, sequestrado, torturado e queimado vivo por colonos sionistas, sem que houvesse apuração policial e punição dos assassinos.

O sionismo é uma forma de racismo

O meticuloso projeto de ocupação da Palestina para a criação do lar nacional judaico seguiu desde o início uma lógica de tipo colonialista, que imagina o imigrante europeu como o artífice da civilização e da cultura em terras onde reina o “primitivismo” e a “barbárie” (a deformação deliberada da imagem do mundo árabe e muçulmano para justificar sua exploração pelas potências ocidentais é o tema do livro clássico de Edward Said, Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente). Em nenhum momento, Herzl se refere à população nativa da Palestina, como se ela não existisse (um dos futuros slogans do movimento sionista seria justamente esse: “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Na década de 1970, a primeira-ministra israelense Golda Meir atualizaria o axioma, declarando que “os palestinos não existiam” e que eram um “povo inventado ”). A ocultação de que a Palestina já existia como país e tinha uma população estabelecida na região há milhares de anos nada teve involuntária ou ingênua: conforme escreve Norman Finklestein, autor do polêmico livro A indústria do Holocausto, “a liderança sionista não tinha nenhuma ilusão de que seu projeto não teria que ser imposto sobre a extensa maioria árabe ou que sua implementação poderia ser cumprida sem a violação egrégia das normas democráticas” (in GATTAZ, 2002: 27). 

O componente racista do sionismo, apenas implícito no opúsculo de Herzl, seria desenvolvido por outros pensadores judeus na segunda metade do século XIX, entre eles Heinrich Graetz (1817-1891), autor de Roma e Jerusalém (1862), e Max Nordau (1849-1923), autor de Entartung (Degeneração). A ideia de uma nação judaica como “entidade étnica”, segundo Shlomo Sand, “era comum, em vários graus, a todas as ramificações do pensamento sionista, e a nova “ciência” biológica conheceu então um grande sucesso” (SAND, 2011: 460-461). Um dos mais destacados autores sionistas, Nathan Birnbaum (1864-1937), considerava a biologia, e não a língua ou a cultura, como a base para a formação das nações. Sem a herança genética, acreditava Birnbaum, não seria possível compreender a existência de uma nação judaica, cujos integrantes provêm de diferentes países, falam numerosas línguas e possuem pouca coisa em comum além da fé religiosa. Aplicando sua interpretação peculiar da biologia à história das mentalidades, Birnbaum escreve: “É por conta da oposição entre as raças que o alemão e o eslavo pensam e sentem de forma diferente que o judeu. Assim se explica igualmente o fato de o alemão ter criado a Canção dos niebelungos, enquanto o judeu deu origem à Bíblia” (idem). Max Nordau, por sua vez, “introduziu na concepção nacional judaica uma dimensão ideológica mais significativa”, escreve Shlomo Sand. Conforme o teórico húngaro, autor de Degeneração, “os judeus constituíam claramente um povo de origem biológica homogênea” (idem, 464), que deveria educar-se no trabalho com a terra, a ginástica e a educação física ao ar livre para o “progresso da raça” (idem). O pensamento de Nordau, que mesclava conhecimentos superficiais de biologia e história com toda sorte de preconceitos do conservadorismo europeu da época, faria inveja a Himmler e Julius Streicher: o irrequieto sionista procurou prevenir o mundo contra os supostos perigos da arte moderna, da homossexualidade e das doenças mentais, todas elas, segundo o seu parecer, fatores de “deterioração física da raça” (idem, 463). Martin Buber (1878-1965), por sua vez, considerava que “o sangue é uma força que constitui nossas raízes e nos vivifica (...). As camadas mais profundas de nosso ser são determinadas por ele, (...) nosso pensamento e nossa vontade lhe devem seu mais íntimo colorido. (...) O sangue, o mais profundo e o mais poderoso substrato da alma” (idem, 465-466). O ponto máximo discurso racista desenvolvido pelo sionismo, no entanto, foi sem dúvida atingido pelo ucraniano Vladimir (Ze’ev) Jabotinsky (1880-1940), para quem, segundo Shlomo Sand, “a formação das nações tem como base grupos raciais (que hoje chamaríamos ‘etnias’), e a origem biológica constitui o psiquismo (a ‘mentalidade’ na linguagem atual) dos povos” (idem, 467). Como os judeus não possuem história ou língua comuns, “nem território onde teriam vivido juntos durante séculos e sobre os quais uma cultura etnográfica unificada poderia ter se cristalizado”, Jabotinsky conclui que “o sentimento da identidade reside no ‘sangue’ do homem, em seu tipo físico e racial” (idem, 467). O “tipo físico do povo”, escreve Jabotinsky, “reflete sua estrutura mental de maneira ainda mais total e perfeita que o estado de espírito individual” (idem). A partir dessas premissas, o autor ucraniano conclui: “É fisicamente impossível que um judeu, nascido há várias gerações de pais de sangue judeu livre de qualquer miscigenação, se adapte ao estado de espírito de um alemão ou de um francês, assim como é impossível para um negro deixar de ser negro” (idem). Jabotinsky, além do trabalho realizado como escritor, tradutor, jornalista e militante do movimento sionista, foi o criador da Irgun (em hebraico ארגון‎, "organização"), milícia paramilitar dissidente da Haganá (em hebraico ההגנה, "defesa") que operou na Palestina na época do Mandato Britânico, entre as décadas de 1930 e 1940, realizando diversas atividades terroristas contra alvos britânicos e palestinos, sendo a mais célebre o atentado ao King David Hotel, em 1946, que matou 91 pessoas, de diversas nacionalidades. A ação terrorista foi coordenada por um jovem militante sionista que se tornaria conhecido internacionalmente: Menachen Begin (1913-1992), o futuro primeiro-ministro israelense que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1978, pela assinatura dos acordos de Camp David com Egito. Quatro anos depois, Begin foi responsável pela invasão do Sul do Líbano, que resultou na morte de milhares de civis em Beirute e imediações, destacando-se o tristemente célebre massacre dos campos de refugiados de Sabra e Chatila (em árabe (em árabe مذبحة صبرا وشاتيلا‎,).

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O Sionismo é uma forma de Racismo (I)


O Sionismo é uma forma de Racismo (I)

Sionismo (em hebraico ציונות) é a ideologia desenvolvida na segunda metade do século XIX pelo jornalista e pensador político austríaco Theodor Herzl (1860-1904), que defendia a criação de um estado nacional para os judeus na Palestina, na época administrada pelo Império Otomano. A doutrina de Herzl incorporou conceitos do pensamento político europeu do período, em especial o nacionalismo, o darwinismo social[1] e o colonialismo. Em seu livro Der Judenstaat (O estado judeu), publicado em 1896, o autor afirma: “Não considero a questão judaica nem como uma questão social, nem como uma questão religiosa, qualquer que seja, aliás, o aspecto particular sob o qual ela se apresenta, conforme os tempos e lugares. É uma questão nacional” (HERZL, 1956: 42). A afirmação dos judeus como povo ou nação, porém, é reconhecida pelo autor como problemática, uma vez que há muitos séculos os judeus se espalharam por diferentes países, especialmente no Leste da Europa, onde são conhecidos como ashkenazis (em hebraico אַשְׁכֲּנָזִי ), na Espanha e no norte da África, onde estão os sefaraditas (em hebraico ספרדים), e também nos Estados Unidos, na Ásia Central, África Negra e no Oriente Médio, onde se encontram descendentes de povos convertidos ao judaísmo na antiguidade, como os falashas (em hebraico ביתא ישראל,) da Etiópia, os chiang-min e os yutai da China e os menashe (em hebraico בני מנשה;) da Índia (o caráter proselitista do judaísmo nos primeiros séculos da era cristã é referido pelo historiador israelense Shlomo Sand no livro A invenção do povo judeu, onde afirma que os próprios sefaradins e ashkenazis seriam descendentes de povos convertidos à fé judaica. O pensamento judaico tradicional considera que a diversidade étnica dos judeus deriva das treze tribos da Israel bíblica). Herzl estabelece o princípio de que “nossa comunidade étnica é particular, única: a bem dizer, nós não nos reconhecemos como pertencentes à mesma raça senão pela fé dos nossos pais” (idem, 129), e ainda por “certos sinais exteriores relativos aos vestuários, aos hábitos da vida, aos usos e a língua” (idem, 44), sendo esta última não o antigo hebraico, que caíra no esquecimento, mas sobretudo o iídiche, derivado do antigo idioma alemão, falado nas comunidades judaicas espalhadas na Europa Central e do Leste, enquanto na Península Ibérica e no Norte da África surgiu o dialeto judeu-espanhol, ou ladino. A ênfase na herança genética como elemento constitutivo da nacionalidade está ausente no livro de Herzl e seria elaborada por outros autores sionistas, entre eles Max Nordau (1849-1923), Martin Buber (1878-1965) e Vladimir Jabotinsky (1880-1940), expoente do sionismo revisionista, para quem “uma terra natural, uma língua, uma história comuns, tudo isso não constitui a própria essência da nação, mas sua simples descrição (...). A essência da nação (...) reside em seu atributo físico específico, na fórmula de sua composição racial” (in SAND, 2011: 467-468). O acréscimo de um pensamento biológico e de um messianismo religioso no nacionalismo judeu laico seria essencial para a formatação da ideologia sionista e da própria base jurídica do moderno Estado de Israel, como veremos mais adiante.

Recusa da assimilação

A diáspora judaica pelo mundo, conforme o pensamento de Herzl, em vez de levar a uma completa assimilação dos judeus nas sociedades em que viviam, contribuiu para o surgimento do antissemitismo[2]: “Ninguém negará a situação infeliz dos judeus. Em todos os países onde vivem, por menos numerosos que sejam, a perseguição os atinge” (idem, 55). Com efeito, a sucessão de pogroms nos anos 1880, especialmente na Rússia, Romênia e em outros países da Europa Oriental, somada à repressão policial e às restrições legais impostas pelo czarismo, levaram milhões de judeus ao exílio. Conforme escreve Shlomo Sand, historiador israelense da Universidade de Tel Aviv, “entre 1880 e 1914, por volta de 2 milhões e meio de judeus de língua iídiche refluíram para países ocidentais, passando pela Alemanha, e parte deles chegou até as margens da terra prometida do continente americano” (SAND, 2011: 453-454). O fluxo migratório, porém, teve escassa relação com o projeto sionista: “menos de três por cento dos judeus escolheram emigrar para a Palestina otomana, a qual, em sua maioria, abandonaram em seguida” (idem). Por outro lado, a igualdade de direitos entre judeus e gentios, embora fosse garantida na legislação de vários países europeus, não garantia sua segurança ou reconhecimento como cidadãos plenos, sendo que “os postos médios no exército, na administração, e os empregos particulares lhes são inacessíveis” (HERZL, 1956: 55). Os judeus, prossegue Herzl, seriam atacados “no seio dos parlamentos, das assembléias, na imprensa, do alto do púlpito sagrado, na rua, em viagem”, concluindo o autor que “os povos entre os quais habitam judeus são, sem exceção, aberta ou disimuladamente, antissemitas” (idem, 57). A partir do sombrio diagnóstico da situação dos judeus na Europa, Herzl afirma a inutilidade de qualquer tentativa de adaptação das comunidades judaicas aos estados nacionais em que viviam há incontáveis gerações — motivo pelo qual se opõe aos casamentos mistos[3] entre judeus e não-judeus, como no caso da Hungria, onde, segundo ele, “a forma atual da instituição do casamento aumentou ainda por diferentes modos as dissidências que existem na Hungria entre os cristãos e os judeus e, por esse processo, tem prejudicado mais do que servido à fusão das duas raças” (idem, 44). Recusando a assimilação, que considera empresa fadada ao fracasso, Herzl propõe como alternativa a criação de um estado nacional para os judeus, que seria vantajosa, conforme o seu pensamento, para os próprios países europeus, que assim ficariam “livres” dos judeus[4]. Além disso, o estabelecimento de um estado nacional judeu na Palestina representaria “um pedaço de fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie” (idem, 73). “Ficaríamos como estado neutro, em relações constantes com toda a Europa, que deveria garantir a nossa existência” (idem), conclui, antecipando a relação privilegiada que o futuro Estado de Israel teria com os Estados Unidos, França e Inglaterra, exercendo um papel estratégico no controle do Oriente Médio conforme os interesses dos países imperialistas (e recordemos aqui o conflito de 1956, em que as Forças Armadas israelenses tiveram um papel destacado na ocupação do Canal de Suez). A guarda dos lugares sagrados da tradição judaico-cristã é também pensada por ele como atribuição do estado judeu: “Formaríamos a guarda de honra em volta dos lugares santos e garantiríamos com a nossa existência o cumprimento deste dever. Essa guarda de honra seria para nós o grande símbolo da solução da questão judaica, depois de dezoito séculos de cruéis sofrimentos” (idem). A guarda dos lugares santos de Jerusalém, efetivamente, passou para o controle de Israel, a partir da Guerra dos Seis Dias, em 1967, com a anexação ilegal de Jerusalém Oriental, contrariando decisão da ONU. Nesta cidade reverenciada pelas três religiões do deserto – judaísmo, cristianismo, islamismo – encontram-se o Muro das Lamentações, que a tradição judaica considera como um vestígio do Segundo Templo de Salomão, destruído pelos romanos em 70 d.C., e também a mesquita de Al-Aqsa (المسجد الاقصى) e o Domo da Rocha, os lugares mais sagrados na religião islâmica ao lado das cidades de Meca e Medina. O controle da Esplanada das Mesquitas pelas forças de segurança israelenses tem provocado constantes conflitos com os fieis muçulmanos, como ocorreu em setembro de 2000, quando a visita de Ariel Sharon ao Monte do Templo, protegido por um grande aparato policial, foi o estopim da Segunda Intifada.

Palestina ou Argentina?

Para a realização de seu projeto de fundação de um estado nacional judaico, Herzl propõe a criação de duas entidades: a Sociedade dos Judeus, responsável pela escolha do país onde seria estabelecida a entidade sionista – o autor sugere a Palestina ou a Argentina – e a Companhia dos Judeus, que iria se ocupar “da liquidação dos interesses materiais dos judeus que se retiram” (idem, 64) para a nova pátria, bem como pela organização das relações econômicas no estado judeu. Comparando os benefícios oferecidos pela instalação da comunidade judaica na região do rio da Prata ou nas margens do Jordão, Herzl escreve em seu opúsculo: “Devemos preferir a Palestina ou a Argentina? A Sociedade aceitará o que lhe derem, tendo em consideração as manifestações da opinião pública judia a esse respeito” (idem, 73), frase em que está implícito o desejado apoio da comunidade europeia ao seu propósito territorial. “A Argentina é um dos países naturalmente mais ricos da Terra”, prossegue, “de uma superfície colossal, com uma fraca população e um clima temperado” (idem), juízo que recorda o parecer do movimento sionista em relação à Palestina, que seria uma “terra sem povo”. “A Argentina teria interesse em ceder-nos um pedaço de território”, continua. “A atual infiltração judaica produziu aí, é certo, mau humor. Seria preciso explicar à República Argentina a diferença essencial de nova migração judia”, conclui, insinuando, novamente, a suposta missão civilizacional do estado judeu. Em relação à Palestina, Herzl é mais enfático: “A Palestina é a nossa inolvidável pátria histórica. Esse nome por si só seria um toque de reunir poderosamente empolgante para o nosso povo. Se S.M. o Sultão nos desse a Palestina, poderíamos tornar-nos capazes de regular completamente as finanças da Turquia” (idem). Argentina e Palestina, no entanto, não seriam as únicas opções discutidas no interior do movimento sionista. Conforme escreve André Gattaz no livro A guerra da Palestina, “outros locais foram considerados, como Chipre, Quênia, Congo e Península do Sinai – alguns dos primeiros sionistas chegaram mesmo a propor que banqueiros judeus comprassem parte do território do oeste dos Estados Unidos para destinar à nação judaica” (GATTAZ, 2002: 22). A escolha final, porém, recaiu sobre a Palestina, “devido a suas implicações religiosas, pois se caracterizava, no discurso judaico, como a ‘Terra Prometida’” (idem). Convém recordar que até o início do século XX havia cerca de 60 mil judeus na região, sendo que muitos resolveram imigrar para a Terra Santa por sentimentos religiosos, enquanto a população palestina árabe nativa era calculada em torno de 500 mil pessoas.


[1] O darwinismo social é um pensamento derivado teoria da seleção natural de Charles Darwin, que explica a evolução das espécies pela capacidade de sobrevivência dos mais aptos. De acordo com o darwinismo social, existiriam características biológicas e sociais que determinariam a “superioridade” ou “inferioridade” de determinados grupos sociais, compreendidos como raças.  O darwinismo social influenciou o pensamento político, a historiografia e a prática colonialista de diversos países europeus entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX e um de seus autores mais conhecidos é o teórico racista inglês Houston Stewart Chamberlain (1855-1927), autor do livro Os fundamentos do século XX (1899). 

[2]  A esse respeito, Herzl escreve: “O antissemitismo de hoje não deve ser confundido com o ódio religioso que votavam aos judeus outrora, se bem que, em certos países, tenham ainda atualmente uma cor confessional. O caráter do grande movimento antijudaico da hora presente é outro. Nos principais países do antissemitismo, este é a conseqüência da emancipação dos judeus”. (...) “A causa remota” (do antissemitismo) “é a perda da nossa assimilabilidade, sobrevinda na Idade Média; a causa próxima, a nossa superprodução de inteligências médias”, responsável, nas camadas proletárias, pelo surgimento de lideranças nos “partidos subversivos”, e nas altas esferas, por sua “temida potência financeira.” (...) “Depois de curtos períodos de tolerância, a hostilidade contra nós se desperta sempre e sem cessar. A nossa prosperidade parece conter em si qualquer coisa de irritante, porque o mundo estava habituado de há muitos séculos a ver em nós os mais desprezíveis dos pobres. (...) A opressão só fez reviver em nós a consciência da nossa origem. E o ódio dos que nos cercam novamente faz de nós estrangeiros.” (HERZL, 1956: 60-63)

[3] O casamento civil misto entre judeus e gentios é hoje interditado em Israel. A esse respeito, escreve o historiador israelense Shlomo Sand em seu livro A invenção do povo judeu: “Desde 1947, foi decidido na prática que os judeus não poderiam ali desposar não-judeus: o pretexto cívico dessa segregação, em uma comunidade na qual a maioria era então perfeitamente laica, era aparentemente o desejo de não criar um fosso entre laico e religioso. (...) Em 1953, a promessa política de não instituir o casamento civil em Israel foi posta em bases legais. A lei que definiu o estatuto legal dos tribunais rabínicos determinou que estes teriam jurisdição exclusiva sobre casamentos e divórcios em Israel.” (SAND, 2011: 504-505)

[4] “Imagino que os governos, voluntariamente ou sob a pressão dos antissemitas, prestarão alguma atenção a este escrito, e talvez mesmo, num ou noutro lugar, acolherão, desde o começo, o projeto com simpatia e darão provas disso á Society of jews. Porque, pela imigração dos judeus, que tenho em vista, não há a temer nenhuma coisa econômica. Semelhantes crises que deveriam fatalmente produzir-se em seguida às perseguições contra os judeus seriam, ao contrário, impedidas pela realização deste projeto. Um grande período de prosperidade começaria nos países atualmente antissemitas. Assim como já o disse muitas vezes, a imigração interior dos cidadãos cristãos dar-se-á para as posições dos judeus, lentamente e metodicamente abandonadas. Se não somente nos deixarem fazer, mas se ainda nos ajudarem, o movimento será por toda parte fecundo em bons resultados.”  (idem, 133)

Postado e responsável: Cláudio Daniel
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