segunda-feira, 4 de maio de 2020

Dar corpo ao impossível....


Dar corpo ao impossível: o sentido da dialética a partir de Theodor Adorno (Parte I) – Vladimir Safatle

Sinopse: Em Dar corpo ao impossível, Vladimir Safatle parte de uma reflexão a respeito do sentido da última figura da dialética que o pensamento filosófico conheceu, a saber, a dialética negativa de Theodor Adorno. Ele recusa as interpretações deceptivas da dialética negativa, tão presentes até hoje, a fim de explorar suas dinâmicas de produtividade e as modificações que ela produz em conceitos como: totalidade, materialismo, sujeito, diferença e infinito. Isso leva Safatle a propor uma articulação de estrutura entre a dialética negativa e aquelas de matriz hegeliana e marxista. Articulação esta que procura compreender o sentido mais profundo das relações entre configurações da dialética e determinações históricas específicas.

Trata-se ainda de se perguntar sobre o que a reatualização da dialética proposta por Adorno deve à psicanálise freudiana e à confrontação incessante à fenomenologia de Martin Heidegger.

Ao final, Dar corpo ao impossível serve-se do saldo de tais reflexões para repensar a recusa da dialética que anima a filosofia francesa contemporânea, em especial através do anti-hegelianismo de Gilles Deleuze, assim como para retomar o uso que a dialética, enquanto experiência crítica, conheceu no Brasil, em especial graças a Paulo Arantes.

“O capitalismo nunca será tratado como um sistema específico de trocas econômicas, mas como uma forma de vida que constitui modos de subjetividade, formas de trabalho, de desejo e de linguagem. Modos esses que, por sua vez, assentam-se em uma verdadeira metafísica na qual identidade, propriedade, possessão, abstração são os únicos regimes gerais de relação possível. Sua superação não poderá ser feita sem a transformação estrutural dos modos de determinação e de ser. Por isso, a dialética negativa será indissociável da tarefa de pensar as condições para experiências que se assumam como modos de desabamento do horizonte metafísico no qual o capitalismo se assenta e reconstrói. O pensamento deve privilegiar a processualidade contínua para permitir à ação operar sem referência à preservação dos modos atuais de reprodução material da vida e de sua gramática. É nesse sentido que devemos dizer que as opções filosóficas do pensamento adorniano são imediatamente opções práticas, são posições a respeito da recusa em sustentar a rede de orientações práticas que naturaliza formas hegemônicas de vida. Essa recusa é feita em nome de possibilidades concretas de emancipação que exigem uma articulação cerrada entre crítica social e crítica da razão, ou ainda entre crítica da economia política (historicamente situada) e crítica da racionalidade instrumental (que se confunde com a consolidação do horizonte da razão ocidental).”

“De acordo com o momento histórico, a dialética não teme em usar o positivo ou o negativo. Ela é um pensamento que se desloca em um tempo que não é apenas temporalidade inerte, mas historicidade que exige certa plasticidade das estratégias do pensar. A dialética demonstra como toda enunciação filosófica é sempre uma enunciação em situação. Uma enunciação filosófica não se produz através da definição normativa do dever-ser, e ninguém mais do que Hegel recusou tal ideia. Ela se produz através do reconhecimento da forma específica do sofrimento em relação aos limites da situação em que os sujeitos da enunciação se encontram. Por estar disposta a ouvir tal sofrimento, ela nasce como crítica, sem que precise começar por definir qual seria o horizonte normativo que a legitima. Por estar em processualidade contínua, a dialética precisa de uma ontologia capaz de conservar a proximidade do pensamento em relação ao que ainda não está realizado, mas esta será uma ontologia em situação.”

“A possibilidade não é apenas mera possibilidade que aparece como ideal irrealizado. Ela é a latência do existente que nos esclarece de onde a existência retira sua força para se mover. Esta é a dimensão irredutivelmente revolucionária da dialética.”

“As dinâmicas dialéticas exigem a organização das lutas a partir da identificação de contradições globais em relação à situação atual, posição derivada do marxismo de Adorno. Isso significa organizar lutas, desdobrá-las a partir do potencial de contradição global que elas portam, recusando a conciliação possível com uma “vida mutilada”. “Não há vida correta na falsa” é também uma maneira de lembrar que crítica significa contraposição global a uma forma de vida. Não há conciliação, nem negociação com modos de reprodução social solidários de uma vida falsa ligada às estruturas gerais de reificação e alienação, próprias ao sistema capitalista. Este verdadeiro déficit de dialética na Teoria Crítica pós-adorniana trouxe consequências decisivas para a própria noção de crítica, assim como para a noção de quais são seus objetos e sua real extensão. Ou seja, as consequências se fizeram sentir nos desdobramentos políticos da teoria. Há várias formas de “reconciliação extorquida” e a dialética consequente saberá recusar todas.”

“Esse modelo nasce inicialmente da noção fascista de “Estado total” que, como compreendera Marcuse já nos anos 1930, nunca havia se contraposto ao liberalismo. Antes, era seu desdobramento necessário em um horizonte de capitalismo monopolista. Compreendendo como o fundamento liberal da redução da liberdade a liberdade do sujeito econômico individual em dispor da propriedade privada com a garantia jurídico-estatal que esta exige permanecia como a base da estrutura social do fascismo, Marcuse alertava para o fato de o “Estado total” fascista ser compatível com a ideia liberal de liberação da atividade econômica e forte intervenção nas esferas políticas da luta de classe. [20] Essa articulação entre liberalismo e fascismo fora tematizada por Carl Schmitt, pois vem de Schmitt a noção de que a democracia parlamentar com seus sistemas de negociações tendia a criar um “Estado total”.[21] Tendo que dar conta das múltiplas demandas vindas de vários setores sociais organizados, a democracia parlamentar acabaria por permitir ao Estado intervir em todos os espaços da vida, regulando todas as dimensões do conflito social, transformando-se em mera emulação dos antagonismos presentes na vida social. Contra isso, não seria necessário menos estado, mas pensar uma outra forma de estado total. Nesse caso, um estado capaz de despolitizar a sociedade, tendo força suficiente para intervir politicamente na luta de classes, eliminar as forças de sedição a fim de permitir a liberação da economia de seus pretensos entraves sociais. Como bem lembrará Pollock, esse mesmo modelo poderá tanto operar em chave de democracia liberal quanto de regime autoritário. Se pudermos completar, essa indiferença vem do fato de os dois polos estarem menos longe do que se gostaria de imaginar. Na verdade, tanto em um caso como em outro os fundamentos da racionalização liberal, com sua noção de agentes econômicos maximizadores de interesses individuais, permaneciam como a estrutura da vida social e dos modos de subjetivação, justificando toda forma de intervenção violenta contra tendências contrárias.”

20 Daí por que: “Os fundamentos econômicos desse trajeto da teoria liberal à teoria totalitária serão assumidos como pressupostos: repousam essencialmente na mudança da sociedade capitalista do capitalismo mercantil e industrial, edificado sobre a livre concorrência dos empresários individuais autônomos, ao moderno capitalismo monopolista, em que as relações de produção modificadas (sobretudo as grandes ‘unidades’ dos cartéis, dos trustes, etc.) exigem um Estado forte, mobilizador de todos os meios do poder” (MARCUSE, Herbert. Cultura e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1997, v. I, p. 61).
21 Ver: SCHMITT, Carl. Starker Staat und gesunde Wirtschaft. Ein Vortrag für Wirtschaftsführen. In: Volk und Reich Politische Monatshefte für das junge Deutschland, 1933, tomo 1, caderno 2, p. 81-94.

“Nesse sentido, insistir, em tal contexto histórico, na irredutibilidade da dialética às formas disponíveis de síntese já era apostar na possibilidade de evidenciar a fragilidade do caráter meramente aparente da estabilidade social propalada, evidenciar o fundamento violento que lhe é próprio. Principalmente, uma dialética cujo motor central será a insistência na “não-identidade” será a forma de o pensamento crítico evidenciar que não haverá transformação possível sem levar a experiência a se confrontar com o que nega radicalmente os modos de integração da existência aos regimes de determinação do presente. Adorno sabe que a força do capitalismo está não apenas nas promessas econômicas que ele, momentaneamente, pareceu ser capaz de realizar (ao menos durante os trinta primeiros anos do pós-guerra). Ela está na capacidade de conformar a imaginação à gramática de repetições e identidades que se impõem a nós através dos campos da cultura e do entretenimento e que constituem o núcleo real de nossa adesão às formas atuais de vida. Há uma gestão psíquica, ligada à redução da experiência à forma da identidade, que será o fundamento da resiliência do capitalismo. Contra isso, o pensamento precisa ser capaz de recuperar o sentido e a força transformadora do que “diferença” pode realmente significar, e essa é a função central de uma dialética negativa.”

“Sabemos como cabe a Marx a compreensão precisa de que a dialética se organiza a partir de uma crítica da falsa totalidade. O Capital é um modo de reprodução material da vida que se impõe globalmente em toda extensão, adaptando-se a configurações específicas e arcaísmos locais. Ele reorganiza todas as velocidades e intensidades dos processos de produção a partir de uma axiomática geral baseada nas dinâmicas de valorização do valor e de submissão da atividade humana às formas do trabalho. Ele reorganiza também as relações a si, generalizando seus modos de objetividade até o ponto de produção de uma vida psíquica que lhe seja conforme, o que ocorre através da generalização da forma-mercadoria como modelo global de objetividade social ou através da generalização da forma-empresa (em sua versão neoliberal). Nesse contexto, o pensamento deve ser capaz de alcançar o que coloca a falsa totalidade em contradição por ser portador do que ainda não saberia como se realizar em formas hegemônicas de vida, nem saberia como ser reorganizado por elas.”

“Há de se lembrar que há uma existência pulsional da não-identidade e é ela que garantirá o horizonte das lutas sociais para fora do capitalismo como forma de vida. Essa talvez seja a astúcia maior de uma defesa não-substancial da universalidade com seu uso produtivo da negatividade e da indeterminação, a saber, enraizá-la na existência pulsional da não-identidade. Se, ao menos segundo Adorno, a possibilidade de emergência de uma consciência de classe estará impossibilitada devido à profunda gestão psíquica e espoliação do inconsciente que sustenta os modos de adesão social no capitalismo contemporâneo com seus usos administrativos da cultura, com sua engenharia humana, há uma irredutibilidade do inconsciente, para além de sua espoliação social, que será politicamente decisiva. Ela é muitas vezes esquecida por leitores de Adorno, mas ela está lá em seus textos, em sua forma de se lembrar da verdade do sofrimento psíquico, ou seja, dessa verdade cuja impossibilidade de enunciação no interior de uma vida mutilada nos faz sofrer, da recusa psíquica às reconciliações forçadas. Ela está lá permitindo a defesa de emergências possíveis à condição de que seja feita uma crítica implacável da identidade (em todas suas formas, a saber, individual, de classe, social, coletiva), dispositivo maior de colonização da capacidade de metamorfoses categorias do sujeito.”


“De certa forma, tanto no campo do pensamento quanto no campo dos regimes de organização das lutas sociais, a dialética se confronta atualmente com processos que parecem corroborar o diagnóstico adorniano. O recurso à identidade como dispositivo essencialista de mobilização política, tão recorrente tanto nas forças reativas quanto naqueles que procuram fazer avançar a emancipação social, impede não apenas a emergência de uma implicação genérica que poderia abrir espaço a uma diferença radical em relação aos modos de reprodução das formas hegemônicas de vida, como também coloniza os sujeitos em um campo de experiências previamente demarcado pelo potencial de demandas e formas já declaradas, já enunciadas por movimentos sociais. Como se as formas gerais de existência já estivessem de antemão definidas a partir do que pode ser apropriado por uma identidade qualquer, ou ainda, a partir de uma ontologia das propriedades que a dialética sempre combateu. Ontologia cuja tradução política seria a redução da luta social à defesa daquilo que é “meu”. Nunca a definição adorniana da identidade como a forma originária da ideologia, com seu sistema de paralisia da imaginação social, foi tão atual. Não há possibilidade alguma de o uso não-provisório das categorias de identidade nos levar para além de meras novas partilhas dos modos atuais de existência e de realidade social. Ou seja, por mais que pareça índice de sublevação, os usos políticos não-provisórios das categorias de identidade serão sempre a astúcia final da perpetuação da gramática liberal das propriedades. Insistamos, a verdadeira contraposição não é entre demandas identitárias de reconhecimento e lógica de luta de classe (pois o próprio conceito de classe pode funcionar em chave identitária, como vimos muitas vezes ocorrer com o uso substancialista da noção de “proletariado”). Toda a legião de crítica às políticas de identidade que mobiliza o pretenso esquecimento das chamadas lutas de classe erra. Não se contrapõe uma ontologia das propriedades a uma ontologia das classes. A contraposição é entre demandas identitárias e emergências não-identitárias que se coloquem como ponto de contradição global em relação às determinações sociais atuais por propriedade e por classes. Tal contradição ocorre quando identidades historicamente vulneráveis, marcadas pela reiteração da violência e da invisibilidade social, começam a falar em nome de uma universalidade até agora impossível. O que nos lembra como a questão política central nunca é “qual o lugar de minha fala”, mas “quem pode falar em nome de uma universalidade que implica em contradição global com a situação atual?”
Pois a impossibilidade de sustentar um ponto de contradição global capaz de nos abrir a modelos de ação social em recusa radical de nossas formas hegemônicas de vida tem raízes subjetivas profundas. Tais raízes impedem os sujeitos de se verem como dinâmicas em transformação e ruptura, o que traz consequências necessárias a todas as suas formas de ação. A insistência adorniana em pensar o sujeito, a ainda operar com o sujeito, mas pensar um sujeito não-idêntico, sujeito como espaço de uma experiência contraditória de integração e recusa era sua forma de insistir que trazemos em nós o germe de uma potencialidade de emergência. Esta não-integração é uma voz que pode falar baixo, mas nos faz sempre lembrar do caráter mutilado de nossas vidas e da possibilidade de utilizar a força do negativo como dinâmica de passagem.”

“Mas voltemos à caracterização da dialética e seu conceito de contradição. Pois o mais importante ainda não foi dito. Há algo que garante a essa impossibilidade lógica indicada pela contradição não se reduzir a apenas um mero impasse existencial, uma mera formalização de sistemas de aporias. Se Adorno pode apostar na ideia de que “chocando-se contra seus próprios limites, o pensamento ultrapassa a si mesmo”, é porque o que produz o choque já tem em si o impulso para outra situação. Chocando-se contra seus próprios limites o pensamento poderia simplesmente delirar, entrar em decomposição, em vez de ultrapassar a si mesmo. Se Adorno pode defender o caráter inexorável de tal ultrapassagem é porque lhe acompanha certo hegelianismo que não teria como desaparecer do horizonte. O mesmo hegelianismo que nos mostrará como as contradições contra as quais o pensamento da identidade se choca já são figuras da infinitude em ato.”

“A chave da posição de Adorno vem logo em seguida, quando lembrar que “as obras de arte significativas são aquelas que ambicionam um extremo: as que se destroem no caminho e cujas fraturas permanecem como cifras da verdade suprema que não conseguiram nomear”. As obras de arte fiéis a seu conteúdo de verdade precisam se destruir no caminho, pois seus dispositivos de construção integral devem ser postos e devem falhar. Toda verdadeira obra de arte é a história de um fracasso e a expressão de uma fratura. Ela precisa expor a tensão em direção à construção absoluta, como forma de operar à crítica à ilusão de significação natural que seus materiais parecem portar. Ela não pode “encontrar” seus materiais. Antes, ela precisa procurar transcender a literalidade de seus materiais, sob pena de aceitar o estado arruinado da linguagem própria a uma sociedade que toda obra de arte verdadeira combate.”

“Podemos dizer que interpretar um conceito filosófico será, para Adorno, explicitar a necessidade de seu movimento no interior de situações sócio-históricas muitas vezes contraditórias entre si; situações às quais o conceito em questão foi referido. Não se trata de afirmar que tal multiplicidade de referências a situações contraditórias seja resultado da inabilidade de alguns em compreender a verdadeira referência do conceito. Na verdade, o movimento é interno ao próprio conceito. Adorno chegará a dizer que a imposição fundamental da dialética não consiste em defender que a verdade estaria no tempo ou em oposição a ele: “mas que a própria verdade tem um núcleo temporal (einen Zeitkern)” O que é uma maneira de afirmar que o conceito produz um processo histórico-social que obriga a mudanças contínuas na sua própria estrutura de significação, redimensionando sua referência, isso se ele quiser “permanecer fiel a si mesmo”. Um contextualismo historicamente distendido que nunca poderia ser compreendido em chave relativista, mas em determinação situacional. Portanto, um verdadeiro conceito filosófico nunca é homogêneo, mas move-se de maneira distinta em situações sócio-históricas específicas.”

“Todos conhecem a afirmação canônica de Adorno: “O todo é o não­verdadeiro”. Mas a análise detalhada da maneira com que Adorno compreende o problema da totalidade em Hegel demonstra um julgamento mais complexo. Pois ele sabe que a negação simples da experiência da totalidade leva, necessariamente, à fascinação positivista pela pretensa imediaticidade da facticidade e do meramente dado. Tal negação simples da totalidade é a senha para a validação de uma ciência que apenas constata, ordena e que, por se aferrar à afirmação da existência desconexa, perde a força para levar a cabo toda crítica à realidade reificada. Isso faz com que Adorno procure, em Hegel, o modelo de crítica a tal tentação positivista, e ele o encontrará exatamente no conceito de totalidade. Para tanto, Adorno precisa lembrar, sobre Hegel:

Assim como as partes não são tomadas de maneira autônoma contra o todo, que é o elemento delas, o crítico dos românticos sabe também que o todo apenas se realiza por meio das partes, apenas por meio da separação, da alienação, da reflexão, em suma, por meio de tudo o que é anátema para a teoria da Gestalt. 

Ou seja, Adorno não defende a ideia corrente de que a totalidade em Hegel seria uma espécie de estrutura prévia à experiência da consciência, sempre presente e pronta para ser desvelada ao final por um processo que já estaria determinado desde sempre e que, por isso, não seria processo algum, o que nos daria uma totalidade como movimento sem acontecimento. Exemplo paradigmático de tal interpretação pode ser encontrado na crítica heideggeriana a Hegel.[159] Ao contrário, Adorno insiste que a totalidade em Hegel deve ser inicialmente vista como a quintessência dos momentos parciais que apontam para além de si mesmos. É isso que lhe permite afirmar que, no caso da totalidade hegeliana, “o nexo [entre os elementos] não é aquele da passagem contínua, mas da mudança brusca; o processo não ocorre na aproximação dos momentos, mas propriamente por meio da ruptura”.[160] Essa é outra maneira de dizer que a totalidade não deve ser compreendida como determinação normativa capaz de definir, por si só, o sentido daquilo que ela subsume, mas como a força de descentramento da identidade autárquica dos particulares. Descentramento sentido pelos particulares como ruptura e mudança brusca. Isso leva Adorno a afirmar que o sistema hegeliano não quer ser um esquema que tudo engloba, mas o centro de força latente que atua nos momentos singulares, impulsionando tais momentos com a abertura da transcendência.

Dessa forma, Adorno deve reconhecer, nos melhores momentos de seus textos, que em Hegel a totalidade não pode ser vista como negação simples do particular, como subsunção completa das situações particulares a uma determinação estrutural genérica. Ela será a consequência necessária de a compreensão do particular ser sempre mais do que si mesmo, de ele nunca estar completamente realizado, de ser uma determinação instável. Na verdade, ela aparecerá como a condição para que a força que transcende a identidade estática dos particulares não seja simplesmente perdida, mas possa produzir relações.”

“No entanto, podemos encontrar em Hegel uma noção relativamente distinta de totalidade, a saber, algo que deve ser descrito como uma processualidade em contínua reordenação de séries de elementos anteriormente postos em relação. Neste caso, as relações entre os elementos e momentos continuam necessárias, mas tal necessidade não obedece a uma 1ógica determinista, e sim a um processo de transfiguração da contingência em necessidade. Tal transfiguração exige pensar a totalidade como um sistema aberto ao desequilíbrio periódico e infinito, pois a integração contínua de novos elementos inicialmente experimentados como contingentes e indeterminados reconfigura o sentido dos demais. A negação determinada não aparece, assim, apenas como passagem de um conteúdo a outro que visaria mostrar o caráter limitado dos momentos parciais da experiência. Ela é principalmente a reconfiguração posterior de conteúdos já postos tomados como conjunto. O movimento que a negação determinada produz é um movimento de mutação para frente, mas também para trás. Adorno insiste neste ponto ao afirmar que aquilo que Hegel denomina como síntese “não é apenas a qualidade emergente da negação determinada e simplesmente nova, mas o retorno do negado; a progressão dialética é sempre também um recurso àquilo que se tornou vítima do conceito progressivo: o progresso na concreção do conceito é a sua autocorreção”.

“Assim, a totalidade não pode ser definida aqui como o que permite a compreensão semântica de todos os elementos que ela subsume (como está pressuposto na citação anterior de Lukács), mas como a perspectiva que permite a compreensão sintática do movimento de reabsorção contínua do que inicialmente apareceu como indeterminado e contingente. Pois há, no interior mesmo da ontologia hegeliana, um risco de indeterminação que sempre devemos inicialmente assumir para poder após integrar.

De fato: “Cada vez que Hegel chega a um momento de perfeição no qual a identidade parece fechar-se em si mesmo para um gozo autárquico, é a negação desta identidade que salva o Absoluto da abstração e da indeterminação” (MABILLE, Bernard. Idéalisme spéculatif, subjectivité et négations. In: GODDARD, J.-C. (Org.). Le transcendantal. Paris: Vrin, 1999, p. 170).

“A impossibilidade de resolução do conflito, a contínua luta contra a organicidade, não nos leva, como poderíamos inicialmente esperar, a uma forma sem força sintética. Pois a processualidade da ideia já fornece a unidade no nível construtivo. Este é o ponto central: a contradição entre os momentos, potencializada pela eliminação de processos visíveis de transição, não chega a eliminar a univocidade produzida pela relação de cada momento à ideia. A ideia tem a força de se refratar em atualizações contraditórias, sem com isso perder sua univocidade. Pois ela desenvolve, ao mesmo tempo, o antagonismo entre a finitude de seus momentos e a univocidade de sua processualidade que absorve a multiplicidade das determinações.”

“Há de se lembrar disso quando for questão de avaliar as relações entre Adorno e Hegel, assim como seus respectivos conceitos de dialética. Não é possível compreender tais relações em toda sua extensão amputando o sentido do recurso filosófico à estética, com suas referências estratégicas a Hegel, no interior da obra adorniana. De toda forma, que uma figura fundamental da reconciliação se desloque, paradoxalmente, para essa arte que parece recusar toda conciliação possível não deveria nos estranhar. Ela é uma forma de afirmar que a verdadeira ação social, e mesmo a verdadeira ação política, só pode ocorrer através do redimensionamento da força produtiva da imaginação animada pela confrontação com as obras de artes avançadas de nosso tempo. As experiências que mobilizam a ação social transformadora, como a liberdade e a emancipação, são, de certa forma, produções estéticas. Elas procuram realizar, na vida social, a liberdade e a ausência de dominação que as obras de arte são capazes de produzir. Há uma consequência política danosa vinda da recusa em admitir que a arte é o setor da vida social mais claramente portador de força redimensionadora da experiência. A insensibilidade à arte só pode ser também insensibilidade às transformações sociais.”

“Liberdade não é algo que se predica de um sujeito sem que tal predicação não acabe por nos levar a um processo contraditório com a situação atual e suas relações de reconhecimento e trabalho, a uma desarticulação do próprio campo dos predicados, a um estado impossível de ser determinado a partir das potencialidades de determinação vigentes no aqui e agora.”

Dar corpo ao impossível: o sentido da dialética a partir de Theodor Adorno (Parte II) – Vladimir Safatle

“A ampliação das estratégias da crítica feita por Adorno tem sua razão histórica. Vimos como Marx critica a dialética hegeliana por ter em vista um horizonte histórico marcado pelo caráter retardatário da realidade alemã e seu sistema de “compensações simbólicas” através do recurso às dinâmicas de superação produzidas pela Ideia. Já Adorno, nos anos 50 e 60 do século XX (momento em que ele se volta de forma mais sistemática para a reconstrução da dialética), não está exatamente diante de um horizonte histórico de descompasso entre avanço da Ideia e atraso da efetividade. Mais correto seria dizer que ele se confronta com um momento histórico de aparente fortalecimento da capacidade de organização sistêmica do capitalismo e de seu horizonte normativo através dos desdobramentos do “capitalismo de estado”. Uma organização que se expressa não apenas em um sistema até então inédito de gestão de crises e de previsão de demandas através de instâncias não-privadas de regulação, o qual leva Adorno a afirmar que nossa época conheceria uma predominância da força sistêmica das relações de produção sobre o caráter disruptivo das forças produtivas. Adorno insistirá também em um processo convergente de gestão social no qual os campos da cultura e da economia, assim como dinâmicas sociais de trabalho, desejo e linguagem, obedecem a um profundo processo de integração.

Esse horizonte aparece a Adorno como um horizonte de máxima integração que se traduz em um princípio social de paralisia e conservação ainda mais problemático do que aquele apontado por Marx, já que a integração entre força reguladora do Estado e mercado permitiria a limitação dos processos de pauperização e precarização que poderiam ser o fundamento de um sofrimento social capaz de levar a ações de ruptura. Mas esta pretensa limitação dos processos de espoliação econômica (afinal, é sempre bom lembrar, Adorno não viu a ascensão neoliberal dos anos setenta, seu horizonte é o da ascensão do Estado providência e, definitivamente, Adorno não é um teórico da socialdemocracia, mas um de seus críticos mais conscientes) seria paga pelo aprofundamento das dinâmicas de alienação social através da industrialização do campo da cultura e a consequente estereotipia das relações intersubjetivas e das relações a si. O que explica a insistência em compreender a irredutibilidade da alienação mesmo em situações nas quais a espoliação teria pretensamente sido controlada. (...)

De toda forma, levemos em conta uma contextualização histórica necessária. Pois se configurações importantes da estratégia adorniana eram resultantes da tomada de posição a respeito de uma situação histórica fundada no advento do Estado providência, há de se notar que o colapso atual dessa situação e a consolidação de uma alternativa neoliberal recoloca a crítica diante de uma sociedade com alto potencial de antagonismo. Dessa forma, a crítica pode insistir novamente em dinâmicas necessárias de emergência de sujeitos políticos, em uma certa recuperação de modelos presentes em Marx, e de forma mais explícita do que Adorno poderia fazer no interior de seu horizonte histórico de integração da classe proletária à economia social de mercado alemã (que Adorno compreendia como o horizonte privilegiado de desenvolvimento do capitalismo). É verdade que o advento do neoliberalismo não implica em obsolescência da consolidação da estrutura repressiva do “capitalismo de Estado”. Não só na esfera econômica, o Estado permanece em sua função de intervenção, garantindo as condições para o processo de monopolização da economia. Na esfera social, encontramos o Estado a gerir dispositivos de integração, mas, diferentemente do estado do bem-estar social, não se trata mais de uma integração pelas vias da promessa de limitação da pauperização. Trata-se de uma integração pelo uso do paradigma da insegurança social generalizada, ou seja, integração através da paralisia provocada pelo medo da morte social. Nessas condições, o antagonismo pode se recolocar de forma mais explícita permitindo inflexões na dialética que apareciam como impossíveis a Adorno.”

“Há de se lembrar que o conceito de proletariado tem, em Marx, uma realidade que não é apenas sociológica. Ele descreve também uma posição ontológica ligada à despossessão generalizada como condição para a ação efetiva, assim como ligada à expressão da negatividade e da irredutibilidade às predicações como posição fundamental do sujeito. Através de uma situação na qual sujeitos aparecem como profundamente despossuídos, os vínculos às atuais formas de vida e à seus regimes disciplinares se fragilizam, permitindo a emergência de um novo sujeito. A despossessão e a desidentificação podem aparecer como a condição fundamental da recuperação política do proletariado, para além de sua restrição à descrição sociológica da classe dos trabalhadores que tem apenas sua força de trabalho.
Em dado momento, Adorno afirma: “A confrontação (Gegenüberstellung) entre burguês e proletário nega tanto o conceito burguês de homem assim como os conceitos da economia burguesa”. Colocações desta natureza, que articulam claramente crítica da economia política e crítica da estrutura disciplinar de constituição de figuras da subjetividade, mereceriam ser melhor exploradas. Pois se nos perguntarmos sobre o que caracteriza tal antropologia do sujeito burguês veremos uma certa ligação à identidade, à relações por propriedade, à abstração, à funcionalidade. Tais características necessariamente são negadas com o advento do proletariado. Assim, a dicotomia entre burguês e proletário não é apenas resultado de um problema de distribuição e de espoliação econômica (que, é sempre bom lembrar, retorna de forma muito mais forte no interior do neoliberalismo). Ela é expressão de um antagonismo a respeito de formas do sujeito, ou seja, um antagonismo sobre figuras da subjetividade. A ponto de Adorno afirmar que o desaparecimento da autonomia do mercado e da individualidade burguesa implica o desaparecimento do seu oposto, a saber, a desumanização daqueles rejeitados pela sociedade. Tal desumanização não aponta, no entanto, para a perda do que a individualidade burguesa entende por “humanidade”. Ela aponta para a impossibilidade da emergência de uma “humanidade” que nos retiraria desta pré-história contínua travestida de história da ascensão e hegemonia da burguesia. Neste sentido, lembremos de afirmações de Marx e Engels como: A relação comunitária em que entram os indivíduos de uma classe, relação condicionada por seus interesses comuns frente a um terceiro, era sempre uma comunidade a qual pertenciam esses indivíduos somente na condição de indivíduos médios, somente enquanto viviam dentro das condições de existência de sua classe, uma relação que não os unia como indivíduos, mas como membros de uma classe. Na comunidade dos proletários revolucionários, ao contrário, que tomam sob seu controle suas condições de existência e a de todos os membros da sociedade, ocorre justamente o oposto; tomam parte dela os indivíduos como indivíduos.

Notem a distinção feita por Marx e Engels. Antes do advento do proletariado como classe revolucionária, os indivíduos só formavam classes enquanto resposta a uma luta comum contra um terceiro, contra outra classe. Ou seja, a classe aparece assim como uma associação condicionada pela existência de um terceiro excluído, dentro dos usos políticos da distinção amigo/inimigo. Mas por ser uma estrutura defensiva, ela necessariamente definirá os indivíduos a partir de um modo de pertencimento baseado na partilha geral de atributos diferenciais que constituem a classe como um conjunto. A classe funda assim uma identidade por partilha de atribuição e toda identidade desta natureza é sempre uma operação defensiva. Daí a ideia de que, no interior da classe, os indivíduos aparecem apenas como indivíduos médios, ou seja, indivíduos submetidos a um padrão, a uma mediana com a qual todos devem se conformar.
Já na associação de indivíduos livres produzida pelo proletariado, (e há de se compreender que não se trata aqui da noção liberal de indivíduo, mas uma noção dialética de singularidade) podem aparecer como não mais submetidos a uma definição de classe. Primeiro, eles não se submetem mais à divisão do trabalho, por isto sua atividade não é compreendida como trabalho. Como dirão Marx e Engels, o proletariado elimina o trabalho. Por outro lado, eles não se confrontam mais com um terceiro excluído, por isto sua ascensão é a dissolução de todas as classes, é o fim da compreensão da vida social como constituída por classes e a realização possível do da totalidade própria ao ser do gênero. Marx e Engels chegam a falar em: “apropriação de uma totalidade de forças produtivas e no consequente desenvolvimento de uma totalidade de capacidades”. A apropriação da totalidade só é possível porque não há mais uma perspectiva de classe em operação. Nesse momento, outra história começa: uma história do ser humano. Esse horizonte não pode ser dissociado da dialética negativa de Adorno.”

“Há uma certa ironia aqui. Pois tudo se passa como se Adorno acusasse Heidegger de fazer uma certa “‘dialética negativa”, mas uma peculiar dialética negativa feita apenas com negações simples na qual, por isso, o ser precisará perpetuar indefinidamente sua negação aos entes para se manifestar Algo como um juízo de existência sem faticidade expresso na ideia de subtração de todos os predicados. Daí por que Heidegger acabaria por tratar o ser como “identidade, puro ser si mesmo, desprovido de sua alteridade”. Não é difícil perceber que Adorno nega ao ser a possibilidade de ele possuir uma determinação imanente, o que demonstra claramente a estratégia dialética de não pensar exatamente por rupturas, mas por metamorfoses.

No interior de um pensamento dialético, o modo de determinação dos entes não pode ser exatamente contraposto a outro modo de determinações sem que não se transforme em uma mera duplicação, em um decalque do primeiro pelo segundo. Pois, para uma teoria do absoluto, como a que está na base do pensamento dialético (e mesmo uma dialética negativa opera com um conceito de absoluto sob a figura da totalidade pressuposta, como tentei defender no segundo capítulo deste livro), não é possível haver dois modos gerais de determinação em relação de exterioridade indiferente um para com o outro. Na verdade, é possível apenas que o modo de determinação dos entes seja transmutado em seu outro, ou seja, é possível apenas que ele, de certa forma, imploda-se em um movimento de realização do absoluto. A dialética não é uma teoria das contraposições, mas uma teoria das metamorfoses.

Por isso, melhor seria, ao menos segundo a perspectiva de Adorno, entender como os entes sempre remetem para além de si mesmos em um movimento que é processo, não exatamente ser: Isso explica por que Adorno pode dizer que Heidegger para no limiar de uma dialética sem processualidade, paralisada pela procura em realizar uma estabilidade que a verdadeira dialética saberá criticar por assumir a reflexão a respeito da imbricação interna entre sujeito e objeto.

É a razão pela qual esta negação indefinida do ser heideggeriano precisaria aparecer, paradoxalmente, como algo firme: A mais urgente das necessidades hoje parece ser a necessidade de algo firme. Ela inspira as ontologias; elas se adaptam a essa necessidade. Ela possui a sua justificação no fato de que se quer segurança, de que não se quer ser enterrado por uma dinâmica histórica contra a qual as pessoas se sentem impotentes. O imperturbável gostaria de conservar aquilo que é antigo e condenado. Quanto mais desesperançadamente as formas sociais existentes bloqueiam essa nostalgia, tanto mais irresistível a autoconservação desesperada introduzida em uma filosofia que deve ser as duas coisas ao mesmo tempo, desespero e autoconservação. Se a ameaça desaparece, então com certeza também desapareceria com ela a sua inversão positiva, que não é ela mesma outra coisa senão seu negativo abstrato.

Assim, se não há ontologia do ser no pensamento dialético, é porque o conceito central só poderia ser um conceito reflexivo, no sentido de um conceito que descreve o movimento de imbricação entre categorias até então opostas, que permite a intelecção das transformações mútuas entre o que se separa da existência e o que se determina em uma situação. Esse conceito não será o ser, mas a essência. Como já disse, há uma certa ontologia no interior da dialética, mas ela será uma ontologia da processualidade e das metamorfoses categoriais contínuas.

Heidegger compreende a essência hegeliana como desdobramento da evtpytta de Aristóteles.332 No entanto, o conceito aristotélico é pensado no interior de um movimento de efetivação que é passagem da potência ao ato. Contra isso, há de se lembrar que nem todas as figuras do movimento que animam a essência hegeliana são pensáveis como passagem da potência ao ato. Se assim fosse, não haveria sentido, por exemplo, em falar: “o que em geral move o mundo é a contradição”333. Pois não há contradição alguma na passagem da potência ao ato. Se a contradição desempenha um papel tio central na noção hegeliana de movimento é porque, frente essência hegeliana e à evepytla aristotélica, não estamos diante de conceito simétricos.”

“A experiência do campo de concentração não é, para Adorno, puro apanágio do nazismo. Uma história do campo de concentração nos levaria ao colonialismo (como os campos de reconcentración criados pelos espanhóis em Cuba no final do século XIX ou os campos britânicos contra os afrikaners na Segunda Guerra dos Boers, no início do século XX, no quais foram mortos em torno de 26.000 pessoas). Ou seja, a experiência do campo de concentração é a expressão mais bem-acabada da forma colonial própria ao desenvolvimento do capitalismo monopolista e suas estruturas de controle e exclusão em relação à “humanidade”. Isso talvez possa nos permitir contextualizar melhor o imperativo moral fundado na interdição de que Auschwitz se repita, de que uma forma fascista de vida não se imponha sob suas múltiplas formas.”

“No entanto, tal interesse não pode ser abstraído também do diagnóstico de que o capitalismo em meados do século XX se transformara em um “capitalismo de Estado” (em versões autoritárias e democráticas) que teria se imposto como modelo de gestão social baseado na regulação e controle dos agentes econômicos pela capacidade de planificação própria a uma economia de comando. Como insisti anteriormente, nesse modelo de gestão, a força de transformação social ligada aos conflitos de classe e lutas estruturais contra a pauperização parecia ter sido em larga medida desativada devido aos processos de integração da classe operária a redes de assistência e participação limitada na riqueza social. Essa dinâmica de capitalismo de Estado era o ponto de contato, utilizado pelos frankfurtianos, entre a democracia liberal e as experiências totalitárias do pré-guerra.

Vimos como, mesmo sem admitir a integralidade do diagnóstico de Friedrich Pollock a respeito da desativação do conflito social, Adorno lembrará mais de uma vez que o conceito de classe não seria mais operativo por não haver condições de apelar a uma consciência de classe. Essa impossibilidade de consolidação de consciência de classe não era apenas um dado sociológico. Havia uma impossibilidade psicológica de sujeitos se verem como encarnações de uma mesma consciência de classe devido à anestesia em relação ao sofrimento social de alienação. Nesse sentido, lembremos como a gestão social própria às sociedades do capitalismo de Estado havia aprofundado o que Adorno chamava de “expropriação do inconsciente pelo controle social”, ou seja, uma expropriação pulsional direta que se serve do enfraquecimento do Eu, da ascensão das patologias narcísicas e do declínio dos processos de identificação no interior do núcleo familiar para neutralizar o conflito entre princípio de prazer e princípio de realidade através de uma satisfação socialmente administrada. Essa neutralização do conflito através da integração produziria um nível fundamental de anestesia em relação à experiência social de alienação que ultrapassará o quadro estrito do capitalismo de Estado, sendo peça constitutiva da desarticulação dos processos de incorporação política do descontentamento social mesmo em fases posteriores, como no caso do capitalismo neoliberal.

De fato, as regulações e integrações socioeconômicas não poderiam se impor sem regulações e integrações psicológico-culturais. A atenção à imbricação entre estes dois modos de regulação será uma característica da crítica social frankfurtiana. Nesse contexto, há de se falar em “expropriação pulsional” porque não se trata apenas de uma dinâmica social de socialização do desejo, de sua inscrição no interior de uma rede simbólica. O capitalismo saberá, paulatinamente, expropriar o excesso pulsional (tópico maior do que os frankfurtianos chamarão de dessublimação repressiva), dar uma medida ao que antes alimentava as transgressões da pulsão, mesmo que se trate da contabilidade da desmedida, ou antes, da submissão da desmedida à contabilidade. Ele saberá fazê-lo através dos mecanismos libidinais presentes na indústria cultural, e não será um acaso se encontrarmos uma pletora de conceitos psicanalíticos mobilizados nos estudos adornianos sobre a indústria cultural, a começar pelo conceito de “fetichismo” aplicado ao campo da cultura: resultado de uma costura entre temáticas marxistas e psicanalíticas. A ponto de Adorno afirmar que a indústria cultural seria uma espécie de “psicanálise ao avesso”.

Desenvolvendo as temáticas da dessublimação repressiva como forma de integração social e desativação de conflitos, Adorno falará, por exemplo, de uma “dessexualização do próprio sexo” naquilo que ele teria de desestabilizador, através de sua “pasteurização como sex, por assim dizer, como uma variante do esporte”. Tal dessexualização seria solidária do advento de um discurso não-repressivo, mas integrador de conflitos através da eliminação da força disruptiva das pulsões parciais e de suas estruturas múltiplas e sem telos.380 Como se a sexualidade em circulação na retórica do consumo e na indústria cultural, constituída por uma articulação entre discurso médico e imaginário cultural, se transformasse em um mecanismo de defesa contra o próprio sexual. Dessa forma, as bases motivacionais da recusa e da revolta poderão ser solapadas através da adaptação de sujeitos a uma vida mutilada. Mas para entender tal colapso das bases motivacionais da revolta, há de se perguntar sobre a estrutura pulsional no interior do capitalismo, o que implicará modificações substanciais no que devemos entender por crítica.

Tendo tal diagnóstico em mente; podemos entender por que, para Adorno, as dinâmicas de resistência deverão se enraizar não mais na esfera da classe social e da emergência possível de sua consciência, mas na esfera do sujeito e de seu inconsciente. Serão seus sofrimentos, seu mal-estar, seus sintomas que testemunharão a natureza violenta de um processo de gestão social cuja regulação passará pela procura em desconstituir toda experiência possível da diferença. Serão seus sofrimentos, seu mal-estar, seus sintomas que sustentarão a possibilidade de uma vida correta radicalmente fora dos modos de ordenamento social vigentes a qual se baseia na recusa aos modos de expropriação pulsional no interior das sociedades capitalistas. Isso colocará problemas a respeito das formas políticas de organização do conflito social, os quais Adorno não se verá obrigado a responder (ou que, se quisermos, precisarão ficar temporariamente sem resposta para que possam ser efetivamente respondidos).

De toda forma, há de se insistir que a psicanálise demonstra para Adorno como, em um horizonte de gestão social de máxima integração, a verdade tem necessariamente a forma de sintoma. Cabe à crítica não apenas saber ouvir 0 conteúdo social do que se expressa nos sujeitos sob a forma de sintoma. Cabe a ela compreender que é apenas lá onde encontramos a dimensão do sintoma que haverá sujeito. Poderíamos mesmo dizer que a afirmação lacaniana de que “não há sujeito sem sintoma” ganha aqui uma conotação política inesperada. Pois há de se lembrar que: O sujeito, em que a psicologia preponderou como algo subtraído à racionalidade social, valeu desde sempre como anomalia, como um excêntrico; na época totalitária, seus lugares são o campo de trabalho ou de concentração, onde ele é aprontado”, bem integrado.

Mas notemos que, longe de uma estratégia que reconhece o colapso da ação política coletiva e que prega o retorno ao cultivo da dimensão individual, a posição de Adorno revela a necessidade de um aprofundamento do campo político, da ampliação de suas ações através da compreensão clara dos mecanismos psíquicos de sujeição e integração social como condição para a reorientação da práxis. Assim, não apenas a cultura será claramente elevada a um campo de combate político tendo em vista a possibilidade de produção social da diferença. Também a vida psíquica será um espaço de combate, e não seria um erro se perguntar pela função clínica da arte em Adorno, o que poderia explicar por que, por exemplo, vários conceitos clínicos são mobilizados na crítica musical adorniana, como no caso de Stravinsky (hebefrenia, dissociação psicótica), de Berg (pulsão de morte) ou mesmo em Beckett (despersonalização), entre tantos outros. Pois a arte terá uma força clínica para Adorno. Ela denunciará uma sintomatologia, assim como constituirá modos de subjetivação que darão a sintomas, inibições e angústias outros destinos que não o sofrimento.

Por outro lado, é evidente como, através de sua discussão com a psicanálise, Adorno espera recuperar um elemento fundamental para a ação política transformadora, o qual teria sido negligenciado por Freud, a saber, o potencial de espontaneidade. Seu embotamento é a matriz de todo empobrecimento da imaginação política.”

“Notemos ainda um ponto importante. Através da relação transindividual que passa por dimensões corporais e pulsionais, vemos uma dialética entre natureza e história na qual a natureza aparece, mais uma vez, como a história esquecida de si mesma, a qual só pode se encontrar a si mesma à condição de negar a violência que a própria história até agora representou. Ou seja, ela só pode se encontrar à condição de obrigar a história a ser o que ela ainda não é e o que ela até agora nunca foi. É nesse sentido que a psicanálise poderá trazer a Adorno as coordenadas de uma vida correta que ainda não existiu, que ainda não acedeu à existência reconhecida enquanto tal.”

“O famoso aforisma de Adorno: “A filosofia que um dia pareceu ultrapassada mantém-se viva porque se perdeu o instante de sua realização” é, à sua maneira, fiel à indissolubilidade entre dialética e revolução. As experiências revolucionárias do século XX, que apareciam como o instante da realização da filosofia e sua ultrapassagem enquanto “mera” filosofia, perderam-se, passaram no seu oposto. Se a filosofia se mantém viva, é como o pensamento que conserva o impulso de sua realização e de sua força de transformação apesar do seu fracasso. A filosofia aparece como pensamento que não pensa apenas seu fracasso, embora não recuse deter-se diante dessa tarefa, mas que principalmente medita sobre a astúcia para a realização dos processos de revolução social.

Marx podia, em 1846, clamar o momento de ultrapassar as interpretações do mundo porque sentia a iminência de uma experiência revolucionária, tal como ocorrerá em 1848. Adorno afirma, em 1966, que a filosofia estava viva porque não via iminência alguma, enquanto a dialética não se mostrasse, de fato “à altura do que é heterogêneo”[428] e não penetrasse em novos sujeitos políticos emergentes. Pois essa modificação no modo de pensar seria condição para a emergência de novos sujeitos na práxis. O pensamento dialético pede a emergência de novos sujeitos, da mesma forma que Hegel compreendia que o desenvolvimento da dialética modificaria a consciência até o ponto em que ela não seria mais consciência, até o ponto em que o pensamento não seria mais pensamento representacional, mas Espírito que unifica pensar e ser. Há em Hegel uma emergência do Espírito como sujeito dos processos históricos. Um processo de emergência pensado como revelação retroativa de uma totalidade verdadeira que reinscreve os fatos do passado modificando seu sentido, além de projetar uma força performativa recomposta. O Espírito sempre terá sido, provocando, através de sua emergência, uma revolução no presente, no passado e no futuro.

Como vimos, tal dinâmica está também presente em Marx, agora através de uma guinada em direção à nomeação de um sujeito concreto dotado de força de transformação estrutural da sociedade, a saber, o proletariado. A dialética se realiza através da emergência de um sujeito que age de maneira dialética. Pois a emergência do proletariado não é apenas a constituição de atores políticos que exigirão novas formas de redistribuição de bens e riquezas. Ela é a produção potencial de outro modo de existência, de outra forma de vida capaz de fazer a negatividade passar ao ser, abolindo as determinações por propriedade e posse, capaz de eliminar o primado da representação, capaz de desarticular o primado da identidade. Como defendi anteriormente, o proletariado é, acima de tudo, um modo de pensar e agir por despossessão, não mais um modo de pensar e agir por determinação de propriedade. Faz parte da dialética fazer da negatividade dessa despossessão um motor de transformações, já que ela é a expressão de um processo de perda de adesão aos modos de reprodução social que sustentam o capitalismo.

Quando Marx insiste na alienação do trabalho, ele não pensa apenas na alienação da posse do objeto trabalhado, mas no trabalho como modelo social e estrutural de alienação. Sua superação exige a negação de tudo o que sustenta a sociedade do trabalho, a saber, a família, o Estado, a religião, a moral e o conjunto dos dispositivos disciplinares que definem a estrutura de identidades sociais. Essa negação leva à ação revolucionária, e não à resignação depressiva ou à mera exigência por redistribuição justa porque ela dialética. Ela é negação dos valores que sustentam a sociedade burguesa (a liberdade como falsa liberdade, a autonomia como heteronomia, a emancipação como disciplina, a justiça como injustiça) em nome da realização efetiva desses mesmos valores, agora fora do horizonte de significação definido pela hegemonia da burguesia.

Insistamos nesse ponto, que pode nos fornecer uma orientação para a reflexão a respeito das relações entre filosofia e práxis. Pois talvez sejamos obrigados a dizer que uma filosofia, se não quiser se reduzir à estranha tarefa de um horizonte normativo e valorativo prévio à práxis, não pode ser uma descrição de modos de organização e de estratégia, o que apenas uma experiência efetiva em condições práticas locais pode fornecer. Ela será uma teoria da emergência, das transformações possíveis que produzem a emergência de sujeitos que responderão em sua atuação, pelas condições e desafios concretos da práxis em sua multiplicidade de situações. Ela pode pensar organização, mas organização para emergência. Digamos, pois, que tal exigência não desaparece em Adorno; ela se complexifica devido à interpretação de uma série de coordenadas histórico-sociais ligadas ao colapso do proletariado como classe sociológica e à dificuldade de constituição de dinâmicas de consciência de classe devido ao advento da indústria cultural. Notemos que o fato de a ação revolucionária estar temporariamente bloqueada, segundo Adorno, não significa que ela não teria mais significado algum no interior das dinâmicas do político, nem que a luta pela efetivação de suas condições seria objetivo maior. Reconhecer o bloqueio de um processo não significa abandonar a defesa de sua necessidade. Significa apenas complexificar seus esquemas de efetivação. Mas uma das condições centrais para a práxis revolucionária, ao menos segundo Adorno, é a incapacidade de refletir sobre os “traços maníacos e coercitivos” da própria práxis”.

Dar corpo ao impossível: o sentido da dialética a partir de Theodor Adorno (Parte III) – Vladimir Safatle

“Não há ação de transformação social sem a contraprodução de modelos de recuperação conservadora da revolta e é dessa forma que o nazismo será compreendido. Como dirão Adorno e Horkheimer: “O fascismo é totalitário na medida em que se esforça por colocar diretamente a serviço da dominação a própria rebelião da natureza reprimida contra a dominação”. Ou seja, há uma rebelião na base do fascismo, há uma revolta cuja energia é desviada de sua força transformadora para colocar-se a serviço do recrudescimento da dominação. Há uma rebelião que se transforma em reação.”

“O que nossos últimos vinte anos mostraram foi que nenhuma ascensão da extrema-direita seria possível sem a naturalização de políticas de direita e extrema-direita pela socialdemocracia. Ela traz, assim, para dentro do espectro político, a agenda contra a qual ela normalmente deveria combater.”

“Política e subjetivação

No entanto, é possível dizer sobre a posição de Adorno que ela parece ignorar o fato de revoltas e lutas revolucionárias se darem em um campo heterogêneo de forças sociais, nunca no interior de um campo homogêneo previamente balizado por um sujeito genérico.[450] Por eclodirem em um campo heterogêneo, elas lidam com tendências muitas vezes contraditórias, muitas delas francamente regressivas. Cabe ao processo de mobilização procurar criar hegemonia “em movimento”, ou seja, a partir da própria intervenção no campo de ações. Nesse sentido, a colocação de seu antigo estudante, Hans Jurgen Krahl, a respeito da “inabilidade da teoria de Adorno em lidar com questões de organização”[451] não deveria ser descartada. Elas dizem respeito à compreensão concreta dos processos de emergência. Ao menos nesse contexto, ela aponta para um problema central de reflexão sobre processos de constituição de hegemonia. Pois sujeitos políticos emergem no interior de lutas e revoltas, não previamente a elas. Para que tal emergência seja possível, faz-se necessário que a crítica social se desdobre ao menos em indicação de potencialidades de organização tendo em vista a insurgência. O diagnóstico adorniano do “enfraquecimento da consciência de classe’ no interior do capitalismo tardio parece paralisá-lo diante da possibilidade de lutar pela constituição de hegemonia em um campo de atores sociais fragmentado, já que falta a Adorno a constituição teórica de um sujeito genérico interno aos embates políticos, capaz de emergir “em movimento” no interior das lutas sociais (como faz Marx a respeito do proletariado). Para tanto, seria necessário que o próprio conceito de “sujeito não-idêntico” fosse projetado para dentro do campo de embates políticos, o que não ocorre. Essa talvez seja uma tarefa política maior deixada pela dialética negativa. Isso nos levaria à questão de como sujeitos não-idênticos se organizam em processos de insurgência, como eles se manifestam em situações “cedo demais”, questões que Adorno se recusa terminantemente a colocar. Questões que ficaram para a posteridade.

Note-se que isso nada tem a ver com alguma forma de “resignação escapista” que seria própria à dialética negativa. A insistência de Adorno na irredutibilidade do momento teórico é, na verdade, fruto da consciência da impotência de uma prática incapaz de se orientar diante de uma avaliação adequada de contextos e impactos de ações. Pois, “a passagem à práxis sem teoria é motivada pela impotência objetiva da teoria, e multiplica aquela impotência mediante o isolamento e fetichização do momento subjetivo do movimento histórico: a espontaneidade”.[453] Esse ponto é tão central para a concepção política de Adorno que em certos momentos ele explicitará a necessidade de novas formas de aliança entre intelectuais e classe trabalhadora como condição fundamental para que a energia negativa das classes subalternas se transforme em força revolucionária: Hoje em dia, quando o conceito de proletariado, intocado em sua essência econômica, está tão obliterado pela tecnologia que, no maior dos países industrializados, não há possibilidade de uma consciência proletária de classe, o papel dos intelectuais já não seria alertar os obtusos para seus interesses mais patentes, porém tirar a venda dos olhos dos espertos, tirar a ilusão de que o capitalismo que faz deles seus beneficiários transitórios baseia-se em outra coisa que não sua exploração e opressão. Os trabalhadores enganados dependem diretamente daqueles que ainda conseguem enxergar alguma coisa e falar-lhes de seu engano. Seu ódio pelos intelectuais sofreu uma mudança correspondente. Alinhou-se com as opiniões correntes do senso comum. As massas já não desconfiam dos intelectuais por eles traírem a revolução, mas porque eles talvez a queiram; com isso, relevam quão grande é sua própria necessidade de intelectuais. A humanidade só sobreviverá se os extremos se unirem.

A colocação é clara e repete uma ideia presente em muitos momentos nos textos adornianos, a saber, não há como apelar à emergência de uma consciência de classe, independente dos antagonismos de classe terem permanecido intocados. Mesmo assim, nesse contexto, a função dos intelectuais continua decisiva, o que demonstra uma consciência explícita de autopertencimento a uma dinâmica de luta social. Essa função dos intelectuais não consiste, no entanto, em enunciar ao proletariado a natureza de seus próprios interesses, como se fosse questão de retomar uma visão redentora e dirigista de uma pretensa vanguarda intelectual. Ela é um insistir na impossibilidade da integração, no embuste da participação e da “parceria social”. A classe intelectual tem uma função desintegradora que só aparece de forma efetiva quando ela assume para si querer uma práxis revolucionária, sua não-participação é ativa. Ela é uma desintegração em ato. Assim, ela recusa sua própria integração e permite, com isso, a imagem improvável de uma união entre os extremos, mesmo que não se possa dizer que essa força da recusa seja atualmente uma posição muito presente entre a classe intelectual.

No entanto, diante dos impasses e desafios dessa natureza, a Teoria Crítica preferiu abandonar o que seria a tarefa exigida pelo tempo histórico, a saber, aprofundar a reflexão sobre a dialética necessária para as potencialidades revolucionárias do presente, aprofundar a reflexão sobre processos de emergência. Ou ainda, pensar a sociedade capitalista a partir de sua plasticidade revolucionária imanente. O que ela se tornou foi um celeiro de intelectuais para os quais a própria ideia de “revolução” perdera completamente o sentido. Teria sido necessário meditar com mais vagar afirmações de Adorno como: Meu sentimento mais íntimo sobre isso é: no momento tudo está fechado, mas a qualquer momento isso pode mudar. Eu faço a seguinte consideração: essa sociedade não se move em direção a um Estado de Bem-Estar. [...] Eu não consigo imaginar que exista um mundo intensificado a tal ponto de delírio, sem que contraforças objetivas sejam liberadas.

Ou seja, teria sido necessário pensar com mais vagar sobre essas contraforças objetivas que se movem para fora do modelo do Estado do bem-estar social, o último estágio possível de compromissos no interior das sociedades capitalistas avançadas. Teria sido necessário pensar uma plasticidade revolucionária indissociável do movimento polar entre emancipação e risco de regressão fascista. Em vez disso, as gerações posteriores da Escola de Frankfurt, animadas pelo medo do que aparecia a alguns como “fascismo de esquerda” (expressão colocada em circulação pelo jovem Habermas), acabarão por abraçar um projeto político muito mais desinflacionado de aspirações de transformação. A filosofia que precisa manter-se viva para lembrar a potência do que ainda não foi realizado e dos sujeitos que virão dará lugar à análise dos potenciais imanentes às estruturas de interação já em operação nas esferas de reprodução da vida social, A solidariedade entre filosofia e revolução, solidariedade que, como dizia Freud a respeito da razão, pode falar baixo mas nunca se cala, será cortada de vez no interior do pensamento frankfurtiano. Ela simplesmente desaparecerá como questão relevante para uma reflexão político-filosófica.

Até mesmo a crítica totalizante da sociedade capitalista implacavelmente feita por Adorno será vista, muitas vezes, como mera expressão de um niilismo sem freios, elitista e aristocrático. Sua crítica da cultura será vista como incapaz de dar conta da multiplicidade dos processos de ressignificação próprios à recepção e à remediação. Teremos então uma geração de pensamento crítico sem a capacidade e o desejo de operar de forma implacável no campo da crítica cultural e na destituição da indústria cultural. Geração que preferirá ver, na crítica cultural, a expressão inconfessa do elitismo e da afirmação colonial. Mas a deposição da crítica da cultura é o primeiro estágio do embotamento de toda imaginação política. Por isso, há de se lembrar que recuperar a dialética adorniana nunca será uma operação anódina em suas consequências políticas.”

“No entanto, devemos insistir em uma questão central nesse debate: entre Deleuze e Hegel passa ao menos um ponto em comum, a saber, todas as duas são filosofias para as quais o problema filosófico fundamental consiste em pensar a atualidade do infinito, criticando, com isso, o papel estabilizador do recurso ao fundamento. Todo debate sobre os dois filósofos deveria partir dessa aceitação. Todos os dois procuram, à sua maneira, definir a tarefa da filosofia como a exigência de, através dos conceitos, “adquirir consistência sem perder o infinito no qual o pensamento mergulha”. Todos eles colocam como tarefa maior criticar a finitude da representação, seja sob a forma da finitude dos modos de determinação próprios ao entendimento (Hegel), seja sob a forma de uma imagem do pensamento ligada ao primado da identidade (Deleuze). Por ter um projeto comum, mas construído a partir de uma base metafísica distinta (como gostaria de mostrar mais à frente), a relação de Deleuze com Hegel será necessariamente problemática e mesmo necessariamente injusta. Os filósofos que não podemos ler não são aqueles com os quais discordamos, mas aqueles com os quais mantemos uma relação não-aceita de proximidade relativa. (...)

Digamos que, para Hegel, infinito é aquilo que porta em si mesmo sua própria negação e que, em vez de se autodestruir, conserva-se em uma determinidade. Daí por que ele pode afirmar, em uma frase-chave: A infinitude, ou essa inquietude absoluta do puro mover-se-a­si-mesmo, faz com que tudo o que é determinado de qualquer modo – por exemplo, como ser – seja antes o contrário dessa determinidade.484
Notemos essa maneira peculiar de falar sobre o infinito. Primeiro, Hegel o define como “a inquietude absoluta do puro mover-si-a-si-mesmo”, ou seja, o infinito é uma forma de movimento, uma forma de passagem, e não uma situação. Um movimento infinito será aquele que é marcado por uma inquietude “absoluta”. Ela é absoluta por não ser “relativa” a uma situação dada, mas ser contínua ultrapassagem de si por si mesmo, o que pode ser entendido como: atualização do que não é um mero possível da situação dada. Por isso, a infinitude é construída a partir da experiência da contradição, pois ela é atualização de impossíveis. Dessa forma, a infinitude aparecerá como a constituição de um objeto da experiência que se move a si mesmo, que tem em si mesmo a própria causa de sua transformação, não no sentido de ter seu princípio de desenvolvimento em um regime potência/ato, mas de ter em si o processo que destrói sua própria identidade imediata.

Mais uma vez poderíamos dizer que isso parece fazer com que o infinito seja o ato contínuo de ultrapassagem do finito, de um finito que permanece, que se conserva por precisar ser continuamente ultrapassado. Portanto, Deleuze podia dizer que, em Hegel, a representação infinita não se livra do princípio de identidade, mesmo que ele agora seja mobilizado preferencialmente através daquilo que indica seu limite, como as noções de oposição, antagonismo, contradição e conflito.

No entanto, e vale a pena voltar a esse ponto de forma mais sistemática, lembremos como tal leitura só seria possível se reduzíssemos todas as figuras dialéticas da negação à oposição, o que está longe de ser o caso em Hegel. A oposição pode admitir que só é possível pôr um termo através da pressuposição da realidade do seu oposto, que aparece aqui como limite de significação. Mas a oposição não pode admitir, e aqui começa uma compreensão dialética da infinitude, que a realização de um processo é a autonegação de sua identidade imediata, é a destruição de seu limite suposto. Em suma, ela não pode admitir que “tudo o que é determinado de algum modo é o contrário desta determinidade”, que toda determinação é precária por estar em movimento. Admitir isso significaria desarticular a própria noção de identidade em sua força de distinção entre elementos, o que desarticularia a noção de “finito”. Pois perdida a capacidade de distinção entre elementos, o que resta da identidade? Certamente, nada referente a seu significado habitual. Ela deixa de ter a função organizadora que normalmente esperamos da representação.”

“No entanto, podemos lembrar como a negatividade em Hegel não pode ser pensada sob a forma da privação ou da falta, mas sob a forma da indeterminação produtiva. Hegel compreende que o fracasso do finito em determinar-se deve ser momento de atualização de um infinito que, inicialmente, deve aparecer como força de indeterminação, para depois aparecer como força produtiva através da virtualização dos limites do finito. As determinações finitas e sua estética própria do tempo e do espaço devem entrar em colapso; elas devem se autonegar através de uma crítica imanente na qual elas descobrem em si mesmas o infinito em operação, na qual elas começam a falar outra linguagem, como se sua linguagem natural fosse simplesmente destruída. As determinações finitas devem, de certa forma, explodir seus limites, suspendendo a força de organização de uma estética submetida ao pensar representativo para assim se realizarem como infinito.487 É dessa forma que devemos entender uma afirmação central, que descreve o movimento dialético hegeliano: A superação (Aufheben) não é a alteração ou o ser-outro em geral, nem a superação de algo. Isso, em que o finito se supera, é o infinito como a negação da finitude, mas a finitude foi determinada por muito tempo apenas como existência enquanto não-ser. Por seu lado, a infinitude foi determinada como o negativo da finitude e da determinidade em geral, como o vazio do para além. A superação de si na finitude é um retorno deste voo vazio, a negação do para além que é, em si mesmo, um negativo.

Podemos dizer que esse retorno do voo vazio, a negação da negação do para além como realização efetiva do infinito se dá através de uma peculiar virtualização da efetividade capaz de desarticular o sistema de limites do pensar representativo. Hegel fornece uma figura exemplar dessa virtualidade recorrendo às noções de tempo histórico e temporalidade concreta.489 Basta extrair as consequências necessárias de afirmações como: A vida do espírito presente é um círculo de degraus que, por um lado, permanecem justapostos e apenas por outro lado aparecem como passados. Os momentos que o espírito parece ter atrás de si, ele também os tem em sua profundidade presente.

A capacidade de colocar em justaposição o que até então era radicalmente disjunto, de criar a contemporaneidade do não contemporâneo implica um colapso da estética transcendental do tempo e sua linearidade. Ao se livrarem dos limites da representação, as determinações realizam sua infinitude ao se encontrarem no tempo histórico. Pois, se vários tempos podem estar atualizados em uma profundidade presente, é porque eles não se submetem a uma concepção representacional, mas organizam-se como uma multiplicidade. A recondução do tempo à sua historicidade é figura exemplar da maneira hegeliana de pensar a atualização da virtualidade como figura da infinitude, e fornece um belo exemplo da razão pela qual a negação de uma negação resulta, em Hegel, em uma afirmação. Os instantes temporais negam-se entre si, pois se determinam inicialmente a partir de diferenças opositivas. A negação de sua negação é a atualização de uma estrutura de implicações impensável para o entendimento, mas profundamente real, por isto afirmativa.”

“Gostaria de terminar procurando caracterizar melhor o ponto no qual, a meu ver, a distinção entre Hegel e Deleuze pode ser posta de maneira mais produtiva. Isso exige retornar ao problema da contradição em Hegel, em especial a seu caráter de “contradição objetiva”, ou se quisermos, de contradição real. Como vimos, a contradição em Hegel não diz respeito apenas à contradição lógica entre o universal e o particular, ou entre dois termos contrários enunciados sob o mesmo aspecto (como em uma relação de tese e antítese). Da mesma forma como Kant precisa distinguir oposição lógica e real, Hegel também opera com uma distinção fundamental entre contradição lógica e real.
Eu insistira anteriormente que o movimento dialético não é mera modificação, mas é a destruição da identidade inicialmente posta. A contradição é negação da totalidade da identidade inicial através do movimento da identidade realizar-se como exceção de si, da totalidade encarnar-se em um termo que a nega e que, inicialmente, lhe parece absolutamente exterior, o que não poderia ser diferente para alguém que define o movimento da essência como uma autonegação. Definir tal autonegação como atualização do movimento da essência significa que a destruição da identidade posta não é fruto de um acidente, mas a realização da essência, ou mesmo a integração do acidente no interior da essência (e poderíamos dizer que essa é uma das determinações fundamentais da dialética, a saber, a capacidade de integrar o acidente no interior da essência). Se fosse um acidente meramente exterior, não haveria contradição. Nesse sentido, podemos dizer que o que se move move-se por destruição de si e por inscrição dessa destruição em um movimento de “retorno em si” (Rückkehr in sich selbst) que modifica retroativamente a situação inicial finita e limitada, em vez de assegurá-la em sua identidade inicial.

Ou seja, Hegel admite, à sua maneira, uma proposição cara a Deleuze: só a repetição produz uma experiência da diferença. Mas trata-se aqui de uma repetição pensada como modalidades de retorno a si que reinstauram regimes de determinação em um nível mais elevado de complexidade. Esta é a maneira hegeliana de afirmar que algo tem em si a própria causa do que lhe transforma. Ter em si a própria causa do que lhe transforma não é expressar a imanência de um devir que se desdobra no interior da totalidade da substância. Antes, ter em si a própria causa do que lhe transforma é integrar uma exceção, uma contingência que só poderá ser encarnada por uma totalidade, ou seja, que só pode ser integrada à condição de a totalidade modificar o que determina seu regime de relações. Daí por que é necessário falar em contradição como condição para um movimento de transformação efetiva.”

“Podemos falar de indeterminação de duas maneiras: como um abismo em que tudo se dissolve ou como uma superfície em que determinações não se organizam como um sistema de partes integradas e claramente diferenciadas. Este segundo conceito de indeterminação será posteriormente recuperado sob a forma da noção de “plano de imanência”.

Essa é a maneira deleuzeana de afirmar que o verdadeiro pensamento da diferença a compreende não como modo de distinção entre elementos fortemente determinados, mas como uma potência interna de indiferenciação que habita toda determinação. Pois toda atualização da virtualidade é indissociável de um movimento de destituição das formas até então vigentes e temos todo o direito de nos perguntar se movimentos de destituição podem ser corretamente descritos a partir de potências meramente afirmativas.

Isso leva Deleuze a insistir que “quando o fundo sobe à superfície, o rosto humano se decompõe neste espelho no qual o indeterminado, assim como as determinações, se confunde em uma única determinação que ‘faz’ diferença”. Ou ainda, que o leva a mostrar como a figura fundamental da diferença não é a oposição, mas esta “potência informal do fundo que leva cada coisa a esta forma extrema na qual sua representação se desfaz”. Tal potência informal do fundo é o fundamento da “diferença nela mesma”, uma diferença interna ao processo de determinação de uma individualidade.”

“Podemos dizer que foi por uma razão semelhante que Hegel apareceu como um dos primeiros a propor uma ontologia desprovida do conceito de ser enquanto conceito fundamental. Na verdade, o conceito ontológico central de Hegel é essência (Wesen), com sua dinâmica de movimentos produzidos a partir de estruturas relacionais como a identidade, a diferença, a oposição e a contradição. Hegel crê que o conceito de ser é, de certa forma, um falso conceito por sua generalidade abstrata ser, na verdade, índice de indeterminação improdutiva. Portanto, ele precisa apreender a substância não como ser, mas como sujeito em atividade de negatividade, ou seja, ele precisa compreender a atualização como uma atividade na qual a multiplicidade só é posta através da reflexão, o que não significa que ela é meramente abstrata, mas que ela não originária, que ela só pode ser fruto de uma atividade de reconhecimento capaz de produzir relações que não existiam anteriormente. Ao compreender isso, a contradição deixa de ser um limite ao pensamento para ser a expressão de um mundo que é movimento, que só se estabiliza temporariamente em uma transformação da linguagem.

Ao afirmar que é necessário apreender a substância como sujeito, Hegel não está a dar uma definição substancial de sujeito, mas a mostrar como a relação entre o que se coloca no lugar da substância e a existência não é uma expressão, por mais que tal expressão não seja, por sua vez, uma mera participação. Ela é a reflexão em algo que aparece inicialmente como exterioridade, como quebrando as dobras da substância. Tal exterioridade não é apenas uma aparência derivada de um modo imperfeito de conhecimento. Ela é a condição para conservar a possibilidade de emergir aquilo que não é simplesmente a possibilidade de uma atualidade posta. Nesse sentido, apreender a substância como sujeito significa afirmar que não há experiência sem implicação, que a experiência é o nome deste processo de implicação com o que se coloca inicialmente como exterioridade bruta, como contradição em relação às dinâmicas de atualização de uma substância. Dessa forma, a dialética admite que toda e qualquer violência dos acontecimentos exteriores será sempre convertível em afirmação.”

“Há situações em que a colisão é uma forma de encontro. A forma mais bela e misteriosa de todas.”

“A revolução haitiana e sua guerra de independência é a história da realização efetiva dos ideais de igualdade que emergem através da Revolução Francesa contra os próprios franceses. Ela é o momento no qual a revolução francesa deixa de ser limitada por um horizonte colonial e se transforma em possibilidade de efetivação de uma universalidade concreta. E isso se dá através de um movimento dialético no qual o enunciador recebe sua mensagem de volta, mas de forma invertida. Lembremos, por exemplo, desse momento maior da luta entre o exército haitiano e os destacamentos franceses, enviados para remeter o povo da ilha à escravidão: A posição política desonesta do exército francês agora cobrava seu preço. Os soldados ainda se viam como uma armada revolucionária. Mas à noite ouviam os negros na fortaleza cantando a “marselhesa” e outras canções revolucionárias. Lacroix relatou que aqueles miseráveis extraviados estremeciam e olhavam para seus superiores quando ouviam as músicas, como se dissessem: “Será que os nossos inimigos bárbaros têm a justiça do seu lado? Será que já não somos mais os soldados da República francesa? E será que nos tornamos meros instrumentos políticos?”. Um regimento de poloneses, recordando sua própria luta pelo nacionalismo, recusou-se a tomar parte do massacre dos seiscentos negros, ordenado por Leclerc.

Depois disso, o Império perdeu. Essa potência plebeia de interversão é, no entanto, a real realização do conceito efetivamente revertido. Há uma astúcia dialética aqui que faz dos ex-escravos, em uma aliança inaudita e transtemporal com os setores de sedição da classe intelectual, os enunciadores efetivos das aspirações da razão na história (bem, eu sei o peso de afirmar algo dessa natureza em um contexto histórico como o nosso. E mesmo assim, ela está escrita).”

“Em seu último livro, O novo tempo do mundo, Paulo Arantes fornece pela primeira vez uma impressionante filosofia da história de larga escala. No entanto, ela parece inicialmente orientada, na verdade, como filosofia do colapso do tempo histórico. Pois se trata de descrever as condições para a realização de certa sobreposição entre espaço de experiência e horizonte de expectativa que, longe de marcar a aceleração do tempo em direção à possibilidade de transformações revolucionárias e emancipatórias, ou seja, à realização da potência redentora da utopia, é a perpetuação coroada de um “tempo morto”. Longe da força transformadora da crise como explicitação de contradições que produzem o movimento histórico em direção a um futuro qualitativamente diferente, teríamos agora um “estado de crise permanente” no qual crise não é mais o índice de uma impossibilidade de governar, mas a forma mesma de governo.[559] Tal forma de governo consolida-se como a gestão e a produção de um “horizonte de expectativas decrescentes”, pois se trata de reduzir acontecimentos a “riscos” que permitem a submissão do tempo à projeção, trata-se de gerir a anulação da expectativa de qualquer mudança. Algo que fica mais visível em um país periférico que expõe, em sua história, a farsa das promessas de “formação” e “desenvolvimento”.

Tal horizonte decrescente de expectativas implica, entre outros, uma “experiência negativa da espera”, um “disciplinamento pela espera”, ou seja, uma espera sem horizonte que aparece como horizonte real de uma disciplina dos corpos, do tempo do trabalho, das formas do desejo no último estágio das sociedades capitalistas. Disciplina que só pode ser suportável à condição da generalização da paranoia com sua elevação do medo a afeto político central, com seus discursos da segurança, da imunização necessária, do risco contínuo. Foi assim que “o horizonte contemporâneo tornou-se nada mais, nada menos que a securização de um risco permanente e incontornável, contra o qual toda precaução é pouca”. Como não há mais nada o que esperar, toda paranoia é pouca para esconder dos agentes como eles estão a correr no vazio. Na periferia, é mais fácil perceber, como disse Adorno, que não há nenhuma história universal que conduza do selvagem à humanidade. Mas há certamente uma que conduz da atiradeira à bomba atômica.”

De fato, a confluência do espírito do tempo é forte. A mesma época, o grupo Comitê Invisível publicava Aos nossos amigos: crise e insurreição onde se defendia a tese de que, longe de uma crise do capitalismo, viveríamos um capitalismo de crise no qual: “o discurso da crise intervém como método político de gestão das populações. A reestruturação permanente de tudo – dos organogramas aos programas sociais, das empresas aos bairros – através de uma perturbação constante das condições de existência é a única forma de organizar a inexistência do partido opositor. [...] Ela corresponde a uma estratégia que se formula nestes termos: “Prevenir, por via da crise permanente, toda e qualquer crise efetiva” (COMITÊ INVISÍVEL. Aos nossos amigos: crise e insurreição. São Paulo: N-1, 2016, p. 26).

“Complicar sua própria vida é toda uma arte.”

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