domingo, 10 de maio de 2020

O Instante Certo - Abutres ou heróis?


Abutres ou heróis?

“Às vezes nos sentíamos como abutres. Pisamos em cadáveres, metafórica e literalmente, e fizemos disso nosso ganha-pão. Mas nunca matamos ninguém. Acredito que salvamos algumas vidas. E talvez nossas fotos tenham feito alguma diferença”, conclui Greg Marinovich, um dos quatro fotojornalistas sul-africanos que diariamente se embrenhavam nas cidades-dormitórios de Joanesburgo para fotografar a fase mais bestial (1990-94) da violência entre facções negras. Não fosse por Greg, João, Ken e Kevin, todos eles brancos de classe média, esse painel da
brutalidade intestina na África do Sul talvez tivesse permanecido encoberto. Negros morriam como moscas, abatidos como gado — foram 16 mil, só na periferia da metrópole. As imagens da matança renderam prêmios internacionais e fama meteórica aos quatro amigos, até então desconhecidos da grande mídia. Ao longo do desmantelamento final do regime do apartheid — que começa com a libertação de Nelson Mandela após 27 anos de cadeia e vai até a sua eleição para presidente, em 1994 — Greg, João, Ken e Kevin fizeram história e foram notícia. O custo pessoal e emocional, porém, foi alto. O Clube do Bangue-Bangue é a história desse grupo contada através de uma só voz, a de Greg Marinovich. João Silva, que coassina o livro, continua fotografando, mas aprendeu a ter medo. Ken Oosterbroek morreu à vista dos companheiros no meio de uma fuzilaria, com o dedo ainda grudado no disparador da câmera. O quarto da gangue, Kevin Carter, suicidou-se aos 33 anos, com uma mangueira enfiada na boca. Acoplara a outra extremidade ao escapamento do carro.

Os quatro pertencem à raça dos jornalistas e fotógrafos que só se sentem vivos trabalhando em situações extremas — e preferivelmente do outro lado do mundo, fora do alcance de contas a pagar, parentes a visitar, chefes burocráticos a suportar. Entra ano, sai ano, essa legião estrangeira se move entre focos de guerra e de miséria humana. Aos poucos vão se tornando apátridas no convívio social corriqueiro, desgarrados no tempo e no espaço.

Como soldados retornados de uma guerra, têm dificuldades de interlocução em casa. De que adianta tentar contar uma alucinação, explicar que o medo tem cor, que a morte não existe — ou que o gênero humano já morreu? “Quando se tenta”, escreve Greg, “recebe-se um olhar de incompreensão ou de asco. Só conseguíamos falar dessas coisas entre nós.” O retorno à “vida civil” é quase impossível. Pouco a pouco, os laços familiares vão parecendo ralos e rasos quando comparados às vivências partilhadas com os companheiros de risco. “Sofro de depressão com o que vejo, tenho pesadelos. Me sinto alienado de gente normal, inclusive da minha família. Me sinto incapaz de entabular uma conversa social frívola. É como se uma cortina descesse. Me retraio para um lugar escuro”, admitia Kevin.

Talvez seja a categoria de trabalhadores que mais teme a aposentadoria.

Esse bando de profissionais nômades que competem entre si mas dependem um do outro, vive aos sobressaltos tentando farejar onde vai explodir a próxima crise. Para os jovens fotojornalistas do Clube do Bangue-Bangue, não foi preciso ir longe. A terra estrangeira em combustão estava logo ali, a menos de trinta quilômetros de suas casas. Mais precisamente, em Thokoza, Soweto, Boipatong, as cidades-dormitórios que durante décadas enjaularam os negros na periferia de Joanesburgo. Às vésperas do desmanche da estrutura do apartheid, os seguidores de Mandela e os partidários do chefe zulu Buthelezi apoiado pelos brancos se enfrentaram com fúria jamais vista.

Numa tarde de verão de 1990, Greg Marinovich, então com 27 anos, fazia sua ronda em Soweto, munido de algumas câmeras obsoletas. Ele tinha se iniciado na fotografia como forma de conhecer vidas diferentes da sua. “Descobri que não há nada melhor do que uma câmera para dar vazão à curiosidade”, dizia. De fato, jornalistas e fotógrafos do mundo inteiro costumam se escudar nas demandas da profissão para fuçar, inquirir e invadir sem pedir licença. Greg lembra que naquele dia sentiu um medo indistinto e abstrato de ser morto. Conseguira chegar ao interior de um alojamento coalhado de zulus, e viu um deles passar rapidamente pelo corredor, empunhando barras de ferro. Atrás, outro zulu brandia um cano de aço. Foram se juntar a um ruidoso grupo de homens que forçava a porta pintada de branco de um dos quartos. Tinham paus, pedras e lanças nas mãos. Pareciam se divertir antecipadamente. “Tem um xhosa escondido aí dentro, e ele está armado”, explicaram a Greg.

Quando a porta cedeu, uma figura negra com olhos de medo e turbante na cabeça tentou furar o cerco. Na mão, tinha apenas uma vassoura. A execução foi rápida. “Meus ouvidos registraram um som surdo de metal entrando em carne humana, seguido do tom oco de paus esmagando a ossatura do crânio”, lembra o fotógrafo. “Eram sons que eu nunca ouvira antes mas que tinham a sua lógica.” Greg se posicionara entre os matadores e começou a registrar tudo com uma lente grande-angular. Nem por um instante deixou de checar o fotômetro. Alternou com precisão o manuseio das duas câmeras que trazia dependuradas no pescoço — uma com filme preto e branco, a outra com cor. “Eu estava tão consciente do que fazia quanto do cheiro acre de sangue fresco... Aquela era a minha chance de deixar uma marca no universo do fotojornalismo”, relata no livro. Estava convencido da importância daquelas fotos brutais que, a seu ver, retratavam melhor que mil palavras o horror do que acontecia nas cidades-dormitórios. Voltou eletrizado para Joanesburgo e ofereceu seu material ao editor local da agência de notícias Associated Press (AP). Começava assim a se distanciar da malta de fotógrafos anônimos e eternamente duros.

Passou a frequentar a periferia quase diariamente. “Eu estava me viciando na adrenalina da ação e na ideia de estar fotografando a última arrancada do país rumo à sua libertação”, relembra. Ele conta sem adornos como foi catapultado do anonimato para o Prêmio Pulitzer de 1991: estava na hora certa no lugar certo (Soweto) quando um negro zulu suspeito de pertencer a uma facção oposta à dos partidários de Mandela teve a infelicidade de descer do trem na estação errada. Foi executado ali mesmo. Primeiro, o espancaram com ferocidade. Depois, perfuraram-lhe o peito com a faca curva de um atacante de camisa branca. Era apenas o começo.

Vi um garoto de barba ainda rala dar um passo à frente, ficar na ponta dos pés e enterrar outra faca no tórax da vítima, cujo olhar se mantinha vazio. Eu batia uma foto atrás da outra. Durante aqueles momentos cruciais, era como se eu tivesse perdido contato com o que ocorria à minha frente. Eu estava lá, mas não registrava nada através dos meus sentidos. As fotos que eu tirava mecanicamente, substituiriam mais tarde os acontecimentos que minha memória não guardaria.

Quando os matadores atearam fogo ao zulu, o fotômetro de Greg pifou. “Arrisquei uma abertura f.5 e apertei o disparador”, relembra. Por fim, um negro descalço e sem camisa entrou em quadro e arremessou um machete no que restava da cabeça da vítima. Greg saiu dali quando o moribundo ainda emitia um som monótono, aterrador. “Só no dia seguinte, lendo os jornais, vim a saber o nome do morto: Lindsaye Tshabalala. Nunca mais vou esquecer esse nome. Durante todo o tempo em que estive perto dele, ele era apenas um anônimo zulu.”

Apesar de receosa em divulgar imagens gráficas em excesso para o mercado americano — a tolerância dos jornais dos Estados Unidos com imagens cruas sempre foi menor do que na Europa —, a central da AP em Londres decidiu liberar a série para distribuição mundial. Como previsto, a grita foi grande do outro lado do Atlântico, com diretores de jornal e publishers protestando alto. Mesmo assim, as imagens de Greg Marinovich ganharam o cobiçado Pulitzer na categoria Instantâneo.

Cabe, aqui, fazer um parêntese e uma pergunta. Mais ou menos na mesma época, um atentado terrorista em Jerusalém tinha espalhado o seu rastro de morte na rua. Entre as vítimas, uma senhora idosa e gorda estava esparramada no chão. De frente. A mulher castigada pela idade deixara havia muito de cuidar do corpo. Provavelmente já não o mostrava nem a si própria. Vestia roupas íntimas que mais pareciam uma armadura, de tão grandes. Imagine-se o horror dessa senhora, ou de seus familiares, ao ver aquele corpo escancarado em todos os jornais do mundo. Em meio às centenas de imagens do atentado disponíveis, por que não considerar essa também violenta? O que fere mais a identidade da vítima, a foto da senhora viva de Jerusalém ou a do zulu em chamas?

O Pulitzer teve efeito imediato sobre a carreira de Greg. Ele conseguiu seu primeiro contrato como correspondente de guerra na Croácia e em questão de dias estava na linha de frente, lugar reservado para a elite do jornalismo. “Descobri que gostava de guerra. Você sente uma excitação única, singular”, escreve. Era o traço comum mais forte do grupo.

Não é a qualidade do texto que faz de O Clube do Bangue-Bangue um livro notável. É a honestidade em deixar emergir as contradições, rancores e fraquezas do grupo. Como dizem os autores, acabou sendo uma viagem de descoberta e não um relato do que ocorreu. “Há muita raiva e amargura”, admite Greg.

“Tentei contar o número de cadáveres que eu já tinha fotografado, para ao menos reconhecer sua existência, mas não consegui. Cadáveres são objetos estranhos”, concluiu Greg. Num dia qualquer de chacina em Thokoza, sobraram 143 desses objetos estranhos nas ruas.

Ken Oosterbroek, por sua vez, começou na carreira oferecendo fotos clandestinas de seus tempos de serviço militar obrigatório no exército sul-africano. Também mantinha um diário. Em 1989, ao ser premiado como Fotógrafo do Ano, fez uma anotação: Noite maravilhosa, cheia de elogios, sorrisos, congratulações e um troféu em forma de fatia de queijo. Na manhã seguinte, espécie de vazio. E agora? Que me deem a chance de fotografar algo de magnitude. A vida real, enquanto ela ocorre. Quero um trabalho de impacto. Algo que faça subir a adrenalina, que inunde o cérebro com a possibilidade e o potencial de fazer fotos poderosas. Sou um fotógrafo. Me deem liberdade. 

Kevin Carter era o caçula da gangue. Foi o primeiro fotojornalista a registrar a novidade que os negros instituíram para punir delatores, e que passou a ser conhecida como “colarinho”. Ou “carne queimada”. Ou “três centavos” (o preço de uma caixa de fósforos). Enfiava-se um pneu encharcado de gasolina no pescoço da vítima e ateava-se fogo. Depois de testemunhar e fotografar a execução de uma jovem, acusada de namorar um policial, Kevin desabafara com os amigos: “Fiquei horrorizado com o que faziam, fiquei horrorizado com o que eu fazia... 

Mas talvez minha ação não tenha sido de todo má”. Ele, que ostentava uma tatuagem do mapa da África no ombro direito, aterrissou na profissão com uma coleção de problemas pessoais na bagagem. Vinha de um ambiente familiar disfuncional, desertara do serviço militar e já tinha tentado o suicídio.

Dos quatro, o moçambicano João Silva, educado em Portugal e imigrado na África do Sul, foi quem escolheu com a maior clareza a profissão: queria cobrir guerras. Ponto. Baixinho e feio, não se encaixava em nenhuma turma de brancos de Joanesburgo. Um dia, fotografou uma jovem negra sendo atacada a golpes de foice por um grupo de mulheres de Thokoza. Foi seu batismo. Rebelde, sempre mal-ajambrado e com a barba por fazer, tratava com a mesma atitude seus editores de fotografia e o perigo de fotografar: “Danem-se”.

Com o passar dos anos, o grupo foi sentindo os efeitos do trabalho que escolheu. João se tornara mais quieto e retraído. Kevin tinha picos e abismos emocionais. Queixava-se de um pesadelo recorrente, no qual se via estirado no chão, à beira da morte, com uma câmera de televisão se aproximando mais e mais de seu rosto.

Acordava aos berros. Para João, as vítimas fotografadas pelo grupo de amigos certamente sentiam o mesmo medo, raiva e desesperança ao terem seus últimos instantes de vida focados por uma câmera. Raramente discutiam a questão central — quando é que você deve apertar o disparador e quando deve cessar de ser fotógrafo —, mas João argumentava que eles talvez devessem pagar um preço pelas fotos que tiravam. O tema sempre deixava Kevin intranquilo. Numa noite em que havia bebido e fumado muito, o caçula admitiu pela primeira vez ser viciado num coquetel perigosíssimo: Mandrax, maconha e tranquilizante.

Um consultor, contratado para fazer a radiografia do jornal sul-africano do qual Ken era editor e os outros três eram repórteres fotográficos, chegou a recomendar a João que consultasse um psicólogo e a Kevin que parasse de cobrir o ciclo de matanças da periferia. Estavam todos chegando perto do limite, mas continuavam competindo entre si. Quando o moçambicano anunciou que partiria para o Sudão, a fim de cobrir o genocídio de tribos cristãs pelo governo islâmico da época, Kevin decidiu ir junto, numa tentativa derevitalizar sua carreira.

Foi ali que as duas carreiras se cindiram. O meticuloso João Silva, que já conhecia o Sudão, montara a pauta, fizera todos os contatos e pesquisara a fundo o roteiro a seguir. Ao percorrer uma aldeia chamada Ayud, contudo, nada encontrou que merecesse mais do que um clique banal. Só que Kevin, depois de percorrer as mesmas vielas, voltara ao ponto de partida com uma febrilidade na voz. “Cara, você não vai acreditar no que acabo de fotografar!”, anunciou. “Eu estava fotografando uma criança, mudei de ângulo, e de repente vejo um urubu atrás dela. Continuei fotografando.” “Onde?”, quis saber João, tenso. “Ali”, apontou Kevin. João já fotografara a mesma menina em chão de terra batida, mas sem urubu. “É que eu enxotei o abutre”, informou Kevin.

Ambos retornaram em silêncio à África do Sul. A foto cruzou o Atlântico e foi comprada com exclusividade pelo jornal mais prestigioso do mundo.

Quando a editora de fotografia do New York Times acordou Kevin numa madrugada de fevereiro de 1994, em Joanesburgo, para lhe comunicar que ele acabara de receber o Prêmio Pulitzer pela foto da menina e o abutre, ficou alarmada. Kevin não reagia, como se não entendesse a gloriosa notícia. Respondia confusamente e parecia chapado, só falava de como ia mal no emprego. “Kevin”, insistiu Nancy Lee, “você está entendendo o que  acabo de dizer? Você ganhou o Pulitzer, nada mais interessa.” “Sei”, respondeu lacônico o fotógrafo do outro lado da linha. A direção do jornal começou a ficar inquieta. Havia muito se habituara a colecionar Pulitzers por trabalhos de reportagem. Fora a primeira vez, porém, que o jornal indicara um fotógrafo freelance — que não fazia parte da equipe da casa. E justo esse vencera. Mas como fornecer o telefone de Kevin ao resto da imprensa mundial que o caçava, quando ele aparentava estar sempre embriagado?

A foto correra o mundo como emblema da fome na África. Primeira página de todos os jornais, ela fora transformada em pôster, usada em campanhas filantrópicas, virara ícone.

Dela brotara, também, a questão que perseguiu Kevin Carter até a morte: uma vez acionado o disparador e obtida a imagem, o que fez o fotógrafo para ajudar a criança caída? À medida que o tema engrossava — crianças de escola americanas queriam saber, equipes de televisão do mundo inteiro pressionavam por uma resposta —, Kevin variava sua versão. “Odeio esta foto”, declarou numa de suas últimas entrevistas, para a revista American Photo.

Greg, no livro, faz uma reflexão genérica sobre os dilemas desse tipo de trabalho de campo.

João e eu também vimos muitas crianças morrerem na nossa frente e também só fotografamos. Somos pagos para isso. Tragédia e violência produzem imagens fortes. Mas há um preço embutido em cada uma dessas imagens: um pedaço da emoção, da vulnerabilidade, da empatia que nos torna humanos se perde a cada vez que acionamos o disparador.

No dia 18 de abril de 1994, faltando menos de uma semana para a África do Sul enterrar o regime do apartheid, a gangue dos quatro fotografava o último surto da guerra intestina quando a sorte lhe faltou. Greg foi o primeiro a levar um tiro no peito, que lhe abriu um rombo do tamanho de uma laranja. “Num plano intelectual, eu admitia a possibilidade, talvez até a probabilidade, de algum dia ser ferido. Mas no plano emocional eu me considerava intocável, imortal. A patética crença de ter o controle sobre mim, sobre meu destino e meu entorno foi estraçalhada”, contaria mais tarde. Como primeira reação, o franzino João Silva se pôs a fotografar furiosamente o companheiro ferido. Segundos depois, em meio ao pandemônio, alguém grita: “Ken O. foi atingido”. Num segundo surto, João se pôs a registrar o momento da morte de seu melhor amigo. Olhos abertos já sem expressão, com uma trilha de sangue a lhe escorrer pela boca, sendo puxado por outro jornalista. “Ken vai gostar de ver as fotos amanhã”, pensou ainda, numa defesa instintiva contra o fato real. Ocorreu-lhe também que Ken, sempre o dândi do grupo, talvez preferisse ser fotografado com o cabelo mais em ordem. Ken, o profissional consumado, passara anos incutindo em João a ética de primeiro fotografar e depois lidar com o resto.

Para João, o “depois” foi terrível. “Como pude fazer essas fotos? Será que perdi minha alma?”, perguntava soluçando no colo de Kevin.

“Pelo menos você estava lá”, respondeu sombriamente o amigo que justo naquele dia fatídico tinha abandonado a fuzilaria para conceder mais uma entrevista sobre o Pulitzer recebido semanas antes.

Kevin suicidou-se dois meses depois, perto de um córrego de Joanesburgo onde brincava na infância. Tinha 33 anos. Foi encontrado sem vida na surrada caminhonete de cujo escapamento saía uma mangueira. A outra extremidade estava afixada numa fresta da janela e apontava para o interior do carro.

Na carta que deixou, dizia: Eu sinto muito. A dor da vida ultrapassa a alegria ao ponto em que a alegria não existe... deprimido... sem telefone... dinheiro para o aluguel...dinheiro para sustentar as crianças... dinheiro para dívidas... dinheiro!...

Estou assombrado pelas vívidas memórias de mortes e cadáveres e raiva e dor... de crianças famintas ou feridas, de loucos com dedo no gatilho, muitas vezes policiais, carrascos assassinos... Fui juntar-me ao Ken se eu tiver sorte.

Resta uma frase do diário de Ken Oosterbroek, escrita seis anos antes de ele ser baleado diante dos amigos: “Espero morrer com fotos boas pra cacete no meu rolo de negativos — se não for assim, não terá valido a pena”.*

Fevereiro de 2001

* Em outubro de 2010, durante uma cobertura de guerra para o New York Times, João Silva pisou numa mina terrestre na região de Kandahar, no Afeganistão. Sem perder os sentidos durante a explosão que levou à amputação de suas duas pernas, o fotógrafo ainda bateu três chapas da cena. Setenta cirurgias depois, ele voltou à profissão amparado em pernas mecânicas.

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