domingo, 8 de março de 2020

Carta de C. G. Jung a Bill W.


30 de Janeiro de 1961

Caro, Sr. Wilson,

A sua carta foi-me realmente bem-vinda. Não tive mais notícias de Roland H. e muitas vezes desejei saber o seu destino. O diálogo que mantivemos, ele e eu, e que ele muito fielmente lhe transmitiu, teve um aspecto que ele mesmo desconheceu. A razão pela qual não pude dizer-lhe tudo foi que naquela época eu tinha de ser cuidadoso com tudo o que dizia. Eu havia descoberto que estava sendo de todas as maneiras mal interpretado.

Portanto, tive de ser muito cuidadoso ao conversar com Roland H. Mas o que eu realmente concluí de seu caso foi o resultado de minhas inúmeras experiências com casos semelhantes ao dele. Sua fixação ao álcool era o equivalente, num grau inferior, à sede espiritual do nosso ser pela totalidade expressa em linguagem medieval, pela união com Deus. Como poderia alguém, naqueles dias, expor tal pensamento sem ser mal interpretado? O único caminho correto e legítimo para tal experiência é que ela aconteça para você na realidade, e ela só poderá lhe acontecer se você procurar um caminho que o leve a uma compreensão mais alta. E você poderá ser conduzido a esta meta pela ação da graça, pela convivência pessoal
honesta com os amigos ou por meio de uma educação mais elevada da mente, para além dos limites do mero racionalismo.

Vi pela sua carta que Roland H. escolheu pela segunda opção, que nas suas circunstâncias era, sem dúvida, amelhor. Estou firmemente convencido de que o princípio do mal que prevalece no mundo conduz às necessidades espirituais, que, quando negadas, levam à perdição se ele não é contrabalanceado por uma experiência religiosa ou pelas barreiras protetoras da comunidade humana. Um homem comum, desligado dos planos superiores, isolado de sua comunidade, não pode resistir aos poderes do mal, muito propriamente chamado de Demônio. Mas o uso de tais palavras nos leva a enganos; por isso, temos de nos manter afastados delas, tanto quanto possível. 

Eis as razões pelas quais não pude dar a Roland H. plena e suficiente explicação. Estou arriscando-me a dá-la a você por ter concluído, pela sua carta decente e honesta, que você já adquiriu uma visão superior do problema do alcoolismo, bem acima dos lugares comuns que, via de regra, ouvem-se sobre ele.

Veja você que “álcool” em latim significa “espírito”; no entanto, usamos a mesma palavra tanto para designar a mais alta experiência religiosa como para designar o mais depravador dos venenos.

A receita então é “spiritus” contra “spiritum”.

Agradecendo-lhe novamente por sua amável carta, eu me reafirmo, Seu 
sinceramente, C. G. Jung

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