quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Morris West

Outro que li grande parte de sua obra. Talvez por humanizar pessoas pelas quais não ofereço tanta simpatia.

O primeiro que li foi "O Advogado do Diabo" que fala sobre os conflitos pessoais enfrentados por um padre que é levado ao sul da Itália para se fazer de Advogado do Diabo numa investigação sobre um processo de canonização.

Depois veio o livro "As Sandálias do Pescador" que conta a história da eleição de um ex-prisioneiro soviético ao Papado e seus conflitos como tal. Esse também pode ser visto numa grande produção cinematográfica estrelada por Anthony Quinn, Laurence Olivier, Vittorio De Sica, Leo McKern e John Gielgud. Anthony Quinn é o mesmo que protagoniza o filme "Zorba, o Grego" adaptação do livro de Nikos Kazantzakis.

E por aí vai.... gosto do tipo de narrativa dele. É de fácil leitura.

Abaixo, trechos do "As Sandálias do Pescador".

kamenev 
Lamentas-nos? Interrogo-me quanto a isso. Gostaria de pensar que sim, porque te lamento. Podíamos ter feito grandes coisas juntos, tu e eu, mas tu estavas ligado a esse louco sonho da vida além-túmulo, enquanto eu acreditava, e continuo a acreditar, que o melhor que o homem pode fazer é tornar frutuosa a terra estéril e sábios os homens ignorantes e ver os filhos de pais franzinos crescerem altos e direitos por entre os girassóis.

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Suponho que seria cortês congratular-te pela tua eleição. Aceita os meus cumprimentos, por aquilo que valem. Tenho grande curiosidade em saber o que essa função fará de ti. Deixei-te partir porque não conseguia modificar-te, nem forçar-me a degradar-te mais. Ficaria envergonhado se te deixasses corromper pela eminência.

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Podemos ainda vir a precisar um do outro, tu e eu. Não viste nem metade, mas digo-te, com toda a verdade, que levamos este país a uma prosperidade que ele não conheceu em todos os seus séculos de existência. Estamos rodeados de espadas. Os americanos têm medo de nós; os chineses invejam-nos e querem fazer-nos recuar cinquenta anos. Temos fanáticos dentro das nossas fronteiras que não estão satisfeitos com o pão, paz e trabalho para todos, mas querem transformar-nos em místicos barbudos como os do Dostoievski. Para ti, talvez eu seja um anticristo. Aquilo em que creio, tu rejeitas, mas de momento sou a Rússia e sou o guardião deste povo. Tens armas nas tuas mãos e sei, apesar de não ousar admiti-lo em público, quão poderosas são. Resta-me, ter a esperança de que não as virarás contra a tua pátria nem as empenharás numa aliança a leste ou a ocidente.

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Quando as sementes começarem a crescer, recorda-te da mãe rússia e recorda-te que me deves a vida. Quando chegar o momento de reclamar o pagamento, enviar-te-ei um homem que te falará de girassóis. Acredita no que ele disser, mas não trates com outros, agora ou mais tarde. Contrariamente ao que se passa contigo, não tenho o espírito santo para me proteger e continuo a precisar de ter cuidado com os amigos. Desejaria poder dizer seres um deles. saudações. kamenev.

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A diferença entre ti e mim, Kiril, está em que me dedico ao possível enquanto tu te dedicas ao insensato... Deus deseja que todos os homens sejam salvos e tomem conhecimento da verdade. É o que tu pregas, não é verdade? No entanto sabes que é uma loucura. Uma loucura sublime, admito-o, mas continua a ser uma loucura. É uma coisa que não acontece, não acontecerá e não pode acontecer. Que mais é o teu paraíso, senão uma cenoura para fazer trotar o burro? Que mais é o teu inferno, senão um montão de lixo para todos os vossos falhanços... os falhanços de Deus, meu amigo! E dizes que ele é omnipotente. E agora, que vais fazer? Vens comigo, para conseguirmos o pouco que é possível, ou continuarás a perseguir a grande impossibilidade...? sei o que me queres dizer: Deus torna tudo possível. Mas não vês? Sou Deus para ti, neste momento, porque nem sequer podes sair dessa cadeira até que eu dê a ordem... toma! Deus manda-te um pequeno presente! um cigarro... 

Kiril
Nenhum homem se mantém inalterado depois da experiência do poder. Alguns pervertem-se e mergulham na tirania. Outros deixam-se corromper pelas lisonjas e pela auto-indulgência, alguns, muito poucos, ganham a têmpera dos sábios pela sua compreensão das consequências das ações executivas. Creio que foi isto o que aconteceu com kamenev. Nunca foi um homem vulgar. quando o conheci tinha-se rendido ao cinismo, mas a rendição nunca foi completa. Provou-o com a sua ação para comigo. Diria que no seu pensamento não existe nenhum domínio verdadeiramente espiritual ou religioso. Aceitou, de um modo exagerado, uma concepção materialista do homem e do universo. Contudo, acredito que dentro dos limites da sua própria lógica atingiu uma compreensão da dignidade do homem e um certo sentido da obrigação de os preservar até onde lhe for possível. Não posso pensar que seja governado por sanções morais, tal como as entendemos no sentido espiritual, mas compreende que é essencial uma certa moralidade prática para a ordem social, e até para a sobrevivência da civilização tal como a conhecemos. Creio que está a tentar dizer-me o seguinte: que posso confiar em que proceda logicamente dentro do seu próprio sistema de pensamento, mas que nunca poderei vir a esperar que trabalhe dentro do meu.

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