quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Humberto de Campos

Desde bem cedo, varava as noites lendo livros. No começo, eram aqueles pequenos livros de histórias de caubóis americanos em que o roteiro consistia, basicamente, de uma cidade comandada por bandidos, uma jovem mulher vivendo com seu idoso pai e um mocinho que aparecia na cidade, sem se identificar, e ao final era um Xerife Federal, salvando a cidade e a mocinha. Meu pai não gostava que eu os lesse por que normalmente eram de péssima edição com erros grosseiros de língua portuguesa. Depois, já na pré-adolescência, dei de ler as obras completas de Humberto de Campos, escritor maranhese. Gostava dele porque, como bom iniciante em leitura, preferia as crônicas a livros enormes.

Abaixo uma de suas crônicas.

Microscópio
Humberto de Campos

Os salões do desembargador Marcelino Pedreira, à rua São Clemente, achavam-se repletos, como poucas vezes acontecia, naquela noite memorável. Políticos, magistrados, médicos, bacharéis, homens de letras e homens de negócios enchiam os grandes compartimentos do palacete magnífico, de mistura com o que há de mais fino, de mais chic, de mais distinto, nas rodas femininas do Rio. Lauro Müller, Miguel Couto, Pires do Rio, Antônio Azeredo, são silhuetas em evidência. O encanto da reunião está, entretanto, na revoada de moças e senhoras que volteiam pelas salas, e entre as quais se destaca, pela formosura, pela mocidade, pela inocência do olhar e dos modos, Mlle. Júlia Petersen, noiva do Dr. Abelardo Moura e filha única do desembargador Feliciano Mendonça.

De repente, como se um punhado de folhas e flores obedecesse a um redemoinho invisível, faz-se uma roda em torno a uma das mesas da sala de chá. Homens de ciência e damas inteligentes formam o grupo. Elevada, culta, a palestra versa os assuntos mais variados, encantando as senhoras.

Na sala contígua, dança-se. E, entre os pares, o Dr. Abelardo e a noiva. Súbito, parando, põem-se os dois a conversar:

— Que mãos tens tu, Julita! — elogia o noivo, maravilhado, apertando os dedos miúdos, finos, quase infantis, da sua prometida.

— Acha-a pequena? — indaga a moça.

— Microscópica!

— Como?

— Microscópica! — insiste o rapaz.

Intrigada com o vocábulo, que ouvia pela primeira vez, a moça pede licença por um instante, penetra no salão de chá e, com a sua ingenuidade, indaga do Dr. Álvaro Osório:

— Doutor, que significa “microscópico?”

— É um derivado de “microscópio”, Mademoiselle! — explica o ilustre fisiologista.

— E que é “microscópio”? — torna a menina, franzindo a testa morena, que os olhos iluminam.

O Dr. Álvaro medita um momento, e, para não perder tempo, explica:

— É um aparelho que faz as coisas crescerem. Compreende?

A menina sorri, agradecida. De repente, porém, pisca os olhos, franze mais a testa, e enrubescendo:

— Ahn!...

Morde o dedinho róseo, meio brejeira, meio encabulada:

— Sem vergonha! Agora é que eu compreendo porque é que ele diz que eu tenho a mão microscópica ...

E sai correndo, vermelha, a abraçar-se com o noivo.

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