O QUE É SINDICALISMO
Ricardo L. C. Antunes
O ressurgimento da ação sindical foi um fato marcante na história recente do Brasil. Para entender a importância desse acontecimento é preciso discutir o significado da organização dos trabalhadores na história da humanidade. O livro do sociólogo Ricardo Antunes nos reporta às origens do movimento sindical, analisa suas várias vertentes e aponta seus limites no interior da sociedade capitalista. Além disso, o autor faz um balanço do sindicalismo brasileiro, desde o surgimento das primeiras organizações de auxilio mútuo até a formação das Centrais Sindicais nos últimos anos.
SUMÁRIO
Apresentação
PRIMEIRA PARTE
- Origens, evolução e importância dos sindicatos
- O advento do capitalismo e o papel dos sindicatos
- O nascimento do sindicalismo e das lutas operárias: os trade-unions
- A evolução do sindicalismo e suas várias concepções: anarquista, reformista, cristã, corporativistae comunista
- A importância da atuação dentro dos sindicatos operários
- A luta pelo sindicato único
- Os limites do sindicalismo e o papel do partido político
SEGUNDA PARTE O Sindicalismo no Brasil
- As origens
- A superação do anarquismo
- Getúlio Vargas no comando do Estado
- O ressurgimento das lutas sindicais no Brasil no período de 1945-64
- O avanço das lutas sociais durante o Governo Goulart
- A longa noite do sindicalismo brasileiro
- Retomada da luta contra o arrocho salarial ou greves de Osasco e Contagem em 1968
- Maio de 78: as máquinas param; a classe operária volta à cena.
- Março de 79: os braços novamente estão cruzados: começa a nascer a democracia
- A década de 80: anos de mudança no sindicalismo brasileiro — o nascimento da CUT e da CGT
- Para onde vão os sindicatos
- Indicações de Leitura
APRESENTAÇÃO
O ressurgimento da luta sindical no Brasil foi, para muitos, algo inesperado. Para alguns porque, apesar de interessados, simplesmente desconheciam o que efetivamente se passava no mundo do trabalho. Para outros porque premeditadamente faziam questão de ignorar as reais condições de vida dos trabalhadores. Havia também aqueles que ainda acreditavam, apelando para a falsa idéia da “passividade” do povo brasileiro, este encontrar-se resignado com o lugar que lhe tinha sido destinado na sociedade. A todos eles — e a outros ainda —, o ressurgimento do movimento sindical foi uma surpresa.
Este pequeno livro pretende destacar que esta “surpresa” era algo previsível no desenrolar dos acontecimentos que envolviam a classe operária, sua história e seu sindicalismo. Para tanto, introduz algumas questões preliminares para todos aqueles que, envolvidos ou não na condição de assalariados, buscam principiar no entendimento do que é o sindicalismo.
Daí que nos parece desnecessário frisar que ele foge a todas as regras de um trabalho acadêmico. Se não bastasse o seu caráter meramente introdutório, destina-se especialmente àquelas pessoas cujo cotidiano se desenvolve fora dos muros da universidade.
Sob estas condições este texto foi concebido.
Nele se encontram duas partes: a primeira mostra as origens do sindicalismo, suas várias concepções, sua importância e os seus limites dentro da sociedade capitalista moderna. A segunda faz um sintético balanço da história do movimento sindical brasileiro, destacando seus principais momentos, desde a criação das organizações de auxilio mútuo na segunda metade do século XIX até os embates mais recentes desencadeados pelo movimento dos trabalhadores.
RICARDO ANTUNES
1ª Parte ORIGENS, EVOLUÇÃO E IMPORTÂNCIA DOS SINDICATOS
O advento do capitalismo e o papel dos sindicatos
"Os sindicatos representaram, nos primeiros tempos do desenvolvimento do capitalismo, um progresso gigantesco da classe operária, pois propiciaram a passagem da dispersão e da importância dos operários aos rudimentos da união da classe."
A sociedade capitalista encontrou em meados do século XVIII plenas condições para a sua expansão. O intenso desenvolvimento das máquinas, substituindo a produção artesanal e manufatureira, consolidou o capitalismo, que agora ingressava na fase industrial.
O maquinismo desenvolveu-se prodigiosamente, tornando-se mesmo uma lei imperativa para os fabricantes capitalistas na concorrência que faziam entre si, em busca de maiores lucros. Porém, o emprego da força mecânica e das máquinas nos novos ramos industriais, assim como a utilização de máquinas mais avançadas em ramos já mecanizados, deixaram sem trabalho um grande número de operários. Esse excedente de mão-de-obra substituído pela máquina fortaleceu ainda mais o capitalista que, a partir de então, passou a pagar um salário ainda mais humilhante para os operários.
Neste momento a divisão da sociedade atingiu sua plenitude; constituíram-se as duas classes fundamentais e antagônicas que compõem a sociedade capitalista. De um lado os capitalistas, que são proprietários dos meios de produção, como as máquinas, matérias-primas e que vivem da exploração da grande massa da população, e, de outro, os proletários, que se encontram privados de toda a propriedade dos meios de produção e que só dispõem de sua força de trabalho, isto é, da sua capacidade de produzir. Noutras palavras, o produto criado pelo trabalho do operário passou a ser apropriado pelo capitalista. E subsiste dentro da sociedade capitalista a Lei do Salário que, como demonstrou Engels em seus Escritos sobre o Sindicalismo, acarretando cada vez mais a diminuição da remuneração do trabalhador, reforça as cadeias que tornam cada vez mais o operário escravo do produto gerado pelas suas próprias mãos. Essa tendência ao rebaixamento dos salários atinge um nível tal, que só é suficiente para a reprodução do trabalhador, forçando-o a uma jornada de trabalho extenuante, cheia de “horas extras”, além de ver sua mulher e filhos, estes na maioria das vezes ainda em idade precoce, trabalhando sob condições desumanas.
Como decorrência dessa situação, os operários, que inicialmente não dispõem de outra coisa senão sua força de trabalho, subordinam-se aos interesses e à força do capital, mantendo com esse uma relação sempre desigual. A grande força que possuem é, em contrapartida, a sua quantidade.
Essa quantidade, porém, é anulada quando há desunião entre a classe, o que não acontece com os capitalistas que, facilitados pelo seu reduzido número, encontram-se sempre organizados e coesos na defesa da propriedade privada e dos lucros. Os operários encontrarão em suas organizações próprias condições para dispor de um meio de resistência eficaz contra essa pressão constante pela baixa de salários.
É neste momento que surgem os sindicatos; estes nasceram dos esforços da classe operária na sua luta contra o despotismo e a dominação do capital. Os sindicatos têm como finalidade primeira impedir que os níveis salariais se coloquem abaixo do mínimo necessário para a manutenção e sobrevivência do trabalhador e sua família. Os operários unidos em seu sindicato colocam-se de alguma maneira em pé de igualdade com o patronato no momento da venda de sua força de trabalho, evitando que o capitalista trate isoladamente com cada operário. Esta é a função primeira dos sindicatos: impedir que o operário se veja obrigado a aceitar um salário inferior ao mínimo indispensável para o seu sustento e o da sua família.
Os sindicatos são, portanto, associações criadas pelos operários para sua própria segurança, para a defesa contra a usurpação incessante do capitalista, para a manutenção de um salário digno e de uma jornada de trabalho menos extenuante, uma vez que o lucro capitalista aumenta não só em função da baixa de salários e da introdução das máquinas, mas também em função do tempo excessivo de trabalho que o capitalista obriga o operário a exercer.
A atuação dos sindicatos baseia-se nas lutas cotidianas da classe operária. Mas além disso, os sindicatos constituem-se também força organizadora da classe operária na luta pela supressão do sistema de trabalho assalariado. Devem ser considerados como centro de organização dos operários visando sua emancipação econômica, social e política.
O sindicato, ao tornar-se representante dos interesses de toda a classe operária, conseguiu agrupar em seu seio todos os assalariados que não estavam organizados, evitando que o operário continuasse sua luta isolada e individual frente ao capitalista. A partir do momento em que os operários constituíram suas organizações de classe, ficou mais difícil para o capitalista baixar desmesuradamente o salário ou aumentar excessivamente a jornada de trabalho.
Presentemente os sindicatos são instituições reconhecidas e sua ação é admitida como fator de regulamentação e fiscalização dos salários, da jornada de trabalho e da legislação social. E graças à ação sindical que a Lei dos Salários é controlada pelos próprios operários. Mais ainda: o papel dos sindicatos é fornecer aos operários alguns meios de resistência na sua luta contra os excessos do capitalismo. Essa luta subsistirá enquanto a redução dos salários continuar a ser o meio mais seguro e mais fácil para o capitalista aumentar seus lucros, ou seja, enquanto durar o próprio sistema de salário. A simples existência dos sindicatos é a prova disso: se não lutassem contra a usurpação do capital, diz Engels, para que serviriam?
Os sindicatos representaram, conforme acrescentou Lenin, nos primeiros tempos do desenvolvimento do capitalismo, um progresso gigantesco da classe operária, pois propiciaram a passagem da dispersão e da impotência dos operários aos rudimentos da união de classe.
O nascimento do sindicalismo e das lutas operárias: os trade-unions
“Se a história das organizações sindicais inglesas teve momentos de derrotas e vitórias, é inegável que elas constituíram a primeira tentativa efetiva dos trabalhadores de organizarem-se na luta contra os capitalistas. Ao conseguirem abater a concorrência existente entre os operários unindo-os e tornando-os solidários em sua luta, ao se utilizarem das greves como principal arma contra os capitalistas, os operários conseguiram dar os primeiros passos na luta pela emancipação de toda a classe operária."
A Inglaterra viveu, na segunda metade do século XVIII, um processo de desenvolvimento intenso. O advento do vapor e das máquinas transformou as manufaturas em grandes indústrias modernas, criando as novas bases da sociedade capitalista. Vivia-se a etapa da produção em larga escala. Cada vez mais se acentuava a divisão da sociedade em grandes capitalistas, de um lado, e proletários, de outro, mediados por uma massa de pequenos comerciantes e artesãos, segmento flutuante e oscilante da população. O capitalismo iniciava um processo que ainda haveria de desenvolver, mas já trazia consigo toda uma gama de transtornos sociais, como a superexploração do trabalho, que atingia até 16 horas por dia, a exploração das mulheres e das crianças, o trabalho sem condições mínimas de salubridade, além da aglomeração da população operária em locais sem as mínimas condições de vida e habitação.
O intenso desenvolvimento do processo de produção capitalista teve, como já referimos, a necessidade de recorrer cada vez mais ao uso das máquinas, o que coadunava com os interesses dos capitalistas que procuravam auferir lucros cada vez maiores. Vimos também que dentro destas circunstâncias a introdução das máquinas trouxe a substituição de grandes contingentes de mão-de-obra, que foram lançados ao desemprego. Daí as primeiras manifestações de revolta dos operários visarem a destruição das máquinas, num movimento denominado Ludismo.
Engels, em seu célebre estudo A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, mostrou que a forma mais elementar de luta da classe operária marcou uma resistência violenta à introdução das máquinas. Os primeiros inventores foram inicialmente perseguidos e suas máquinas destruídas. Mas essa forma de revolta era isolada, limitada, e não conseguiu conter o inimigo maior que era o próprio poder do capitalista. Mais ainda, colocou a sociedade inteira contra os operários pelo seu gesto considerado brutal. Era pois necessário encontrar uma forma de oposição mais eficiente e que representasse um avanço nas lutas da classe operária.
Foi de grande importância para esse avanço a lei votada em 1824 pelo Parlamento inglês, onde se conquistou o direito que até então era restrito às classes dominantes: a livre associação. Na verdade as associações sindicais já existiam na Inglaterra desde o século anterior, mas eram violentamente reprimidas no desempenho de suas atividades, o que dificultava a organização dos trabalhadores. Conquistado o direito de livre associação as uniões sindicais — trade-unions, como as chamam os ingleses — desenvolveram-se por toda a Inglaterra, tornando-se bastante poderosas. Em todos os ramos industriais, diz ainda Engels, formaram-se trade-unions com o objetivo de fortalecer o operário na luta contra a exploração capitalista. As trade-unions passaram então a fixar os salários para toda a categoria, evitando com isso que o operário atuasse isoladamente na luta por melhores salários. Passaram também a regulamentar o salário em função do lucro, obtendo aumentos que acompanhavam a produtividade industrial e nivelando-se a toda categoria.
As trade-unions negociavam com os capitalistas a criação de uma escala de salários, forçando sua aceitação, e deflagravam greve sempre que esses salários eram rejeitados. Ante as constantes manobras dos capitalistas, as trade-unions auxiliavam financeiramente os operários em greve ou desempregados, através das "Caixas de Resistência”, o que aumentava sobremaneira a capacidade de luta da classe operária e tornava arriscado para o capitalista diminuir os salários ou aumentar as horas de trabalho.
Outro avanço que se procurou obter foi a aglutinação das várias categorias de uma região numa federação. Em 1830 constituiu-se uma associação geral de operários ingleses — a “Associação Nacional para a Proteção do Trabalho" — cujo objetivo era atuar como central de todos os sindicatos.
Reuniu operários têxteis, mecânicos, fundidores, ferreiros, mineiros etc. Na vanguarda deste movimento encontrava-se o operariado fabril de Lancashire, ocupados nas fábricas de tecidos. A Associação era liderada por John Doherty (um operário que já nos anos 20 era secretário do Sindicato dos Fiadores de Algodão em Manchester) e reunia milhares de associados, além de uma publicação periódica, A Voz do Povo. A função principal da Associação Geral era resistir à diminuição dos salários e dar apoio aos operário em greve. Uma vez desrespeitado o salário fixado pelas trade-unions, estas enviavam uma delegação junto ao patronato exigindo a aceitação dos salários previamente estabelecidos pela escala. Se isso não fosse suficiente a Associação recorreria à paralisação de todos os operários daquele ramo ou setor. Estas greves eram parciais, em uma determinada fábrica ou setor de produção, ou generalizadas, quando atingiam todo um ramo de produção, como os têxteis, mineradores etc. Estes eram os meios legais utilizados pela Associação Geral e somente se consolidavam em vitórias quando correspondiam a uma maciça organização e atuação dos operários.
À medida que surgiam estas associações sindicais, os patrões, através das demissões, começaram a pressionar e obrigar os operários a renunciar formalmente a participar da vida sindical. Isso fez com que várias associações sindicais fossem posteriormente extintas, o que demonstrou quão árdua foi a luta dos operários pela sua organização nos sindicatos.
Destaque nesta luta das trade-unions inglesas deve ser dado a Robert Owen, industrial que se tornou posteriormente um dos precursores do socialismo utópico inglês. Diz Engels em seu ensaio Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico que, enquanto se limitou ao papel filantrópico e assistencialista, Owen só recolheu riqueza, aplausos, honra e fama, não só entre os homens de sua classe burguesa, mas também entre os governantes e o Estado. Contudo, a partir do momento em que formulou suas teorias socialistas, foi banido e perseguido pelos capitalistas e pelo Estado, além de ser ignorado completamente pela imprensa. Owen aproximou-se cada vez mais dos interesses da classe operária, onde ainda atuou durante algumas décadas. "Todos os movimentos sociais, todos os progressos reais registrados na Inglaterra no interesse da classe trabalhadora estão ligados ao nome de Owen. Assim, em 1819, após cinco anos de grandes esforços conseguiu que fosse votada a primeira lei limitando o trabalho da mulher e das crianças nas fábricas. Foi ele quem presidiu o Primeiro Congresso em que as trade-unions de toda a Inglaterra se fundiram numa única e grande organização sindical”: Grande União Consolidada dos Trabalhadores, criada em 1834 e que se dedicou a sustentar as greves que eclodiram por toda parte na Inglaterra.
Foi Owen quem organizou as cooperativas de consumo e de produção que serviram para demonstrar, na prática, que o comerciante ou intermediário e o proprietário capitalista não são indispensáveis e, por outro lado, organizou ainda os mercados operários, estabelecimentos de trocas dos produtos por meio de bônus do trabalho, cuja unidade era a hora produzida. O que Owen não conseguiu perceber — e por isso foi um socialista utópico — é que a transformação da sociedade capitalista não seria pacífica e através de reformas, mas sim a partir da luta violenta entre as classes, conforme mostraram Marx e Engels no célebre Manifesto Comunista de 1848.
Se a história destas Associações é caracterizada por momentos de vitórias e de derrotas, é inegável que elas constituíram a primeira tentativa efetiva de organização dos trabalhadores na luta contra os capitalistas. Ao conseguirem abater a concorrência existente entre os operários, unindo-os e tornando-os solidários em sua luta, ao utilizarem-se das greves como a principal arma contra os capitalistas, os operários conseguiram dar os primeiros passos na luta pela emancipação de toda a classe operária.
A evolução do sindicalismo e suas várias concepções: anarquista, reformista, cristã, corporativista e comunista
Desde seu nascimento, os sindicatos mostraram-se fundamentais para o avanço das lutas operárias. E sua evolução não se limitou à nação inglesa. O crescente desenvolvimento das atividades industriais em França, Alemanha, E.U.A. e outros países, já na segunda metade do século passado, fez emergir um proletariado cada vez mais forte, tanto quantitativa quanto qualitativamente. O movimento sindical expandiu-se. Floresceram as greves em todo o mundo capitalista, desde os países mais avançados até aqueles de industrialização mais atrasada. A classe operária ganhava novas dimensões e avançava na batalha pela sua emancipação; em 1866 realizou-se o Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores, reunido representantes operários de todo o mundo. Lá estavam presentes as idéias anarquistas de Bakunin, de Proudhon e as idéias comunistas de Marx e de Engels. Neste Congresso reafirmou-se a importância da criação dos Sindicatos, definida como uma das tarefas primordiais do proletariado.
“Estas associações devém não só lutar contra os ataques do capital, como também devem trabalhar conscientemente como locais de organização da classe operária em busca do grande objetivo que é a sua emancipação radical. Devem ajudar qualquer movimento social ou político que tenha esta direção.”
O proletariado iniciou um processo de luta, desencadeando desde reivindicações puramente econômicas até movimentos propriamente políticos, como o Cartismo na Inglaterra, as Revoluções de 1848 em França e Alemanha e a célebre Comuna de Paris de 1871. Em todos estes eventos a participação da classe operária foi decisiva.
No movimento sindical o trade-unionismo, que aspirava a reivindicações predominantemente econômicas, já não era a única tendência.
Uma segunda tendência emergiu em países como França e Itália, onde a classe operária ainda não atingira o grau altamente concentrado da indústria inglesa e onde a exploração capitalista atingia níveis ainda mais violentos. Precursora do anarquismo, esta segunda corrente se auto-intitulou "revolucionária”. Enfatizando que a sociedade capitalista não se transformaria através de reformas, os “sindicalistas revolucionários” acreditavam que somente a greve geral poderia levar à transformação radical da sociedade. Os principais teóricos desta corrente foram o francês Georges Sorel e o italiano Arturo Labriola. Eles acreditavam que a prática da luta exclusivamente econômica, através da ação direta nas fábricas e da deflagração da greve geral, constituía-se na única forma de ação efetivamente revolucionária da classe operária. Dizia Sorel que a ação direta violenta e a greve geral, levando ao conflito as distintas classes sociais, acarretariam uma possível vitória dos operários, devido à justiça de sua causa, a sua maioria numérica e a sua superioridade física, esquecendo-se que a isto os patrões contrapõem toda a violência da força militar e repressiva do Estado capitalista. Sorel ainda rechaçava de antemão a necessidade da luta política, inclusive aquela efetuada no parlamento, e negava qualquer forma de organização partidária, entendida sempre como sendo utópica e reacionária. O “mito sorelíano” da greve geral espontânea caracteriza, segundo o filósofo marxista Georg Lukács, a rebeldia de sua ideologia pequeno-burguesa e irracionalista, e que cada vez mais se distancia da verdadeira ideologia do proletariado. Dado o caráter emocional e a ausência do verdadeiro conteúdo proletário — o que fez com que Lenin o definisse como um “conhecido confusionista” —, as idéias de Sorel foram demagogicamente exploradas pelo fascismo de Mussolini.
Uma terceira tendência foi aquela constituída pelos sindicalistas anarquistas que, coincidindo com os sindicalistas “revolucionários”, também negavam violentamente a luta política e enfatizavam a importância e a exclusividade dos sindicatos no processo de emancipação da sociedade. Para Bakunin, por exemplo, os sindicatos, além de “organização natural das massas”, seriam o “único instrumento de guerra verdadeiramente eficaz” na construção da sociedade anarquista baseada na autogestão e na negação de qualquer forma de administração estatal. Proudhon, Kropotkin e Malatesta foram outros teóricos desta concepção libertária. Embora comportando algumas tendências distintas, o anarquismo enfatizava o papel do sindicato não só como órgão de luta, mas também como núcleo básico da sociedade anarquista. A concepção anarquista propagou-se nos países europeus de menor desenvolvimento capitalista e, consequentemente, de menor concentração industrial, onde predominavam as pequenas indústrias como na Espanha, França, Itália, Portugal, e penetrou também na maioria dos países latino-americanos.
Lenin faz agudas críticas aos anarquistas, mostrando alguns fundamentos de sua ideologia individualista e pequeno-burguesa: a defesa da pequena propriedade, a negação da força unificadora e organizadora do poder (os anarquistas propugnavam a abolição do Estado antes mesmo da supressão das classes antagônicas) e a incompreensão da verdadeira dimensão política da luta de classe do proletariado. Tudo isto acarretou a subordinação da classe operária a ideologia burguesa, sob a falsa aparência de negação da política, apregoada pelos anarquistas.
Outra corrente do movimento sindical, que tem suas origens no trade-unionismo inglês, é aquela denominada reformista, uma vez que se opõe à atuação revolucionária do proletariado. Sem negar o princípio de que os sindicatos constituem um meio de luta a fim de obter reivindicações justas, os reformistas pretendem uma simples melhora da situação dos trabalhadores dentro do sistema capitalista. O maior exemplo dentro desta corrente é o sindicalismo norte-americano. Na herança das trade-unions, o sindicalismo norte-americano pauta sua atuação no terreno estritamente economicista e reivindicatório, nunca abalando, mas sim se ajustando ao sistema capitalista. Sua recusa a um "sindicalismo político” é violenta e data desde a criação da Federação Americana do Trabalho, em fins do século passado, quando a luta operária grevista atingiu ampla repercussão (mais de cinco mil greves em 1886), objetivando conquistar a jornada de oito horas. Vale lembrar o Dia do Trabalho, universalmente celebrado pela classe de todo o mundo em primeiro de maio, tem origem nesta luta dos operários norte-americanos — os Mártires de Chicago — pela redução da jornada de trabalho. Depois de violenta repressão policial às greves, quatro operários são condenados à morte e outros à prisão perpétua sob a falsa acusação de terem cometido um atentado. A partir de então o 1º de Maio tornou-se um dia de luta de toda a classe operária.
Apesar destas lutas no fim do século passado, a Federação Americana do Trabalho pratica, até os dias de hoje, um sindicalismo que nega a luta de classes e que se limita a uma estreita defesa dos interesses corporativos. O movimento sindical norte-americano, neste seu apoliticismo, expressa uma ideologia conservadora e adequada aos interesses do capitalismo e, apesar de ter sua estrutura sindical totalmente independente do Estado, não consegue exercer uma atuação autônoma, uma vez que sua prática sindical encontra-se totalmente subordinada a ideologia capitalista dominante, da qual objetiva extrair algumas melhorias para o operário norte-americano.
Sem romper com a concepção reformista, encontramos ainda a corrente do sindicalismo cristão que se inspirou, em sua origem, na encíclica Rerum Novarum (1891), de Leão XIII. Essa corrente adota uma ampla colaboração social e reconhece a legitimidade de princípio das organizações sindicais, sem que isto implique radicais transformações no regime capitalista da propriedade privada. A concepção cristã atribui ao capitalismo a necessidade de desenvolver sua função social, tornando-o um sistema “justo e equitativo”. A Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos, criada no Congresso de Haia em 1920, afirmou que “a vida econômica e social implica a colaboração de todos os filhos de um mesmo povo. Rejeita, portanto, a violência e a luta de classes, quer do lado patronal, quer do lado operário". A influência do sindicalismo cristão é ainda hoje bastante grande em alguns países, como a Itália.
Outra corrente dentro do sindicalismo — a corporativista — datou das primeiras décadas deste século, durante a vigência do fascismo. Seu aparecimento só foi possível através da violenta repressão ao movimento sindical e operário antifascista, acabando com as verdadeiras lideranças operárias, além de uma prática de intensa manipulação das massas populares. Em 1927 Mussolini decretou a Carta del Lavoro, que organizou os sindicatos italianos nos moldes corporativistas: as corporações tornaram-se subordinadas e dependentes do Estado fascista.
Expressava a política da paz social, da colaboração entre as classes, conciliando o trabalho ao capital, negando violentamente a existência da luta de classes, com o nítido objetivo de garantir a acumulação capitalista em larga escala e com um alto grau de exploração da classe operária.
As corporações italianas aglutinavam representantes dos capitalistas e dos operários, de todas as categorias que contribuíam para a produção de determinado produto. Por exemplo, na corporação dos cereais, na Itália, participavam os representantes dos patrões e dos trabalhadores dos moinhos, padarias, confeitarias, comércio de cereais, técnicos agrícolas etc. Com isso se evitava a criação de corporações por categoria, que mais facilmente refletiriam os conflitos de classe, pois que dela participariam os patrões e os trabalhadores de uma única categoria — por exemplo, os capitalistas proprietários de indústrias metalúrgicas e os operários empregados naquelas indústrias —, refletindo diretamente as disparidades existentes entre eles.
Nos sindicatos fascistas, diz Togliatti em Lições sobre o Fascismo, participavam conjuntamente patrões e operários, capitalistas e proletários, fundamento para a implementação da ideologia corporativista. É importante ressaltar que o corporativismo somente se organizou depois que os trabalhadores foram privados de qualquer representação, quando foram destruídos todos os partidos políticos da classe operária, liquidada a liberdade sindical, liberdade de reunião e demais liberdades democráticas.
Por fim, devemos fazer referência à concepção comunista de sindicalismo.
Lenin, em Que Fazer, demonstrou que o movimento sindical, quando totalmente isolado das demais lutas de toda a sociedade, acaba incorrendo numa atuação demasiadamente “economicista", trade-unionista. Daí a importância da atuação dos comunistas dentro dos sindicatos para transformar a luta trade-unionista numa luta mais ampla pelo fim do sistema capitalista, aproveitando os vislumbres de consciência política que a atuação econômica introduz no operário e elevando esta consciência ao nível de uma consciência revolucionária.
Na Rússia czarista, fase imperial anterior à Revolução Socialista de 1917, os sindicatos que surgiram nos fins do século XIX foram locais de organização fundamentais para o avanço da classe operária. Em São Petesburgo, por exemplo, o movimento sindical foi muito ativo, sendo justamente daí que nasceu a Revolução de Fevereiro, que antecipou a Revolução Socialista de Outubro.
A partir do momento em que a classe operária tomou o poder através da revolução, tornou-se necessário alterar o significado e a função dos sindicatos. Os sindicatos, conforme disse Lenin em Sobre os Sindicatos, tornaram-se uma organização educadora da massa operária, uma organização que dá instrução, uma escola de governo, uma escola de administração, enfim, uma escola de comunismo. É uma escola de tipo completamente desconhecido no capitalismo, pois nos sindicatos não há mestres e alunos, mas sim uma escola que cada vez mais forma os setores mais avançados do proletariado.
Durante a ditadura do proletariado, os sindicatos situam-se entre o Partido e o poder do Estado. Houve inclusive um debate entre Lenin e Trotsky, em 1921, sobre os vínculos entre os sindicatos e o Estado socialista. Enquanto Trotsky, naquele momento histórico, defendia a necessidade de estatizar os sindicatos, isto é, torná-los órgãos estatais (posição que Trotsky abandonou posteriormente), Lenin demonstrou que os sindicatos, mesmo sob o socialismo, deveriam manter-se como órgão de defesa dos interesses materiais dos trabalhadores na luta pela democracia proletária.
Ressaltava a dupla tarefa dos sindicatos durante a ditadura do proletariado: é, de um lado, através das lutas diárias dos sindicatos que as massas aprendem a caminhar em direção ao socialismo. De outro, os sindicatos são uma “reserva de força” do Estado. Na verdade, na fase de transição do capitalismo para o socialismo os sindicatos assumem algumas tarefas fundamentais, tais como: organização e direção da produção, evitando inclusive as sabotagens contra-revolucionárias dos inimigos da revolução; a melhoria da situação econômica dos operários; a melhoria da condição operária dentro e fora da fábrica, através de garantia do direito ao trabalho, da proteção a acidentes, além de fornecer condições para a manutenção de atividades culturais, de saúde, de turismo, visando o bem-estar e a elevação do nível de vida do operário. Os sindicatos devem também preocupar-se com a formação ideológica dos trabalhadores, através do trabalho cultural de massas, fornecendo a educação política necessária para que os operários entendam e trabalhem pela construção da sociedade socialista, onde eles são os verdadeiros beneficiados.
A importância da atuação dentro dos sindicatos operários
“Não atuar dentro dos sindicatos reacionários significa abandonar as massas operárias insuficientemente desenvolvidas ou atrasadas à influência dos líderes reacionários, dos agentes da burguesia, dos operários aristocratas ou aburguesados.”
Já analisamos a importância dos sindicatos para o avanço das lutas operárias contra a exploração capitalista. Na verdade os sindicatos tornaram-se indispensáveis para o desenvolvimento da classe operária nos primórdios do capitalismo e mesmo na sua fase atual, dominada pelo imperialismo.
Foi, porém, com o surgimento do sindicalismo reacionário que se iniciou uma grande discussão entre as vanguardas operárias sobre a importância da atuação dentro daqueles sindicatos.
Foi Lenin, em Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, quem mostrou a incorreção e inconsequência da luta daqueles que julgavam desnecessária a atuação dentro dos sindicatos reacionários. Referindo-se aos revolucionários alemães Lenin disse: “Mas, por muito convencidos que estejam os esquerdistas alemães do caráter revolucionário de semelhante tática, ela é, na realidade, profundamente errônea e nada contém, a não ser frases vazias."
Na verdade, toda a discussão de Lenin com os “esquerdistas" alemães mostrou os equívocos e os desastres para a classe operária quando certos setores procuraram criar organizações paralelas: não podemos deixar de achar um absurdo ridículo e pueril, diz ainda Lenin, as argumentações ultra-sábias e pretensamente revolucionárias daqueles que defendem idéias de que não se deve atuar nos sindicatos reacionários, e, mais ainda, de que é preciso abandonar os sindicatos e organizar obrigatoriamente uniões operárias “paralelas e livres."
Mesmo quando comportando certas características reacionárias, como a estreiteza grupal, o apoliticismo, o reformismo, nem por isso deixou de ser o sindicato uma “escola de guerra", uma escola preparatória para os operários na luta contra o capitalismo. Daí a necessidade premente de os operários mais avançados instruírem, ilustrarem, educarem as camadas mais atrasadas da classe operária.
Não atuar dentro dos sindicatos reacionários, diz ainda Lenin, significa abandonar as massas operárias insuficientemente desenvolvidas ou atrasadas à influência dos líderes reacionários, dos agentes da burguesia, dos operários aristocratas ou “operários aburguesados". É uma obrigação da vanguarda mais avançada dos operários trabalhar obrigatoriamente onde estiverem as massas. É necessário saber superar todos os obstáculos e barreiras que se colocam entre a vanguarda e as massas; necessário realizar uma propaganda sistemática, pertinaz, perseverante e paciente, exatamente nas instituições, associações e sindicatos onde estejam presentes as massas, por mais reacionárias que sejam. E os sindicatos, diz ainda Lenin, são precisamente as organizações onde estão as massas. Isolar-se deles implica o isolamento das massas operárias, inevitavelmente uma palavra de ordem “infantil e esquerdista" e que atende aos interesses exclusivos da burguesia.
Sendo a organização mais massiva e que abarca todos os operários dos distintos ramos industriais, os sindicatos, mostram-se como um terreno fértil para o avanço de todos os setores do proletariado, mesmo aqueles mais atrasados e com menor experiência de luta, uma vez que é no seu sindicato, junto com os operários mais avançados, que eles começam a entender toda a complexidade da luta contra os capitalistas.
Mesmo durante a época do fascismo, quando a ditadura da classe burguesa assumiu a sua forma mais violenta, o terreno dos sindicatos mostrava-se o mais vulnerável e onde as contradições de classe penetravam de forma mais imediata. Foi exatamente a partir de uma atuação lenta e vigorosa dentro dos sindicatos fascistas e ditatoriais que se conseguiu forjar as grandes organizações sindicais necessárias para a derrota da ditadura capitalista.
Não atuar dentro dos sindicatos, a pretexto do seu caráter reacionário, apolítico, trade-unionista, é o melhor serviço que se pode prestar aos interesses dos capitalistas.
A luta pelo sindicato único
A luta pelo sindicato único tem sido, desde os primeiros tempos, uma luta incansável da classe operária visando o seu fortalecimento e união concreta contra os interesses capitalistas.
Também não é recente o interesse dos capitalistas e dos falsos representantes da classe operária em dividir de todas as formas o sindicalismo operário, visando com isso seu enfraquecimento. Quando se propõe o pluralismo sindical está-se diante de uma tentativa concreta de gerar o divisionismo no seio da classe operária e da sua luta sindical. O principio do pluralismo sindical garante, a pretexto de uma falsa liberdade sindical, o aparecimento de vários sindicatos de uma dada categoria e em uma única base territorial. Esse princípio, que vai ao encontro dos interesses da burguesia, baseia-se no fato de que não deve haver adesão de todos os operários de uma mesma categoria a um único sindicato. Com isso permite-se a criação de vários sindicatos para uma única categoria em uma mesma região, o que, em vez de fortalecer um único sindicato, cria vários pequenos sindicatos. Exemplificando: em vez de existir um único sindicato dos metalúrgicos em uma região, tem-se vários pequenos sindicatos naquele mesmo local. Nada interessa menos à classe operária.
Outra decorrência do principio do pluralismo sindical é que, em vez de se lutar pela criação de uma Central Sindical dos trabalhadores, forte e unitária, os adeptos do pluralismo defendem a criação de várias centrais sindicais independentes entre si, como acontece em vários países da Europa, onde existe a central sindical controlada pelos comunistas, outra pelos democratas-cristãos, outra pelos sociais-democratas, e ainda outras de expressão menor.
Há ainda outro aspecto negativo dentro da concepção de pluralismo sindical e que precisa ser destacado: não poucas vezes um sindicato, dentre os vários existentes em um único setor, julga-se no direito de representar toda a categoria, sendo que ele, por ser um dos vários sindicatos existentes, não tem representatividade para tal ação.
Ao contrário, o princípio da unidade sindical garante a existência de um único sindicato representativo para cada ramo de atividade em uma determinada região. Com isso evita-se a divisão e o consequente enfraquecimento do movimento sindical que, apesar da existência de várias tendências que atuam dentro do sindicato, vê garantida a existência de um único sindicato por categoria. Tem-se, por exemplo, em uma dada região, um único sindicato dos metalúrgicos, um único dos têxteis etc., ao contrário da situação onde há pluralismo, onde existiriam vários sindicatos metalúrgicos, têxteis etc.
Com o princípio da unidade sindical evita-se também outro ponto nefasto para os opérários: que exista um sindicato para cada empresa. Um sindicato por fábrica, não é difícil deduzir, permite um controle muito grande da direção da empresa sobre a direção do sindicato, o que, uma vez conseguido, tolhe a possibilidade de uma luta autônoma por parte dos operários, além de criar minúsculos sindicatos em vez de um único e forte para toda a categoria. Ao contrário, quando existe um único sindicato aglutinando várias empresas de um mesmo ramo, evidentemente isto o fortalece, aumentando sua força frente aos patrões, o que faz com que, quando este sindicato obtenha vitórias, elas beneficiem toda a categoria, indiscriminadamente, e não uma ou outra empresa, isoladamente. Vale lembrar que a existência do princípio do sindicato único não implica a obrigatoriedade da sindicalização; esta sim permanece a critério do trabalhador que opta ou não pela sindicalização. Mas há ainda outros aspectos relevantes: a existência de sindicatos únicos possibilita aos operários, na sua luta pelo fortalecimento sindical, a criação de uma central única dos trabalhadores, momento maior da unidade orgânica, que aglutina todas as categorias assalariadas da cidade e do campo. É evidente que uma central unitária e forte constitui-se num dos baluartes mais importantes da luta da classe operária contra o capital. O que não impede que dentro dela existam operários de várias tendências, como comunistas, socialistas, sociais-democratas, democratas-cristãos, reformistas etc., mas todos eles atuando juntos em torno das reivindicações imediatas da classe operária na luta contra a exploração capitalista.
Os limites do sindicalismo e o papel do partido político
Marx, Engels e Lenin sempre enfatizaram a importância da luta econômica como ponto de partida para o despertar da consciência da classe operária e a necessidade de transformá-la em uma luta política, onde, além de se reivindicar maiores vantagens no terreno econômico, pretende-se a conquista do poder político e o fim do sistema capitalista de produção.
Lenin, em seu artigo Sobre as Greves, tece considerações fundamentais sobre a importância das greves: estas, “por surgirem da natureza do sistema capitalista, significam o início da luta da classe operária contra toda a estrutura da sociedade... Toda greve infunde com enorme força aos trabalhadores a idéia do socialismo: a idéia da luta de toda classe trabalhadora por sua emancipação do jugo do capital...
Durante cada greve cresce e desenvolve-se nos operários a consciência de que o governo é seu inimigo e de que a classe operária deve preparar-se para a luta contra ele pelos direitos do povo.
Assim, pois, as greves ensinam os operários a unirem-se, as greves lhes fazem ver que só unidos podem sustentar a luta contra os capitalistas, as greves ensinam aos operários a pensar na luta de toda a classe operária contra toda classe patronal e contra o governo autocrático e policial.
Por isso mesmo os socialistas chamam as greves escola de guerra, escola onde os operários aprendem a desencadear a guerra contra seus inimigos pela emancipação de todo o povo e de todos os trabalhadores do jugo do governo e do capital.
Porém, a escola de guerra não é ainda a própria guerra... As greves são um dos meios da classe operária para sua emancipaçãp, porém não o único, e se os operários não prestam atenção aos outros meios de luta, com isso demoram o desenvolvimento e os êxitos da classe operária*.
No mesmo sentido vão as considerações sobre os sindicatos: estes constituem um momento fundamental de organização da classe operária contra as usurpações do capital. Mas a luta sindical é limitada na medida em que é uma luta constante pela melhoria salarial e não diretamente contra o sistema capitalista que gera o sistema de salários. A luta sindical é uma luta contra os efeitos do capitalismo e não contra as suas causas.
Marx apontou com lucidez a relação entre a luta econômica e a luta política. A primeira restringe-se ao terreno econômico, não rompendo com as raízes do modo de produção capitalista. A classe é ainda uma classe em si, pois que não se constitui ainda como uma força política eficaz contra o capitalismo. O segundo momento, mais avançado, é quando a classe formula um projeto político que visa extinguir o capitalismo, o que implica destruir os antagonismos existentes através da supressão de todas as classes. Esse momento, o da classe para si, é um momento nitidamente político e que carece da atuação dos partidos revolucionários, cuja tarefa é dar direção ao processo revolucionário; é conduzir as explosões imediatas da massa visando à tomada do Estado e sua transformação, onde a classe trabalhadora assume a luta pela emancipação humana.
Lenin travou todo um debate com aqueles que acreditavam que a luta econômica em si já era revolucionária, mostrando que esta interpretação era espontaneísta, pois acreditava na sublevação instantânea e espontânea das massas. Mostrou que espontaneamente o proletariado não conseguiria afastar-se do trade-unionismo, do economicismo.
Se a luta econômica é fundamental como ponto de partida para a consciência operária, a verdadeira consciência de classe revolucionária, de tomada do poder pelos trabalhadores, é dada pela mediação dos Partidos. Lenin enfatizou que o movimento de massas, em sua espontaneidade, não conseguiu ir além do reformismo, o que, por sua vez, limita suas reivindicações ao universo burguês; a participação propriamente política implica numa concepção de revolução que se fundamente na luta concreta das massas operárias e que as direcione para a conquista do socialismo e da emancipação humana. O que significa que, para o operariado tornar-se revolucionário, é preciso ir além da luta imediata; é preciso compreender o poder político e o papel do Estado que garante a dominação capitalista. O que Lenin mostrou em seu escrito Que Fazem é que não se atinge essa visão ampla através de um processo espontâneo, de luta exclusivamente dentro da fábrica, mas que é necessária a fusão desta luta imediata, concreta, com a teoria revolucionária.
Do que se depreende que a luta política é mais complexa e mais ampla que a luta econômica. Esta distinção, por sua vez, é mais nítida nos países onde existem liberdades democráticas plenas. Nestes países a luta propriamente política é ainda mais intensa. Essa distinção tende a diminuir consideravelmente em países onde, em função da inexistência de liberdades mínimas, tanto a luta sindical quanto a luta política são consideradas ilegais. Aí, qualquer manifestação, a princípio econômica, ganha um claro caráter político de confronto com o poder.
De qualquer forma as relações entre os Sindicatos e os Partidos são fundamentais e indispensáveis para o avanço da classe operária. É dever de todo operário comunista, diz Lenin, atuar e trabalhar efetivamente nos sindicatos que, dada a sua abrangência, aglutinam todas as categorias de operários e colocam-se como locais fundamentais para que os Partidos possam exercer sua influência junto às massas. Cada partido deve sistematicamente, e com perseverança, conduzir uma ação no seio dos sindicatos, das comissões de fábricas e demais organismos dos trabalhadores.
No interior destas organizações é necessário criar núcleos comunistas que, através de um trabalho contínuo, devem conquistar as direções dos sindicatos e demais organismos para a luta mais ampla visando a transformação da sociedade.
Essa influência será tão mais significativa quanto mais amplos forem os sindicatos e maior for a presença de operários avançados politicamente.
Lembre-se, porém, que essa influência não significa um vínculo obrigatório entre os Sindicatos e os Partidos. O que é necessário, isto sim, é que, sendo um local fundamental para a organização operária, os sindicatos devem procurar levar sua luta em consonância com aquela luta política mais ampla de emancipação da sociedade, cuja direção é dada pelos Partidos Políticos fundados na perspectiva do trabalho.
2ª Parte O SINDICALISMO NO BRASIL
As origens
A origem da classe operária brasileira remonta aos últimos anos do século XIX e está vinculada ao processo de transformação na nossa economia, cujo centro agrário-exportador cafeeiro ainda era predominante. Porém, ao criar o trabalho assalariado em substituição ao escravo, ao transferir parte dos seus lucros para atividades industriais e ao propiciar a constituição de um amplo mercado interno, a economia exportadora criou, num primeiro momento, as bases necessárias para a constituição do capital industrial no Brasil. E com isso criou também os primeiros núcleos operários, instalados, fundamentalmente, na região de São Paulo e Rio de Janeiro. Foi no bojo deste processo que surgiram as primeiras lutas operárias no Brasil.
Suas primeiras formas de organização foram as Sociedades de Socorro e Auxílio Mútuo, que visavam auxiliar materialmente os operários nos momentos mais difíceis, como nas greves ou em épocas de dificuldades econômicas. A estas associações mutualistas sucederam as Uniões Operárias, que por sua vez, com o advento da indústria, passaram a se organizar por ramos de atividades, dando origem aos sindicatos.
A greve, forma elementar e indispensável de luta da classe trabalhadora, eclodiu pela primeira vez no Brasil em 1858, quando os tipógrafos do Rio de Janeiro rebelaram-se contra as injustiças patronais e reivindicaram aumentos salariais. A vitória dos tipógrafos foi apenas o início; as greves começaram a expandir-se para as demais categorias. E junto com as greves surgiram também outras formas de organização da nascente classe operária: em 1892 realizou-se o I Congresso Socialista Brasileiro, cujo objetivo, que acabou não sendo atingido, era a criação de um Partido Socialista. Já nesta época as idéias de Marx e Engels penetravam no Brasil. Em seu II Congresso, em 1902, a influência do socialismo era mais marcante; em seu Manifesto aos Proletários diziam, no primeiro parágrafo:
“A história das sociedades humanas, desde que se constituíram e onde quer que evolvessem, é a história mesma da luta de classes; e desse pugnar incessante resultou, com o decorrer dos tempos, a eliminação de algumas dessas classes, podendo-se atualmente considerar que somente duas permaneceram, extremadas em campos adversos, inconciliáveis em seus interesses: tais são a classe da burguesia e a classe dos assalariados.”
E foi dentro deste quadro que nasceram os sindicatos no Brasil, cujo principal objetivo era conquistar os direitos fundamentais do trabalho. Nos vários Congressos Sindicais e Operários e nas inúmeras manifestações grevistas tornaram-se constantes as reivindicações visando a melhoria salarial, a redução da jornada de trabalho etc. Data de 1906 o Primeiro Congresso Operário Brasileiro que, contando com 43 delegados representando os centros mais dinâmicos, como São Paulo e Rio de Janeiro, lançou as bases para uma organização operária sindical de âmbito nacional, a Confederação Operária Brasileira (C.O.B.), cuja luta era direcionada para as reivindicações básicas, além de uma intensa campanha de solidariedade aos operários de outros países. Deste Congresso participaram as duas tendências até então existentes no movimento operário: a anarco-sindicalista, que negava a importância da luta política, privilegiando exclusivamente a luta dentro da fábrica através da ação direta.
Repudiava ainda a constituição de um partido para a classe operária e via nos sindicatos o modelo de organização para a sociedade anarquista. A outra tendência era composta pelo socialismo reformista, que buscava a transformação gradativa da sociedade capitalista, lutava pela criação de uma organização partidária dos trabalhadores e, a nível do Estado, utilizava-sè da luta parlamentar. Eram, pois, tendências em si bastante distintas, sendo mais forte a presença dos anarco-sindicalistas.
Em 1913 e 1920 realizaram-se, respectivamente, o II e o III Congresso Operário tentando reavivar a Confederação Operária Brasileira.
É necessário lembrar que já desde aquela época o Governo procurava controlar o movimento sindical brasileiro: exemplo disto foi o “Congresso Operário”, de 1912, que teve como presidente honorário Mario Hermes, filho de Hermes da Fonseca, então Presidente da República, e que criou uma liderança governista dentro de alguns poucos sindicatos. Estas “lideranças” sindicais governistas, embora dirigissem categorias combativas como os ferroviários e marítimos, conciliavam com o Estado e nisto se diferenciavam dos anarco-sindicalistas. Enquanto estes, ao deflagrarem greves, viam-na como um momento da “greve geral” que destruiria o capitalismo, aqueles eram imediatistas e em suas greves não questionavam o sistema. Daí a sua"denominação de sindicatos “amarelos”, sendo verdadeiros precursores do sindicalismo pelego, dada a sua obediência e subordinação ao governo.
Mas a combatividade operária era demonstrada através das greves decretadas seguidamente; o período de 1917/20, em decorrência da crise de produção após a I Guerra e da vertiginosa queda dos salários dos operários, caracterizou-se por uma onda irresistível de greves de massas que em muitos lugares assumiram proporções grandiosas. Foi o caso da greve geral de 1917 em São Paulo, iniciada numa fábrica de tecidos, e que recebeu a solidariedade e adesão inicial de todo setor têxtil, seguindo-se as demais categorias. A paralisação foi total, atingindo inclusive o interior.
Em poucos dias o número de grevistas cresceu de 2000 para 45000 pessoas. A repressão desencadeada aos grevistas foi violenta levando, não
raro, alguns operários à morte, como foi o caso do sapateiro Antonio Martinez, atingido por um tiro no estômago durante manifestação operária. Apesar disto as greves se alastravam; entre 1918 e 1920 elas eclodiram no Rio de Janeiro, em São Paulo, Santos, Porto Alegre, Pernambuco, Bahia etc., sempre reivindicando aumento de salários e melhores condições de trabalho.
Esse período correspondeu ao auge do movimento anarquista, que era até então a liderança mais significativa do movimento operário brasileiro.
Mas, ao mesmo tempo, o anarquismo mostrava os sérios limites que jamais conseguiu superar. Astrojildo Pereira, então militante anarquista e que posteriormente se tornou um dos mais importantes líderes comunistas, assim se refere, em seu ensaio A Formação do PCB, às greves daquela época:
“não há dúvida que muitas das reivindicações pelas quais lutavam as massas trabalhadoras foram alcançadas, total ou parcialmente. Mas é um fato que a natureza e o volume das vitórias alcançadas não estavam em proporção com o vulto e a extensão do movimento geral. Mais ainda, as reivindicações, formuladas por aumento de salários, por melhores condições de trabalho etc., constituíam como que um fim em si mesmo, e não um ponto de partida para reivindicações crescentes de nível propriamente político. E que na realidade se tratava de lutas mais ou menos espontâneas, isoladas umas das outras, sucedendo-se por forças de um estado de espírito extremamente combativo que se generalizou entre as massas".
A superação do anarquismo
As limitações do movimento anarco-sindicalista se refletiam nas suas reivindicações exclusivamente econômicas, negando sempre a luta propriamente política e sequer exigindo do Estado uma legislação trabalhista, dado que os anarquistas eram contrários às leis do Estado. Também não admitiam a existência de um partido da classe operária, assim como não aceitavam a política de aliança de classes com os demais setores subalternos da sociedade, o que acarretou um isolamento da luta operária, tornando-a presa fácil do Estado e de sua força policial repressiva. Pode-se inclusive dizer que os anarquistas não conseguiram, na atuação concreta, ir além dos “reformistas amarelos” pois, repudiando a participação da luta pelo controle do Estado, limitavam-se ao terreno econômico, enquanto "os amarelos", embora conciliassem com o Estado também não o questionavam, limitando sua participação ao nível das reivindicações econômicas.
A incapacidade teórica, ideológica e política da concepção anarquista na condução das grandes greves desse período, acrescida da grande influência causada pelo vitória da Revolução Socialista na Rússia junto ao operariado brasileiro, fez com que um grupo de militantes anarco-sindicalistas rompesse com essa concepção e, em 1922, fundasse o Partido Comunista. Isso se deu em março do referido ano, e marcou o início de uma nova fase do nosso movimento operário, agora organizado politicamente em um Partido, cujo objetivo era dirigir a Revolução no Brasil.
No Congresso de fundação do PC, com exceção do alfaiate Manuel Cendón, todos os demais membros eram oriundos do anarco-sindicalismo: Astrojildo Pereira e Cristiano Cordeiro (intelectuais), Joaquim Barbosa (alfaiate), João da Costa Pimenta (tipógrafo), Luís Peres (varredor), Hermógenes da Silva (eletricista), Abílio de Nequete (barbeiro) e José Elias (construção civil). Nos primeiros anos a tarefa fundamental dos comunistas foi formar quadros para compor o Partido, estudar e divulgar o marxismo e tentar formular uma linha política que compreendesse e orientasse a revolução brasileira. Apesar da condição de ilegalidade que lhe foi imposta alguns meses após sua fundação, o PC passou a editar, como órgão do Partido, a revista Movimento Comunista, ainda em 1922. Publicou logo em seguida o Manifesto Comunista, de Marx e Engels e em 1925 iniciou a publicação do jornal A Classe Operária, com uma tiragem inicial de 5000 exemplares, que logo foi aumentada.
Um dos pontos mais importantes da atuação dos comunistas deu-se no movimento sindical onde, como se viu, predominavam os anarco-sindicalistas. Os comunistas criaram então a Federação Regional do Rio de Janeiro e, em 1929, realizaram o Congresso Sindical Nacional, com representantes dos sindicatos de vários estados, de onde se originou a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil, organização que procurava congregar os sindicatos influenciados pelos comunistas.
É necessário lembrar que paralelamente à atuação dos comunistas e dos anarquistas, ainda nos anos 20, o Estado esboçou nova tentativa de cooptação junto a alguns setores da massa operária, e conseguiu ampliar a tendência “reformista amarela” dentro do sindicalismo. Em 1921 o Estado fundou o Conselho Nacional do Trabalho, visando controlar os sindicatos e torná-los órgãos de conciliação entre as classes. Foi criada também a Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira, de tendência reformista. Os sindicatos “amarelos” ' passaram a ser ainda mais favorecidos pelas vantagens concedidas pelo Estado republicano. Este, por ser o representante fiel das oligarquias ligadas à produção de café, tratou de forma distinta a classe trabalhadora; aqueles setores cujas atividades eram indispensáveis para a exportação do café, como ferroviários e portuários, eram atendidos em suas reivindicações, uma vez que sua paralisação estrangularia a economia. Já as categorias vinculadas à indústria, dado o seu caráter secundário na economia agrário-exportadora, eram tratadas de forma exclusivamente repressiva. Lembre-se aqui da afirmativa do Presidente Washington Luís de que “a questão social era simples caso de polícia.”
Porém, já por esta época, o Estado republicano apresentava seus primeiros sinais de crise. A criação do PC, se de um lado não se apresentava como uma alternativa imediata de poder, causou apreensão ao Estado oligárquico. Mas o que de fato o abalou foi a eclosão do movimento tenentista que, desde 1922, atuou francamente em oposição ao regime dos burgueses do café. Exemplo mais marcante do tenentismo foi a chamada Coluna Prestes que, liderada por Luís Carlos Prestes, percorreu todo o interior do Brasil buscando a adesão dos trabalhadores, rurais para as transformações necessárias na sociedade brasileira.
Quando a essa oposição militar se somou aquela empreendida pelos fazendeiros descontentes que não produziam café, aí então o domínio dos cafeicultores entrou em sua fase final.
Getúlio Vargas no comando do Estado
A Revolução de 1930 marcou um momento importante na transição de uma economia agrário-exportadora para uma economia industrializante. Nelson Werneck Sodré, um dos estudiosos da história brasileira, assim se referiu ao fato: “A Revolução de 1930 resultara de uma brecha na classe dominante, cindindo-se e permitindo a composição de uma de suas frações com os elementos de classe média presentes em todas as fermentações internas".
Na verdade, o processo iniciado em 1930 assemelha-se ao que Lenin denominou de “reformismo pelo alto", ou seja, um acordo entre as frações dominantes feito pelo alto, conciliando os interesses agrários com os interesses urbanos emergentes e excluindo qualquer forma de participação efetiva da classe operária. Esta, por sua vez, tentou isoladamente participar das eleições presidenciais de 1930, candidatando Minervino de Oliveira pelo Bloco Operário e Camponês, organização parlamentar do então ilegal PC. Embora tenha sido eleito Júlio Prestes, representante da burguesia cafeeira, deflagrou-se um movimento militar que barrou a sua posse. O resultado de tudo isto levou Vargas ao poder em 1930. Iniciou-se então uma nova fase do sindicalismo brasileiro.
Fruto de uma cisão nas classes dominantes, o Estado varguista procurou, numa primeira fase, controlar o movimento operário e sindical trazendo-o para dentro do aparelho de Estado. Uma de suas primeiras medidas foi a criação do Ministério do Trabalho, em 1930, com o nítido objetivo de elaborar uma política sindical visando conter a classe operária dentro dos limites do Estado e formular uma política de conciliação entre o capital e o trabalho. Não foi outro o objetivo da “Lei de Sindicalização” de 1931 (Decreto 19.770) que, contrariando a liberdade de associação sindical existente durante a Primeira República, criou os pilares do sindicalismo no Brasil.
Na apresentação deste Decreto assim se pronunciou Lindolfo Collor, primeiro Ministro do Trabalho do governo Vargas: “Os sindicatos ou associações de classe serão os pára-choques destas tendências antagônicas. Os salários mínimos, os regimes as horas de trabalho serão assuntos de sua prerrogativa imediata, sob as vistas cautelosas do Estado." Este Decreto estabelecia o controle financeiro do Ministério do Trabalho sobre os recursos dos sindicatos, proibindo a sua utilização pelos operários durante as greves, e definia o sindicato como órgão de colaboração e cooperação com o Estado. Permitia aos delegados do Ministério do Trabalho o direito de participar das assembléias operárias, proibia o desenvolvimento de atividades políticas e ideológicas dentro dos sindicatos, vetava sua filiação a organizações sindicais internacionais, negava o direito de sindicalização aos funcionários públicos e limitava a participação de operários estrangeiros nos sindicatos, visto que boa parte da liderança operária combativa era ainda, naqueles tempos, de origem estrangeira. Pode-se dizer que o único ponto favorável para a classe operária nesta lei — definida pelos operários como a “Súmula da ‘Carta del Lavoro' do fascismo italiano” foi garantir o sindicato único por categoria. De resto atrelava as entidades sindicais ao Estado.
É importante ressaltar a forma como parcelas significativas da classe operária reagiram frente a esta lei. Suportando a coerção e a pura repressão e, ao mesmo tempo, a manipulação ideológica, os operários resistiram aos chamamentos dessa legislação sindical e não se sujeitaram as normas oficiais. A autonomia sindical, oriunda das primeiras décadas deste século, foi mantida até meados de 30. Somente 25% dos sindicatos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul aceitaram as normas desta Lei de Sindicalização. O movimento grevista, ao contrário do que diz a história oficial, foi intenso durante esse período e, como consequência, o proletariado conquistou inúmeras vantagens trabalhistas, como a lei de férias, descanso semanal remunerado, jornada de 8 horas, regulamentação do trabalho da mulher e do menor etc. Frise-se que algumas destas leis já existiam mesmo antes de 1930, porém limitadas a algumas categorias como ferroviários e portuários. Nestes casos a luta operária visou a extensão destas vantagens a todas as categorias da classe trabalhadora. Nesta época predominavam, no seio do movimento operário, algumas tendências: os anarco-sindicalistas que, embora em decadência, conseguiram agrupar seus seguidores na Federação Operária de São Paulo; os socialistas, que criaram a Coligação dos Sindicatos Proletários em 1934 e também lutavam pela completa autonomia sindical; e os comunistas, que, também em 1934, criaram a Federação Sindical Regional no Rio e em São Paulo e que, no ano seguinte, realizaram a Convenção Nacional de Unidade dos Trabalhadores, reunindo 300 delegados, quando reorganizaram a Confederação Sindical Unitária, central sindical de todo o movimento operário no Brasil.
Junto com as lutas sindicais, crescia a mobilização das massas trabalhadoras e em março de 1935 foi fundada a Aliança Nacional Libertadora, frente popular antiimperialista dirigida pelo PC, então já tendo Luís Carlos Prestes em suas fileiras. Citada inclusive como exemplo de frente púpular de democrática pelo VII Congresso da Internacional Comunista, a ANL em poucos meses atingiu 400 000 membros e a dimensão de um amplo movimento de massas.
O Governo, prevendo o avanço popular, iniciou sua ação repressiva. E em 4 qe abril de 1935, cinco dias após o primeiro comício da ANL, decretou a Lei de Segurança Nacional, que proibia o direito de greve e dissolvia a Confederação Sindical Unitária, tida como clandestina por se constituir à margem dos sindicatos oficiais. Alguns meses depois Filinto Muller, chefe da polícia do Distrito Federal e adepto do nazismo, a mando do Governo, decreta a ilegalidade da ANL. Não podendo mais atuar legalmente os aliancistas optaram pelo levante armado. Sem o necessário apoio das massas, foram violentamente reprimidos. O Governo intensificou a repressão e decretou o Estado de Sítio. Criou ainda a Comissão de Repressão ao Comunismo; as lideranças sindicais e operárias foram presas, deportadas e mortas e os sindicatos combativos foram sumariamente fechados. Naquele momento assistiu-se à grande derrota do movimento sindical e operário no Brasil e à perda de sua autonomia. Com razão disse o historiador Edgard Carone: “para o operariado, o Estado Novo começou em novembro de 1935".
A partir de então, o campo sindical ficou ainda mais aberto às associações “amarelas” já existentes desde as décadas anteriores e intensificou-se o processo de controle e cooptação de dirigentes sindicais por parte do Ministério do Trabalho. Criou-se uma burocracia sindical dócil, vinculada e escolhida a dedo pelo Estado, cujo objetivo não era outro senão o de controlar as reivindicações operárias. Implantou-se o "peleguismo", configurando um sindicalismo sem raízes autênticas e que permaneceu distante da classe operária durante os quinze anos da ditadura do Estado Novo. Em 1939, visando consolidar ainda mais a estrutura sindical subordinada ao Estado, promulgou-se o Decreto-lei n.° 1.402 que instituiu o enquadramento sindical; uma categoria, para ser reconhecida enquanto tal, teria de ser aprovada pela Comissão de Enquadramento Sindical, órgão governamental vinculado ao Ministério do Trabalho. Criou-se também neste ano o Imposto Sindical, estabelecido à revelia do movimento operário e que, através do pagamento compulsório de um dia de trabalho por ano de todos os assalariados, constituiu-se numa robusta fonte financeira para a manutenção dos dirigentes pelegos. Por não ser dinheiro sequer controlado pelos operários e não podendo ser utilizado nos momentos mais necessários, como durante as greves, o Imposto Sindical criou as condições financeiras necessárias para a transformação dos sindicatos, que de órgãos de luta de classes tornaram-se organismos prestadores de um assistencialismo social, função esta que seria do Estado e não dos sindicatos operários.
Estava efetivamente constituída a estrutura sindical brasileira, vertical e subordinada ao Estado. Na base dessa estrutura estão os sindicatos, que podem representar uma categoria no município, no estado ou mesmo no país. Quem definia isso era, obviamente, o Ministério do Trabalho. Acima dos sindicatos estão as federações, que podem abarcar uma região, um estado ou mesmo os trabalhadores de uma mesma profissão em todo o país. Por fim encontram-se as confederações nacionais que agrupam os trabalhadores dos vários setores, como a indústria, o comércio, a agricultura etc. Essa estrutura era essencialmente vertical e não permitia a criação de organismos sindicais horizontais, como a Central Sindical que representaria diretamente as bases de todos os sindicatos.
Mas foi dentro desta mesma estrutura sindical e apesar de toda sua rigidez que a classe operária procurou criar as suas organizações sindicais mais representativas.
O ressurgimento das lutas sindicais no Brasil no período de 1945-64
Já nos primeiros anos da década de 40 o Estado Novo mostrava seus primeiros sinais de debilidade. As forças democráticas da sociedade brasileira lutavam em duas frentes: no plano externo visando derrotar o nazi-fascismo e no plano nacional objetivando romper a ditadura estado novista e caminhar para uma efetiva democracia. Porém, constituíram-se duas tendências oposicionistas: uma liberal e burguesa, cujos interesses econômicos estavam vinculados ao imperialismo; e outra, nacional e popular, que buscava a constituição de uma democracia incluindo a participação efetiva das classes populares. A primeira limitava-se às classes dominantes e temia o projeto nacionalista de Vargas. A segunda, liderada pelas organizações populares como o PC, via no nacionalismo de Vargas um possível aliado para a resolução dos problemas nacionais. O Manifesto dos Mineiros, de 1943, foi exemplo típico da oposição liberal. Já a tendência nacional e popular avançava em conquistas mais profundas. Além das conquistas econômicas, como a construção de Volta Redonda, houve um avanço na luta pelas liberdades democráticas; conquistou-se no início de 1945 a anistia ampla e irrestrita aos presos políticos, libertando os comunistas que estiveram encarcerados durante todo o Estado Novo. Conquistou-se ainda a legalizaçâo do Partido Comunista e marcaram-se para dezembro as eleições presidenciais e a convocação da Assembléia Constituinte. Vargas, na medida em que perdia apoio de setores dominantes, tentava ampliar suas bases junto aos trabalhadores. Para tanto, decretou ainda a Lei Antitruste, que constituía uma comissão autorizada a desapropriar empresas estrangeiras lesivas aos interesses nacionais, o que causou reação imediata do governo norte-americano. A organização Sociedade Amigos da América, representante do imperialismo norte-americano, foi fechada pelo Governo e, no plano da política externa, foram reatadas as relações diplomáticas com a União Soviética. Por fim, no mesmo ano em que foi deposto, Vargas eliminou não só os dispositivos legais que obrigavam a presença de representantes do Ministério do Trabalho nas assembléias sindicais, como também aqueles que exigiam a aprovação prévia do Ministério para a realização de eleições e posse das direções sindicais eleitas.
Além de todas estas conquistas, a classe operária avançou em um outro ponto crucial: o movimento sindical. Depois de uma fase extremamente repressiva para o movimento sindical, iniciou-se um trabalho de substituição das lideranças pelegas por lideranças autênticas e representativas da classe operária. Assim foi que, em 1945, criou-se o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), organismo intersindical de caráter horizontal que rompia com a estrutura vertical e que proclamava, em Manifesto assinado por mais de 300 líderes sindicais representantes de 13 Estados, a luta da classe operária, “imediatamente, pela mais completa liberdade sindical, rompendo com as injustificáveis restrições e interferências na vida dos nossos órgãos de classe". Propugnava ainda a “extinção dos órgãos, dispositivos e decretos estranhos e hostis aos anseios democráticos do povo e comprometedores da segurança e da tranquilidade interna, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e o Tribunal de Segurança Nacional”, respectivamente, organismos de repressão ideológica e política existentes durante o Estado Novo.
A luta pelo fortalecimento dos sindicatos avançava. Realizaram-se vários Congressos Sindicais em vários Estados como Minas, São Paulo e Rio de Janeiro. Em setembro de 1946 houve o coroamento desse processo com a realização do Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com cerca de 2400 delegados.
Os comunistas, sendo a maior força sindical, conseguiram, então, concretizar sua aspiração maior para o movimento sindical: foi criada a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (1946).
O avanço considerável das classes populares amedrontava os setores mais reacionários da sociedade brasileira. A permanência de Vargas no poder os ameaçava, pois temia-se um possível avanço da classe operária. O Golpe de 29 de outubro de 1945, sob a aparência de uma ação democrática, foi, na verdade, reacionário e antipopular, pois obstaculizou os avanços das classes populares.
Assim se referiu ao Golpe o então deputado do PC João Amazonas: “Cumpre confessar que nos últimos meses de 1945, o governo do Sr. Getúlio Vargas cedia em parte, permitindo pouco a pouco que os trabalhadores voltassem a seus sindicatos... Nosso Partido, que vive ligado às massas, que trabalha junto ao proletariado, que atua em todas as organizações trabalhistas do país, desmascarou o caráter do golpe como antidemocrático e, com muita razão, porque para os trabalhadores o 29 de outubro foi muito pior que aquele breve período que o antecedeu".
Apesar do Golpe, nas eleições de dezembro de 1945 o PC, que em poucos meses de legalidade tornou-se o maior Partido Comunista da América Latina, com cerca de 200.000 membros, conseguiu 10% dos votos do eleitorado para a presidência da República, elegeu 14 deputados e um senador, Luís Carlos Prestes, o mais votado da República.
No plano da organização sindical houve avanços; porém no plano institucional isso não foi possível, uma vez que, na Constituinte eleita em 1945, o PC era a quarta agremiação política. Embora contassem com o apoio do PTB, os comunistas se encontravam em minoria parlamentar frente aos partidos das classes dominantes, o PSD e a UDN, que juntos alcançavam 70% do Parlamento e tinham força suficiente para barrar qualquer possibilidade de alteração da estrutura sindical pelos comunistas.
Mas, ao mesmo tempo em que avançava a organização das massas, não tardaram as medidas repressivas do Governo antidemocrático de Dutra que, já em 1946, proibiu a existência do MUT, decretou a intervenção e a suspensão das eleições sindicais e, em 1947, determinou a ilegalidade do PC, cassando também o mandato de seus representantes no Parlamento. A ilusão institucional não permitiu que o PC resistisse e impedisse estas medidas.
Foi, sem dúvida, um rude golpe no avanço do movimento sindical e operário brasileiro.
No início dos anos 50, sob o último Governo de Vargas, o movimento sindical atingiu novamente grande dimensão. É importante lembrar que a classe operária brasileira, de 1940 a 1953, dobrou seu contingente e, segundo Jover Telles, atingiu cerca de 1.500.000 trabalhadores nas indústrias. As greves começavam a tornar-se constantes; em 1951 realizaram-se quase 200 paralisações atingindo quase 400.000 trabalhadores. No ano seguinte alastraram-se, totalizando quase 300 em todo o território nacional. Em 1953, a luta da classe operária contra a fome e a carestia atingiu cerca de 800.000 operários. Somente em São Paulo, diz ainda Jover Telles, realizaram-se mais de 800 greves abarcando todas as categorias profissionais. Data deste ano a greve dos 300.00 trabalhadores de São Paulo, da qual participaram os têxteis, metalúrgicos, gráficos, entre outros.
As várias comissões de fábrica criadas pelos comunistas ampliavam, dentro das fábricas, a presença dos sindicatos, dando-lhes uma configuração horizontal. Foram, sem dúvida, anos de avanço, de organização da classe operária. Suas reivindicações fundamentais voltavam-se contra a fome e a carestia, mas não se limitavam ao plano econômico.
Não foram poucas as manifestações por liberdades sindicais, contra a presença das forças imperialistas, em defesa das riquezas nacionais — de que a campanha pela criação da Petrobás foi a de maior vulto — e contra a aprovação e aplicação do Acordo Militar Brasil-EUA.
Foi criado o Pacto de Unidade Intersindical, mais tarde transformado no PUA (Pacto de Unidade e Ação), que avançou na tentativa de romper a estrutura sindical vertical e englobou mais de 100 organizações sindicais. Foram criados ainda os Pactos Intersindicais (PIS) que atuaram em várias regiões, sendo o do ABC o mais combativo. Ressalte-se que tais organizações intersindicais não tinham caráter de organizações paralelas mas, pelo contrário, nasceram de uma árdua Luta dentro dos sindicatos oficiais e que visavam, isto sim, a transformação da estrutura sindical vertical.
O avanço das lutas sociais durante o Governo Goulart
O avanço das lutas operárias atingiu, no início dos anos 60, o seu ápice quando, após imensas manifestações grevistas, realizou-se o III Congresso Sindical Nacional, onde os trabalhadores brasileiros aglutinaram suas forças sob uma única organização nacional de coordenação da luta sindical: o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).
O CGT, cuja direção era constituída por líderes sindicais e tinha na suplencia o pessoal diretamente ligado à produção, objetivava combater o peleguismo das Confederações Nacionais, especiaimente a CNTI* dominada havia décadas pelo pelego Ari Campista. O CGT visava ainda aglutinar os sindicatos de Norte e Nordeste que constituíam as bases do peleguismo. Além do CGT, que era o comando de âmbito nacional, foi intensa a atuação do Pacto de Unidade e Ação (PUA), intersindical que congregava os trabalhadores portuários, marítimos e ferroviários.
Nestes anos de avanço das lutas populares mereceu destaque ainda o Fórum Sindical de Debates, que unificava o movimento sindical da Baixada Santista.
O CGT foi, especialmente durante o Governo de João Goulart, a expressão mais significativa do movimento sindical brasileiro. Sua presença foi decisiva na direção de grandes manifestações operárias, como a Greve da Paridade em 1960 quando, objetivando a equiparação salarial aos militares, 400.000 trabalhadores civis paralisaram os transportes marítimo, ferroviário e portuário em todo o país. Também foram de extrema importância política as greves durante a crise entre a renúncia do Presidente Jânio Quadros e a ascensão do vice João Goulart. Os sindicatos decretaram greves em solidariedade a Goulart, atingindo principalmente as atividades industriais e de transportes no Rio de Janeiro. Em setembro de 1962 nova greve geral pelo plebiscito que derrotou maciçamente o regime parlamentarista. Reivindicou-se ainda nesta greve geral a revogação da Lei de Segurança Nacional, o direito de voto a todos os cidadãos, incluindo soldados e analfabetos, aumento salarial de 100%, concessão do direito de greve, reforma agrária radical, imediato congelamento de preços dos gêneros de primeira necessidade, aplicação rigorosa da Lei que controlava a Remessa de Lucros para fora e direito de organização sindical aos camponeses.
As greves se sucediam com grande rapidez. Em 1963 a célebre greve dos 700.000 que, entre outras reivindicações, pretendia a unificação da data-base dos acordos salariais, com o fim de evitar que os reajustes fossem realizados em épocas diferentes para as várias categorias. Se essa reivindicação tivesse sido vitoriosa, significaria uma mudança importante na legislação sindical vigente desde o Estado Novo. Apesar disso, a greve conseguiu outras vitórias, obtendo 80% de aumento para todos os trabalhadores, além de forçar os patrões a dialogar com várias categorias operárias representadas pelo Pacto de Ação Conjunta (PAC), intersindical que dirigiu a paralisação. A greve dos 700 mil constituiu-se numa das maiores manifestações grevistas de toda a história do movimento operário brasileiro.
Lembre-se, a título de exemplo, que os metalúrgicos de São Paulo atingiram no período alto grau de mobilização. Segundo o relato de um militante sindical “não existia nenhuma empresa em São Paulo onde não existissem delegados sindicais”. Ao que acrescenta que os metalúrgicos não faziam piquetes na sua categoria, pois a adesão era unânime, mas sim para buscar a adesão de outros setores, como têxteis, químicos, calçados etc. Cita ainda que, com o Golpe de 64, além de toda liderança ter sido esmagada, os 1800 delegados sindicais metalúrgicos de São Paulo foram denunciados à polícia e perderam seus empregos.
O campo também foi atingido pelo avanço das lutas populares. Os trabalhadores iniciaram o processo de mobilização desde 1955, com o surgimento da primeira Liga Camponesa, no Engenho Galiléia. Um ano antes havia sido criada a União dos Trabalhadores Agrícolas do Brasil (UTAB) e pouco a pouco floresceram os sindicatos rurais. Era a entrada decisiva do campesinato e dos trabalhadores rurais no cenário político nacional, exigindo uma radical transformação da estrutura agrária, através da substituição dos latifúndios pela propriedade camponesa e pela propriedade estatal. Exigiam o acesso à terra para aqueles que desejavam trabalhar, além da extensão da legislação trabalhista para o campo, com o objetivo de garantir alguns direitos mínimos aos trabalhadores rurais.
No início dos anos 60, através da Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião e dos Sindicatos Rurais dirigidos pelo Partido Comunista, intensificou-se a mobilização rural, tendo como bandeira principal a reforma agrária. No ano de 1963 fundou-se a Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas (CONTAG), sendo também elaborado o Estatuto do Trabalhador Rural, que expressava parte das reivindicações dos trabalhadores do campo. Desta maneira suas lutas uniam-se às dos trabalhadores urbanos.
A mobilização popular atemorizava cada vez mais os setores conservadores da sociedade brasileira; as reformas de base do Governo Goulart, especialmente a reforma agrária, contavam com o apoio crescente das classes subalternas. O CGT, revertendo a estrutura sindical criada na década de 30, agora utilizava-a como um instrumento de pressão junto ao aparelho de Estado, objetivando a consolidação de um governo democrático e popular.
A 13 de março de 64, mais de 200.000 trabalhadores, convocados por sindicatos e organizações operárias, dirigiram-se ao Comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, visando implantar as reformas de base, a formação da Frente Popular e Democrática. Entretanto, os setores reacionários procuravam, de todas as formas, conter os avanços populares. Em São Paulo, por exemplo, contra essas reformas as camadas médias tradicionais mobilizaram-se através das Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade.
As posições se radicalizavam. Em 31 de março, através de um golpe militar João Goulart foi deposto. O CGT e as demais organizações populares foram tolhidas de qualquer possibilidade de atuação, sendo suas lideranças imediatamente presas. Se de um lado essa liderança sindical tinha laços efetivos com os interesses populares, ela não soube preparar as bases para uma resistência mais efetiva. Uma vez contida a liderança, as bases ficaram aturdidas. Rude foi o golpe sofrido pelas classes populares. Iniciou-se uma longa noite em sua história...
A longa noite do sindicalismo brasileiro
Viu-se, portanto, que foi durante o período 1945-64 que o movimento operário atingiu sua fase de maior amplitude. Se, de um lado, a legislação sindical permanecia intacta, mantendo suas características de tendência corporativista, na prática fazia-se letra morta a esta legislação, avançando na tentativa de romper com a estrutura sindical. Quando mais se caminhava nesse processo, foi desfechado o golpe militar, cujo objetivo foi barrar os avanços até então atingidos pela classe operária, iniciando-se uma fase extremamente penosa. O medo da implantação da “República Sindicalista" durante o Governo João Goulart fez com que uma violenta repressão fosse desencadeada; além da prisão das lideranças operárias, foram extintas sumariamente as organizações sindicais. Reformulou-se, redinamizou-se e, o que foi pior, fez-se cumprir toda a legislação sindical defensora da “paz social" e da negação da luta de classes. Reforçou-se, através de novos instrumentos legais, o papel do sindicato como mero órgão assistencialista e de agente intermediário entre o Estado e a classe trabalhadora. Tratava-se, por parte do Estado e das classes dominantes, de criar as condições mínimas indispensáveis para a retomada da expansão do imperialismo no Brasil, que, durante os anos anteriores a 1964, encontrou sérias barreiras, dada a pujança que cada vez mais adquiria o movimento operário.
Era premente a criação de instrumentos capazes de garantir a super exploração da força de trabalho operária.
A nova política econômica, criadora do arrocho salarial, fez-se vingar em cima de alguns pontos: a proibição do direito de greve, através da famigerada Lei 4.330, de junho de 64, e a fixação dos índices de aumentos salariais, que deixou de ser feita através da negociação entre operários e patrões — como antes de 64 — e passou a ser prerrogativa absoluta do Estado. Porém para que o “arrocho” pudesse ser efetivamente implantado foi necessário acabar com outra conquista no movimento operário anterior a 64: o regime de estabilidade no emprego. Criou-se então, em 1966, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), instrumental necessário para grandes empresas despedirem, compulsoriamente e a seu bel-prazer, grandes contingentes de mão-de-obra em épocas anteriores ao dissídio coletivo, para sua posterior recontratação em faixas salariais abaixo daquelas determinadas pelos já irrisórios índices de aumento. Em outras palavras, criou-se a rotatividade necessária, através do regime de dispensa sem o pagamento de indenização pelo tempo de trabalho, para a superexploração da força de trabalho. Por fim, foi reformada a Lei de Remessa de Lucros, concedendo ao capital externo uma série de condições vantajosas para que os lucros aqui extraídos pelas multinacionais fossem levados para fora. Em cima destes pontos iniciou-se, em 1968, o “milagre brasileiro", que, se assim o foi para as classes dominantes, para os operários foi a expressão não do “milagre" mas do inferno e da miséria para a maioria do povo brasileiro.
Retomada da luta contra o arrocho salarial ou as greves de Osasco e Contagem em 1968
Após a ruptura causada pelo Golpe de 64, reiniciou-se lentamente a luta operária, desta feita contra as danosas consequências oriundas do arrocho salarial. Fruto das mobilizações da massa operária, os dirigentes sindicais, mesmo aqueles cuja atuação não superou o peleguismo, criaram, em fins de 1967, o Movimento Intersindical Anti-arrocho (MIA), contando com a participação dos sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo, Santo André, Guarulhos, Campinas e Osasco, entre outros, e cujo objetivo era pressionar o Governo visando o fim do arrocho salarial.
Estes dirigentes, a exceção do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, eram favoráveis a um movimento contra a compressão salarial, desde que este permanecesse dentro dos limites tolerados pelo Ministério do Trabalho da Ditadura. Já o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, dirigido por José Ibrahim, avançando com relação às propostas do MIA, enfatizava a necessidade da criação das comissões de fábricas, de uma Central Sindical e estava convicto de que somente através da prática de greve seria rompida a política salarial do Governo.
As posições foram-se radicalizando: vivia-se, de um lado, um momento de crise na ditadura militar. De outro, grupos de esquerda, que permeados pelo radicalismo pequeno-burguês viam como única alternativa para o fim do regime o levante armado, isolado e sem o respaldo das massas. Junto a isso, era um momento de extrema agitação no meio estudantil, que cada vez mais procurava penetrar de forma vanguardista no seio do movimento operário.
No plano sindical, o próprio José Ibrahim, em entrevista, reconhece os equívocos da análise de setores vinculados ao movimento sindical: partíamos da análise, diz ele, de que “o Governo está em crise, ele não tem saída, o problema é aguçar o conflito, transformar a crise política em crise militar. Daí vinha nossa concepção insurreicional de greve. O objetivo era levar a massa, através de uma radicalização crescente, a um conflito com as forças de repressão. Foi essa concepção que nos guiou quando, em julho de 1968, decidimos desencadear a greve”.
Antecipando-se à proposta de greve geral prevista para outubro de 68, época do dissídio coletivo dos metalúrgicos, a direção de Osasco decretou a greve, acreditando na possibilidade de sua extensão para outras regiões. Iniciada no dia 16 de julho, com a ocupação da Cobrasma, a greve atingiu as empresas Barreto Keller, Braseixos, Granada, Lonaflex e Brown Boveri. No dia seguinte o Ministério do Trabalho declarou a ilegalidade da greve e determinou a intervenção no Sindicato. Houve ainda a presença das forças militares que passaram a controlar todas as saídas da cidade, além de efetivarem o cerco e a invasão das fábricas. A partir de então, desestruturou-se toda e qualquer possibilidade de manutenção da greve. No seu quarto dia os operários retornaram ao trabalho. Era o fim da greve de Osasco. A repressão da Ditadura derrotara o movimento grevista.
Apesar do fracasso em Osasco, deflagrou-se em Contagem outra greve, no mês de outubro de 1968, também contra o arrocho salarial. Não conseguiu ir além de quatro dias de paralisação. A repressão foi violenta sobre os grevistas, tendo o sindicato sofrido intervenção. Era outra violenta derrota para o movimento operário, que levou dez anos para se recuperar...
Maio de 78: as máquinas param; a classe operária volta à cena Março de 79: os braços novamente estão cruzados: começa a nascer a democracia
“Eram sete horas da manhã no dia 12 de maio. Uma sexta-feira.
Todo mundo marcou o cartão, mas ninguém trabalhou. Das 7 até às 8 horas nós ficamos de braços cruzados, ao lado das máquinas sem fazer nada. Às 8 horas chegou o gerente geral. Pelo que eu fiquei sabendo, ele olhou, viu que tinha luz, que os cartões estavam marcados, mas que ninguém estava trabalhando. Achou estranho, mas não pensou que era uma paralisação. Não entendeu nada, como também jamais poderia imaginar que ocorreria uma greve. Foi uma surpresa!...“ (Relato de um operário da Scania, primeira fábrica a entrar em greve em maio de 1978.)
Era a volta da classe operária à cena política nacional, de onde, aliás, nunca saiu, mas que, especialmente após a derrota de 68, teve sua atuação extremamente limitada e isolada, através de lutas esparsas dentro das fábricas, como as "operações tartaruga". Nestas os operários diminuíam o ritmo de trabalho, fazendo cair consideravelmente a produção, “amarrando a produção" como dizem, e com isso forçando o patronato a dialogar e a conceder aumentos salariais. A "operação tartaruga” foi uma prática largamente utilizada durante os anos mais violentos do arrocho salarial, quando os níveis de exploração atingiram as formas mais aviltantes, garantidas por um controle ditatorial sobre quaisquer formas coletivas de luta operária. E assim se viveu durante os primeiros anos da década de 70.
Em fins de 77 o quadro começou a se alterar favoravelmente para a classe operária. Não mais aguentando o ônus oriundo do arrocho salarial e aproveitando-se de uma denúncia do Banco Mundial, veio à tona o que na prática se sabia. O Governo tinha usurpado e manipulado através de nefastas fórmulas matemáticas significativa parcela do salário real dos operários (especialmente em 1973, quando se diminuiu em 34,1% o índice de aumento salarial). Foi então que os trabalhadores iniciaram um intenso processo de mobilização nas fábricas e nos sindicatos pela reposição salarial. Na verdade, a luta pela reposição salarial preparou todo o terreno para que, no início de 1978, os operários voltassem com toda sua força e iniciassem as paralisações de maio, que atingiram centenas de milhares de trabalhadores metalúrgicos, inicialmente no ABC e depois estendendo-se para todo o Estado de São Paulo.
São claras as palavras de Luís Inácio da Silva, o Lula: “0 arrocho salarial fez com que a classe trabalhadora brasileira, após muitos anos de repressão, fizesse o que qualquer classe trabalhadora do mundo faria: negar sua força de trabalho às empresas. Era a única forma que os operários tinham de recuperar o padrão salarial, ou melhor, entrar no caminho da recuperação. Eu digo que para nós, do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, a paralisação não se constituiu em nenhuma surpresa. Ela estava sendo plantada há anos. O auge foi a luta pela reposição dos 34,1% no final de 1977.”
É evidente, portanto, que as greves de maio de 78 resultaram de um árduo trabalho feito dentro de alguns sindicatos, especialmente o de São Bernardo, e o seu resultado foi uma magnífica vitória para a classe operária. Primeiro porque pegou os patrões de “calças curtas," paralisando as atividades dentro das fábricas. Segundo porque, ao serem vitoriosos, iniciaram uma luta profunda contra o arrocho salarial, pilar fundamental da ditadura instaurada no pós-64. Terceiro porque fizeram “letra morta” a toda legislação sindical repressiva, rompendo na prática a Lei Antigreve e iniciando uma atuação que visava, no limite, romper com a estrutura sindical atrelada ao Estado. Quarto porque incorporava-se definitivamente como classe fundamental que é, na luta pela democratização da sociedade brasileira. Quinto porque preparava o terreno para futuras participações políticas, pois, de uma fase de resistência, iniciaram uma nova e vindoura fase de amplo movimento de massas, no que foram seguidos por inúmeras
outras categorias, como médicos, bancários, professores, funcionários públicos etc., segmentos médios dá sociedade que passaram, com o fim do “milagre”, a sofrer com o ônus da exploração, proletarizando-se cada vez mais rapidamente.
As greves continuaram; além das de maio, eclodiram manifestações em junho, julho e em fins de 78, época do dissídio coletivo dos metalúrgicos de São Paulo, Osasco e Guarulhos. Em março de 1979 as greves voltaram com um novo peso. Aí encontraram um patronato muito bem preparado para reprimi-las, caso elas se realizassem novamente dentro das fábricas. Cansados pela intransigência dos patrões, depois de incontáveis horas de negociações, os operários deflagraram greve geral nas empresas metalúrgicas do ABC. A adesão foi maciça. E os patrões acabaram sendo novamente pegos de “calças curtas” pois, em vez de paralisarem dentro das fábricas como em 78, os operários, através da utilização de métodos de larga experiência da classe antes de 64, como os piquetes, não adentraram os locais de produção. E mostraram definitivamente como é mais forte a pressão operária com as máquinas paradas... E foram nestas condições que os operários continuaram as negociações.
A greve já ultrapassava seu décimo dia quando o Governo, atendendo aos interesses dos grandes monopólios nacionais e internacionais, decretou a intervenção nos três sindicatos metalúrgicos do ABC, acreditando que isso amedrontaria os operários e esvaziaria o movimento grevista. Deu-se exatamente o contrário. As forças se acumularam, agora acrescida de nova e fundamental reivindicação: a exigência da volta das diretorias cassadas pelo gesto ditatorial e repressivo do Governo. A greve continuou ainda mais forte, agora com o apoio e solidariedade de todos os setores democráticos da sociedade brasileira. Os diretores cassados continuaram sendo os verdadeiros líderes do amplo movimento grevista de massas.
Souberam conduzi-lo com a justeza e maturidade necessárias e condizentes com o grau de desenvolvimento da consciência operária. Realizaram-se dezenas de assembléias populares com 100.000 operários, coisa inédita na história das lutas operárias no Brasil. O campo de futebol de Vila Euclides nunca estivera tão cheio. Sua capacidade fora suplantada em mais de dez vezes, tal foi a quantidade, lá presente, de homens e mulheres que compõem a jovem classe operária brasileira. E Lula consolidava sua liderança, contando agora com a solidariedade dos sindicatos de todo país; todos repudiando a medida arbitrária da intervenção. O maior exemplo deste avanço foi o 1.° de Maio Unitário, contando com cerca de 200.000 trabalhadores, que reavivou no seio operário o caráter de luta do Dia do Trabalho. Os patrões e o governo, apesar da sua radicalização, não conseguiram amedrontar e derrotar a classe operária. Foram forçados a negociar com os operários. E o fundamental foi conquistado: a volta das lideranças sindicais. Junto com isso avançou qualitativamente o movimento operário, desde a sua organização na base até à luta pelo fortalecimento do sindicato, visando o fim da estrutura sindical e uma participação efetivamente democrática dos operários nos destinos da nação em todos os níveis, econômico, social e político.
O ano de 1979 foi um momento de grande importância na luta sindical em nosso país: ocorreram cerca de 430 greves, abrangendo as mais diversas categorias, o que colocou o movimento operário num patamar muito superior em sua luta contra o poder ditatorial.
A DÉCADA DE 80: ANOS DE MUDANÇA NO SINDICALISMO BRASILEIRO — O NASCIMENTO DA CUT E DA CGT
Os anos 80 foram marcados por significativas transformações no movimento sindical em nosso país. Com o ressurgimento da ação sindical e grevista, na segunda metade da década de 70, retomava-se também uma velha aspiração operária, tentada diversas vezes, mas sempre com vida curta: era preciso caminhar para a criação de uma Central Única dos Trabalhadores, forte, coesa e de massas, capaz de se constituir em uma ferramenta a mais na luta dos assalariados em seus embates contra o capital.
A década de 80 teve início com um ano particularmente difícil: após as greves vitoriosas do ABC paulista em 78 e 79 e a intensa onda grevista verificada nestes dois anos, atingindo um amplo conjunto de assalariados urbanos e rurais, a longa Greve dos 41 Dias, desencadeada pelos metalúrgicos do ABC, terminou sem o mesmo saldo positivo para os trabalhadores, quando comparada aos embates anteriores. Este elemento, acrescido à política recessiva e à mudança sistemática da política salarial feita pela ditadura, entre outros elementos, levou a uma retração do movimento grevista; se em 1978 pode-se falar, segundo o DIEESE, em meio milhão de trabalhadores em greve e em 1979 este contingente chegou a quase três milhões e meio, em 1980 houve uma queda significativa para cerca de 800 mil grevistas. O capital tentava recuperar-se, após os avanços expressivos obtidos pelos trabalhadores nos anos anteriores.
Outras tendências marcaram os anos 80, tais como a expansão significativa das lutas dos assalariados médios e a constituição de inumeráveis associações sindicais e profissionais; vivenciou-se o pipocar de inúmeras greves de professores, funcionários públicos, médicos, bancários, trabalhadores em serviços, etc., que possibilitaram um grande fortalecimento da luta e da ação sindical. No mundo rural, o avanço também foi muito expressivo, aumentando a organização e resistência dos trabalhadores do campo, onde houve greves memoráveis dos trabalhadores agrícolas, Chamados “bóias frias", em várias regiões do país.
Foi nesta contextualidade da ação sindical que ocorreu, em 1981, a 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, depois de muitos anos de resistência dos trabalhadores à ditadura militar, e que reuniu mais de 5 mil delegados sindicais e de base, representantes dos assalariados urbanos e rurais (quase mil representavam o campo), operários e assalariados médios, funcionários públicos e despossuídos da terra. Foi um dos mais importantes eventos da história sindical e do trabalho em nosso país; significativo pela representatividade, pela importância política (era o primeiro encontro nacional desde o golpe de 64 e o maior de toda a história operária até então). Neste encontro deu-se um passo efetivo para a criação da Central Única dos Trabalhadores. Mas, paralelamente a este avanço organizativo, acentuavam-se as dissensões e diferenças no mundo sindical: de um lado encontravam-se tendências sindicais que desembocaram no chamado Novo Sindicalismo, que aglutinavam os setores mais importantes do sindicalismo mais combativo e, de outro, a então chamada Unidade Sindical, que aglutinava a esquerda tradicional, aliada a setores do peleguismo. E foi dessa divergência que, em 1983, começaram a nascer as duas principais centrais sindicais hoje existentes em nosso país: Central Unica dos Trabalhadores (CUT), nascida no Congresso de S. Bernardo e a Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT), nascida no Congresso da Praia Grande e posteriormente denominada Confederação Geral dos Trabalhadores (sua denominação, ao final dos anos 80, tem oscilado entre “Confederação” e “Central”, em função dos grupos que a tem dominado).
O que diferencia o sindicalismo praticado pela CUT, frente àquele realizado pela CGT? A CGT, que nasceu com o forte apoio da esquerda tradicional, representada pelos PCs, é, ao final dos anos 80 e inicio de 90, uma Central engolfada pela burocracia sindical que procurou modernizar-se e para tanto associou-se ao chamado "sindicalismo de resultados", tendência que defende enfaticamente o capitalismo e insere-se na onda neo-liberal, em voga novamente no final dos anos 80. A CGT é uma corrente sindical sem bases expressivas (salvo pouquíssimas exceções) e que depende, para sua existência, do apoio de inúmeros sindicatos de “carimbo", ainda existentes em nosso país. Daí a aliança entre esta nefasta burocracia sindical e o também nefasto “sindicalismo de resultados”. A CGT é a central sindical da ordem, aberta e dócil ao capital nacional e estrangeiro e que tem como eixo de sua ação a recusa aos confrontos mais amplos. Sua liderança estampa a penetração da ideologia burguesa junto ao movimento operário, quer através da vertente neo-liberal, quer através daqueles herdeiros do velho peleguismo que agora se pretende moderno. A CGT, agora sem o apoio da esquerda tradicional, que se aproximou da CUT, tenta consolidar-se através do “sindicalismo de resultados". Esquece que o capitalismo brasileiro é fundado na superexploração do trabalho. Sonha, portanto, com uma Suécia num país de imensos níveis de miserabilidade... Mas conta com o total e irrestrito apoio da mídia (TVs, rádios, jornais), ávida por divulgar líderes sindicais que defendem o capitalismo...
A CUT, por sua vez, nasceu em torno do novo sindicalismo, do sindicalismo mais combativo que se constituiu a partir de meados da década de 70 e aglutina sindicalistas independentes (isto é, sem militância anterior), setores da esquerda católica, tendências socialistas e comunistas desvinculadas dos partidos da esquerda tradicional, entre outras tendências. Tendo como eixo de sua ação o apoio à luta econômica dos trabalhadores contra o arrocho salarial e a superexploração do trabalho, ampliou-se significativamente ao longo da década de 80. Canalizou também sua luta a favor da plena autonomia dos sindicatos frente ao estado e desde o seu III Congresso Nacional, realizado no Rio de Janeiro em 1986, assumiu, em seu Programa, um compromisso de combate ao capitalismo e de luta pela construção da sociedade socialista. Suas principais tendências são: a Articulação, grupamento majoritário, mais sindicalista e com menor ênfase político-ideológica, da qual participam vários dirigentes sindicais que têm significativa projeção nacional e a CUT pela Base, com uma presença menor, porém expressiva e que assume um perfil político e ideológico de esquerda mais acentuado, de inspiração marcadamente socialista.
Nos embates e nas disputas entre estas e outras tendências existentes ou que se vêm incorporando, a CUT tem avançado em sua trajetória, constituindo-se hoje em uma Central com forte apoio dos setores mais organizados da classe trabalhadora. Se é possível estimar a existência, em 1988, de aproximadamente 7.426 sindicatos em nosso país, dos quais 4.277 são urbanos e 3.149 são rurais (dados extraídos do IBGE, Ministério do Trabalho e da CUT), a Central Única dos Trabalhadores tem presença junto àqueles sindicatos mais expressivos, mais organizados, com maior tradição de lutas. A CGT vive, por sua vez, sustentada por ampla parcela da burocracia sindical antiga e subserviente, herança do sindicalismo atrelado da época getulista e daqueles que se proliferam durante a ditadura militar. E, também, daqueles que, por convicção ideológica, optaram pela defesa do capital, como fazem os líderes do “sindicalismo de resultados". De modo que, ao final dos anos 80 e início de 90, o quadro sindical é bastante distinto daquele existente na década anterior: aqueles que de algum modo estão inseridos na defesa dos interesses dos trabalhadores, encontram seu leito natural na ação da CUT. Aqueles que, por sua vez, querem integrar e conciliar a luta entre capital e trabalho, encontram seu caminho tanto na “moderna” burocracia sindical, quanto na vertente denominada sindicalismo de resultados. A USI (União Sindical Independente) é absolutamente inexpressiva em termos de bases sociais efetivas e controla a maioria das Confederações que ainda praticam o peleguismo arcaico, totalmente atrelado e contrário aos interesses dos trabalhadores. É a massa amorfa dos velhos pelegos que sequer querem modernizar-se. Por tudo isso, o sindicalismo do final dos anos 80 e começo de 90, além da luta de resistência que vêm desempenhando desde o nascimento do sindicalismo combativo, terá também cada vez mais nítida conformação político-ideológica, entre os que defendem a ordem do capital e aqueles que, de algum modo, inserem sua luta no universo anti-capitalista.
A década de 80 vivenciou, também, a eclosão de amplos movimentos grevistas, as greves gerais, que objetivavam exprimir a rebeldia dos trabalhadores à política de arrocho salarial e de superexploração do trabalho. Exemplos destas foram a greve geral de 83, contra os decretos que penalizavam os assalariados, e já sob o Governo Sarney, as greves gerais de dezembro de 86, agosto de 87 e março de 89 que, especialmente neste último caso, contou com a adesão significativa de trabalhadores em distintas regiões do país, motivados em sua luta contra as perdas e pela reposição dos salários.
A década de 80 presenciou um aumento significativo dos índices de sindicalização, através da expansão do número de trabalhadores urbanos e rurais que se associaram aos seus respectivos sindicatos. Enquanto em vários países europeus e nos Estados Unidos tem havido um decréscimo das taxas de sindicalização, em nosso país deu-se o inverso. Em 1977, o índice de sindicalização dos assalariados urbanos era de 17% nos sindicatos oficiais e, na zona rural, esse índice chegou a 35% (IBGE, 1978, 80, citado por Armando Boito). Lembre-se que, com a conversão de inúmeras associações de classe em sindicatos, ocorrida a partir da Constituição de 88, aumentou significativamente o número de trabalhadores sindicalizados, especialmente a partir da ampliação do direito de sindicalização para os funcionários públicos e da extensão dos direitos sindicais ao mundo rural.
Para concluir este sintético balanço dos anos 80, é necessário ainda responder à seguinte indagação: o que mudou no sindicalismo depois da Constituição de 88?
Pode-se dizer que a Constituição, promulgada em outubro de 88, consolidou o trânsito da ditadura militar para o conservadorismo civil no Brasil. A maioria parlamentar dominante impediu que mudanças substanciais fossem conquistadas e manteve, no essencial, o caráter conservador da Carta Constitucional. Apesar disto, houve pontos de avanço para os trabalhadores que o capital e os seus representantes procuram obstar e inviabilizar, através da legislação complementar.
No capítulo dos Direitos Sociais, em especial no que se refere à organização sindical, está estampada a ambiguidade acima mencionada. Houve avanços efetivos, porém, em vários pontos, foram mantidos aspectos nefastos anteriores. Exemplifiquemos.
Um ponto importante obteve-se através da liberdade de associação sindical, sem que para isso seja necessária a autorização do Estado ou a sua intervenção (art. 8º). Trata-se, é evidente, de um passo significativo e de uma conquista do movimento sindical combativo. Porém, os sindicatos continuam organizados por categoria profissional e não por ramo de atividade econômica (neste caso se evitaria que uma mesma empresa tivesse trabalhadores vinculados a diferentes sindicatos). E, o que é muito pior, manteve-se o nefasto imposto sindical, um dos pilares mais importantes do sindicalismo atrelado. Foram ampliadas inclusive as formas de contribuição, visando o fortalecimento das Confederações que, ao invés de serem eliminadas, saíram fortalecidas. Como já mencionamos anteriormente, a única Confederação, dentro da estrutura sindical oficial, que nasceu como resultado das lutas sociais foi a CONTAG — Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas; as demais são todas parte do que há de mais nefasto no sindicalismo brasileiro e deveriam ter sido extintas.
Foi também consagrado o direito de sindicalização aos funcionários públicos que vinham, desde fins da década de 70, ampliando enormemente suas associações de classe, mas a quem era vetado o direito de criar sindicatos. Foram estendidos ao campo vários direitos sindicais anteriormente restritos ao mundo urbano. Foi aprovado o direito de eleição de um representante dos trabalhadores nas empresas com mais de duzentos empregados; é evidente, entretanto, que este direito está ainda muitíssimo aquém de constituir-se em uma efetiva representação dos trabalhadores, o que seria obtido a partir das comissões de empresas (ver, na coleção Primeiros Passos, O que são Comissões de Fábrica).
A ambiguidade também se estampa com nitidez em dois outros aspectos que dizem respeito aos trabalhadores: o direito de greve e a questão do sindicato único. No que diz respeito ao primeiro ponto, embora tenha sido assegurado o direito de greve — o que é um grande avanço —, há uma artimanha que pode restringir tal direito. Caberá à lei complementar estabelecer quais são os serviços ou atividades essenciais e como se procederá em caso de greve nestes setores. E mais, os “abusos” cometidos serão sujeitos às penas legais. Ou seja, concede-se o princípio do direito de greve e tenta-se restringi-lo ou mesmo inviabilizá-lo na hora da sua regulamentação complementar. Velha tática constitucional das classes dominantes brasileiras.
Por fim, a questão do sindicato único. Já expusemos, neste livro, nossa convicção de que o sindicato único é uma conquista dos trabalhadores, resultado da sua ação concreta. Porém, mostramos também que é necessário que exista ampla liberdade e autonomia sindical frente ao Estado (princípio este consagrado, por exemplo, pela Convenção 87 da OIT). A Constituição brasileira de 88, ao mesmo tempo em que consagra a livre associação sindical, proíbe a criação de mais de um sindicato por categoria. Há, evidentemente, uma contradição. Em nossa opinião, a aprovação da Convenção 87 da OIT, que permite a liberdade e autonomia sindicais, não é incompatível com o principio do sindicato único conquistado na prática pelos trabalhadores. Aquela Convenção possibilita tanto a vigência do pluralismo sindical (que entendemos como prejudicial para os trabalhadores brasileiros), quanto a existência do sindicato único, como, aliás, ocorre em diversos países. Neste último caso, a existência do sindicato único ao invés de ser uma imposição legal (neste caso trata-se de unicidade sindical), resulta de uma decisão autônoma e independente dos trabalhadores, em suas lutas históricas pela ação e organização unitária dos trabalhadores. E será difícil supor que a classe trabalhadora em nosso país opte pela sua própria fragmentação nas organizações de base. Ao contrário, sua luta tem-se pautado tanto pela defesa da independência, autonomia e liberdade sindicais, quanto pelo princípio da organização e da ação unitárias. Assim ela se tem expressado em vários congressos, encontros sindicais de âmbitos diversos, desde assembléias de fábrica ou de base, até seus encontros nacionais. Poderíamos mencionar recentemente, só para darmos um exemplo, a luta travada pelos metalúrgicos do ABC paulista, pela reconquista do seu sindicato, nas intervenções realizadas pela ditadura durante as greves de 79 e 80. Numa das vezes houve inclusive uma tomada simbólica do sindicato, enfrentando forte aparato repressivo.
Vê-se portanto que, se houve avanços a partir da constituição de 88, como a possibilidade da criação de sindicatos (sem que seja necessário o reconhecimento do Ministério do Trabalho), o direito de sindicalização dos funcionários públicos, a extensão dos direitos sindicais ao campo, a obtenção do direito de greve, houve também a manutenção de aspectos nefastos como o imposto e as contribuições sindicais, a persistência das Confederações, a não obtenção da plena autonomia e liberdade sindical, as possibilidades de restrição ao direito de greve, entre outros.
Se a década de 80 alterou significativamente o movimento sindical em nosso país, vê-se, entretanto, que a década de 90 será marcada por muitos outros embates, ações e transformações. Muito ainda há que fazer. E, para concluir, vale enfatizar que não basta a autonomia política dos sindicatos frente ao Estado; é imprescindível também a independência ideológica dos trabalhadores frente ao capital, condição para que se possa pensar numa sociedade fundada nos ideais de emancipação humana. E isso implica em reconhecer e enfatizar que o sindicalismo praticado pelos trabalhadores deva assumir, cada vez mais, um nítido caráter ofensivo e anticapitalista.
PARA ONDE VÃO OS SINDICATOS?
A última década vivenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas transformações no mundo do trabalho, com repercussões diretas nas suas formas tradicionais de representação, dadas pelos sindicatos e partidos. Creio que se possa mesmo dizer, sem exagero, que foi a mais aguda crise deste século, que atingiu de maneira avassaladora o mundo da materialidade e da subjetividade do ser que vive do trabalho. A apreensão dos elementos centrais deste quadro crítico mostra-se imprescindível para que se possam visualizar perspectivas para a nova década.
Não foram poucas as transformações: com a inovação tecnológica, através da automação e da robótica, desencadeou-se uma metamorfose na forma de ser do trabalho. Paralelamente ao definhamento do operariado industrial tradicional, vivenciou-se uma explosão do assalariamento no setor de serviços. Desproletarização nas fábricas e terciarização do trabalho. As transformações em curso atingem também o padrão taylorista e fordista, dominantes neste século. Caminha-se rapidamente, nos países do Ocidente avançado, para a flexibilização da produção; experimenta-se a desconcentração de grandes unidades produtivas e flexionam-se os direitos e conquistas (árduas) do trabalho. Transita-se, em vários ramos da produção, num rumo que vai do fordismo ao “toyotismo". Ao invés do cronômetro taylorista e da produção em série fordista, movida por enormes contingentes operários, avança-se, com o Japão na dianteira, para novos padrões de produção e de gestão da força de trabalho. A experiência dos círculos de controle de qualidade (CCQ) esparramam-se por todo o Japão e ensaiam experimentos no Ocidente avançado e no Terceiro Mundo industrializado. Substituem o despotismo taylorista pelo estranhamento do trabalho levado ao limite. É a apropriação do fazer e do saber do trabalho.
Não é preciso reafirmar que este quadro penetra até a medula do operariado industrial dos países avançados, que se reduz significativamente mas resiste enquanto predominar o (neo) fordismo e o (neo) taylorismo. Desqualificou-se em vários ramos, diminuiu em outros, como no mineiro e metalúrgico, e requalificou-se em outros, como no caso dos operários-técnicos da siderurgia. Complexificou-se e heterogeneizou-se ainda mais. Se a estes elementos estruturais acrescentarmos aqueles que remetem ao universo da consciência, da subjetividade e da representação do trabalho, compreende-se o porquê da agudeza da crise. Os seus organismos tradicionais, como os sindicatos, estão aturdidos. Na defensiva, na retranca e com vários pontos vulneráveis. Entre o estrago bárbaro do stalinismo e a onda neoliberal, abandonam as perspectivas de emancipação do trabalho e contentam-se com o bem-estar social-democrata. Distanciam-se dos movimentos autônomos de classe e subordinam-se, política e ideologicamente, aos valores existentes na sociabilidade regida pelo mercado. Abandonam o sindicalismo de classe dos anos 60/70, forte na França e Itália, e optam pelo sindicalismo de participação, como o alemão. Viram decrescer, nos anos 80, seus níveis de sindicalização, perdendo muito de suas bases e de suas forças. Neste quadro adverso, querem discutir os impactos da automação, da robótica, das novas técnicas de gestão etc. Como tudo isso tem como mola propulsora a produção para o mercado, este é o limite que não podem transpor. Esta é a condição para participarem de tudo. Ou melhor, quase tudo... Da Suécia à Itália, da Alemanha à França, o quadro, em suas tendências mais gerais, pouco difere disso. E a unificação européia acentuará essas tendências. Na Inglaterra, laboratório clássico do neoliberalismo europeu, a ação sindical é ainda mais defensiva. Luta pela preservação de conquistas sociais e públicas solapadas no fundo durante a vigência da era Thatcher.
É claro que, nessa contextualidade, há sinais de resistência, dada a permanência da contraposição entre capital social total e a totalidade do trabalho. As centrais sindicais espanholas, uma vez contabilizadas as perdas oriundas do Pacto de Moncloa, ensaiam ações mais ofensivas. Os ainda incipientes COBAS (Comitato di base), na Itália, questionam fortemente a moderação das centrais sindicais. A este quadro deve-se adicionar as consequências socialmente graves, decorrentes da sociedade dual, dada pela presença dos gastarbeiters na Alemanha (1 milhão e meio ao final da década de 80), do lavoro nero na Itália, isto é, da presença do trabalho imigrante, que praticam o trabalho parcial, precário, sub-humano, e que não gozam das benesses do welfare State.
Para apreender o significado da crise do trabalho no Terceiro Mundo industrializado é preciso, entretanto, fazer mediações. Este vive uma contextualidade particular que o insere ora no fluxo, ora no contra-fluxo dessas tendências. México, Brasil, Argentina, Coréia e os países asiáticos de industrialização recente ilustram bem esse quadro de confluências e dissonâncias. O nosso país vivência as repercussões e impactos das mudanças estruturais decorrentes da automação e da robótica. Desenvolvem-se, mais ou menos ousadamente, novas técnicas de flexibilização e de gestão do trabalho, embora o binômio taylorismo-fordismo ainda impere, e muito. Mas, no contrafluxo do quadro do Ocidente avançado, inúmeras transformações fortaleceram o nosso sindicalismo. As taxas de sindicaiização aumentaram significativamente na última década, tanto no contexto urbano quanto no rural. Houve uma expansão enorme no sindicalismo dos assalariados médios; o volume grevista foi intenso e em 1987 alcançou mais de duas mil greves e mais de 130 milhões de jornadas não-trabalhadas. Ensaiou-se um projeto de organização de base, através das comissões de fábricas, avançou-se na luta pela independência dos sindicatos em relação ao Estado e verificou-se o nascimento das centrais sindicais. Este, um dos pontos mais nevrálgicos do sindicalismo brasileiro, possibilitou o nascimento da Central Única dos Trabalhadores que, em seus sete anos de existência, é caso ímpar da nossa história do trabalho, só encontrando paralelo, em duração, na pequena Confederação Operária Brasileira do início do século.
Se foram decisivas as transformações ocorridas em nosso sindicalismo nos anos 80, o que se visualiza para os primeiros anos da nova década é sombrio: recessão, mais arrocho salarial, aumento dos níveis de miserabilidade, além da tentativa de consolidação, neste Terceiro Mundo industrializado, das transformações vivenciadas no Ocidente avançado. O sindicalismo brasileiro terá, por certo, uma década duríssima.
Teremos que seguir, aqui, os rumos adotados lá fora ou devemos buscar, em nossas especificidades, as reais saídas para a crise que atinge o mundo do trabalho?
INDICAÇÕES DE LEITURA
Há um conjunto enorme de livros e artigos que tratam da temática sindical. Aqui faremos algumas indicações que possibilitem outros passos para o leitor.
Sobre as origens do sindicalismo (na Inglaterra) consultamos bastante o clássico de Engels, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (Ed. Global), bem como os ricos artigos de Marx e Engels, sobre o sindicalismo, que o leitor pode encontrar em El Sindicalismo — Teoria, Organizacion e Actividad (Ed. Laia, Espanha). Um estudo minucioso o leitor encontrará em E. Hobsbawm, nos livros Os Trabalhadores e Mundos do Trabalho (Ed. Paz e Terra), bem como nos três volumes de E. Thompson, A Formação da Classe Operária Inglesa (Paz e Terra). Pode consultar também A. L. Morton e G. Tate, O Movimento Operário Britânico (Ed. Seara Nova, Portugal) e o livro de E. Dolléans, História del Movimiento Obrero (3 vol., Ed. Zero, Espanha).
Um amplo quadro das tendências do sindicalismo europeu pode-se encontrar em Jesus Salvador e Fernando Almendros, Panorama dei Sindicalismo Europeo (2 vol., Ed. Fontanella, Espanha) e também em W. Abendroth, A História Social do Movimento Trabalhista Europeu (Paz e Terra). Pode consultar o volume Economia Y Política en La Accion Sindical (Pasado y Presente 44, México), com os artigos de P. Anderson, Serge Mallet etc. Sobre o sindicalismo norte-americano ver Florence Peterson, El Movimiento Obrero Norteamericano (Ed. Mary- mar, Argentina), entre outros.
Utilizamos bastante vários artigos e textos de Lenin, que podem ser encontrados na coletânea Sobre os Sindicatos (Ed. Ciências Humanas). De Trotsky veja-se Escritos sobre Sindicatos (Ed. Kairós) e de Gramsci vejam-se os vários escritos sobre sindicalismo e movimento operário na Antologia de Gramsci, organizada por M. Sacristan (Siglo XXI, Espanha).
Em relação, ao Brasil, a bibliografia é também bastante ampla e aqui faremos algumas indicações. No que tange às origens do nosso movimento sindical e operário pode-se consultar o livro de Boris Fausto, Trabalho Urbano e Conflito no Brasil (Difel), de F. Foot e V. Leonardi, História da Indústria e do Trabalho no Brasil (Ed. Global), o ensaio de Paulo Sérgio Pinheiro “O Proletariado Industrial na Primeira República”, em História Geral da Civilização Brasileira, Vol. X (Difel,) e Ligia Osório Silva, O Movimento Sindical Operário na Primeira República (Dissertação de mestrado, UN1CAMP).
Os livros de Azis Simão, Sindicato e Estado (Ed. Ática), Evaristo de Moraes Filho, O Problema do Sindicato Único no Brasil (Alfa-Ome- ga), Leôncio Martins Rodrigues, Conflito Industrial e Sindicalismo no Brasil (Difel) e José Albertino Rodrigues, Sindicato e Desenvolvimento no Brasil (Difel), são pioneiros no estudo da temática sindical.
Em relação à Crise de 30, à emergência do Getulismo e ao advento do sindicalismo de estado consulte-se Ricardo Antunes, Classe Operária, Sindicatos e Partidos no Brasil da Revolução de 30 até a Aliança Nacional Libertadora (Ed. Cortez) e o de Ângela Castro Gomes, Burguesia e Trabalho — Política e Legislação Social no Brasil: 1917137, (Ed. Campus).
Da crise do Varguismo até o Golpe Militar de 64 podem-se consultar os estudos de Luiz W. Vianna, Liberalismo e Sindicato no Brasil (Paz e Terra), de Ricardo Maranhão, Sindicalismo e Democratização (Brasiliense), de Kenneth Erickson, Sindicalismo no Processo Político no Brasil, de Sérgio Amad Costa, Estado e Controle Sindical no Brasil (TAQ. Editor), e de Lucília de A. Neves, O Comando Geral dos Trabalhadores (1961-64), (Ed. Vega).
Sobre as transformações do sindicalismo no pós-64 e sua evolução deve-se consultar Heloisa Martins, O Estado e a Burocratização do Sindicato no Brasil e Armando Boito, O Sindicato de Estado no Brasil (Tese d© Doutorado, USP).
Sobre a emergência do novo sindicalismo e do movimento grevista veja-se o artigo de Maria Hermínia Tavares de Almeida, “O Sindicalismo Brasileiro entre a Conservação e a Mudança" em Socie- dade e Política no Brasil Pós-64 (Ed. Brasiliense), o de J. Chasin, “As Máquinas Param: Germina a Democracia", na Revista Ensaio 1 (Ed. Escrita), o livro de John Humphrey, Controle Capitalista e Luta Operária da indústria Automobilística (Vozes), o de Celso Frederico, A Vanguarda Operária (Símbolo) e o de Leôncio M. Rodrigues, Partidos e Sindicatos (Ed. Ática).
Uma polêmica sobre o significado das greves do pós-78 e das lutas sindicais e sociais pode-se encontrar em Ricardo Antunes, A Rebeldia do Trabalho: o Confronto Operário no ABC Paulista — As Greves de 1978180 (Ed. da UNICAMP), Amnéris Maroni, A Estratégia da Recusa (Ed. Brasiliense) e Eder Sader, Quando Novos Personagens Entram em Cena (Paz e Terra).
O leitor ainda encontra um conjunto de depoimentos e entrevistas sobre o movimento sindical e operário, dos quais mencionamos o volume Por um Novo Sindicalismo, organizado por Ricardo Antunes (Ed. Brasiliense), “Movimento Operário: Novas e Velhas Lutas",“0 Arrocho Treme nas Bases do ABC", ambos na Revista Ensaio. "A Greve na Voz dos Trabalhadores", em História Imediata 2 e “Greves Operárias: 1968/78", em Cadernos do Presente. Deve consultar também os diversos volumes da coleção Os Trabalhadores (co-editada pela Associação Cultural do Arquivo Edgard Seuenroth), que estão voltados para o resgate da história do trabalho no Brasil.
Sobre as transformações em curso no mundo do trabalho no sindicalismo dos países avançados, o leitor poderá ler A Revolução dos Robôs, de B. Coriat (Ed. Busca Vida); A Classe Operária em Mutações, de J. Lojkine (Oficina de Livros); A Sociedade Informática, de A. Schaff (Ed. Brasiliense/UNESP) e Produção Destrutiva e Estado Capitalista, de I. Mészáros (Ed. Ensaio), dentre os já traduzidos em língua portuguesa.
Sobre o autor Ricardo Antunes nasceu em São Paulo, em 1953. É professor de Sociologia do Trabalho junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, onde foi Diretor do Arquivo Edgard Leuenroth (Centro de Pesquisa e Documentação Social). Foi professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e da UNESP, Campus de Araraquara.
Doutourou-se em Sociologia pela USP (1986) e, anteriormente, fez Mestrado.em Ciência Política pela UNICAMP (1980).
Publicou os seguintes livros: A Rebeldia do Trabalho (O Confronto Operário no ABC Paulista: as greves de 1978180 (Ed. da UNICAMP; Classe Operária, Sindicatos e Partido no Brasil (Da Revolução de 30 até a Aliança Nacional Libertadora) (Ed. Cortez); Crise e Poder (Ed. Cortez); O que São Comissões de Fábrica (Ed. Brasiliense, em co-autoria). Organizou o livro Por um Novo Sindicalismo (Ed. Brasiliense) e co-organizou A Inteligência Brasileira (Ed. Brasiliense).
Participou da organização dos volumes Movimento Operário: Novas e Velhas Lutas e O Arrocho Treme nas Bases do ABC da Revista Ensaio. Colabora regularmente em revistas e jornais escrevendo sobre política, a temática sindical e do trabalho. Foi, também, membro do movimento de oposição sindical dos professores de S. Paulo, Diretor da Associação de Docentes da Fundação Getúlio Vargas e Diretor da Associação de Docentes da UNESP de Araraquara.