sexta-feira, 26 de junho de 2020

PND - AS RAÍZES DA CRISE ECONÔMICA - PROMETEU ACORRENTADO



AS RAÍZES DA CRISE ECONÔMICA - PROMETEU ACORRENTADO

A crise da dívida dos anos 1980 foi um ponto de inflexão que encerrou cinquenta anos de crescimento brasileiro. A subida abrupta dos juros externos norte-americanos nos lançou na espiral da dívida e no desequilíbrio do balanço de pagamentos que, de várias formas diferentes, tem limitado
nosso crescimento a surtos esporádicos que não se sustentam. Quis a história ainda, num de seus enredos trágicos, que ao mesmo tempo que as premissas do modelo mudaram e ele sucumbiu, não discutíssemos, como nação, suas alternativas, pois estávamos tentando construir a unidade política necessária para a restauração da democracia.

Como exemplo, lembro que as reuniões políticas para redemocratizar o país tinham o católico mineiro Tancredo Neves, o democrata-cristão Franco Montoro, o católico conservador do interior de São Paulo Ulysses Guimarães, o usineiro de Alagoas Teotônio Vilela, o socialista Miguel Arraes, o trabalhista que pegou em armas contra o golpe, Leonel Brizola, o comunista João Amazonas, que liderou a guerrilha do Araguaia, o comunista e materialista Luís Carlos Prestes, e o então jovem líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, para citar o nome de algumas figuras a quem os democratas brasileiros muito devemos. Não poderíamos discutir economia política, pois simplesmente a segunda reunião não aconteceria. O que permitiu a obra histórica deste e de muitos outros brasileiros, entre os quais me incluo, de restaurar a democracia brasileira, foi a capacidade de superar as profundas diferenças em nome do foco na agenda que se impunha na emergência de então: anistia, eleições diretas e Assembléia Nacional Constituinte. Por essa razão concreta, a reconstrução da democracia, a minha geração acredita no milagre que a política é capaz de fazer. Contra um inimigo que parecia imbatível, ganhamos todas. Por isso, aqui, apelo a todos os brasileiros, especialmente aos jovens, que se livrem da descrença e do medo, quando não da depressão pura e simples, porque participar da política, energizá-la, produz resultados históricos. Porém, esse consenso superficial e raso deformou toda uma geração que ainda hoje está jogando o jogo da política no Brasil. Praticamente ninguém quer debater o que interessa, o problema econômico, suas raízes, extensão e solução. Este livro tenta de novo suplicar por esse debate. Esse papel é das forças progressistas, porque, para os beneficiários da ordem de privilégios para as minorias e miséria de massa e falta de perspectiva para as maiorias populares, nada precisa ser feito, basta cruzar os braços e deixar as coisas como estão. Outro número. Hoje, cinco brasileiros acumulam renda igual às posses dos 100 milhões de brasileiros mais pobres, depois de 25 anos de governos autointitulados social-democratas ou de esquerda.

Por tudo isso, escolho esse período, o início dos anos 1980, uma das origens mais distantes da crise econômica pela qual estamos passando agora, como ponto de partida simplificado de nossa análise aqui.

Há outro índice que serve para medir não só o volume, mas o nível de modernidade de uma economia. Quando o choque da armadilha da dívida nos atingiu em 1980, nosso país detinha o mesmo 1% de participação no comércio mundial que a China, tendo seis vezes menos população. Tínhamos um PIB per capita (riqueza produzida em média por habitante) de US$ 5.052, enquanto o da China era de US$ 1.690. [1] Deixe-me sublinhar este número. Ontem, sob o ponto de vista histórico, éramos um país três vezes mais rico do que a China.

Quando assumi o Ministério da Fazenda em 1994, nosso PIB per capita ainda era menor do que o que tínhamos em 1980. Quanto à comparação com a China, em 2016, o PIB per capita (PPP) desse país ultrapassou o brasileiro. [2] Nossa participação no comércio mundial permaneceu estagnada por 36 anos, enquanto a chinesa subiu para cerca de 11,5%. [3] Entre 1981 e 2018 o Brasil cresceu em média somente 2,2%, enquanto sua população cresceu, em média, em torno de 2% ao ano entre 1980 e 2010. [4] Em outras palavras, estamos praticamente parados.

Essa tragédia é tanto maior quando pensamos que nesse período automatizamos e informatizamos grande parte de nossa economia, o que significa a eliminação relativa de milhares de postos de trabalho, e que recebemos por ano cerca de 2 milhões de jovens procurando o primeiro emprego. Nos próximos anos, essa tendência só vai se acentuar. O Brasil não tem opção, tem que voltar a crescer.

Nos últimos 38 anos foram somente três períodos de crescimento relativo: momentos do Governo José Sarney, o Governo Itamar Franco (somado ao primeiro ano de FHC) e o Governo Lula (que apesar disso ocorreu em contínua desindustrialização). Nos três, crescimento insustentável por ciclos de consumo sem nenhuma correspondência em iniciativas que alterassem nossa matriz de produção.

Ou seja, cresce o consumo em voos de galinha, logo seguido de queda pela desindustrialização contínua e selvagem que experimentamos no período. Por quê? Defendo que isso se deva a três razões, que explorarei historicamente neste capítulo:

1. Estrangulamento do passivo das empresas privadas – Depois de três décadas sobrevivendo aos juros mais altos do mundo, esse custo não tem mais como ser repassado para os preços oligopolizados, por causa da abertura econômica. A maioria das trezentas maiores empresas brasileiras hoje não consegue mais fazer caixa sequer para pagar parcela vencida de suas dívidas com os bancos. Não podemos prosseguir por muito mais tempo nesse rumo sem arriscarmos acabar numa crise bancária.

2. Colapso das finanças públicas – O rentismo [5] desenfreado comprometeu em 2017 6,1% do PIB nacional com pagamento de juros líquidos do setor público, com a incrível quantia de R$ 400,8 bilhões paga em juros. [6] Só a União gastou R$ 340,9 bilhões desse bolo. [7]

Como a arrecadação federal em 2017 foi de R$ 1.342 trilhão, [8] isso é equivalente a 25,4% de tudo o que foi arrecadado gasto em juros. Mas é importante lembrar que não estamos conseguindo tirar um centavo de nossa arrecadação para pagá-los. O descontrole é tanto que toda a nossa conta de juros está sendo coberta por novas emissões de títulos públicos. Ou seja: dívida sobre dívida, ou, se quisermos ser rasos, estamos vendendo o almoço para comprar o jantar.

É importante aqui lembrar que, seguindo a mesma metodologia de cálculo, em 2015 gastamos 8,4% do PIB em juros, [9] que é a medida que, em conjunto com a queda brutal de arrecadação, explica o começo da explosão da dívida pública no segundo Governo Dilma, abrindo o caminho para o corrupto Eduardo Cunha, energizado pela inacreditável entrega da estatal Furnas ao seu controle pelo Governo Lula, executar sua sabotagem política.

Em 2017, a taxa de investimento da União, estados e municípios juntos foi de somente 1,17% do PIB. [10] Até 2019, havia sido o menor volume relativo de investimento desde que o Brasil começou a levantar esse número. A União sozinha tinha orçado investir 0,4% do PIB. Só para se ter uma ideia, em 1976, no Governo Geisel, os investimentos da União, excluindo os das estatais, atingiam sozinhos 1,9% do PIB. [11] Esse quadro de descontrole dos juros é um dos maiores fatores da falência do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, mais 17 dos 27 estados da Federação. E essa falência realimentou num círculo vicioso a queda contínua de arrecadação, que caiu 2,96% em 2016 em termos reais em relação a 2015. [12] Como se não bastasse, o Governo Bolsonaro conseguiu bater também mais esse recorde em um único ano de governo. Em 2019, a taxa de investimento do governo federal atingiu 0,35%, a menor taxa de investimento da história.

3. Ausência de um projeto nacional de desenvolvimento – A prostração ideológica neoliberal conseguiu trazer setores inteiros da economia do Estado para o mercado, através da propaganda desmoralizante contra a suposta “ineficiência” e “corrupção” das empresas públicas e promotora da promessa de “eficiência” e “honestidade” do investimento privado, que supriria os motores estatais do desenvolvimento. No Ocidente, em especial na América Latina, esse movimento veio em sentido oposto ao dos países asiáticos, que mantiveram a associação harmoniosa entre mercado e Estado e se tornaram os mais dinâmicos do capitalismo contemporâneo, assumindo o papel de locomotivas da economia mundial.

Desmontaram grande parte do Estado brasileiro em nome do equilíbrio das contas públicas, enquanto o saqueavam com os juros reais mais altos do mundo. O resultado está aí. País estagnado e grande parte das maiores empresas brasileiras apanhada na Operação Lava Jato corrompendo o poder público. Afinal de contas, quando é que um agente estatal foi corrompido sem um agente privado corruptor que o tivesse cooptado para desviar a gestão do público para o interesse privado? Só na propaganda neoliberal. Sem uma diretriz clara nem volumes significativos de investimentos estatais que deem segurança ao empresário quanto à sustentação do ciclo de desenvolvimento, não há investimento privado significativo. Torramos cerca de metade de nosso patrimônio público nas privatizações de FHC em troca de títulos podres ou preços muitas vezes meramente simbólicos, e, ao invés de dinamizar nossa economia, a estagnamos. [13] Como a história nos trouxe a essa tragédia?

INFLAÇÃO DERROTADA

O primeiro flagelo legado pela crise da dívida foi o descontrole inflacionário. Com o súbito buraco em nosso balanço de pagamentos com o exterior, nossa moeda se depreciou e começou a necessidade crônica de captação de recursos externos para fechar essa conta. Só que tínhamos então todas as portas fechadas para isso. De maneira que a inflação no Brasil não era, como ensinam os manuais de economia, uma doença da moeda, mas sim um mecanismo perverso que atendia a dois objetivos muito práticos, o financiamento de um Estado falido e a criação do mecanismo hoje replicado nos juros altos.

Neste último, títulos do governo indexados até diariamente faziam parte do baronato brasileiro ganhar muito dinheiro com a carestia que matava nosso tecido econômico e humilhava nosso povo.

Assim, de 1981 a 1994, vivemos a corrosão cotidiana da inflação que concentrava renda e acelerava a ciranda financeira de uma elite econômica que tinha ficado viciada em correção monetária e ganhos improdutivos.

É muito importante o brasileiro entender algo sobre esse nosso passado recente, algo que permanece nos destruindo até hoje. Inflação é doença da moeda, e como tal empobrece a todos. Por causa disso, ela sempre reúne em pouco tempo um consenso político no sentido de sua erradicação ou promove rupturas, tal como aquela que levou Hitler ao poder na Alemanha. Mas no Brasil tivemos três décadas de inflação acima de 20% sem nunca mexer no cerne da questão. Por quê? Porque nós inventamos uma moeda para os ricos que tinham excedente e estavam no sistema bancário: a correção monetária (que repunha primeiro mensalmente e depois diariamente as perdas da inflação).

Enquanto isso, os pobres e a classe média ficavam com a moeda em espécie, que no fim do mês já tinha derretido em valor de compra ou como reserva de valor.

A inflação era tributo cobrado dos pobres e dado aos ricos. Ninguém remediado neste país realmente tinha interesse pessoal no fim da inflação e de seu alimentador inercial, a correção monetária. Nunca nenhum manual de economia do mundo entendeu essa peculiaridade brasileira. Não há um paper que eu conheça produzido em qualquer academia respeitável que demonstre essa obviedade. A inflação no Brasil, ao contrário dos manuais, não era, como já disse, uma doença da moeda, mas sim uma negociata, como hoje segue sendo a especulação financeira.

Mas com o impeachment de Collor surgiu na história do país um presidente chamado Itamar Franco. Depois de o Brasil ter passado pela hiperinflação e o caos político do Governo Collor, por duas moratórias da dívida externa e sucessivos planos econômicos que envolveram desde congelamento de preços ao confisco de poupanças, Itamar estava determinado a enfrentar os poderosos interesses por trás da inflação e da correção monetária, e reuniu uma maioria política e um grupo de economistas para isso. Foi concebido e lançado o Plano Real, que eu tive a honra de administrar num momento crítico de sua consolidação.

Quando fui chamado por Itamar para assumir o Ministério da Fazenda, a inflação projetada para o mês estava em 3%, além de haver ágio estabelecido em certos setores e uma pressão generalizada de desabastecimento na economia brasileira. Nessas circunstâncias, com a capacidade instalada da produção brasileira 100% ocupada trabalhando algumas vezes a três turnos e a taxa de desemprego ao seu menor nível histórico, só havia uma chance de salvar a estabilização e não deixar o Plano Real morrer da mesma doença que matou o Plano Cruzado: um choque de oferta. Então o fiz, explicitamente garantindo que aquilo não era paradigma de política industrial e comércio exterior, apenas uma medida emergencial. Antecipei a vigência da tarifa externa comum do Mercosul e baixei as tarifas alfandegárias naqueles segmentos de produtos em que estava havendo ágio e desabastecimento, portanto, pressão inflacionária. Importando mais barato as mercadorias que o consumidor brasileiro queria comprar, acabamos com o jogo do ágio que quase enterrou o Real.

Recebi naquele momento o câmbio sobrevalorizado e os juros muito altos, que deveriam, como repeti exaustivamente na época, ser expedientes temporários em direção a um novo governo que fosse capaz de, para além do tratamento tópico da febre, que era a inflação, trabalhar a verdadeira infecção, que era o colapso do modelo econômico. Isso evidencia que não estou engessado por interdições ideológicas na gestão econômica que se sobreponham ao interesse nacional brasileiro. Tais expedientes foram, naquele momento, fundamentais para controlar os preços dos produtos afetados pelo dólar e garantir a moeda nascente através do fluxo de dólares para um país sem reservas. Os juros elevados naqueles primeiros meses tinham ainda outra função essencial: proteger o Brasil de uma crise bancária, compensando transitoriamente o inflado sistema bancário nacional, viciado em inflação, pela receita perdida com o antigo ganho inflacionário. Isso garantiria uma transição menos abrupta para o sistema. Sem esse “antibiótico” monetário e cambial, não teríamos conseguido nos livrar das pressões inflacionárias do câmbio e teríamos enfrentado uma crise bancária de consequências imprevisíveis. Poderíamos ter sido derrotados pela memória inflacionária.

Mas não fomos. Fizemos o que era preciso e fomos muito bem-sucedidos naquela missão histórica.

A superinflação foi finalmente derrotada. Entreguei o comando da economia a Pedro Malan, o ministro da Fazenda de FHC, com inflação de um dígito e profunda saúde fiscal, tendo ajudado a consolidar o maior superávit primário da história, de 5,21% do PIB. [14] Para alcançar este resultado, estados e municípios contribuíram com um superávit de somente 0,77% do PIB. [15] O Brasil tinha então uma módica dívida interna de R$ 61,7 bilhões [16] e uma dívida externa de US$ 119 bilhões. [17] O total da dívida líquida consolidada do setor público (a soma das dívidas e dos créditos internos e externos do Estado) em relação ao PIB estava num dos níveis mais baixos dos últimos quarenta anos: 30,01% do PIB. [18] Era chegada a hora da segunda fase do Plano, necessária para a estabilização: a limpeza das contas públicas e a elevação das receitas do Estado, que garantissem uma suave mas progressiva desvalorização do câmbio e a diminuição das taxas de juros, criando o círculo virtuoso de crescimento que caracteriza as economias saudáveis.

Porém, com o fim da ciranda inflacionária, a elite brasileira logo viu nas altas taxas de juros o novo imposto para continuar a tirar dos pobres para dar aos ricos: foi o início do vício do rentismo.

O NOVO RENTISMO

Os dois primeiros anos do Real geraram uma bolha de consumo que sustentou a popularidade de FHC no início de seu governo. Com o fim do imposto inflacionário, a população que não tinha como se proteger da inflação experimentou um súbito aumento do poder de compra. Como toda essa “sobra” de dinheiro foi para o consumo, o aumento das importações gerou a necessidade de dólar e fez disparar o seu preço. Isso forneceu a desculpa que o sistema financeiro e a elite viciada em ganhos fáceis queriam para manter os juros mais altos do mundo: atrair dólares para ganhar com nossa dívida, e diminuir o crédito e o consumo para controlar a inflação.

Para minha grande decepção, o partido que eu tinha ajudado a fundar para implantar uma social-democracia no Brasil, o PSDB, e o plano econômico que tinha ajudado a consolidar, o Real, se desvirtuaram completamente durante o Governo FHC, se deixando corromper pelos interesses do novo rentismo e pela embriaguez eleitoreira de uma emenda de reeleição obtida por suborno. Logo após a posse, esses novos protagonistas da vida econômica passaram a comandar o governo e a submeter todas as outras frações do capitalismo nacional, cooptando a maioria da classe política. Ou seja, o Plano Real foi uma iniciativa muito séria, mas era como uma espécie de antipirético, um comprimido para febre. Melhor explicando: a inflação não era a doença; era, como as febres, um sintoma das doenças. É preciso tratar a febre alta, mas, controlada a febre, é preciso levar o paciente a identificar a infecção. Essa sim é a doença. A doença era o colapso do modelo e a febre era a inflação. FHC experimentou a popularidade extraordinária do fim da febre e em vez de levar o paciente para a terapia ou cirurgia, levou o paciente para o baile funk, se é possível tratar com bom humor com esse momento crítico de nossa história.

Esse quadro me obrigou ao rompimento com o partido e o governo assim que consumada a traição ao plano de estabilização. Acho importante lembrar que, se estivesse na época movido por uma ambição vazia e oportunista, eu, naquele momento jovem ex-governador mais popular do país e ex-ministro do Real, teria ficado montado na máquina esperando concorrer à presidência pelo governo, acumpliciado com a plutocracia e os interesses internacionais. Em vez disso, fui para um período de estudos em Harvard, me afastando temporariamente da vida política e correndo o risco de para ela não poder retornar. Um político que se afasta da vida pública, como eu já fiz duas vezes nestes 40 anos, dificilmente volta com relevância. Ainda mais se o fizer para enfrentar os poderosos, e não para se acumpliciar com eles. E foi exatamente o que eu fiz quando voltei: me filiei sozinho a um partido então minúsculo, o PPS, que tinha apenas dois deputados, para denunciar a grave manipulação da séria iniciativa, porém precária, do Plano Real pelo Governo FHC e esse processo que viria a destruir as contas públicas brasileiras e nossa economia industrial.

Todas essas críticas saíram em artigos semanais no Jornal do Brasil, Estado de S. Paulo ou nos livros que publiquei. Da mesma forma saíram as críticas sobre o que eu via como uma falta de projeto do PT, que incrivelmente tinha se posicionado contrário ao Governo Itamar Franco, mesmo tendo sido um dos principais responsáveis pelo impeachment de Collor, e ainda mais inacreditavelmente se colocado contra o Plano Real.

Infelizmente, tudo se deu como denunciei. A estabilização seguiu ancorada nos juros escorchantes e câmbio sobrevalorizado, novos vícios destrutivos da elite nacional dos quais ela não se livrou até hoje. Quando FHC entregou o governo em 2002, o custo médio anual da dívida interna ainda era de 27,6% [19] contra uma inflação de 12,53%, o que significava juros reais de cerca de 15%. Quando falo esses números em seminários internacionais, as audiências se recusam a acreditar. Já a política cambial foi, por quatro anos, uma dolarização disfarçada, que, acompanhada de reformas e abertura de mercado, devastou nossa indústria. Quanto ao processo de privatizações, não serviu ao objetivo de modernização ou ajuste das contas públicas, mas somente ao de entregar criminosamente metade do patrimônio público tão arduamente construído por nosso povo durante cinquenta anos em troca de preços irrisórios e títulos podres, que só estavam ali para mascarar a mais vergonhosa doação de riqueza pública.

Concorri à Presidência em 1998 com o objetivo maior de denunciar aquela ruinosa condução de nossa economia, mas o conluio da grande imprensa com o Governo FHC impediu a realização de qualquer debate naquela eleição. Isso mesmo. Numa das maiores democracias eleitorais do planeta Terra, a grande imprensa – televisões, rádios e jornais – não promoveu nem um único debate entre os presidenciáveis. O que dá uma ideia muito concreta do poder que o novo rentismo exerce e já exercia àquela data sobre o país. Evitando o confronto comigo e com Lula, o presidente FHC se reelegeu para o que havia sido, até Dilma e Temer, o mandato mais ruinoso da história brasileira.

Ao fim desse período trágico, os números eram impressionantes e resistem a qualquer defesa.

Quando FHC toma posse, lembre-se de que eu era ministro da Fazenda no dia anterior, os números eram: de Pedro Álvares Cabral a Itamar Franco, dívida interna bruta de 37% do PIB, com correspondência de financiamento de toda uma poderosa rede de infraestrutura e de estatais. Ativos privatizáveis superiores a US$ 100 bilhões em telefonia, mineração e distribuição de energia elétrica, por exemplo. Apenas oito anos depois, a dívida pública saltava para 76% do PIB. Nossa carga tributária havia sido elevada de 26% em 1995 para 32,1%, [20] e metade de nosso patrimônio construído durante os períodos Vargas, JK e militar (inclusive Petrobras, que tem hoje quase metade de seu capital em posse de investidores nacionais e internacionais) vendida. Haviam achatado os salários do funcionalismo por oito anos e sucateado a infraestrutura do país sem a realização de uma única obra de vulto. Nossa dívida externa tinha saltado para US$ 220 bilhões, [21] e a dívida interna decuplicara em termos nominais, de R$ 61,7 bilhões para R$ 623 bilhões, [22] elevando a proporção dívida líquida/PIB de 30,01 para 59,93%. [23]

Naquele período, o país tinha quebrado três vezes e recorrido duas vezes a empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A cada vez que o fazia, entregava mais um naco de sua soberania e de seus legítimos interesses de desenvolvimento. Esse enorme aumento de carga tributária foi efetuado não para diminuir as taxas de juros, mas para pagá-las. E é esse governo que segundo parte de nossa imprensa governou com responsabilidade o país.

E isso não era tudo. Segundo estudo do Ipea de 2004, cerca de 20 mil clãs familiares, num país de mais de 200 milhões de habitantes, apropriavam-se de 70% dos juros que o governo pagava aos detentores de títulos da dívida pública. [24] Desde então, rigorosamente nada foi feito para mudar esse descalabro moral inédito no mundo. Estava estabelecida uma plutocracia rentista que controlava o sistema político. Quando Lula assina a chamada “Carta aos brasileiros”, era então parte da esquerda
brasileira que também se submetia ao modelo.

O POPULISMO CAMBIAL

Concorri às eleições de 2002 certo de que um novo ciclo teria que se iniciar no país. Novamente sem falsas promessas, alertei ao povo brasileiro que um ajuste fiscal duro no primeiro ano seria necessário.

Enfrentei uma campanha dura de desconstrução de imagem para abafar o fato de eu ter colocado o dedo na ferida da agiotagem nacional. No primeiro turno, no entanto, foram escolhidos o candidato do governo, José Serra, e Lula. Apoiei então, pela segunda vez, Lula num segundo turno presidencial.

Em seu primeiro mandato, o presidente Lula me convidou para ser seu ministro da Integração Nacional, com a diretriz expressa de viabilizar a transposição do rio São Francisco. Esse era um  projeto brasileiro que permanecia no papel desde o tempo do Império, de vital importância para enterrar a indústria da seca e a tragédia de seus fluxos migratórios. Foi uma tarefa que aceitei com muita dedicação e convicção, e que, graças a Deus, foi muito bem-sucedida. Meu entusiasmo com ela vinha do fato de conhecer o drama da seca intimamente e ter certeza de seu impacto positivo na questão.

Mais uma vez essa certeza vem da experiência acumulada em quarenta anos de vida pública. Quando governei o Ceará nos anos 1990, assumi o mandato com o estado na iminência de um colapso no abastecimento de água de Fortaleza. Correndo contra o relógio, o governo e os trabalhadores cearenses construíram um canal de 120 km em noventa dias: o Canal do Trabalhador. O abastecimento da capital de meu estado foi garantido por ele até a conclusão de outro canal para esse fim, liberando o Canal do Trabalhador para a irrigação de uma área até então praticamente desértica que hoje virou um pomar empregando milhares de pessoas. Essa foi a primeira transposição de bacia, que mostrou na prática a viabilidade da posterior transposição do São Francisco projetada e iniciada por mim.

O Governo Lula tentou realizar uma inflexão suave na política econômica, sem abandonar a ortodoxia do chamado tripé macroeconômico (câmbio flutuante, [25] metas de inflação e superávit primário). As taxas de juros iniciaram uma trajetória de queda consistente, com a taxa Selic chegando a 10,75% em dezembro de 2010. [26] O resultado é que, ao contrário do Governo FHC, foram gerados sucessivos superávits primários, derrubando a relação dívida líquida/PIB para 38,48% no fim de 2010. [27]

Mas Lula não reverteu o rentismo (manteve as maiores taxas reais de juros do mundo na maior parte de seu governo) nem o processo de desnacionalização e desindustrialização da economia (embora tenha executado políticas importantes, como a de conteúdo nacional da Petrobras, investimentos em refinarias e a reativação da indústria naval). No entanto, Lula escapou não só da estagnação que tem sido o padrão desde 1980 como também da crise econômica de 2008. Por quê?

Em minha opinião porque, além da relativa queda das taxas de juros e de políticas industriais setoriais, ele lidou bem com dois fenômenos que herdou:

1) O medo do Governo Lula fez, no fim do Governo FHC, a busca por dólar levar a moeda a ser negociada no dia 17 de outubro de 2002 a R$ 3,92 (o equivalente a R$ 11,01 em valores atuais). Seu governo entregou essa taxa, em 31 de dezembro de 2010, a R$ 1,66 no dólar comercial [28] (R$ 2,49 em valores atuais [29] ). Essa queda, possibilitada pelo grande afluxo de dólar com o valor das commodities e a compra de bônus da dívida pública, criou uma sensação de enriquecimento maior do que a lastreada no avanço do PIB, e uma bolha de consumo felicitante que, ao mesmo tempo, diminuía ainda mais a competitividade de nossa indústria.

2) O déficit crônico nas contas externas brasileiras foi mascarado por uma alta extemporânea do preço das commodities (minério de ferro, petróleo, grãos) no mercado mundial, que cobriu nosso déficit na conta de produtos manufaturados. A bonança foi bem aproveitada pelo governo para melhorar o perfil da dívida interna e externa, acumular reservas recordes e financiar a retomada do crescimento. Paralelamente, políticas sociais exitosas, assim como o aumento real do salário mínimo, elevaram o poder de consumo de nosso mercado interno. Esse ciclo virtuoso foi interrompido com a maior crise do capitalismo neste século e uma das maiores de sua história, a crise econômica de 2008, da qual o Governo Lula pareceu se sair muito bem, com um choque de crédito governamental que supriu o desaparecimento do dinheiro do mercado causado pelo pânico da crise.

A QUEDA DO PREÇO DAS COMMODITIES

O início do mandato de Dilma foi marcado pela estagnação mundial causada pela crise econômica de 2008 e por uma série de ações moralizantes e medidas que tinham a intenção de melhorar a competitividade de nossa indústria. Na Petrobras, executou uma mudança completa nos quadros da diretoria, demitindo aqueles que depois viriam a ser denunciados na Operação Lava Jato, provocando a fúria da base fisiológica do Congresso, liderada por Eduardo Cunha.

Para aumentar a produtividade industrial, depois de uma alta nos seis primeiros meses, começou a baixar a taxa básica de juros até a Selic alcançar 7,25%. [30] Paralelamente, para incentivar o consumo, pressionou o setor bancário a diminuir o spread [31] com os créditos mais baratos oferecidos pelos bancos públicos. Obrigou as prestadoras de energia a baixarem suas tarifas e tentou, via renúncia fiscal, desonerar fiscalmente a indústria.

Esta última medida, além de completamente ineficaz, causou um buraco na arrecadação federal de R$ 342 bilhões [32] entre 2011 e 2015. Esses recursos foram drenados pelas remessas de lucros das multinacionais, pressionadas por suas matrizes no momento agudo da crise, ou ainda diretamente para o bolso do empresariado nacional, que não investiu ou investirá neste país enquanto os juros pagos pelo governo remunerarem mais que a taxa de retorno médio dos negócios, e não tiver garantias da retomada dos investimentos do Estado para alavancar a economia.

No geral, a política econômica do início do primeiro mandato de Dilma fez o país crescer entre 2011 e 2013 a uma média de 3% ao ano, mesmo diante da recessão mundial. Mas então, no começo de 2013, a política de queda das taxas de juros foi abandonada rapidamente sob pressão da mídia e dos bancos, os maiores sócios do rentismo brasileiro, que fizeram uma feroz campanha sobre uma alta inexistente da inflação, a famosa “inflação do tomate”. Essa volta da alta dos juros, somada aos protestos de junho de 2013, selou o futuro do Governo Dilma, sendo uma das principais causas do desequilíbrio fiscal que se agravaria em 2014 e 2015, até chegar ao colapso no Governo Temer.

Como se não bastasse, então outra triste realidade, a da desindustrialização brasileira, novamente bateu à nossa porta. Já tivemos, em 1985, a indústria de transformação responsável por 21,8% do PIB nacional. [33] Em 2016, a indústria de transformação respondeu por somente 11,7% do PIB. [34] É verdade que a diminuição da participação da indústria no PIB é um fenômeno comum às economias avançadas.

Entre 1970 e 2007, a participação da indústria no PIB dos países da Europa Ocidental e países de língua inglesa caiu de 25% para 15%. Mas nós não somos um país desenvolvido. Os apelos a uma economia “pós-industrial” ainda são nada mais que um luxo no discurso de nações altamente industrializadas. Nos países em desenvolvimento da Ásia (incluindo a China), a participação da indústria no PIB praticamente se manteve: foi de 32% em 1970 para 31% em 2007. [35] Já nós, chegamos em 2017 a valores correlatos aos que alcançávamos em 1910. [36]

Enquanto a grande maioria da química fina usada em nossos medicamentos, componentes de nossos carros e computadores continuavam importados, o preço das commodities que sustentavam nosso padrão de consumo e comércio com o exterior despencou, voltando a níveis do início dos anos 2000. Para termos uma ideia, nos primeiros meses do Governo Dilma chegamos a vender nossa tonelada do minério de ferro a cerca de US$ 190. Em janeiro de 2016, às vésperas da derrubada de Dilma, o Brasil chegou a vendê-lo a US$ 38. [37] O governo reagiu a isso com mais populismo cambial, mantendo nossa moeda sobrevalorizada para deter a inflação, e, diante do agravamento do desequilíbrio, em vez de esclarecer nossa nova situação à população, preferiu escondê-la para disputar as eleições.

Dilma cai com o mesmo filme de FHC em 1999: passadas as eleições de 2014 o Brasil começa a desvalorizar sua moeda, levando a cotação do dólar de cerca de R$ 2,40 para aproximadamente R$ 4 em somente um ano. Ou seja, desvaloriza sua moeda em cerca de 40% [38] e atira a taxa de juros a 14,25% [39] com o ministro Joaquim Levy na Fazenda. O país, que já vivia os impactos econômicos negativos das desonerações e consequente degradação do superávit primário, da crise política e da Operação Lava Jato (que, segundo a Consultoria Tendências, [40] derrubou o PIB de 2015 em 2,5%), viveu uma tempestade perfeita. Uma associação de gângsteres no Congresso, determinados a deter a Lava Jato e a recuperar os espaços para roubar, decidiu não mais deixar Dilma governar a partir da metade de 2015. No momento de crise mais aguda do orçamento, promoveram, com o apoio do então deputado Jair Bolsonaro, uma farra fiscal com uma série de reajustes enormes e irresponsáveis ao Judiciário e ao Legislativo, ao mesmo tempo que impediam o governo de gerar receitas para bancá-las. Isso, somado aos efeitos paralisantes da Lava Jato, à queda das commodities, ao rombo dos juros, ao aumento do desemprego, das recuperações judiciais e falências, nos jogou na mais aguda crise econômica de nossa história e criou as condições políticas para o golpe de Estado que encerrou o mais longo período de normalidade democrática da República e cujos efeitos radicalizantes sentimos até hoje.

Assim terminava no Brasil a era dos governos do PT, deixando um saldo medíocre, resultado de sua falta de projeto nacional de desenvolvimento e covardia em enfrentar os verdadeiros gargalos brasileiros. De um lado, a importante política de recuperação do salário mínimo e o Bolsa Família, que, apesar de ser um programa compensatório e não emancipatório, foi fundamental para que durante algum tempo eliminássemos a miséria absoluta. Do outro, a completa falta de reformas estruturais. O resumo do saldo dessa política pode ser vislumbrado em alguns números frios. O crescimento médio do PIB no Governo FHC foi de 2,3% ao ano, nos governos do PT, 2,6%. A fatia da indústria de transformação no PIB era de 16,9% em 2003, e em 2014, de 10,9%. [41] Em 2003, o Brasil era o oitavo país mais desigual do mundo, [42] e em 2016, o 10º. [43] Segundo estudo de Thomas Piketty, [44] concentramos renda entre 2001 e 2015. A fatia da renda nacional apropriada pelos 10% mais ricos da população subiu de 54,3% para 55,3%, enquanto a apropriada pelos 10% mais pobres subiu de 11,3% para 12,3%, e a apropriada pelos 40% intermediários caiu de 34,4% para 32,4%, o que indica que o discurso de um novo país de classe média nunca passou de mera ilusão.

O EFEITO LAVA JATO

A Operação Lava Jato poderia ter prestado um serviço importante e histórico ao Brasil, que sofre cronicamente com a impunidade das classes política e empresarial. Suas revelações evidenciaram aos brasileiros o controle do país pela plutocracia através da força do dinheiro sujo. Não devemos, no entanto, nos acumpliciar com outra espécie de crime, mais grave ainda que os primeiros, que é o desrespeito à Constituição e aos direitos individuais por parte de alguns membros do Judiciário e do Ministério Público. A corrupção rouba nosso dinheiro e nosso trabalho. O vilipêndio do Estado de Direito rouba nossa liberdade e nossa justiça. A força-tarefa da Lava Jato muitas vezes não agiu com a responsabilidade requerida para operação tão crucial, desprezando a preservação dos empregos e riquezas produzidas pelas empresas envolvidas, como ocorre em todo o mundo desenvolvido.

Corrupção é praticada por pessoas físicas, não por empresas. Devemos punir as pessoas responsáveis pela corrupção, condenar CPFs, não CNPJs.

O resultado é que a Lava Jato comprometeu cadeias inteiras de nosso já combalido setor industrial, particularmente a cadeia do petróleo, indústria naval e engenharia civil, causando um impacto no PIB que já pode ter ultrapassado os 5% desde agosto de 2014. Sem contar a paralisação do programa nuclear brasileiro, fato que merece apuração mais aprofundada. O quanto essa operação teria se valido de informações de serviços de inteligência estrangeiros interessados diretamente em desmontar certas cadeias produtivas brasileiras? Recente entrevista do ex-embaixador dos EUA Thomas Shannon torna essa pergunta algo que merece consideração séria. [45] Mesmo porque, na sequência dessa operação, Jair Bolsonaro ainda entrega aos EUA a possibilidade de entrar no setor de engenharia civil no Brasil.

As estimativas indicam que o volume total de desvio de dinheiro apurado pela Lava Jato poderia ter chegado até R$ 16 bilhões. Passa na cabeça de alguém que tal volume de dinheiro poderia transitar de corruptores a corruptos sem a ajuda central de parte dos bancos? Fica evidente, também por esse ângulo, o caráter omisso e interesseiro, quando não, pura e simplesmente cúmplice, de alguns agentes da Lava Jato.

Da mesma forma, faltou várias vezes a essa operação o cuidado necessário para não jogar todos os políticos na mesma vala comum, criminalizando, com vazamentos espetaculosos e seletivos, meras doações legais e declaradas, misturando propina e doação oficial no mesmo cesto. Quando se faz isso, em vez de livrar a política do crime, se criminaliza a atividade política. O efeito é deslegitimar a representação popular e o sufrágio universal e legitimar ambições de pessoas não eleitas que querem usurpar funções de instituições que extraem sua legitimidade da vontade popular diretamente expressa através do voto. Ao “saírem de suas caixinhas”, ou seja, ao perderem os limites constitucionais de atuação, em alguns momentos membros dessa operação colocaram em risco não só ela própria, semeando nulidades que podem servir para a anulação de sentenças no futuro (como aconteceu com as operações Satiagraha e Castelo de Areia), como o próprio Estado de Direito. Não queremos uma democracia sequestrada. Nem pelo poder do dinheiro da corrupção, nem pela usurpação do poder concedido pelo sufrágio universal.

A delação premiada é um instituto precário. Por isso a lei prevê que sem a paralela produção de provas sobre o conteúdo da acusação ela não pode ser usada para condenar ou reduzir pena.

Isoladamente ela não tem valor de prova exatamente porque é feita por um criminoso confesso e em vista do prêmio de redução de pena, podendo ser usada como arma contra inimigos políticos. No caso concreto da Lava Jato, também assistimos à prática de prisões provisórias indefinidas para forçar delações, o que compromete sua credibilidade, assim como as empresas envolvidas.

Sinto-me com autoridade para chamar atenção para todas essas questões e fatos porque, como sou obrigado a lembrar, não fui sequer citado nem nesse conjunto de delações, que alcançam vinte anos da vida política nacional, nem em qualquer outro escândalo. É claro que ser acusado sem provas, na delação de um criminoso confesso, não significa nada. Ainda assim, creio ser esse um fato digno de nota. Sempre tive um comportamento intransigente com a corrupção, e nunca sequer respondi a um inquérito nem para ser absolvido, mesmo tendo sido deputado estadual, federal, secretário de estado, prefeito, governador e ministro duas vezes. Ainda gostaria de lembrar que a destruição econômica do país não é causada por esses desvios éticos, mas sim por nossa desindustrialização e escoamento de nossos recursos para os juros da dívida interna. Apesar do terrível impacto moral na sociedade, razão pela qual o combate à corrupção não deve ter tréguas, seu impacto no orçamento nacional é extremamente limitado, ao contrário do que a imprensa faz parecer. Mesmo porque a corrupção leva predominantemente um percentual dos recursos para investimento do Estado, e em 2017 os investimentos federais foram previstos em 1,4% do orçamento. Enquanto isso, perdemos quase 10% deles no pagamento de uma das taxas de juros mais altas do mundo. [46] A corrupção, sendo uma distorção gravíssima porque destrói a confiança da população no sistema, não é a causa de nosso atraso econômico. Essa é uma narrativa falsa imposta por aqueles que não querem mudar o modelo que fracassa inapelavelmente desde os anos 1980, e que poderia ser perfeitamente chamado de corrupção institucionalizada, pois é o sequestro do Estado e de suas energias por uma minoria de poderosos barões do sistema financeiro. O aumento da corrupção é só mais um sintoma de nossa degradação como sociedade e da percepção generalizada de injustiça e impunidade.

DEMOCRACIA GOLPEADA

Outro componente básico da pior depressão de nossa história é a crise política causada pelo golpe de 2016. Remédio para governo ruim é pressão popular e, no limite, as eleições seguintes. Impeachment em nossa Constituição é um remédio extremo para retirar um presidente contra o qual haja provas de crime de responsabilidade dolosamente praticado no exercício do mandato. É um processo político, pois levado a cabo pelo Congresso Nacional, mas que não pode prescindir do elemento jurídico e legal: a comprovação do crime doloso de responsabilidade. E isso, evidentemente, não inclui uma manobra fiscal (a “pedalada fiscal”) aprovada por pareceres técnicos, executada por um membro do segundo escalão, que é feita todo ano desde FHC e que não envolve dolo ou desvio de recursos.

Não resta mais qualquer dúvida razoável hoje de que o Brasil sofreu um golpe. O uso de uma forma constitucional sem o conteúdo acusatório adequado não torna legal o processo. E hoje sabemos que o mesmo Congresso que se inflamou contra as pedaladas tornou-as legais dois dias depois de afastar a presidente legítima. [47] Esse mesmo Congresso negou a autorização para investigação do golpista que ocupou a Presidência da República desonrando nosso país e nosso povo, mesmo diante de malas de dinheiro e confissões de crimes gravadas. O ex-presidente da Câmara e hoje condenado por corrupção Eduardo Cunha, que outrora me processou por tê-lo chamado de corrupto, aceitou e conduziu o pedido de impeachment. Alguns meses depois estava condenado por corrupção e preso na Papuda, e teria delatado, segundo a imprensa, [48] deputados que teriam recebido dinheiro para votar pelo impeachment.

Julgo que esse golpe tinha basicamente três interesses poderosos que o levaram a cabo. O primeiro e o mais evidente hoje era o do sindicato dos corruptos que se articulavam em torno de Cunha, e queriam “parar a sangria” da Lava Jato e se livrar da cadeia. O segundo e menos evidente para a população eram os interesses da oligarquia rentista brasileira, que através dos bancos e da mídia queria, num momento agudo de crise econômica, garantir a geração de excedentes a qualquer custo para pagar os juros, o serviço da dívida. Por fim, o último dos interesses poderosos estava mais oculto, e não teríamos como falar abertamente dele hoje se não fossem os documentos revelados por Edward Snowden e Julian Assange, que mostraram, logo antes do início da Lava Jato, a espionagem norte-americana na Petrobras [49] e na Presidência da República que foi denunciada por Dilma e Ângela Merkel na Organização das Nações Unidas (ONU). [50] Esse interesse queria acabar com a Lei do Pré-sal, colocar a mão em nossas reservas de petróleo, tomar a base de Alcântara, permitir a construção de bases militares norte-americanas na América do Sul, acabar com o Brics e com o financiamento pelo BNDES das empresas brasileiras que atuam no exterior. Não surpreende, nem um pouco, que todos esses interesses tenham sido promessas de campanha do homem que atualmente ocupa a Presidência da República.

Todos, para desgraça nacional, conseguiram tudo o que queriam e que eu havia denunciado incansavelmente desde o fim de 2014, cumprindo meu dever com o país. E é com o aprofundamento do desastre econômico causado pelas medidas pós-golpe que eu quero concluir esse diagnóstico.

DE NOVO A DEVASTAÇÃO DO NEOLIBERALISMO

O déficit público em 2014 inteiro, que motivou a campanha da mídia por um representante da banca na Fazenda, foi de R$ 17 bilhões. Diminuir em um ponto os juros médios teria provavelmente resolvido o problema. Mas Dilma cedeu e resolveu aplicar a maior parte do programa contra o qual se bateu e derrotou na eleição para que a banca e a mídia aplacassem a direita radicalizada. Promoveu um choque de juros e tarifas públicas assim que fechadas as urnas e nomeou Joaquim Levy, funcionário do Bradesco e egresso da Universidade de Chicago, para administrar a economia brasileira. Esse foi, certamente, um dos maiores estelionatos eleitorais a que pude assistir durante minha vida política.

Seus efeitos deletérios para a crença na democracia representativa e a reputação da esquerda serão ainda sentidos por muitos anos. Como explicar agora à população que o que o PT aplicou de fato em 2015 foi o receituário neoliberal?

Com o Brasil em recessão, crise política e setores inteiros da indústria paralisados pela Lava Jato, Levy (que depois veio a se tornar presidente do BNDES no Governo Bolsonaro) jogou querosene para apagar o fogo da crise, cortando investimentos e mantendo os maiores juros reais do mundo. Ao fazê-lo, colapsou as contas de 2015, levando o setor público a comprometer assombrosos 8,4% do PIB nacional em pagamento de juros, ou R$ 501,8 bilhões, o recorde da história brasileira. [51] Com o golpe consumado em abril de 2016, os golpistas dobraram a aposta no neoliberalismo nomeando Henrique Meirelles (que tinha sido por oito anos presidente do Banco Central do Governo Lula) ministro da Fazenda. O novo governo tentou acertar o rombo fiscal causado por queda de receita com mais corte de investimentos. O resultado está aí.

Em 2016, o serviço da dívida levou 44% do orçamento federal. Em 2017, levou cerca de 49% de um orçamento de R$ 3,5 trilhões, ou seja, R$ 1,72 trilhões. [52] Em 2018 estima-se que tenha levado outros 52% de um orçamento de R$ 3,55 trilhões, ou seja, R$ 1,85 trilhão. [53] O descontrole da dívida pública, sua apropriação do orçamento nacional foram galopantes sob o governo daqueles que a mídia trata como responsáveis fiscais.

Para termo de comparação, podemos lembrar que a Previdência, ao contrário da campanha difamatória, consumiu somente 16,8% (R$ 598,2 bilhões) do orçamento de 2018, os gastos com pessoal, 8,5% (R$ 301,3 bilhões, aí incluídos inativos e pensionistas da União [54] ), e as despesas discricionárias, de onde saem os investimentos, tragicamente, somente 1,8% (R$ 65 bilhões). [55]

Enquanto isso, os juros (R$ 342,67 bilhões em 2018, ou 9,7% do orçamento [56] ) e a sonegação (estimada em R$ 550 bilhões em 2018 [57] ) destruíram as contas públicas.

Ao contrário da maciça propaganda positiva de nossos meios de comunicação, o colapso da nossa economia só se agravou. Em março de 2018, o déficit do governo central era de assombrosos R$ 25,53 bilhões, [58] maior que o déficit de todo o ano de 2014 (de R$ 17 bilhões). Curiosamente, agora esse déficit é tratado como fruto de “responsabilidade fiscal” por grande parte de nossos “especialistas econômicos”.

Ao contrário da propaganda de gestão responsável da economia, o Governo Temer foi o maior desastre fiscal da história brasileira. Terminou seu mandato tendo como meta obter, em vez de um superávit primário, um déficit primário (!) de R$ 139 bilhões. [59] Obteve R$ 120,3 bilhões, simplesmente, cerca de sete vezes maior que o de 2014. [60] Um dos motivos para esse déficit foi a rápida degradação das contas da Previdência diante do desemprego e da informalidade crescentes. A crise atual dessas contas é fundamentalmente uma crise de receita, e não de despesa.

Com menos pessoas formalmente empregadas, a arrecadação previdenciária diminui. No primeiro trimestre de 2018, a taxa de desemprego no Brasil era de 13,1% da população ativa, o que equivalia a 13,7 milhões de brasileiros desempregados, contra os somente 6,5% registrados no último trimestre de 2014. [61]

A informalidade avançou a passos largos. O Brasil perde em média 1 milhão de empregos formais por ano desde 2015. [62] Em 2017, pela primeira vez neste século, a quantidade de brasileiros trabalhando na informalidade superou a de brasileiros com emprego formal. Já a reforma trabalhista que entrou em vigor veio complicar mais ainda esse quadro dramático. Prometendo 2 milhões de empregos [63] novos, ela nada entregou diante de mais de 13 milhões de desempregados em fevereiro deste ano. [64] O que ela veio de fato incentivar é a extinção progressiva do trabalho formal tradicional e a geração de postos de trabalho que não contribuem necessariamente com a Previdência, o que causa maior degradação nas contas públicas.

Depois do mandato de um governo federal que fez tudo o que a mídia e a banca mandaram, a dívida bruta já passou dos 66,7% do PIB – no mês em que Temer assumiu o governo – para incríveis 76,7% do PIB em dezembro de 2018. [65] Essa disparada do endividamento ocorreu mesmo com a entrada dos recursos arrecadados com a repatriação de dinheiro de origem duvidosa evadido do país e com os recursos tomados da descapitalização do BNDES (o único banco que financiava nosso desenvolvimento). Ocorreu mesmo com os recursos da “venda” (com o barril de petróleo mais barato que uma latinha de Coca-Cola) de campos inteiros do nosso pré-sal a empresas estrangeiras, a maioria estatais, evidenciando a falácia neoliberal que prega a privatização da Petrobras.

Outra ilusão vendida pelo Governo Temer era sobre os juros efetivamente pagos pela dívida pública, nossa verdadeira taxa de juros reais. Juros reais são o rendimento do dinheiro investido descontada a inflação do período, ou seja, quanto efetivamente o credor ficou mais rico por emprestar o dinheiro.

Essa ilusão é possível devido à composição de nossa dívida interna. Temos quatro tipos básicos de títulos na dívida pública federal, cujos rendimentos possuem indexadores diferentes. O primeiro, correspondendo a somente 35,5% de nossa dívida em 2018, [66] remunera o credor a taxas flutuantes. A maioria desses títulos é indexada à Selic. Temos, no entanto, ainda títulos com rentabilidade prefixada, vinculados a índice de preços e até ao câmbio. Ou seja, a Selic não é nossa taxa média de juros.

Para uma estimativa adequada dos juros reais pagos por nossa dívida interna, precisamos saber o custo médio efetivo dessa, que é uma composição das taxas efetivamente pagas por todos os tipos de títulos.

Portanto, enquanto a taxa Selic terminou o ano de 2018 em 6,5%, o custo médio efetivo de nossa dívida terminou em dezembro de 2018 em 9,86% nos últimos doze meses. [67] Como a inflação de 2018 pelo IPCA fechou em 3,75%, a verdade é que, considerando a taxa de juros real passada (taxa ex-post), nossa taxa real em 2018 foi de aproximadamente 6,11%. Sob qualquer critério que se adote, estamos entre os seis países que pagaram juros reais mais altos do mundo em 2018, com a Argentina neoliberal de Macri liderando o ranking.

Se o governo paga por seus papéis, de forma segura, mais do que paga a taxa de retorno dos negócios no Brasil, não é preciso ser prêmio Nobel em economia para deduzir que ninguém vai pegar dinheiro emprestado para colocar num negócio que remunera menos que os juros bancários.

E o custo de tantos desastres econômicos é a volta do aumento da miséria em nosso país. Só em 2017, enquanto os órgãos de imprensa falavam de recuperação econômica, 1,5 milhão de brasileiras e brasileiros voltaram à extrema pobreza. Em 2018 eram 14,8 milhões de irmãs e irmãos, compatriotas, nessa desesperadora condição. [68] Desde o golpe, estima-se que no mínimo 4 milhões de pessoas tenham voltado à extrema pobreza no Brasil. [69]

O desastre do aumento da miséria é agravado por outro desastre moral, que é o aumento da desigualdade no décimo país mais desigual do mundo. O neoliberalismo tem sido de fato nada mais que um aparato discursivo para justificar políticas de concentração de renda, e o que entrega é o aumento da riqueza em mãos dos super-ricos. Em 2016, o índice Gini (um dos parâmetros de desigualdade usados no mundo) calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) voltou a subir depois de 22 anos de queda. [70] A mesma política econômica que atirou mais de 4 milhões de pessoas na extrema pobreza produziu, só em 2017, um aumento de 39% no número de bilionários brasileiros. O Brasil levou quinhentos anos para produzir 31 bilionários e somente o ano de 2017 para produzir mais doze deles. Enquanto o país agonizava, o patrimônio dessas pessoas cresceu, em média, 13% em 2017. Hoje, os cinco homens mais ricos do Brasil têm riqueza correlata à da metade da população mais pobre. Ou seja, cinco cidadãos têm no Brasil a riqueza equivalente a mais de 100 milhões de pessoas. [71]

O colapso social descrito aqui se reflete no aumento da violência que assombra nossas famílias. Em 2016 tivemos 57.549 assassinatos registrados, enquanto em 2017 tivemos mais de 60 mil. [72] Contando com as mortes causadas por intervenção policial, tivemos cerca de 70.200 óbitos em 2016, o que equivaleu a 12,5% das mortes violentas em todo o planeta! [73] Mais um título mundial terrível para nós: o país que mais mata no mundo. O Atlas da Violência de 2018 trouxe outra comparação alarmante. Nos últimos onze anos, por volta de 553 mil pessoas foram assassinadas no Brasil. Na Síria, em sete anos de guerra, a ONU estima cerca de 500 mil mortos. Ou seja, nos últimos onze anos, o Brasil teve mais assassinatos que um país em guerra civil há sete anos.

Infelizmente, o que nosso governo atual promete em relação a esse quadro é distribuir ainda mais armas, autorizar a posse e o porte, para que alunos torturados mentalmente possam facilmente transformar o Brasil numa filial dos assassinatos em massa típicos dos EUA.

A violência é um fenômeno de múltiplas causas. Mas todos os fatores que pressionam os índices de violência pioraram no Governo Temer: a miséria, a desigualdade, a sensação de impunidade e de injustiça, o mau exemplo das autoridades.

O país que temos hoje é, na medida das pioras descritas, um produto tanto do estelionato eleitoral do PT quanto do golpe, apoiado por Bolsonaro, que para derrubar uma presidente legítima ajudou a implodir a economia com uma série de pautas-bombas cujo objetivo era somente o de enfraquecê-la. A imagem da classe política se degradou terrivelmente em todo esse processo, a ponto de, em 2017, pesquisa da Latinobarômetro 74 informar que, para 97% dos brasileiros, “o país está governado por alguns grupos poderosos em seu próprio benefício”.


A QUEDA NO ABISMO

Foi nesse ambiente social, econômico e político dramático que chegamos ao processo eleitoral de 2018. Precisávamos então visceralmente de um debate amplo, racional e aberto na sociedade sobre nossa história, problemas e propostas. Precisávamos de uma campanha responsável para que saíssemos das eleições com um projeto discutido pela sociedade e por ela legitimado, que tivesse força o suficiente para superar a pior crise de nossa história.

Mas a campanha acabou se tornando mais um componente de aprofundamento da crise.

Creio que a grande maioria dos brasileiros, concordando ou não comigo, reconheceria que eu fui o candidato que mais se esforçou por promover um debate racional e propositivo na campanha, em cima de problemas e propostas. Outros candidatos, em maior ou menor medida, também tiveram uma postura séria a esse respeito, como João Amoedo, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Marina Silva, João Goulart Filho e Guilherme Boulos.

Mas a eleição infelizmente acabou dominada pelo ódio e a polarização irracional causada pela prisão de Lula e o atentado a Bolsonaro. A estratégia da direita estava montada desde o início: manter a esquerda dividida e atrair o centro, trazer a eleição para questões comportamentais e paixões ideológicas e evitar a todo custo que o país discutisse em profundidade sua situação e os resultados do Governo Temer, menos ainda propostas para sair dela.

O que o país não pode esquecer é que, para essa estratégia ter dado certo, ela precisou ter sido encampada pelo PT. A esse partido, que venceu as últimas quatro eleições sem programa claro, interessavam a polarização promovida por Bolsonaro e uma campanha emocional e irracional, que se valesse da comoção sobre a prisão de Lula e da oposição às aberrações defendidas pelo candidato de extrema direita. Dessa forma, a atual burocracia do PT evitaria ter que explicar as terríveis acusações de corrupção generalizada e o estelionato eleitoral do segundo Governo Dilma, aumentando suas chances de manter sua base eleitoral. A burocracia do PT apostou na radicalização do país, dançando na beira do abismo.

Como sabemos, tragicamente para o Brasil, essa estratégia foi muito bem-sucedida para Bolsonaro e para o PT. Ao transformarem as eleições num circo de fake news e debates sobre absurdos, Bolsonaro venceu, o PT sobreviveu e o Brasil foi atirado no abismo do neoliberalismo, do protofascismo, do colonialismo norte-americano e do governo tecnicamente mais desqualificado da história brasileira.

Essa estratégia também contou com a cumplicidade de grande parte da imprensa brasileira. Nunca poderei esquecer que Bolsonaro foi à bancada do Jornal Nacional entregar algo que ele chamou de “kit gay”, como se tivesse sido distribuído pela gestão de Haddad em nossas escolas. O jornalismo da Globo tinha obrigação de ajudar a desmentir essa afirmação absurda, mas se limitou a um tímido e discreto desmentido.

É bastante evidente que o uso maciço de divulgação de fake news por WhatsApp interferiu no ambiente e no resultado eleitoral. Produziam-se falsas peças de “reportagens” que eram distribuídas em massa, em sua maioria por redes bolsonaristas, mas também por redes petistas. Tudo leva a crer que esse uso foi criminoso não só pelo conteúdo, mas pela forma de financiamento milionário e distribuição, segundo reportagem da Folha de S.Paulo. 75 Diante dos indícios de crime de caixa dois, o PDT entrou com Ação de Investigação Judicial contra a coligação de Bolsonaro, ação que foi aceita, instaurada e ainda corre no TSE a passos de tartaruga manca.

1 Madison Project Database, 2018.

2 World Bank Data. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.PP.CD?
 locations=CN-BR
3 Unctad. Handbook of Statistics, 2017. Disponível em: http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/tdstat42_en.pdf

4 IBGE. Séries históricas e estatísticas. População e demografia. Disponível em: https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=10&op=0&vcodigo=CD106&t=taxa-media- geometrica-crescimento-anual-populacao

5 “Rentismo” é uma palavra derivada de “rentista”, que significa quem vive de rendas financeiras, sejam elas derivadas de aluguéis, ou recebimento de juros decorrentes de empréstimos privados, ou títulos do governo. “Rentismo” significaria, portanto, a defesa dessa forma de vida para uma elite da população que quer que o Estado sustente seu padrão de vida sem correr riscos ou produzir nada, vivendo dos rendimentos de títulos do tesouro, fundos de investimentos baseados neles, CDBs, enfim, todos os papéis que tem seus rendimentos atrelados à taxa de juros paga pelo governo.

6 BARBOSA, Nelson. “Juros pagos pelo setor público: o total caiu em proporção do PIB, mas os pagamentos reais continuaram a subir em 2017.” Blog do Ibre, fev. 2018. Disponível em: http://blogdoibre.fgv.br/posts/juros-pagos-pelo-setor-publico-o-total-caiu-em-proporcao-do-pib-mas-os-pagamentos-reais

7 Banco Central. Necessidades de financiamento do setor público, Fluxos mensais. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pec/Indeco/Port/indeco.asp. Acessado em 18 de maio de 2018.

8 Receita Federal. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2018/janeiro/receita-arrecadou-r-1-34-trilhao-em-2017

9 BARBOSA, Nelson. Op. cit.

10 FERNANDES, Adriana. “Investimento público cai para 1,17% do PIB e atinge o menor nível em 50 anos.” Estado de S. Paulo, abr. 2018. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,investimento-publico-cai-para-1-17-do-pib-e-atinge-o-menor-nivel-em-50-anos,70002285682

11 Entrevista de Raul Velloso. DOCA, G.; JUNGBLUT, C. “Dados oficiais mostram que governo Geisel investiu mais do que gestão de Lula.” O Globo, mar. 2010. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/politica/dados-oficiais-mostram-que-governo-geisel-investiu-mais-do-que-gestao-de-lula-3042574

12 Receita Federal. Análise da arrecadação das receitas federais – dezembro/2016. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/relatorios-do-resultado-da-arrecadacao/arrecadacao-2016/dezembro2016/analise-mensal-dez-2016.pdf

13 Esses três fatores serão terrivelmente agravados com a crise do novo coronavírus.

14 Banco Central. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries. Acessado em 18 de maio de 2018.

15 O superávit primário gerado somente pelo governo federal e Banco Central, excetuando-se o das empresas estatais, foi de 3,25% do PIB, também o maior da série histórica.

16 Isso, a valores de hoje, corrigidos pelo IGP-M, equivaleria a R$388,6 bilhões, menos do que o Brasil pagou só de juros em 2017. Ipeadata. Produto Interno Bruto (PIB); Dívida mobiliária interna federal. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br

17 CERQUEIRA, Ceres Aires. Dívida externa brasileira. Banco Central do Brasil: Brasília, 2003. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/Infecon/DividaRevisada/03%20Publica%C3%A7%C3%A3o%20Completa

18 A dívida pública brasileira. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2005. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/Livro%20DIVIDA%20PUBLICA.pdf

19 Idem.

20 IBGE. Séries históricas e estatísticas. Carga tributária bruta. Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=SCN49

21 CERQUEIRA, Ceres Aires. Op. cit.

22 Ipeadata. Produto Interno Bruto (PIB); Dívida mobiliária interna federal. Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br

23 Ipeadata. Produto Interno Bruto (PIB); Dívida pública total (líquida). Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br/exibeserie.aspx?serid=3838824

24 CAMPOS, A.; BARBOSA, A.; POCHMANN, M.; AMORIN, R.; SILVA, R. Atlas da exclusão social
volume 3: Os ricos no Brasil. 2a ed. São Paulo: Cortez Editora, 2004.

25 “Câmbio flutuante” é uma forma de se determinar o valor de troca da moeda nacional por outras moedas fundamentalmente na oferta e demanda do mercado. O governo influenciaria o mínimo possível a determinação desse valor, e para evitar flutuações mais bruscas neste lançaria mão de compra e venda de moeda nacional com os recursos de suas reservas internacionais.

26 Banco Central. Histórico das taxas de juros. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp

27 Banco Central. Portal de dados abertos. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarGraficoPorId&hdOidSeriesSelecionadas=4536

28 Banco Central. Cotações e boletins. Disponível em: http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?id=txcotacao

29 Valores de abril de 2018 pelo IGP-M. Banco Central. Calculadora do cidadão. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?
method=exibirFormCorrecaoValores&aba=1

30 Banco Central. Histórico das taxas de juros. Op. cit.

31 É a diferença entre o preço de compra e venda de uma ação, título ou transação monetária. Geralmente, se refere à diferença entre o juro que o banco paga para receber um capital e o juro que ele cobra para emprestar o mesmo capital, este último certamente maior.

32 Receita Federal. Desonerações instituídas. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/renuncia-fiscal

33 Em série histórica com metodologia já em desuso e contabilizando a participação da indústria como um todo no PIB, chegou-se a 35,9% em 1980. Fiesp. Panorama da Indústria de
Transformação brasileira, 18a edição, 2019. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/panorama-da-industria-de-transformacao-brasileira/

34 Fiesp. Panorama da Indústria de Transformação brasileira, 14a edição, 2017. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/panorama-da-industria-de-
transformacao-brasileira/. Acessado em 18 de maio de 2018.

35 BONELLI, R. & PESSÔA, S. Desindustrialização no Brasil, um resumo da evidência. Rio de
Janeiro: FGV, 2010. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11689/Desindustrializa%C3%A7%C3%Asequence=1

36 BONELLI, R. & GONÇALVES, R. Para onde vai a estrutura industrial brasileira. Rio de Janeiro: Ipea, 1998. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3806

37 Vale. Índices de minério de ferro. Disponível em: http://www.vale.com/mozambique/PT/business/mining/iron-ore-pellets/Paginas/Iron-Ore-Indices.aspx

38 Banco Central. Cotações e boletins. Op. cit.

39 Banco Central. Histórico das taxas de juros. Op. cit.

40 COSTAS, Ruth. “Escândalo da Petrobras ‘engoliu 2,5% da economia em 2015’.” BBC Brasil, dez. 2015. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151201_lavajato_ru

41 IBGE. Escolho o ano de 2014 como parâmetro para não contaminar a avaliação com o efeito
desindustrializante da Operação Lava Jato.

42 Pnud. Relatório de Desenvolvimento Humano 2005.

43 Pnud. Relatório de Desenvolvimento Humano 2017.

44 MÁXIMO, Wellton. “Desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015, revela estudo.” Agência Brasil, set. 2017. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-09/desigualdade-de-renda-no-brasil-nao-caiu-entre-2001-e-2015-revela-estudo

45 HALL, K.; HERDY, T.; AMADO, G. “O braço americano da Lava Jato.” Época, jul. 2019. Disponível em: https://epoca.globo.com/mundo/o-braco-americano-da-lava-jato-23782895

46 Projeto de Lei Orçamentária Anual – Ploa 2017. Disponível em: http://www.orcamentofederal.gov.br/clientes/portalsof/portalsof/orcamentos-anuais/orcamento-2017/p_ploa

47 “Após impeachment, Senado transforma pedaladas fiscais em lei.” Jornal do Brasil, set. 2016. Disponível em: https://www.jb.com.br/index.php?id=/acervo/materia.php&cd_matia=820982&dinamico=1&preview=1

48 “A lista de Eduardo Cunha.” O Globo, jul. 2017. Disponível em: http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2017/07/lista-de-eduardo-cunha.html. Acessado
em 18 de maio de 2018.

49 “EUA espionaram Petrobras, dizem papéis vazados por Snowden.” BBC Brasil, set. 2013.
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130908_eua_snowden_petrobras_dilma_mm

50 CORRÊA, Alessandra. “ONU aprova resolução contraespionagem apresentada por Brasil e
Alemanha.” BBC Brasil, dez. 2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131218_onu_espionagem_ac

51 BARBOSA, Nelson. Op. cit.

52 Lei Orçamentária Anual – 2017. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/orcamento-anual-de-2017

53 Lei Orçamentária Anual – 2018. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/orcamento-anual-de-2018

54 O valor chega a R$323,7 bilhões se contabilizarmos os R$22,4 bilhões referentes à contribuição patronal ao regime próprio dos servidores.

55 Lei Orçamentária Anual – 2018. Op. cit.

56 Relatório anual da dívida pública federal – 2018. Receita Federal. Disponível em:
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/relatorio-anual-da-divida

57 Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. Sonegômetro. Disponível em:
http://www.quantocustaobrasil.com.br/

58 “Dívida do governo bate novo recorde em março.” Estado de S. Paulo, abr. 2018. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,setor-publico-tem-rombo-de-r-25-135-bilhoes-em-marco,70002289680

59 Orçamento anual de 2018. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/2018/orcamento-anual-de-2018

60 MÁXIMO, Wellton. “Déficit primário somou R$ 120,3 bilhões em 2018.” Agência Brasil, jan. 2019. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-01/deficit-primario-somou-r-1203-bilhoes-em-2018

61 IBGE. “Desemprego volta a crescer no primeiro trimestre de 2018.” Agência IBGE, abr. 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-volta-a-crescer-no-primeiro-trimestre-de-2018.html

62 IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Pnad Contínua. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=series-historicas

63 AGUIAR, Adriana. “Reforma trabalhista não gerou volume de empregos esperado.” Valor
Econômico, nov. 2018. Disponível em: https://www.valor.com.br/legislacao/5969407/reforma-
trabalhista-nao-gerou-volume-de-empregos-esperado

64 PARADELLA, Rodrigo. “Desemprego sobe para 12,4% e população subutilizada é a maior desde
2012.” Agência IBGE, mar. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24110-desemprego-sobe-para-12-4-e-populacao-subutilizada-e-a-maior-desde-2012

65 Relatório anual da dívida pública federal – 2018. Receita Federal. Op. cit.

66 Relatório anual da dívida pública federal – 2019. Receita Federal. Disponível em:
http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/cosis/thot/transparencia/arquivo/31542:1064336:inline:2808228373

67 Tesouro Nacional. Séries temporais. Custo médio mensal da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi). Disponível em: https://sisstn.tesouro.gov.br/series-temporais-ext/#/68 VILLAS BÔAS, Bruno. “Pobreza extrema aumenta 11% e atinge 14,8 milhões de pessoas.” Valor Econômico, abr. 2018. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/5446455/pobreza-extrema-aumenta-11-e-atinge-148-milhoes-de-pessoas

69 PRENGAMAN, P.; DILORENZO, S.; TRIELLI, D.. “Em 2 anos, milhões ficam abaixo de pobre no Brasil e ganham menos de R$ 140.” Uol, 2017. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/10/24/pobreza-miseria-brasil-recessao.htm?cmpid=copiaecola

70 COSTA, D.; GONÇALVEZ, K.. “Com crise, desigualdade no país aumenta pela primeira vez em 22 anos.” O Globo, mar. 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/com-crise-
desigualdade-no-pais-aumenta-pela-primeira-vez-em-22-anos-21061992

71 “Super-ricos estão ficando com quase toda riqueza, às custas de bilhões de pessoas.” Oxfam Brasil, jan.2018. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/noticias/super-ricos-estao-ficando-com-quase-toda-riqueza-as-custas-de-bilhoes-de-pessoas

72 O número de 59.109 homicídios ainda não conta com os números completos de Tocantins e Minas Gerais e não leva em conta os mortos em decorrência de ação policial. CAESAR, G.; REIS, T. “Brasil registra quase 60 mil pessoas assassinadas em 2017.” G1, mar. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/brasil-registra-quase-60-mil-pessoas-assassinadas-em-2017.ghtml

73 CHADE, Jamil. “Brasil tem maior número de mortes violentas do mundo.”Estado de S. Paulo, dez. 2017. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-maior-numero-de-mortes-violentas-no-mundo-diz-entidade,70002111415

74 Latinobarômetro 2017. Disponível em: http://www.latinobarometro.org/LATDocs/F00006433-
InfLatinobarometro2017.pdf

75 MELLO, Patrícia Campos. “Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp.” Folha de S.Paulo, out. 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml

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