sexta-feira, 26 de junho de 2020

PND - AS RAÍZES DA CRISE ECONÔMICA - PROMETEU ACORRENTADO



AS RAÍZES DA CRISE ECONÔMICA - PROMETEU ACORRENTADO

A crise da dívida dos anos 1980 foi um ponto de inflexão que encerrou cinquenta anos de crescimento brasileiro. A subida abrupta dos juros externos norte-americanos nos lançou na espiral da dívida e no desequilíbrio do balanço de pagamentos que, de várias formas diferentes, tem limitado
nosso crescimento a surtos esporádicos que não se sustentam. Quis a história ainda, num de seus enredos trágicos, que ao mesmo tempo que as premissas do modelo mudaram e ele sucumbiu, não discutíssemos, como nação, suas alternativas, pois estávamos tentando construir a unidade política necessária para a restauração da democracia.

Como exemplo, lembro que as reuniões políticas para redemocratizar o país tinham o católico mineiro Tancredo Neves, o democrata-cristão Franco Montoro, o católico conservador do interior de São Paulo Ulysses Guimarães, o usineiro de Alagoas Teotônio Vilela, o socialista Miguel Arraes, o trabalhista que pegou em armas contra o golpe, Leonel Brizola, o comunista João Amazonas, que liderou a guerrilha do Araguaia, o comunista e materialista Luís Carlos Prestes, e o então jovem líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, para citar o nome de algumas figuras a quem os democratas brasileiros muito devemos. Não poderíamos discutir economia política, pois simplesmente a segunda reunião não aconteceria. O que permitiu a obra histórica deste e de muitos outros brasileiros, entre os quais me incluo, de restaurar a democracia brasileira, foi a capacidade de superar as profundas diferenças em nome do foco na agenda que se impunha na emergência de então: anistia, eleições diretas e Assembléia Nacional Constituinte. Por essa razão concreta, a reconstrução da democracia, a minha geração acredita no milagre que a política é capaz de fazer. Contra um inimigo que parecia imbatível, ganhamos todas. Por isso, aqui, apelo a todos os brasileiros, especialmente aos jovens, que se livrem da descrença e do medo, quando não da depressão pura e simples, porque participar da política, energizá-la, produz resultados históricos. Porém, esse consenso superficial e raso deformou toda uma geração que ainda hoje está jogando o jogo da política no Brasil. Praticamente ninguém quer debater o que interessa, o problema econômico, suas raízes, extensão e solução. Este livro tenta de novo suplicar por esse debate. Esse papel é das forças progressistas, porque, para os beneficiários da ordem de privilégios para as minorias e miséria de massa e falta de perspectiva para as maiorias populares, nada precisa ser feito, basta cruzar os braços e deixar as coisas como estão. Outro número. Hoje, cinco brasileiros acumulam renda igual às posses dos 100 milhões de brasileiros mais pobres, depois de 25 anos de governos autointitulados social-democratas ou de esquerda.

Por tudo isso, escolho esse período, o início dos anos 1980, uma das origens mais distantes da crise econômica pela qual estamos passando agora, como ponto de partida simplificado de nossa análise aqui.

Há outro índice que serve para medir não só o volume, mas o nível de modernidade de uma economia. Quando o choque da armadilha da dívida nos atingiu em 1980, nosso país detinha o mesmo 1% de participação no comércio mundial que a China, tendo seis vezes menos população. Tínhamos um PIB per capita (riqueza produzida em média por habitante) de US$ 5.052, enquanto o da China era de US$ 1.690. [1] Deixe-me sublinhar este número. Ontem, sob o ponto de vista histórico, éramos um país três vezes mais rico do que a China.

Quando assumi o Ministério da Fazenda em 1994, nosso PIB per capita ainda era menor do que o que tínhamos em 1980. Quanto à comparação com a China, em 2016, o PIB per capita (PPP) desse país ultrapassou o brasileiro. [2] Nossa participação no comércio mundial permaneceu estagnada por 36 anos, enquanto a chinesa subiu para cerca de 11,5%. [3] Entre 1981 e 2018 o Brasil cresceu em média somente 2,2%, enquanto sua população cresceu, em média, em torno de 2% ao ano entre 1980 e 2010. [4] Em outras palavras, estamos praticamente parados.

Essa tragédia é tanto maior quando pensamos que nesse período automatizamos e informatizamos grande parte de nossa economia, o que significa a eliminação relativa de milhares de postos de trabalho, e que recebemos por ano cerca de 2 milhões de jovens procurando o primeiro emprego. Nos próximos anos, essa tendência só vai se acentuar. O Brasil não tem opção, tem que voltar a crescer.

Nos últimos 38 anos foram somente três períodos de crescimento relativo: momentos do Governo José Sarney, o Governo Itamar Franco (somado ao primeiro ano de FHC) e o Governo Lula (que apesar disso ocorreu em contínua desindustrialização). Nos três, crescimento insustentável por ciclos de consumo sem nenhuma correspondência em iniciativas que alterassem nossa matriz de produção.

Ou seja, cresce o consumo em voos de galinha, logo seguido de queda pela desindustrialização contínua e selvagem que experimentamos no período. Por quê? Defendo que isso se deva a três razões, que explorarei historicamente neste capítulo:

1. Estrangulamento do passivo das empresas privadas – Depois de três décadas sobrevivendo aos juros mais altos do mundo, esse custo não tem mais como ser repassado para os preços oligopolizados, por causa da abertura econômica. A maioria das trezentas maiores empresas brasileiras hoje não consegue mais fazer caixa sequer para pagar parcela vencida de suas dívidas com os bancos. Não podemos prosseguir por muito mais tempo nesse rumo sem arriscarmos acabar numa crise bancária.

2. Colapso das finanças públicas – O rentismo [5] desenfreado comprometeu em 2017 6,1% do PIB nacional com pagamento de juros líquidos do setor público, com a incrível quantia de R$ 400,8 bilhões paga em juros. [6] Só a União gastou R$ 340,9 bilhões desse bolo. [7]

Como a arrecadação federal em 2017 foi de R$ 1.342 trilhão, [8] isso é equivalente a 25,4% de tudo o que foi arrecadado gasto em juros. Mas é importante lembrar que não estamos conseguindo tirar um centavo de nossa arrecadação para pagá-los. O descontrole é tanto que toda a nossa conta de juros está sendo coberta por novas emissões de títulos públicos. Ou seja: dívida sobre dívida, ou, se quisermos ser rasos, estamos vendendo o almoço para comprar o jantar.

É importante aqui lembrar que, seguindo a mesma metodologia de cálculo, em 2015 gastamos 8,4% do PIB em juros, [9] que é a medida que, em conjunto com a queda brutal de arrecadação, explica o começo da explosão da dívida pública no segundo Governo Dilma, abrindo o caminho para o corrupto Eduardo Cunha, energizado pela inacreditável entrega da estatal Furnas ao seu controle pelo Governo Lula, executar sua sabotagem política.

Em 2017, a taxa de investimento da União, estados e municípios juntos foi de somente 1,17% do PIB. [10] Até 2019, havia sido o menor volume relativo de investimento desde que o Brasil começou a levantar esse número. A União sozinha tinha orçado investir 0,4% do PIB. Só para se ter uma ideia, em 1976, no Governo Geisel, os investimentos da União, excluindo os das estatais, atingiam sozinhos 1,9% do PIB. [11] Esse quadro de descontrole dos juros é um dos maiores fatores da falência do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, mais 17 dos 27 estados da Federação. E essa falência realimentou num círculo vicioso a queda contínua de arrecadação, que caiu 2,96% em 2016 em termos reais em relação a 2015. [12] Como se não bastasse, o Governo Bolsonaro conseguiu bater também mais esse recorde em um único ano de governo. Em 2019, a taxa de investimento do governo federal atingiu 0,35%, a menor taxa de investimento da história.

3. Ausência de um projeto nacional de desenvolvimento – A prostração ideológica neoliberal conseguiu trazer setores inteiros da economia do Estado para o mercado, através da propaganda desmoralizante contra a suposta “ineficiência” e “corrupção” das empresas públicas e promotora da promessa de “eficiência” e “honestidade” do investimento privado, que supriria os motores estatais do desenvolvimento. No Ocidente, em especial na América Latina, esse movimento veio em sentido oposto ao dos países asiáticos, que mantiveram a associação harmoniosa entre mercado e Estado e se tornaram os mais dinâmicos do capitalismo contemporâneo, assumindo o papel de locomotivas da economia mundial.

Desmontaram grande parte do Estado brasileiro em nome do equilíbrio das contas públicas, enquanto o saqueavam com os juros reais mais altos do mundo. O resultado está aí. País estagnado e grande parte das maiores empresas brasileiras apanhada na Operação Lava Jato corrompendo o poder público. Afinal de contas, quando é que um agente estatal foi corrompido sem um agente privado corruptor que o tivesse cooptado para desviar a gestão do público para o interesse privado? Só na propaganda neoliberal. Sem uma diretriz clara nem volumes significativos de investimentos estatais que deem segurança ao empresário quanto à sustentação do ciclo de desenvolvimento, não há investimento privado significativo. Torramos cerca de metade de nosso patrimônio público nas privatizações de FHC em troca de títulos podres ou preços muitas vezes meramente simbólicos, e, ao invés de dinamizar nossa economia, a estagnamos. [13] Como a história nos trouxe a essa tragédia?

INFLAÇÃO DERROTADA

O primeiro flagelo legado pela crise da dívida foi o descontrole inflacionário. Com o súbito buraco em nosso balanço de pagamentos com o exterior, nossa moeda se depreciou e começou a necessidade crônica de captação de recursos externos para fechar essa conta. Só que tínhamos então todas as portas fechadas para isso. De maneira que a inflação no Brasil não era, como ensinam os manuais de economia, uma doença da moeda, mas sim um mecanismo perverso que atendia a dois objetivos muito práticos, o financiamento de um Estado falido e a criação do mecanismo hoje replicado nos juros altos.

Neste último, títulos do governo indexados até diariamente faziam parte do baronato brasileiro ganhar muito dinheiro com a carestia que matava nosso tecido econômico e humilhava nosso povo.

Assim, de 1981 a 1994, vivemos a corrosão cotidiana da inflação que concentrava renda e acelerava a ciranda financeira de uma elite econômica que tinha ficado viciada em correção monetária e ganhos improdutivos.

É muito importante o brasileiro entender algo sobre esse nosso passado recente, algo que permanece nos destruindo até hoje. Inflação é doença da moeda, e como tal empobrece a todos. Por causa disso, ela sempre reúne em pouco tempo um consenso político no sentido de sua erradicação ou promove rupturas, tal como aquela que levou Hitler ao poder na Alemanha. Mas no Brasil tivemos três décadas de inflação acima de 20% sem nunca mexer no cerne da questão. Por quê? Porque nós inventamos uma moeda para os ricos que tinham excedente e estavam no sistema bancário: a correção monetária (que repunha primeiro mensalmente e depois diariamente as perdas da inflação).

Enquanto isso, os pobres e a classe média ficavam com a moeda em espécie, que no fim do mês já tinha derretido em valor de compra ou como reserva de valor.

A inflação era tributo cobrado dos pobres e dado aos ricos. Ninguém remediado neste país realmente tinha interesse pessoal no fim da inflação e de seu alimentador inercial, a correção monetária. Nunca nenhum manual de economia do mundo entendeu essa peculiaridade brasileira. Não há um paper que eu conheça produzido em qualquer academia respeitável que demonstre essa obviedade. A inflação no Brasil, ao contrário dos manuais, não era, como já disse, uma doença da moeda, mas sim uma negociata, como hoje segue sendo a especulação financeira.

Mas com o impeachment de Collor surgiu na história do país um presidente chamado Itamar Franco. Depois de o Brasil ter passado pela hiperinflação e o caos político do Governo Collor, por duas moratórias da dívida externa e sucessivos planos econômicos que envolveram desde congelamento de preços ao confisco de poupanças, Itamar estava determinado a enfrentar os poderosos interesses por trás da inflação e da correção monetária, e reuniu uma maioria política e um grupo de economistas para isso. Foi concebido e lançado o Plano Real, que eu tive a honra de administrar num momento crítico de sua consolidação.

Quando fui chamado por Itamar para assumir o Ministério da Fazenda, a inflação projetada para o mês estava em 3%, além de haver ágio estabelecido em certos setores e uma pressão generalizada de desabastecimento na economia brasileira. Nessas circunstâncias, com a capacidade instalada da produção brasileira 100% ocupada trabalhando algumas vezes a três turnos e a taxa de desemprego ao seu menor nível histórico, só havia uma chance de salvar a estabilização e não deixar o Plano Real morrer da mesma doença que matou o Plano Cruzado: um choque de oferta. Então o fiz, explicitamente garantindo que aquilo não era paradigma de política industrial e comércio exterior, apenas uma medida emergencial. Antecipei a vigência da tarifa externa comum do Mercosul e baixei as tarifas alfandegárias naqueles segmentos de produtos em que estava havendo ágio e desabastecimento, portanto, pressão inflacionária. Importando mais barato as mercadorias que o consumidor brasileiro queria comprar, acabamos com o jogo do ágio que quase enterrou o Real.

Recebi naquele momento o câmbio sobrevalorizado e os juros muito altos, que deveriam, como repeti exaustivamente na época, ser expedientes temporários em direção a um novo governo que fosse capaz de, para além do tratamento tópico da febre, que era a inflação, trabalhar a verdadeira infecção, que era o colapso do modelo econômico. Isso evidencia que não estou engessado por interdições ideológicas na gestão econômica que se sobreponham ao interesse nacional brasileiro. Tais expedientes foram, naquele momento, fundamentais para controlar os preços dos produtos afetados pelo dólar e garantir a moeda nascente através do fluxo de dólares para um país sem reservas. Os juros elevados naqueles primeiros meses tinham ainda outra função essencial: proteger o Brasil de uma crise bancária, compensando transitoriamente o inflado sistema bancário nacional, viciado em inflação, pela receita perdida com o antigo ganho inflacionário. Isso garantiria uma transição menos abrupta para o sistema. Sem esse “antibiótico” monetário e cambial, não teríamos conseguido nos livrar das pressões inflacionárias do câmbio e teríamos enfrentado uma crise bancária de consequências imprevisíveis. Poderíamos ter sido derrotados pela memória inflacionária.

Mas não fomos. Fizemos o que era preciso e fomos muito bem-sucedidos naquela missão histórica.

A superinflação foi finalmente derrotada. Entreguei o comando da economia a Pedro Malan, o ministro da Fazenda de FHC, com inflação de um dígito e profunda saúde fiscal, tendo ajudado a consolidar o maior superávit primário da história, de 5,21% do PIB. [14] Para alcançar este resultado, estados e municípios contribuíram com um superávit de somente 0,77% do PIB. [15] O Brasil tinha então uma módica dívida interna de R$ 61,7 bilhões [16] e uma dívida externa de US$ 119 bilhões. [17] O total da dívida líquida consolidada do setor público (a soma das dívidas e dos créditos internos e externos do Estado) em relação ao PIB estava num dos níveis mais baixos dos últimos quarenta anos: 30,01% do PIB. [18] Era chegada a hora da segunda fase do Plano, necessária para a estabilização: a limpeza das contas públicas e a elevação das receitas do Estado, que garantissem uma suave mas progressiva desvalorização do câmbio e a diminuição das taxas de juros, criando o círculo virtuoso de crescimento que caracteriza as economias saudáveis.

Porém, com o fim da ciranda inflacionária, a elite brasileira logo viu nas altas taxas de juros o novo imposto para continuar a tirar dos pobres para dar aos ricos: foi o início do vício do rentismo.

O NOVO RENTISMO

Os dois primeiros anos do Real geraram uma bolha de consumo que sustentou a popularidade de FHC no início de seu governo. Com o fim do imposto inflacionário, a população que não tinha como se proteger da inflação experimentou um súbito aumento do poder de compra. Como toda essa “sobra” de dinheiro foi para o consumo, o aumento das importações gerou a necessidade de dólar e fez disparar o seu preço. Isso forneceu a desculpa que o sistema financeiro e a elite viciada em ganhos fáceis queriam para manter os juros mais altos do mundo: atrair dólares para ganhar com nossa dívida, e diminuir o crédito e o consumo para controlar a inflação.

Para minha grande decepção, o partido que eu tinha ajudado a fundar para implantar uma social-democracia no Brasil, o PSDB, e o plano econômico que tinha ajudado a consolidar, o Real, se desvirtuaram completamente durante o Governo FHC, se deixando corromper pelos interesses do novo rentismo e pela embriaguez eleitoreira de uma emenda de reeleição obtida por suborno. Logo após a posse, esses novos protagonistas da vida econômica passaram a comandar o governo e a submeter todas as outras frações do capitalismo nacional, cooptando a maioria da classe política. Ou seja, o Plano Real foi uma iniciativa muito séria, mas era como uma espécie de antipirético, um comprimido para febre. Melhor explicando: a inflação não era a doença; era, como as febres, um sintoma das doenças. É preciso tratar a febre alta, mas, controlada a febre, é preciso levar o paciente a identificar a infecção. Essa sim é a doença. A doença era o colapso do modelo e a febre era a inflação. FHC experimentou a popularidade extraordinária do fim da febre e em vez de levar o paciente para a terapia ou cirurgia, levou o paciente para o baile funk, se é possível tratar com bom humor com esse momento crítico de nossa história.

Esse quadro me obrigou ao rompimento com o partido e o governo assim que consumada a traição ao plano de estabilização. Acho importante lembrar que, se estivesse na época movido por uma ambição vazia e oportunista, eu, naquele momento jovem ex-governador mais popular do país e ex-ministro do Real, teria ficado montado na máquina esperando concorrer à presidência pelo governo, acumpliciado com a plutocracia e os interesses internacionais. Em vez disso, fui para um período de estudos em Harvard, me afastando temporariamente da vida política e correndo o risco de para ela não poder retornar. Um político que se afasta da vida pública, como eu já fiz duas vezes nestes 40 anos, dificilmente volta com relevância. Ainda mais se o fizer para enfrentar os poderosos, e não para se acumpliciar com eles. E foi exatamente o que eu fiz quando voltei: me filiei sozinho a um partido então minúsculo, o PPS, que tinha apenas dois deputados, para denunciar a grave manipulação da séria iniciativa, porém precária, do Plano Real pelo Governo FHC e esse processo que viria a destruir as contas públicas brasileiras e nossa economia industrial.

Todas essas críticas saíram em artigos semanais no Jornal do Brasil, Estado de S. Paulo ou nos livros que publiquei. Da mesma forma saíram as críticas sobre o que eu via como uma falta de projeto do PT, que incrivelmente tinha se posicionado contrário ao Governo Itamar Franco, mesmo tendo sido um dos principais responsáveis pelo impeachment de Collor, e ainda mais inacreditavelmente se colocado contra o Plano Real.

Infelizmente, tudo se deu como denunciei. A estabilização seguiu ancorada nos juros escorchantes e câmbio sobrevalorizado, novos vícios destrutivos da elite nacional dos quais ela não se livrou até hoje. Quando FHC entregou o governo em 2002, o custo médio anual da dívida interna ainda era de 27,6% [19] contra uma inflação de 12,53%, o que significava juros reais de cerca de 15%. Quando falo esses números em seminários internacionais, as audiências se recusam a acreditar. Já a política cambial foi, por quatro anos, uma dolarização disfarçada, que, acompanhada de reformas e abertura de mercado, devastou nossa indústria. Quanto ao processo de privatizações, não serviu ao objetivo de modernização ou ajuste das contas públicas, mas somente ao de entregar criminosamente metade do patrimônio público tão arduamente construído por nosso povo durante cinquenta anos em troca de preços irrisórios e títulos podres, que só estavam ali para mascarar a mais vergonhosa doação de riqueza pública.

Concorri à Presidência em 1998 com o objetivo maior de denunciar aquela ruinosa condução de nossa economia, mas o conluio da grande imprensa com o Governo FHC impediu a realização de qualquer debate naquela eleição. Isso mesmo. Numa das maiores democracias eleitorais do planeta Terra, a grande imprensa – televisões, rádios e jornais – não promoveu nem um único debate entre os presidenciáveis. O que dá uma ideia muito concreta do poder que o novo rentismo exerce e já exercia àquela data sobre o país. Evitando o confronto comigo e com Lula, o presidente FHC se reelegeu para o que havia sido, até Dilma e Temer, o mandato mais ruinoso da história brasileira.

Ao fim desse período trágico, os números eram impressionantes e resistem a qualquer defesa.

Quando FHC toma posse, lembre-se de que eu era ministro da Fazenda no dia anterior, os números eram: de Pedro Álvares Cabral a Itamar Franco, dívida interna bruta de 37% do PIB, com correspondência de financiamento de toda uma poderosa rede de infraestrutura e de estatais. Ativos privatizáveis superiores a US$ 100 bilhões em telefonia, mineração e distribuição de energia elétrica, por exemplo. Apenas oito anos depois, a dívida pública saltava para 76% do PIB. Nossa carga tributária havia sido elevada de 26% em 1995 para 32,1%, [20] e metade de nosso patrimônio construído durante os períodos Vargas, JK e militar (inclusive Petrobras, que tem hoje quase metade de seu capital em posse de investidores nacionais e internacionais) vendida. Haviam achatado os salários do funcionalismo por oito anos e sucateado a infraestrutura do país sem a realização de uma única obra de vulto. Nossa dívida externa tinha saltado para US$ 220 bilhões, [21] e a dívida interna decuplicara em termos nominais, de R$ 61,7 bilhões para R$ 623 bilhões, [22] elevando a proporção dívida líquida/PIB de 30,01 para 59,93%. [23]

Naquele período, o país tinha quebrado três vezes e recorrido duas vezes a empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A cada vez que o fazia, entregava mais um naco de sua soberania e de seus legítimos interesses de desenvolvimento. Esse enorme aumento de carga tributária foi efetuado não para diminuir as taxas de juros, mas para pagá-las. E é esse governo que segundo parte de nossa imprensa governou com responsabilidade o país.

E isso não era tudo. Segundo estudo do Ipea de 2004, cerca de 20 mil clãs familiares, num país de mais de 200 milhões de habitantes, apropriavam-se de 70% dos juros que o governo pagava aos detentores de títulos da dívida pública. [24] Desde então, rigorosamente nada foi feito para mudar esse descalabro moral inédito no mundo. Estava estabelecida uma plutocracia rentista que controlava o sistema político. Quando Lula assina a chamada “Carta aos brasileiros”, era então parte da esquerda
brasileira que também se submetia ao modelo.

O POPULISMO CAMBIAL

Concorri às eleições de 2002 certo de que um novo ciclo teria que se iniciar no país. Novamente sem falsas promessas, alertei ao povo brasileiro que um ajuste fiscal duro no primeiro ano seria necessário.

Enfrentei uma campanha dura de desconstrução de imagem para abafar o fato de eu ter colocado o dedo na ferida da agiotagem nacional. No primeiro turno, no entanto, foram escolhidos o candidato do governo, José Serra, e Lula. Apoiei então, pela segunda vez, Lula num segundo turno presidencial.

Em seu primeiro mandato, o presidente Lula me convidou para ser seu ministro da Integração Nacional, com a diretriz expressa de viabilizar a transposição do rio São Francisco. Esse era um  projeto brasileiro que permanecia no papel desde o tempo do Império, de vital importância para enterrar a indústria da seca e a tragédia de seus fluxos migratórios. Foi uma tarefa que aceitei com muita dedicação e convicção, e que, graças a Deus, foi muito bem-sucedida. Meu entusiasmo com ela vinha do fato de conhecer o drama da seca intimamente e ter certeza de seu impacto positivo na questão.

Mais uma vez essa certeza vem da experiência acumulada em quarenta anos de vida pública. Quando governei o Ceará nos anos 1990, assumi o mandato com o estado na iminência de um colapso no abastecimento de água de Fortaleza. Correndo contra o relógio, o governo e os trabalhadores cearenses construíram um canal de 120 km em noventa dias: o Canal do Trabalhador. O abastecimento da capital de meu estado foi garantido por ele até a conclusão de outro canal para esse fim, liberando o Canal do Trabalhador para a irrigação de uma área até então praticamente desértica que hoje virou um pomar empregando milhares de pessoas. Essa foi a primeira transposição de bacia, que mostrou na prática a viabilidade da posterior transposição do São Francisco projetada e iniciada por mim.

O Governo Lula tentou realizar uma inflexão suave na política econômica, sem abandonar a ortodoxia do chamado tripé macroeconômico (câmbio flutuante, [25] metas de inflação e superávit primário). As taxas de juros iniciaram uma trajetória de queda consistente, com a taxa Selic chegando a 10,75% em dezembro de 2010. [26] O resultado é que, ao contrário do Governo FHC, foram gerados sucessivos superávits primários, derrubando a relação dívida líquida/PIB para 38,48% no fim de 2010. [27]

Mas Lula não reverteu o rentismo (manteve as maiores taxas reais de juros do mundo na maior parte de seu governo) nem o processo de desnacionalização e desindustrialização da economia (embora tenha executado políticas importantes, como a de conteúdo nacional da Petrobras, investimentos em refinarias e a reativação da indústria naval). No entanto, Lula escapou não só da estagnação que tem sido o padrão desde 1980 como também da crise econômica de 2008. Por quê?

Em minha opinião porque, além da relativa queda das taxas de juros e de políticas industriais setoriais, ele lidou bem com dois fenômenos que herdou:

1) O medo do Governo Lula fez, no fim do Governo FHC, a busca por dólar levar a moeda a ser negociada no dia 17 de outubro de 2002 a R$ 3,92 (o equivalente a R$ 11,01 em valores atuais). Seu governo entregou essa taxa, em 31 de dezembro de 2010, a R$ 1,66 no dólar comercial [28] (R$ 2,49 em valores atuais [29] ). Essa queda, possibilitada pelo grande afluxo de dólar com o valor das commodities e a compra de bônus da dívida pública, criou uma sensação de enriquecimento maior do que a lastreada no avanço do PIB, e uma bolha de consumo felicitante que, ao mesmo tempo, diminuía ainda mais a competitividade de nossa indústria.

2) O déficit crônico nas contas externas brasileiras foi mascarado por uma alta extemporânea do preço das commodities (minério de ferro, petróleo, grãos) no mercado mundial, que cobriu nosso déficit na conta de produtos manufaturados. A bonança foi bem aproveitada pelo governo para melhorar o perfil da dívida interna e externa, acumular reservas recordes e financiar a retomada do crescimento. Paralelamente, políticas sociais exitosas, assim como o aumento real do salário mínimo, elevaram o poder de consumo de nosso mercado interno. Esse ciclo virtuoso foi interrompido com a maior crise do capitalismo neste século e uma das maiores de sua história, a crise econômica de 2008, da qual o Governo Lula pareceu se sair muito bem, com um choque de crédito governamental que supriu o desaparecimento do dinheiro do mercado causado pelo pânico da crise.

A QUEDA DO PREÇO DAS COMMODITIES

O início do mandato de Dilma foi marcado pela estagnação mundial causada pela crise econômica de 2008 e por uma série de ações moralizantes e medidas que tinham a intenção de melhorar a competitividade de nossa indústria. Na Petrobras, executou uma mudança completa nos quadros da diretoria, demitindo aqueles que depois viriam a ser denunciados na Operação Lava Jato, provocando a fúria da base fisiológica do Congresso, liderada por Eduardo Cunha.

Para aumentar a produtividade industrial, depois de uma alta nos seis primeiros meses, começou a baixar a taxa básica de juros até a Selic alcançar 7,25%. [30] Paralelamente, para incentivar o consumo, pressionou o setor bancário a diminuir o spread [31] com os créditos mais baratos oferecidos pelos bancos públicos. Obrigou as prestadoras de energia a baixarem suas tarifas e tentou, via renúncia fiscal, desonerar fiscalmente a indústria.

Esta última medida, além de completamente ineficaz, causou um buraco na arrecadação federal de R$ 342 bilhões [32] entre 2011 e 2015. Esses recursos foram drenados pelas remessas de lucros das multinacionais, pressionadas por suas matrizes no momento agudo da crise, ou ainda diretamente para o bolso do empresariado nacional, que não investiu ou investirá neste país enquanto os juros pagos pelo governo remunerarem mais que a taxa de retorno médio dos negócios, e não tiver garantias da retomada dos investimentos do Estado para alavancar a economia.

No geral, a política econômica do início do primeiro mandato de Dilma fez o país crescer entre 2011 e 2013 a uma média de 3% ao ano, mesmo diante da recessão mundial. Mas então, no começo de 2013, a política de queda das taxas de juros foi abandonada rapidamente sob pressão da mídia e dos bancos, os maiores sócios do rentismo brasileiro, que fizeram uma feroz campanha sobre uma alta inexistente da inflação, a famosa “inflação do tomate”. Essa volta da alta dos juros, somada aos protestos de junho de 2013, selou o futuro do Governo Dilma, sendo uma das principais causas do desequilíbrio fiscal que se agravaria em 2014 e 2015, até chegar ao colapso no Governo Temer.

Como se não bastasse, então outra triste realidade, a da desindustrialização brasileira, novamente bateu à nossa porta. Já tivemos, em 1985, a indústria de transformação responsável por 21,8% do PIB nacional. [33] Em 2016, a indústria de transformação respondeu por somente 11,7% do PIB. [34] É verdade que a diminuição da participação da indústria no PIB é um fenômeno comum às economias avançadas.

Entre 1970 e 2007, a participação da indústria no PIB dos países da Europa Ocidental e países de língua inglesa caiu de 25% para 15%. Mas nós não somos um país desenvolvido. Os apelos a uma economia “pós-industrial” ainda são nada mais que um luxo no discurso de nações altamente industrializadas. Nos países em desenvolvimento da Ásia (incluindo a China), a participação da indústria no PIB praticamente se manteve: foi de 32% em 1970 para 31% em 2007. [35] Já nós, chegamos em 2017 a valores correlatos aos que alcançávamos em 1910. [36]

Enquanto a grande maioria da química fina usada em nossos medicamentos, componentes de nossos carros e computadores continuavam importados, o preço das commodities que sustentavam nosso padrão de consumo e comércio com o exterior despencou, voltando a níveis do início dos anos 2000. Para termos uma ideia, nos primeiros meses do Governo Dilma chegamos a vender nossa tonelada do minério de ferro a cerca de US$ 190. Em janeiro de 2016, às vésperas da derrubada de Dilma, o Brasil chegou a vendê-lo a US$ 38. [37] O governo reagiu a isso com mais populismo cambial, mantendo nossa moeda sobrevalorizada para deter a inflação, e, diante do agravamento do desequilíbrio, em vez de esclarecer nossa nova situação à população, preferiu escondê-la para disputar as eleições.

Dilma cai com o mesmo filme de FHC em 1999: passadas as eleições de 2014 o Brasil começa a desvalorizar sua moeda, levando a cotação do dólar de cerca de R$ 2,40 para aproximadamente R$ 4 em somente um ano. Ou seja, desvaloriza sua moeda em cerca de 40% [38] e atira a taxa de juros a 14,25% [39] com o ministro Joaquim Levy na Fazenda. O país, que já vivia os impactos econômicos negativos das desonerações e consequente degradação do superávit primário, da crise política e da Operação Lava Jato (que, segundo a Consultoria Tendências, [40] derrubou o PIB de 2015 em 2,5%), viveu uma tempestade perfeita. Uma associação de gângsteres no Congresso, determinados a deter a Lava Jato e a recuperar os espaços para roubar, decidiu não mais deixar Dilma governar a partir da metade de 2015. No momento de crise mais aguda do orçamento, promoveram, com o apoio do então deputado Jair Bolsonaro, uma farra fiscal com uma série de reajustes enormes e irresponsáveis ao Judiciário e ao Legislativo, ao mesmo tempo que impediam o governo de gerar receitas para bancá-las. Isso, somado aos efeitos paralisantes da Lava Jato, à queda das commodities, ao rombo dos juros, ao aumento do desemprego, das recuperações judiciais e falências, nos jogou na mais aguda crise econômica de nossa história e criou as condições políticas para o golpe de Estado que encerrou o mais longo período de normalidade democrática da República e cujos efeitos radicalizantes sentimos até hoje.

Assim terminava no Brasil a era dos governos do PT, deixando um saldo medíocre, resultado de sua falta de projeto nacional de desenvolvimento e covardia em enfrentar os verdadeiros gargalos brasileiros. De um lado, a importante política de recuperação do salário mínimo e o Bolsa Família, que, apesar de ser um programa compensatório e não emancipatório, foi fundamental para que durante algum tempo eliminássemos a miséria absoluta. Do outro, a completa falta de reformas estruturais. O resumo do saldo dessa política pode ser vislumbrado em alguns números frios. O crescimento médio do PIB no Governo FHC foi de 2,3% ao ano, nos governos do PT, 2,6%. A fatia da indústria de transformação no PIB era de 16,9% em 2003, e em 2014, de 10,9%. [41] Em 2003, o Brasil era o oitavo país mais desigual do mundo, [42] e em 2016, o 10º. [43] Segundo estudo de Thomas Piketty, [44] concentramos renda entre 2001 e 2015. A fatia da renda nacional apropriada pelos 10% mais ricos da população subiu de 54,3% para 55,3%, enquanto a apropriada pelos 10% mais pobres subiu de 11,3% para 12,3%, e a apropriada pelos 40% intermediários caiu de 34,4% para 32,4%, o que indica que o discurso de um novo país de classe média nunca passou de mera ilusão.

O EFEITO LAVA JATO

A Operação Lava Jato poderia ter prestado um serviço importante e histórico ao Brasil, que sofre cronicamente com a impunidade das classes política e empresarial. Suas revelações evidenciaram aos brasileiros o controle do país pela plutocracia através da força do dinheiro sujo. Não devemos, no entanto, nos acumpliciar com outra espécie de crime, mais grave ainda que os primeiros, que é o desrespeito à Constituição e aos direitos individuais por parte de alguns membros do Judiciário e do Ministério Público. A corrupção rouba nosso dinheiro e nosso trabalho. O vilipêndio do Estado de Direito rouba nossa liberdade e nossa justiça. A força-tarefa da Lava Jato muitas vezes não agiu com a responsabilidade requerida para operação tão crucial, desprezando a preservação dos empregos e riquezas produzidas pelas empresas envolvidas, como ocorre em todo o mundo desenvolvido.

Corrupção é praticada por pessoas físicas, não por empresas. Devemos punir as pessoas responsáveis pela corrupção, condenar CPFs, não CNPJs.

O resultado é que a Lava Jato comprometeu cadeias inteiras de nosso já combalido setor industrial, particularmente a cadeia do petróleo, indústria naval e engenharia civil, causando um impacto no PIB que já pode ter ultrapassado os 5% desde agosto de 2014. Sem contar a paralisação do programa nuclear brasileiro, fato que merece apuração mais aprofundada. O quanto essa operação teria se valido de informações de serviços de inteligência estrangeiros interessados diretamente em desmontar certas cadeias produtivas brasileiras? Recente entrevista do ex-embaixador dos EUA Thomas Shannon torna essa pergunta algo que merece consideração séria. [45] Mesmo porque, na sequência dessa operação, Jair Bolsonaro ainda entrega aos EUA a possibilidade de entrar no setor de engenharia civil no Brasil.

As estimativas indicam que o volume total de desvio de dinheiro apurado pela Lava Jato poderia ter chegado até R$ 16 bilhões. Passa na cabeça de alguém que tal volume de dinheiro poderia transitar de corruptores a corruptos sem a ajuda central de parte dos bancos? Fica evidente, também por esse ângulo, o caráter omisso e interesseiro, quando não, pura e simplesmente cúmplice, de alguns agentes da Lava Jato.

Da mesma forma, faltou várias vezes a essa operação o cuidado necessário para não jogar todos os políticos na mesma vala comum, criminalizando, com vazamentos espetaculosos e seletivos, meras doações legais e declaradas, misturando propina e doação oficial no mesmo cesto. Quando se faz isso, em vez de livrar a política do crime, se criminaliza a atividade política. O efeito é deslegitimar a representação popular e o sufrágio universal e legitimar ambições de pessoas não eleitas que querem usurpar funções de instituições que extraem sua legitimidade da vontade popular diretamente expressa através do voto. Ao “saírem de suas caixinhas”, ou seja, ao perderem os limites constitucionais de atuação, em alguns momentos membros dessa operação colocaram em risco não só ela própria, semeando nulidades que podem servir para a anulação de sentenças no futuro (como aconteceu com as operações Satiagraha e Castelo de Areia), como o próprio Estado de Direito. Não queremos uma democracia sequestrada. Nem pelo poder do dinheiro da corrupção, nem pela usurpação do poder concedido pelo sufrágio universal.

A delação premiada é um instituto precário. Por isso a lei prevê que sem a paralela produção de provas sobre o conteúdo da acusação ela não pode ser usada para condenar ou reduzir pena.

Isoladamente ela não tem valor de prova exatamente porque é feita por um criminoso confesso e em vista do prêmio de redução de pena, podendo ser usada como arma contra inimigos políticos. No caso concreto da Lava Jato, também assistimos à prática de prisões provisórias indefinidas para forçar delações, o que compromete sua credibilidade, assim como as empresas envolvidas.

Sinto-me com autoridade para chamar atenção para todas essas questões e fatos porque, como sou obrigado a lembrar, não fui sequer citado nem nesse conjunto de delações, que alcançam vinte anos da vida política nacional, nem em qualquer outro escândalo. É claro que ser acusado sem provas, na delação de um criminoso confesso, não significa nada. Ainda assim, creio ser esse um fato digno de nota. Sempre tive um comportamento intransigente com a corrupção, e nunca sequer respondi a um inquérito nem para ser absolvido, mesmo tendo sido deputado estadual, federal, secretário de estado, prefeito, governador e ministro duas vezes. Ainda gostaria de lembrar que a destruição econômica do país não é causada por esses desvios éticos, mas sim por nossa desindustrialização e escoamento de nossos recursos para os juros da dívida interna. Apesar do terrível impacto moral na sociedade, razão pela qual o combate à corrupção não deve ter tréguas, seu impacto no orçamento nacional é extremamente limitado, ao contrário do que a imprensa faz parecer. Mesmo porque a corrupção leva predominantemente um percentual dos recursos para investimento do Estado, e em 2017 os investimentos federais foram previstos em 1,4% do orçamento. Enquanto isso, perdemos quase 10% deles no pagamento de uma das taxas de juros mais altas do mundo. [46] A corrupção, sendo uma distorção gravíssima porque destrói a confiança da população no sistema, não é a causa de nosso atraso econômico. Essa é uma narrativa falsa imposta por aqueles que não querem mudar o modelo que fracassa inapelavelmente desde os anos 1980, e que poderia ser perfeitamente chamado de corrupção institucionalizada, pois é o sequestro do Estado e de suas energias por uma minoria de poderosos barões do sistema financeiro. O aumento da corrupção é só mais um sintoma de nossa degradação como sociedade e da percepção generalizada de injustiça e impunidade.

DEMOCRACIA GOLPEADA

Outro componente básico da pior depressão de nossa história é a crise política causada pelo golpe de 2016. Remédio para governo ruim é pressão popular e, no limite, as eleições seguintes. Impeachment em nossa Constituição é um remédio extremo para retirar um presidente contra o qual haja provas de crime de responsabilidade dolosamente praticado no exercício do mandato. É um processo político, pois levado a cabo pelo Congresso Nacional, mas que não pode prescindir do elemento jurídico e legal: a comprovação do crime doloso de responsabilidade. E isso, evidentemente, não inclui uma manobra fiscal (a “pedalada fiscal”) aprovada por pareceres técnicos, executada por um membro do segundo escalão, que é feita todo ano desde FHC e que não envolve dolo ou desvio de recursos.

Não resta mais qualquer dúvida razoável hoje de que o Brasil sofreu um golpe. O uso de uma forma constitucional sem o conteúdo acusatório adequado não torna legal o processo. E hoje sabemos que o mesmo Congresso que se inflamou contra as pedaladas tornou-as legais dois dias depois de afastar a presidente legítima. [47] Esse mesmo Congresso negou a autorização para investigação do golpista que ocupou a Presidência da República desonrando nosso país e nosso povo, mesmo diante de malas de dinheiro e confissões de crimes gravadas. O ex-presidente da Câmara e hoje condenado por corrupção Eduardo Cunha, que outrora me processou por tê-lo chamado de corrupto, aceitou e conduziu o pedido de impeachment. Alguns meses depois estava condenado por corrupção e preso na Papuda, e teria delatado, segundo a imprensa, [48] deputados que teriam recebido dinheiro para votar pelo impeachment.

Julgo que esse golpe tinha basicamente três interesses poderosos que o levaram a cabo. O primeiro e o mais evidente hoje era o do sindicato dos corruptos que se articulavam em torno de Cunha, e queriam “parar a sangria” da Lava Jato e se livrar da cadeia. O segundo e menos evidente para a população eram os interesses da oligarquia rentista brasileira, que através dos bancos e da mídia queria, num momento agudo de crise econômica, garantir a geração de excedentes a qualquer custo para pagar os juros, o serviço da dívida. Por fim, o último dos interesses poderosos estava mais oculto, e não teríamos como falar abertamente dele hoje se não fossem os documentos revelados por Edward Snowden e Julian Assange, que mostraram, logo antes do início da Lava Jato, a espionagem norte-americana na Petrobras [49] e na Presidência da República que foi denunciada por Dilma e Ângela Merkel na Organização das Nações Unidas (ONU). [50] Esse interesse queria acabar com a Lei do Pré-sal, colocar a mão em nossas reservas de petróleo, tomar a base de Alcântara, permitir a construção de bases militares norte-americanas na América do Sul, acabar com o Brics e com o financiamento pelo BNDES das empresas brasileiras que atuam no exterior. Não surpreende, nem um pouco, que todos esses interesses tenham sido promessas de campanha do homem que atualmente ocupa a Presidência da República.

Todos, para desgraça nacional, conseguiram tudo o que queriam e que eu havia denunciado incansavelmente desde o fim de 2014, cumprindo meu dever com o país. E é com o aprofundamento do desastre econômico causado pelas medidas pós-golpe que eu quero concluir esse diagnóstico.

DE NOVO A DEVASTAÇÃO DO NEOLIBERALISMO

O déficit público em 2014 inteiro, que motivou a campanha da mídia por um representante da banca na Fazenda, foi de R$ 17 bilhões. Diminuir em um ponto os juros médios teria provavelmente resolvido o problema. Mas Dilma cedeu e resolveu aplicar a maior parte do programa contra o qual se bateu e derrotou na eleição para que a banca e a mídia aplacassem a direita radicalizada. Promoveu um choque de juros e tarifas públicas assim que fechadas as urnas e nomeou Joaquim Levy, funcionário do Bradesco e egresso da Universidade de Chicago, para administrar a economia brasileira. Esse foi, certamente, um dos maiores estelionatos eleitorais a que pude assistir durante minha vida política.

Seus efeitos deletérios para a crença na democracia representativa e a reputação da esquerda serão ainda sentidos por muitos anos. Como explicar agora à população que o que o PT aplicou de fato em 2015 foi o receituário neoliberal?

Com o Brasil em recessão, crise política e setores inteiros da indústria paralisados pela Lava Jato, Levy (que depois veio a se tornar presidente do BNDES no Governo Bolsonaro) jogou querosene para apagar o fogo da crise, cortando investimentos e mantendo os maiores juros reais do mundo. Ao fazê-lo, colapsou as contas de 2015, levando o setor público a comprometer assombrosos 8,4% do PIB nacional em pagamento de juros, ou R$ 501,8 bilhões, o recorde da história brasileira. [51] Com o golpe consumado em abril de 2016, os golpistas dobraram a aposta no neoliberalismo nomeando Henrique Meirelles (que tinha sido por oito anos presidente do Banco Central do Governo Lula) ministro da Fazenda. O novo governo tentou acertar o rombo fiscal causado por queda de receita com mais corte de investimentos. O resultado está aí.

Em 2016, o serviço da dívida levou 44% do orçamento federal. Em 2017, levou cerca de 49% de um orçamento de R$ 3,5 trilhões, ou seja, R$ 1,72 trilhões. [52] Em 2018 estima-se que tenha levado outros 52% de um orçamento de R$ 3,55 trilhões, ou seja, R$ 1,85 trilhão. [53] O descontrole da dívida pública, sua apropriação do orçamento nacional foram galopantes sob o governo daqueles que a mídia trata como responsáveis fiscais.

Para termo de comparação, podemos lembrar que a Previdência, ao contrário da campanha difamatória, consumiu somente 16,8% (R$ 598,2 bilhões) do orçamento de 2018, os gastos com pessoal, 8,5% (R$ 301,3 bilhões, aí incluídos inativos e pensionistas da União [54] ), e as despesas discricionárias, de onde saem os investimentos, tragicamente, somente 1,8% (R$ 65 bilhões). [55]

Enquanto isso, os juros (R$ 342,67 bilhões em 2018, ou 9,7% do orçamento [56] ) e a sonegação (estimada em R$ 550 bilhões em 2018 [57] ) destruíram as contas públicas.

Ao contrário da maciça propaganda positiva de nossos meios de comunicação, o colapso da nossa economia só se agravou. Em março de 2018, o déficit do governo central era de assombrosos R$ 25,53 bilhões, [58] maior que o déficit de todo o ano de 2014 (de R$ 17 bilhões). Curiosamente, agora esse déficit é tratado como fruto de “responsabilidade fiscal” por grande parte de nossos “especialistas econômicos”.

Ao contrário da propaganda de gestão responsável da economia, o Governo Temer foi o maior desastre fiscal da história brasileira. Terminou seu mandato tendo como meta obter, em vez de um superávit primário, um déficit primário (!) de R$ 139 bilhões. [59] Obteve R$ 120,3 bilhões, simplesmente, cerca de sete vezes maior que o de 2014. [60] Um dos motivos para esse déficit foi a rápida degradação das contas da Previdência diante do desemprego e da informalidade crescentes. A crise atual dessas contas é fundamentalmente uma crise de receita, e não de despesa.

Com menos pessoas formalmente empregadas, a arrecadação previdenciária diminui. No primeiro trimestre de 2018, a taxa de desemprego no Brasil era de 13,1% da população ativa, o que equivalia a 13,7 milhões de brasileiros desempregados, contra os somente 6,5% registrados no último trimestre de 2014. [61]

A informalidade avançou a passos largos. O Brasil perde em média 1 milhão de empregos formais por ano desde 2015. [62] Em 2017, pela primeira vez neste século, a quantidade de brasileiros trabalhando na informalidade superou a de brasileiros com emprego formal. Já a reforma trabalhista que entrou em vigor veio complicar mais ainda esse quadro dramático. Prometendo 2 milhões de empregos [63] novos, ela nada entregou diante de mais de 13 milhões de desempregados em fevereiro deste ano. [64] O que ela veio de fato incentivar é a extinção progressiva do trabalho formal tradicional e a geração de postos de trabalho que não contribuem necessariamente com a Previdência, o que causa maior degradação nas contas públicas.

Depois do mandato de um governo federal que fez tudo o que a mídia e a banca mandaram, a dívida bruta já passou dos 66,7% do PIB – no mês em que Temer assumiu o governo – para incríveis 76,7% do PIB em dezembro de 2018. [65] Essa disparada do endividamento ocorreu mesmo com a entrada dos recursos arrecadados com a repatriação de dinheiro de origem duvidosa evadido do país e com os recursos tomados da descapitalização do BNDES (o único banco que financiava nosso desenvolvimento). Ocorreu mesmo com os recursos da “venda” (com o barril de petróleo mais barato que uma latinha de Coca-Cola) de campos inteiros do nosso pré-sal a empresas estrangeiras, a maioria estatais, evidenciando a falácia neoliberal que prega a privatização da Petrobras.

Outra ilusão vendida pelo Governo Temer era sobre os juros efetivamente pagos pela dívida pública, nossa verdadeira taxa de juros reais. Juros reais são o rendimento do dinheiro investido descontada a inflação do período, ou seja, quanto efetivamente o credor ficou mais rico por emprestar o dinheiro.

Essa ilusão é possível devido à composição de nossa dívida interna. Temos quatro tipos básicos de títulos na dívida pública federal, cujos rendimentos possuem indexadores diferentes. O primeiro, correspondendo a somente 35,5% de nossa dívida em 2018, [66] remunera o credor a taxas flutuantes. A maioria desses títulos é indexada à Selic. Temos, no entanto, ainda títulos com rentabilidade prefixada, vinculados a índice de preços e até ao câmbio. Ou seja, a Selic não é nossa taxa média de juros.

Para uma estimativa adequada dos juros reais pagos por nossa dívida interna, precisamos saber o custo médio efetivo dessa, que é uma composição das taxas efetivamente pagas por todos os tipos de títulos.

Portanto, enquanto a taxa Selic terminou o ano de 2018 em 6,5%, o custo médio efetivo de nossa dívida terminou em dezembro de 2018 em 9,86% nos últimos doze meses. [67] Como a inflação de 2018 pelo IPCA fechou em 3,75%, a verdade é que, considerando a taxa de juros real passada (taxa ex-post), nossa taxa real em 2018 foi de aproximadamente 6,11%. Sob qualquer critério que se adote, estamos entre os seis países que pagaram juros reais mais altos do mundo em 2018, com a Argentina neoliberal de Macri liderando o ranking.

Se o governo paga por seus papéis, de forma segura, mais do que paga a taxa de retorno dos negócios no Brasil, não é preciso ser prêmio Nobel em economia para deduzir que ninguém vai pegar dinheiro emprestado para colocar num negócio que remunera menos que os juros bancários.

E o custo de tantos desastres econômicos é a volta do aumento da miséria em nosso país. Só em 2017, enquanto os órgãos de imprensa falavam de recuperação econômica, 1,5 milhão de brasileiras e brasileiros voltaram à extrema pobreza. Em 2018 eram 14,8 milhões de irmãs e irmãos, compatriotas, nessa desesperadora condição. [68] Desde o golpe, estima-se que no mínimo 4 milhões de pessoas tenham voltado à extrema pobreza no Brasil. [69]

O desastre do aumento da miséria é agravado por outro desastre moral, que é o aumento da desigualdade no décimo país mais desigual do mundo. O neoliberalismo tem sido de fato nada mais que um aparato discursivo para justificar políticas de concentração de renda, e o que entrega é o aumento da riqueza em mãos dos super-ricos. Em 2016, o índice Gini (um dos parâmetros de desigualdade usados no mundo) calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) voltou a subir depois de 22 anos de queda. [70] A mesma política econômica que atirou mais de 4 milhões de pessoas na extrema pobreza produziu, só em 2017, um aumento de 39% no número de bilionários brasileiros. O Brasil levou quinhentos anos para produzir 31 bilionários e somente o ano de 2017 para produzir mais doze deles. Enquanto o país agonizava, o patrimônio dessas pessoas cresceu, em média, 13% em 2017. Hoje, os cinco homens mais ricos do Brasil têm riqueza correlata à da metade da população mais pobre. Ou seja, cinco cidadãos têm no Brasil a riqueza equivalente a mais de 100 milhões de pessoas. [71]

O colapso social descrito aqui se reflete no aumento da violência que assombra nossas famílias. Em 2016 tivemos 57.549 assassinatos registrados, enquanto em 2017 tivemos mais de 60 mil. [72] Contando com as mortes causadas por intervenção policial, tivemos cerca de 70.200 óbitos em 2016, o que equivaleu a 12,5% das mortes violentas em todo o planeta! [73] Mais um título mundial terrível para nós: o país que mais mata no mundo. O Atlas da Violência de 2018 trouxe outra comparação alarmante. Nos últimos onze anos, por volta de 553 mil pessoas foram assassinadas no Brasil. Na Síria, em sete anos de guerra, a ONU estima cerca de 500 mil mortos. Ou seja, nos últimos onze anos, o Brasil teve mais assassinatos que um país em guerra civil há sete anos.

Infelizmente, o que nosso governo atual promete em relação a esse quadro é distribuir ainda mais armas, autorizar a posse e o porte, para que alunos torturados mentalmente possam facilmente transformar o Brasil numa filial dos assassinatos em massa típicos dos EUA.

A violência é um fenômeno de múltiplas causas. Mas todos os fatores que pressionam os índices de violência pioraram no Governo Temer: a miséria, a desigualdade, a sensação de impunidade e de injustiça, o mau exemplo das autoridades.

O país que temos hoje é, na medida das pioras descritas, um produto tanto do estelionato eleitoral do PT quanto do golpe, apoiado por Bolsonaro, que para derrubar uma presidente legítima ajudou a implodir a economia com uma série de pautas-bombas cujo objetivo era somente o de enfraquecê-la. A imagem da classe política se degradou terrivelmente em todo esse processo, a ponto de, em 2017, pesquisa da Latinobarômetro 74 informar que, para 97% dos brasileiros, “o país está governado por alguns grupos poderosos em seu próprio benefício”.


A QUEDA NO ABISMO

Foi nesse ambiente social, econômico e político dramático que chegamos ao processo eleitoral de 2018. Precisávamos então visceralmente de um debate amplo, racional e aberto na sociedade sobre nossa história, problemas e propostas. Precisávamos de uma campanha responsável para que saíssemos das eleições com um projeto discutido pela sociedade e por ela legitimado, que tivesse força o suficiente para superar a pior crise de nossa história.

Mas a campanha acabou se tornando mais um componente de aprofundamento da crise.

Creio que a grande maioria dos brasileiros, concordando ou não comigo, reconheceria que eu fui o candidato que mais se esforçou por promover um debate racional e propositivo na campanha, em cima de problemas e propostas. Outros candidatos, em maior ou menor medida, também tiveram uma postura séria a esse respeito, como João Amoedo, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Marina Silva, João Goulart Filho e Guilherme Boulos.

Mas a eleição infelizmente acabou dominada pelo ódio e a polarização irracional causada pela prisão de Lula e o atentado a Bolsonaro. A estratégia da direita estava montada desde o início: manter a esquerda dividida e atrair o centro, trazer a eleição para questões comportamentais e paixões ideológicas e evitar a todo custo que o país discutisse em profundidade sua situação e os resultados do Governo Temer, menos ainda propostas para sair dela.

O que o país não pode esquecer é que, para essa estratégia ter dado certo, ela precisou ter sido encampada pelo PT. A esse partido, que venceu as últimas quatro eleições sem programa claro, interessavam a polarização promovida por Bolsonaro e uma campanha emocional e irracional, que se valesse da comoção sobre a prisão de Lula e da oposição às aberrações defendidas pelo candidato de extrema direita. Dessa forma, a atual burocracia do PT evitaria ter que explicar as terríveis acusações de corrupção generalizada e o estelionato eleitoral do segundo Governo Dilma, aumentando suas chances de manter sua base eleitoral. A burocracia do PT apostou na radicalização do país, dançando na beira do abismo.

Como sabemos, tragicamente para o Brasil, essa estratégia foi muito bem-sucedida para Bolsonaro e para o PT. Ao transformarem as eleições num circo de fake news e debates sobre absurdos, Bolsonaro venceu, o PT sobreviveu e o Brasil foi atirado no abismo do neoliberalismo, do protofascismo, do colonialismo norte-americano e do governo tecnicamente mais desqualificado da história brasileira.

Essa estratégia também contou com a cumplicidade de grande parte da imprensa brasileira. Nunca poderei esquecer que Bolsonaro foi à bancada do Jornal Nacional entregar algo que ele chamou de “kit gay”, como se tivesse sido distribuído pela gestão de Haddad em nossas escolas. O jornalismo da Globo tinha obrigação de ajudar a desmentir essa afirmação absurda, mas se limitou a um tímido e discreto desmentido.

É bastante evidente que o uso maciço de divulgação de fake news por WhatsApp interferiu no ambiente e no resultado eleitoral. Produziam-se falsas peças de “reportagens” que eram distribuídas em massa, em sua maioria por redes bolsonaristas, mas também por redes petistas. Tudo leva a crer que esse uso foi criminoso não só pelo conteúdo, mas pela forma de financiamento milionário e distribuição, segundo reportagem da Folha de S.Paulo. 75 Diante dos indícios de crime de caixa dois, o PDT entrou com Ação de Investigação Judicial contra a coligação de Bolsonaro, ação que foi aceita, instaurada e ainda corre no TSE a passos de tartaruga manca.

1 Madison Project Database, 2018.

2 World Bank Data. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.PP.CD?
 locations=CN-BR
3 Unctad. Handbook of Statistics, 2017. Disponível em: http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/tdstat42_en.pdf

4 IBGE. Séries históricas e estatísticas. População e demografia. Disponível em: https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=10&op=0&vcodigo=CD106&t=taxa-media- geometrica-crescimento-anual-populacao

5 “Rentismo” é uma palavra derivada de “rentista”, que significa quem vive de rendas financeiras, sejam elas derivadas de aluguéis, ou recebimento de juros decorrentes de empréstimos privados, ou títulos do governo. “Rentismo” significaria, portanto, a defesa dessa forma de vida para uma elite da população que quer que o Estado sustente seu padrão de vida sem correr riscos ou produzir nada, vivendo dos rendimentos de títulos do tesouro, fundos de investimentos baseados neles, CDBs, enfim, todos os papéis que tem seus rendimentos atrelados à taxa de juros paga pelo governo.

6 BARBOSA, Nelson. “Juros pagos pelo setor público: o total caiu em proporção do PIB, mas os pagamentos reais continuaram a subir em 2017.” Blog do Ibre, fev. 2018. Disponível em: http://blogdoibre.fgv.br/posts/juros-pagos-pelo-setor-publico-o-total-caiu-em-proporcao-do-pib-mas-os-pagamentos-reais

7 Banco Central. Necessidades de financiamento do setor público, Fluxos mensais. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pec/Indeco/Port/indeco.asp. Acessado em 18 de maio de 2018.

8 Receita Federal. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2018/janeiro/receita-arrecadou-r-1-34-trilhao-em-2017

9 BARBOSA, Nelson. Op. cit.

10 FERNANDES, Adriana. “Investimento público cai para 1,17% do PIB e atinge o menor nível em 50 anos.” Estado de S. Paulo, abr. 2018. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,investimento-publico-cai-para-1-17-do-pib-e-atinge-o-menor-nivel-em-50-anos,70002285682

11 Entrevista de Raul Velloso. DOCA, G.; JUNGBLUT, C. “Dados oficiais mostram que governo Geisel investiu mais do que gestão de Lula.” O Globo, mar. 2010. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/politica/dados-oficiais-mostram-que-governo-geisel-investiu-mais-do-que-gestao-de-lula-3042574

12 Receita Federal. Análise da arrecadação das receitas federais – dezembro/2016. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/relatorios-do-resultado-da-arrecadacao/arrecadacao-2016/dezembro2016/analise-mensal-dez-2016.pdf

13 Esses três fatores serão terrivelmente agravados com a crise do novo coronavírus.

14 Banco Central. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries. Acessado em 18 de maio de 2018.

15 O superávit primário gerado somente pelo governo federal e Banco Central, excetuando-se o das empresas estatais, foi de 3,25% do PIB, também o maior da série histórica.

16 Isso, a valores de hoje, corrigidos pelo IGP-M, equivaleria a R$388,6 bilhões, menos do que o Brasil pagou só de juros em 2017. Ipeadata. Produto Interno Bruto (PIB); Dívida mobiliária interna federal. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br

17 CERQUEIRA, Ceres Aires. Dívida externa brasileira. Banco Central do Brasil: Brasília, 2003. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/Infecon/DividaRevisada/03%20Publica%C3%A7%C3%A3o%20Completa

18 A dívida pública brasileira. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2005. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/Livro%20DIVIDA%20PUBLICA.pdf

19 Idem.

20 IBGE. Séries históricas e estatísticas. Carga tributária bruta. Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=SCN49

21 CERQUEIRA, Ceres Aires. Op. cit.

22 Ipeadata. Produto Interno Bruto (PIB); Dívida mobiliária interna federal. Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br

23 Ipeadata. Produto Interno Bruto (PIB); Dívida pública total (líquida). Disponível em:
http://www.ipeadata.gov.br/exibeserie.aspx?serid=3838824

24 CAMPOS, A.; BARBOSA, A.; POCHMANN, M.; AMORIN, R.; SILVA, R. Atlas da exclusão social
volume 3: Os ricos no Brasil. 2a ed. São Paulo: Cortez Editora, 2004.

25 “Câmbio flutuante” é uma forma de se determinar o valor de troca da moeda nacional por outras moedas fundamentalmente na oferta e demanda do mercado. O governo influenciaria o mínimo possível a determinação desse valor, e para evitar flutuações mais bruscas neste lançaria mão de compra e venda de moeda nacional com os recursos de suas reservas internacionais.

26 Banco Central. Histórico das taxas de juros. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp

27 Banco Central. Portal de dados abertos. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarGraficoPorId&hdOidSeriesSelecionadas=4536

28 Banco Central. Cotações e boletins. Disponível em: http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?id=txcotacao

29 Valores de abril de 2018 pelo IGP-M. Banco Central. Calculadora do cidadão. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?
method=exibirFormCorrecaoValores&aba=1

30 Banco Central. Histórico das taxas de juros. Op. cit.

31 É a diferença entre o preço de compra e venda de uma ação, título ou transação monetária. Geralmente, se refere à diferença entre o juro que o banco paga para receber um capital e o juro que ele cobra para emprestar o mesmo capital, este último certamente maior.

32 Receita Federal. Desonerações instituídas. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/renuncia-fiscal

33 Em série histórica com metodologia já em desuso e contabilizando a participação da indústria como um todo no PIB, chegou-se a 35,9% em 1980. Fiesp. Panorama da Indústria de
Transformação brasileira, 18a edição, 2019. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/panorama-da-industria-de-transformacao-brasileira/

34 Fiesp. Panorama da Indústria de Transformação brasileira, 14a edição, 2017. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/panorama-da-industria-de-
transformacao-brasileira/. Acessado em 18 de maio de 2018.

35 BONELLI, R. & PESSÔA, S. Desindustrialização no Brasil, um resumo da evidência. Rio de
Janeiro: FGV, 2010. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11689/Desindustrializa%C3%A7%C3%Asequence=1

36 BONELLI, R. & GONÇALVES, R. Para onde vai a estrutura industrial brasileira. Rio de Janeiro: Ipea, 1998. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3806

37 Vale. Índices de minério de ferro. Disponível em: http://www.vale.com/mozambique/PT/business/mining/iron-ore-pellets/Paginas/Iron-Ore-Indices.aspx

38 Banco Central. Cotações e boletins. Op. cit.

39 Banco Central. Histórico das taxas de juros. Op. cit.

40 COSTAS, Ruth. “Escândalo da Petrobras ‘engoliu 2,5% da economia em 2015’.” BBC Brasil, dez. 2015. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151201_lavajato_ru

41 IBGE. Escolho o ano de 2014 como parâmetro para não contaminar a avaliação com o efeito
desindustrializante da Operação Lava Jato.

42 Pnud. Relatório de Desenvolvimento Humano 2005.

43 Pnud. Relatório de Desenvolvimento Humano 2017.

44 MÁXIMO, Wellton. “Desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015, revela estudo.” Agência Brasil, set. 2017. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-09/desigualdade-de-renda-no-brasil-nao-caiu-entre-2001-e-2015-revela-estudo

45 HALL, K.; HERDY, T.; AMADO, G. “O braço americano da Lava Jato.” Época, jul. 2019. Disponível em: https://epoca.globo.com/mundo/o-braco-americano-da-lava-jato-23782895

46 Projeto de Lei Orçamentária Anual – Ploa 2017. Disponível em: http://www.orcamentofederal.gov.br/clientes/portalsof/portalsof/orcamentos-anuais/orcamento-2017/p_ploa

47 “Após impeachment, Senado transforma pedaladas fiscais em lei.” Jornal do Brasil, set. 2016. Disponível em: https://www.jb.com.br/index.php?id=/acervo/materia.php&cd_matia=820982&dinamico=1&preview=1

48 “A lista de Eduardo Cunha.” O Globo, jul. 2017. Disponível em: http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2017/07/lista-de-eduardo-cunha.html. Acessado
em 18 de maio de 2018.

49 “EUA espionaram Petrobras, dizem papéis vazados por Snowden.” BBC Brasil, set. 2013.
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130908_eua_snowden_petrobras_dilma_mm

50 CORRÊA, Alessandra. “ONU aprova resolução contraespionagem apresentada por Brasil e
Alemanha.” BBC Brasil, dez. 2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131218_onu_espionagem_ac

51 BARBOSA, Nelson. Op. cit.

52 Lei Orçamentária Anual – 2017. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/orcamento-anual-de-2017

53 Lei Orçamentária Anual – 2018. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/orcamento-anual-de-2018

54 O valor chega a R$323,7 bilhões se contabilizarmos os R$22,4 bilhões referentes à contribuição patronal ao regime próprio dos servidores.

55 Lei Orçamentária Anual – 2018. Op. cit.

56 Relatório anual da dívida pública federal – 2018. Receita Federal. Disponível em:
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/relatorio-anual-da-divida

57 Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. Sonegômetro. Disponível em:
http://www.quantocustaobrasil.com.br/

58 “Dívida do governo bate novo recorde em março.” Estado de S. Paulo, abr. 2018. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,setor-publico-tem-rombo-de-r-25-135-bilhoes-em-marco,70002289680

59 Orçamento anual de 2018. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/2018/orcamento-anual-de-2018

60 MÁXIMO, Wellton. “Déficit primário somou R$ 120,3 bilhões em 2018.” Agência Brasil, jan. 2019. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-01/deficit-primario-somou-r-1203-bilhoes-em-2018

61 IBGE. “Desemprego volta a crescer no primeiro trimestre de 2018.” Agência IBGE, abr. 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-volta-a-crescer-no-primeiro-trimestre-de-2018.html

62 IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Pnad Contínua. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=series-historicas

63 AGUIAR, Adriana. “Reforma trabalhista não gerou volume de empregos esperado.” Valor
Econômico, nov. 2018. Disponível em: https://www.valor.com.br/legislacao/5969407/reforma-
trabalhista-nao-gerou-volume-de-empregos-esperado

64 PARADELLA, Rodrigo. “Desemprego sobe para 12,4% e população subutilizada é a maior desde
2012.” Agência IBGE, mar. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24110-desemprego-sobe-para-12-4-e-populacao-subutilizada-e-a-maior-desde-2012

65 Relatório anual da dívida pública federal – 2018. Receita Federal. Op. cit.

66 Relatório anual da dívida pública federal – 2019. Receita Federal. Disponível em:
http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/cosis/thot/transparencia/arquivo/31542:1064336:inline:2808228373

67 Tesouro Nacional. Séries temporais. Custo médio mensal da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi). Disponível em: https://sisstn.tesouro.gov.br/series-temporais-ext/#/68 VILLAS BÔAS, Bruno. “Pobreza extrema aumenta 11% e atinge 14,8 milhões de pessoas.” Valor Econômico, abr. 2018. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/5446455/pobreza-extrema-aumenta-11-e-atinge-148-milhoes-de-pessoas

69 PRENGAMAN, P.; DILORENZO, S.; TRIELLI, D.. “Em 2 anos, milhões ficam abaixo de pobre no Brasil e ganham menos de R$ 140.” Uol, 2017. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/10/24/pobreza-miseria-brasil-recessao.htm?cmpid=copiaecola

70 COSTA, D.; GONÇALVEZ, K.. “Com crise, desigualdade no país aumenta pela primeira vez em 22 anos.” O Globo, mar. 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/com-crise-
desigualdade-no-pais-aumenta-pela-primeira-vez-em-22-anos-21061992

71 “Super-ricos estão ficando com quase toda riqueza, às custas de bilhões de pessoas.” Oxfam Brasil, jan.2018. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/noticias/super-ricos-estao-ficando-com-quase-toda-riqueza-as-custas-de-bilhoes-de-pessoas

72 O número de 59.109 homicídios ainda não conta com os números completos de Tocantins e Minas Gerais e não leva em conta os mortos em decorrência de ação policial. CAESAR, G.; REIS, T. “Brasil registra quase 60 mil pessoas assassinadas em 2017.” G1, mar. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/brasil-registra-quase-60-mil-pessoas-assassinadas-em-2017.ghtml

73 CHADE, Jamil. “Brasil tem maior número de mortes violentas do mundo.”Estado de S. Paulo, dez. 2017. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-maior-numero-de-mortes-violentas-no-mundo-diz-entidade,70002111415

74 Latinobarômetro 2017. Disponível em: http://www.latinobarometro.org/LATDocs/F00006433-
InfLatinobarometro2017.pdf

75 MELLO, Patrícia Campos. “Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp.” Folha de S.Paulo, out. 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml

sábado, 6 de junho de 2020

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The Many Lives of William Klein (2012)


William Klein é um fotógrafo, diretor de cinema e pintor norte-americano de origem húngara, que porém desenvolveu quase toda a sua carreira em Paris, onde vive. A sua alcunha é Bad Boy.

A carreira artística de Klein começou em Paris em 1948 onde recebeu formação em pintura. Descobriu a sua paixão pela fotografia no princípio dos anos 1950, tendo inicialmente experimentado a fotografia como meio de expressão abstracta, para logo depois ficar fascinado com as capacidades fotográficas de reproduzir o mundo real.

Em 1954 é contratado pela revista Vogue como fotógrafo de moda. A fotografia de moda de Klein caracterizava-se pela abordagem irónica e subjectiva.

Na segunda metade dos anos 1950, por encomenda do realizador cinematográfico, Federico Fellini realiza um trabalho fotográfico sobre a cidade de Roma (Rome, 1958), a que se seguem, sobre a mesma temática, os trabalhos sobre Moscou e Tóquio (Moscou et Tokyo, 1961).

As imagens de Klein caracterizam-se pelo apurado uso das distâncias focais das objectivas fotográficas em relação ao tema, pela iluminação pouco convencional e por motivos desfocados pelo movimento que possuem.

No culminar da sua carreira dedica-se à produção e realização cinematográfica.

No ano de 2003, comemorou-se setenta e cinco anos de William Klein. Não que fosse necessário um motivo especial para falar sobre um dos mais importantes fotógrafos contemporâneos, legítimo divisor de águas na história da fotografia de moda; mas porque não aproveitar a ocasião e fazer uma homenagem, digamos, mais formal? Decidi, por isso, utilizar este pequeno espaço para fazer uma série de três colunas exclusivamente dedicadas à sua obra.

Klein trouxe, para a fotografia de moda, um olhar de estrangeiro: avesso ao mundo fashion, fez deste estranhamento um terreno no qual construiu uma obra marcada pelo pathos da distância. Experiência, em certo sentido, familiar - já que como um estrangeiro conheceu o mundo já em seus primeiros anos de vida. Filho de imigrantes judeus, nascido no ano em que sua família havia mergulhado na pobreza devido à quebra do comércio de roupas de seu pai, o jovem William conheceu cedo esta dupla marginalização, étnica e econômica. No entanto, espíritos privilegiados não são derrotados facilmente, e também dupla foi a vantagem que Klein soube tirar da situação: primeiro, fazendo do MoMA seu refúgio; segundo, criando em sua periférica situação uma espécie de "posto de observação".

Durante toda a sua vida, Klein cultivaria estas virtudes que soube extrair dos reveses. Quando chegou à moda, também o fez como um estrangeiro: Alexander Liberman, diretor da Vogue, convidou-o para trabalhar na revista após ver uma exposição sua que nada tinha a ver com a moda; eram fotografias abstratas, parte das experiências que Klein vinha fazendo nas artes plásticas. A resposta do fotógrafo ao convite - trabalhar… "fazendo o quê?" - confirma sua declaração de que, na época, ele sequer sabia sobre o que era a Vogue - quanto mais como poderia trabalhar nela! O negócio foi fechado quando Liberman aceitou um projeto de Klein de fazer um portfólio, espécie de diário fotográfico, de Nova Iorque.

Diga-se de passagem que este projeto jamais foi concretizado, embora certamente trouxesse o germe do que futuramente seria a primeira grande obra do fotógrafo: o livro Life is Good for You in New York - William Klein Trance Witness Revels - título irônico para uma obra tão violenta e contundente que foi recusada pela Vogue e por todos os editores americanos, só sendo publicada em Paris, em 1956, nas palavras do próprio William Klein, tratava-se de fazer conscientemente o oposto daquilo que Cartier-Bresson propunha, ou seja: fotografar cenas das ruas de Nova Iorque da forma mais visível e com o maior volume possível de interferências - "minha estética era a do Daily News… eu via o livro que queria como um tablóide tornando-se enfurecido, indecente, manchado, com um layout brutal… isso era o que Nova Iorque merecia e receberia".

Só essa breve história já nos dá os ingredientes principais para que possamos entender a obra de William Klein: uma porção de inconformismo, muitas colheres de uma franqueza ácida, uma boa dose de sarcasmo e ironia a gosto. Consciente de seu valor, Klein nunca foi muito dado a concessões; e foi graças a isso que, em seu trabalho relacionado ao mundo fashion, desmontou estereótipos e contestou os padrões estabelecidos a tal ponto que, parafraseando uma de suas declarações sobre a já citada série de Nova Iorque, levou a fotografia de moda a um ponto zero. Mas isso já é assunto para a próxima coluna.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

PND - UMA NAÇÃO ADIADA

UMA NAÇÃO ADIADA - UM INCRÍVEL EXEMPLO DE DESENVOLVIMENTO

As estatísticas do Brasil no século XX são incomparáveis. Nosso país simplesmente mais do que centuplicou seu PIB. Sim, multiplicou sua riqueza por mais de 100. [1] Um crescimento sem igual no mundo até então. [2] Mais importante do que isso, o crescimento do produto per capita foi de uma média de 2,5% ao ano.

Em outras palavras, o cidadão médio brasileiro em 2000 produzia doze vezes mais riqueza que em 1900. No mundo, só Japão, Taiwan, Finlândia, Noruega e Coreia do Sul conseguiram superar esse feito. [3]

Na verdade, essa façanha não se operou durante todo o século XX. Nas três primeiras décadas dele o Brasil patinava como país agrário, que mantinha suas estruturas escravistas praticamente intocadas, e baseadas, especialmente, na monocultura do café e da cana-de-açúcar. O Governo Epitácio Pessoa, na virada da década de 1920, chegou a importar facões e enxadas, tamanha nossa indigência industrial.

Pode-se dizer que o grande salto brasileiro se deu entre 1932 e 1980. Foram os 48 anos de maior crescimento de um país na história do mundo, em que multiplicamos por oito nosso PIB per capita. [4]

A industrialização de uma nação não é uma etapa natural do desenvolvimento, algo como uma lei de evolução histórica. A industrialização é um processo induzido, planejado, que requer muita defesa dos interesses nacionais contra as sabotagens e tentativas de desestabilização do desenvolvimento por concorrentes estrangeiros. O motivo disso é muito simples, e não se trata de teorias da conspiração, mas da mais banal e ordinária guerra de mercado. O que é produzido eficientemente aqui deixa de ser exportado por alguém. Poucos países no mundo podem disputar, na história da economia, a rapidez e a magnitude do que foi feito aqui. Poderíamos perfeitamente continuar sendo uma nação agrícola como a Bolívia ou extratora como a Venezuela. Mas não aqui, porque aqui, em algum momento de nossa história, uma vanguarda política audaciosa se convenceu a industrializar o país e foi capaz de construir um projeto e uma hegemonia moral e intelectual aptos a levá-lo a cabo.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Esse salto, obra de todos os brasileiros, tem, sem dúvida, um catalisador inigualável, com nome e sobrenome: Getúlio Vargas. A Revolução de 1930 mudou a face do poder do Estado brasileiro, afastando do poder central a “política do café com leite”, que queria manter nosso país dependente de sua agropecuária, e estabelecendo um novo consenso em torno do desenvolvimentismo e do papel central da industrialização para superar o subdesenvolvimento.

O capital privado, lá como hoje, era pequeno e originado da produção agrícola, conservador e arisco à novidade modernizante. Não tinha nem condições nem interesse em levar essa empreitada à frente. Então foi com o Estado brasileiro intervindo diretamente na mobilização de recursos inalcançáveis pela força do capital privado local que Vargas criou nossa indústria de base e energia, assim como a infraestrutura conexa necessária a esse salto. Esses recursos vieram de três fontes: impostos, emissão de moeda e principalmente de empréstimos externos, na época de custo barato e de longo prazo, e que eram indispensáveis para a importação de bens de capital. Ele também foi muito hábil na condução da política externa num período de grandes tensões que levaram à Segunda Guerra Mundial, posicionando o Brasil de acordo com os interesses nacionais de seu projeto de desenvolvimento. E foi exatamente no momento em que se acelerava a industrialização no Brasil, com a fundação da Companhia Siderúrgica Nacional (1941), da Companhia Vale do Rio Doce (1943) e da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945), que Vargas foi deposto pela primeira vez.

Em 1950 o Brasil já enfrentava grandes gargalos, dificultando seu desenvolvimento industrial e crescimento, sendo os mais importantes a falta de energia elétrica e de petróleo e a precaríssima rede de transportes nacionais.

Mas mesmo com toda a oposição das forças antinacionais que operam em nosso país desde sempre, a nossa então jovem democracia chamou para comandar o Brasil mais uma vez o velho Getúlio. O tenentismo tinha hegemonizado no país a crença de que precisávamos nos industrializar para superar o subdesenvolvimento. Esse consenso foi fundamental para celebrarmos um Projeto Nacional do qual Vargas foi o símbolo até o golpe de 1964. E ao voltar ao poder, lutando renhidamente por nossa emancipação econômica conseguiu, em três anos e meio de governo, criar a Petrobras, a Eletrobras e o BNDES (então BNDE), enfrentando os prepostos internacionais que aqui exigiam a abertura indiscriminada de nossos mercados e a interrupção da emissão de crédito nacional em nome do controle da inflação. Com a mesma desculpa recorrente da denúncia da corrupção, os abutres do país deixaram Vargas num beco político sem saída, ao qual ele respondeu com o gesto político de seu dramático suicídio.

Sabiamente o povo brasileiro rejeitou os golpistas de 1954 e elegeu para seu mandatário o mineiro Juscelino Kubitschek, aliado de Getúlio, que, com seu ousado Plano de Metas, prometia modernizar o Brasil acabando com os gargalos de seu desenvolvimento. Sofrendo uma série de golpes, inclusive antes da posse, JK se viu obrigado a ceder parcialmente às demandas pela internacionalização da economia. No entanto, não perdeu de foco a criação da base necessária para nosso desenvolvimento,
dedicando dois terços dos recursos de seu Plano de Metas à construção de nossa rede de transportes e energia. [5] O Brasil viu, em seu governo de coalizão trabalhista com João Goulart na vice-presidência, a criação de uma indústria automobilística inteira, embora não nacional, a Petrobras sair do papel e nos levar à autossuficiência de petróleo, Furnas e várias outras pequenas usinas hidrelétricas serem construídas e transformarem nossa matriz energética na mais limpa e barata do mundo. Tendo recebido um país com menos de mil quilômetros de estradas asfaltadas, o governo JK cortou o país de norte a sul com 14 mil quilômetros de rodovias. Por fim, como síntese desse enorme esforço de interiorização e salto para o futuro de seu governo, foi construída a magnífica cidade de Brasília, iniciativa sem a qual o extraordinário mundo produtivo do Centro-Oeste não teria sido possível.

A crise política em que o país foi lançado com a eleição e posterior renúncia de Jânio Quadros, tentativa de impedimento da posse de João Goulart, mudança parlamentarista, volta do presidencialismo e finalmente o golpe de 1964 impediu a execução do novo projeto nacional que o governo Jango tinha para o país. Apesar disso, o presidente João Goulart, nos menos de três anos que permaneceu no cargo, enfrentou todas as sabotagens a seu governo e tentativas de golpe com serenidade e sem jamais recorrer à violência. O país ainda cresceu a uma taxa média de 5,2% ao ano, e ele conseguiu executar ações importantes, como a fundação da Universidade de Brasília (UnB), um projeto revolucionário de universidade, ou a Lei de Remessas de Lucros, que foi a resposta de seu governo para equacionar nosso problema crônico na balança de pagamentos [6] e disponibilidade de dólares – o que já garroteava nossa capacidade de financiamento e, portanto, nosso desenvolvimento.

Ao contrário do que a propaganda do regime militar alegava, o governo Jango e seu projeto nacional contavam com amplo apoio popular. Pesquisa Ibope [7] de março de 1964 revela que, se pudesse se candidatar no ano seguinte, Jango teria mais da metade das intenções de voto na maioria das capitais pesquisadas. Mesmo em São Paulo, tradicional reduto antigetulista, o governo Jango contava com 45% de avaliações de bom e ótimo. Só 16% o consideravam ruim ou péssimo. Havia amplo apoio nas capitais às medidas anunciadas no comício da Central do Brasil, às “reformas de base”, como reforma agrária, reforma urbana, o voto dos analfabetos, a aposentadoria rural, a função social da propriedade, o dispositivo legal da medida provisória e o monopólio do Estado em setores estratégicos da economia, que começaria com a encampação de refinarias estrangeiras.

Mas mais uma vez os interesses dos norte-americanos, inconformados com a Lei da Remessa de Lucros e a encampação de refinarias, em conluio com a direita brasileira e com parte das Forças Armadas, montaram um golpe de Estado no país com farto investimento em propaganda, apoio militar e subornos generalizados. E o país perdeu sua cambaleante e incipiente democracia. Vinte e quatro anos depois, com o fim do regime militar e a promulgação da Constituição de 1988, praticamente toda a agenda das reformas de base se tornaria parte de nossa Carta Magna. Embora algumas dessas reformas nunca tenham saído do papel, como a agrária, fica ridículo hoje pensar que o voto do analfabeto ou a aposentadoria rural pudessem ter sido consideradas parte de uma agenda comunista, como alegado na propaganda do golpe de 1964.

Com a consolidação do golpe em 1968, os militares reorientaram a economia tentando restabelecer um projeto de desenvolvimento. 

De novo, entretanto, evita-se o conflito político de construção de poupança nacional e se busca o atalho do endividamento externo, então de longo prazo e barato, como fonte central desse novo ciclo de crescimento econômico. Depois de uma intervenção no sistema financeiro nacional fixando limites para as taxas de juros cobradas nos empréstimos bancários e distribuindo incentivos para os bancos que reduzissem suas taxas, criaram as bases para a retomada de nossa vocação de crescimento. Além disso, o BNDES passou a assumir o oferecimento de crédito barato para financiar os investimentos do setor industrial brasileiro. O resultado dessas políticas recebeu o apelido de “milagre econômico”. O condutor da economia brasileira nesse período, o então ministro da Economia, Delfim Netto, costuma protestar contra esse apelido. Ele gosta de lembrar que “milagre” é efeito sem causa, e o crescimento do país no período foi causado pelo planejamento e trabalho árduo do governo e de milhões de brasileiros. Justo. No entanto, a divisão causada no país pela Guerra Fria e a interrupção da democracia tiveram impacto também na formulação do projeto do regime militar. O consenso nacional em torno do desenvolvimentismo começou a ser erodido, porque o interesse nacional passou a ceder às pressões ideológicas vindas do exterior. Com aqueles que defendiam uma expansão mais vigorosa do mercado interno e melhor distribuição de renda colocados do outro lado de um muro que não era nosso, ocultou-se uma importante parte do problema brasileiro.

Mas isso não nos fará deixar de reconhecer que entre 1968 e 1974 o Brasil cresceu extraordinários 10,7% em média ao ano. Em outras palavras, dobrou seu PIB no espaço de sete anos. [8] Não há muitos registros desse volume na história da economia do mundo. Segundo o Penn World Table, em 1969 um brasileiro produzia o equivalente a cerca de 21% da riqueza de um norte-americano. Em 1980, nosso PIB per capita médio correspondia a 35% do norte-americano. [9] A sensação era a de que estávamos prestes a nos tornar a nação rica e moderna que sonhamos ser um dia e de que, como dizia o slogan, ninguém parava esse país.

Evidentemente, não se está aqui a fazer juízos de valor sobre os diversos regimes e concepções que nos guiaram politicamente entre os anos 1930 e os anos 1980. Para mim, de nada vale crescimento econômico sem liberdade e sem promoção de justiça social. Entretanto, é muito importante que se recuperem esses números, para enfrentar entre os brasileiros de nosso tempo, e especialmente entre os jovens, com os quais mais me preocupo, o pessimismo e a descrença hoje dominantes. Se o céu abençoado pelo Cruzeiro do Sul é o mesmo, se esse chão adorado é o mesmo e se nossa linda gente mestiça, caótica e culturalmente exuberante é a mesma, fica claro que nosso destino é o êxito civilizatório, não o fracasso liderado pelas mediocridades contemporâneas. O que vem falhando miseravelmente é a política, e, se protegermos a democracia, não demora nosso povo achará o caminho da grande virada histórica.

BRASIL: UM SONHO INTERROMPIDO

Mas o Brasil foi parado. Em 1992, o professor Celso Furtado, de quem tive a honra de ser amigo, lançou uma coletânea de ensaios chamada Brasil, a construção interrompida, [10] na qual apontava que nosso projeto nacional de desenvolvimento com base na industrialização e expansão do mercado interno havia sido liquidado pela globalização e o neoliberalismo, e alertava que os próximos anos não ofereciam bom prognóstico para o país. Aqui relembro sua obra e ofereço minha própria interpretação do que aconteceu nestes 27 anos desde o lançamento de sua coletânea, dando continuidade ao esboçado em meus livros anteriores: No país dos conflitos, [11] O próximo passo [12] e Um desafio chamado Brasil. [13]

A vulnerabilidade externa da política de desenvolvimento do regime militar cobrou seu preço a partir do meio dos anos 1970. Depois de duas décadas de crédito barato para os países subdesenvolvidos, vieram as duas crises do petróleo (1973-74 e 1979-80), causadas pela instabilidade política entre e nos países da Opep. [14] Em 1979, sob o comando do então presidente do Fed, [15] Paul Volcker, os EUA promoveram um brutal choque de juros, supostamente para controlar a inflação interna causada pela alta dos preços dos derivados. Isso levou o custo de nossa dívida da casa de um dígito para mais de 12% em 1979 e logo para mais de 20% em 1980.

O grande erro dos militares na época, e esse mesmo erro hoje se repete como tragédia, foi acreditar que se estivéssemos alinhados aos EUA estes deixariam o Brasil se desenvolver. Mas a questão em geopolítica não é alinhamento ideológico, é projeção e proteção do interesse nacional. Quando o Brasil começou a ameaçar “virar uma China” no “quintal” norte-americano, eles dispararam o gatilho dos juros da dívida e transformaram as finanças globais em armas de guerra contra a industrialização da América Latina. Não há outra solução: se quisermos nos industrializar, temos que ter soberania, um sistema de defesa forte, desenvolvimento de tecnologia própria, serviço de inteligência sofisticado e, principalmente, como forma de sustentar tudo isso, assumirmos como inadiável a tarefa de construirmos poupança interna.

Todos os países que dependiam de fluxos internacionais de capitais de longo prazo e baratos como mecanismo central de seu desenvolvimento tombaram. E o Brasil tombou escandalosamente. Durante quarenta anos os empréstimos que o Brasil contraía no exterior tinham, em média, cerca de quinze anos de prazo, três de carência e chegavam a cobrar juros anuais de apenas 2,5%. E então, a partir dos últimos anos da década de 1970, não conseguíamos financiar nossa dívida nem nosso desenvolvimento. O projeto nacional-desenvolvimentista baseado nesse capital e na proteção comercial a setores industriais havia produzido em quatro décadas a 15ª economia industrial do planeta, mas, agora, estava ferido de morte.

Além disso, os problemas sociais advindos daquele modelo de desenvolvimento começaram a aflorar com mais intensidade. Enquanto nos anos Vargas o desenvolvimento econômico veio acompanhado de avanços sociais (como a criação do salário mínimo, o aumento constante da massa salarial e a consolidação das leis trabalhistas que protegeram o trabalhador da tradição escravista da elite brasileira), o crescimento do regime militar foi marcado pelo agravamento de nossos níveis brutais de concentração de renda.

Embora o PIB per capita seja um bom indicador da riqueza de um povo, ele não diz nada sobre como essa riqueza é distribuída. E o Brasil tem especificidades que não se encontram em manuais de economia. Aqui a renda média não significa muito, pois dá a temperatura média de um paciente cujos pés estão no forno e a cabeça na geladeira. Nossa desigualdade sempre foi uma das mais cruéis do mundo, fruto de nosso passado escravista.

Darcy Ribeiro dizia que a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto. O país da Revolução de 1930 era um país agrícola. Saímos de uma base de riqueza muito baixa e de distribuição de renda brutalmente desigual, e não investimos em educação o suficiente. O país que mais cresceu entre 1930 e 1980 ignorou a ignorância. Nada é mais eficaz em manter as estruturas sociais. Isso criou uma distância muito grande entre os “dotô” (como eram chamadas popularmente pessoas que simplesmente tinham uma graduação), que estavam aptos a ocupar a enxurrada de novos trabalhos qualificados gerados por nossa rápida industrialização, e a maioria de nossa população pobre, literalmente, analfabeta. Em 1970, ainda segundo o IBGE, 33,6% da população com 15 anos ou mais não sabia ler nem escrever. [16]

Além disso, o Brasil tinha optado por um modelo concentrado de desenvolvimento industrial, e ao iniciar os anos 1980 tinha a esmagadora maioria de sua indústria baseada em quatro estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Isso fez com que as diferenças de desenvolvimento entre as regiões do país atingissem níveis imensos e acelerou o fluxo migratório e o êxodo rural de forma inédita na história da humanidade.

O crescimento econômico pode não realizar justiça social, mas faz todos melhorarem materialmente. Só que então, nós, que já não tínhamos liberdade nem justiça, de repente ficamos sem crescimento. Num primeiro momento, no fim da década de 1970, o regime insistiu com o modelo, embora as variáveis financeiras e energéticas (surge no período também, crescente e violentamente, a variável tecnológica) tivessem sido dramaticamente alteradas. Mas no início dos anos 1980 o gigante havia sido derrubado. Desde então vivemos de apagar incêndios, reativos, lidando com nossas emergências, vivendo de crise em crise e definitivamente com regimes e lideranças políticas diferentes sem uma guia de projeto nacional. Expressão que aliás, nesse ínterim, foi ela própria interditada.

Entre 1981 e 1984 nosso PIB per capita diminuiu em 12%. De 1988 a 1994, houve a superinflação. De 1996 até o início do século XXI vivemos o desastre de Fernando Henrique Cardoso. Nunca mais voltamos a crescer a altas taxas sustentadas, vivemos de soluços eventuais de crescimento, verdadeiros “voos de galinha”. Esperando ventos favoráveis do Norte, nos prostramos como todo país dependente que não tem força nem confiança para traçar seu rumo e escolher seu destino.

Ou seja, o Brasil, entre 1932 e 1980, cresceu 6,75% [17] ao ano em média, tendo picos de até 14%, como aconteceu em 1973. Entre 1981 e hoje, o país cresce a insustentáveis 2,2% [18] em média. Dois agravantes a gritar por um olhar diferente à ideia única que nos foi imposta ao longo dos últimos trinta anos de prostração neoliberal: nossa população ainda cresce a 0,8% ao ano e a crise estrutural parece estar indo para seu apogeu. Estamos completando a pior década dos últimos 120 anos. Precisamos entender, com muita urgência, que este não é um problema de trocar Francisco, José ou Maria, por Pedro, Joana ou Rita. Trata-se de um problema de modelo econômico. Trata-se de construir uma alternativa atualizada ao modelo exaurido que nos guiou de 1930 a 1980. Não é uma tarefa qualquer.

Os naturais apegos, ódios ou paixões a Francisco, Maria ou João só atrapalham a percepção dessa urgência.

Agora, vivemos a desgraça sem precedentes em nossa história da depressão econômica iniciada no mandato de Dilma, aprofundada pelo Governo Temer e que, seguindo o rumo atual, alcançará seu ponto mais dramático neste governo. Como o país que mais cresceu em oitenta anos do século XX pôde chegar a esse desastre?

1 IBGE. Estatísticas do século XX. Disponível em: https://seculoxx.ibge.gov.br/publicacao 

2 Segundo estimativas do Project Database, o PIB brasileiro teria crescido cerca de 134 vezes.

3 IBGE. Estatísticas do século XX. Op. cit.

4 BOLT, J.; INKLAAR, R.; DE JONG, H.; & VAN ZANDEN, J. L. “Rebasing ‘Maddison’: new income comparisons and the shape of long-run economic development.” Maddison Project Working Paper, nº 10, 2018. Disponível em: https://www.rug.nl/ggdc/historicaldevelopment/maddison/releases/maddison-project-database-2018

5 AZEVEDO, Esterzilda. “Patrimônio industrial no Brasil.” USJT, arq.urb, n o 3, 2010. Disponível em: https://revistaarqurb.com.br/arqurb/article/view/114

6 Registro de todo o dinheiro que entra e sai de um país, na forma de importações e exportações de produtos e serviços, de fluxo de investimentos e capital financeiro, remessa e recebimento de lucros e transferências.

7 REDA, Paulo. “Jango tinha apoio popular ao ser deposto em 64, diz Ibope.” Folha de S.Paulo, mar. 2003. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u46767.shtml

8 IBGE. Séries históricas e estatísticas. PIB. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/7531a821326941965f1483c85c

9 Penn World Tables 6.3. Disponível em: http://dc1.chass.utoronto.ca/pwt/alphacountries.html

10 FURTADO, Celso. Brasil, a construção interrompida. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1992.11 GOMES, Ciro. No país dos conflitos. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1994.

12 GOMES, C. & UNGER, M. O próximo passo: uma alternativa prática ao neoliberalismo. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

13 GOMES, Ciro. Um desafio chamado Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

14 Organização dos Países Produtores de Petróleo.

15 Federal Reserve, o Banco Central americano.

16 IBGE. Séries históricas e estatísticas. Alfabetização. Disponível em: https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=4&op=0&vcodigo=CD101&t=taxa-analfabetismo-pessoas-15+anos-mais

17 IBGE. Estatísticas do século XX. Op. cit.

18 IBGE. Séries históricas e estatísticas. PIB. Op. cit.