Jung: o número como um arquétipo
Desde épocas mais remotas, o homem serviu-se de números para determinar as coincidências significativas, isto é, as coincidências que podem ser interpretadas. O número é algo de especial - poderíamos mesmo dizer misterioso. Ele nunca foi inteiramente despojado de sua aura numinosa. Se, como diz qualquer manual de matemática, um grupo de objetos for privado de todas as suas características, no final ainda restará o seu número, o que parece indicar que o número possui um caráter irredutível. (Não me ocupo aqui com a lógica dos argumentos matemáticos, mas com sua psicologia!). A série dos números inteiros é inesperadamente mais do que uma mera justaposição de unidades idênticas: ela contém toda a matemática e o mais que ainda pode ser descoberto neste campo. O número, portanto, é uma grandeza imprevisível, e não é certamente por acaso que o cálculo é justamente o método mais apropriado para tratar do acaso. Embora eu não tenha a pretensão de dizer algo de esclarecedor entre a relação entre dois objetos tão aparentemente incomensuráveis entre si como a sincronicidade e o número, contudo, não posso deixar de acentuar que eles não somente foram sempre relacionados entre si, mas que ambos tem igualmente a numinosidade e o mistério como características comuns. O número sempre foi usado para caracterizar qualquer objeto numinoso, e todos os números de um ate nove são "sagrados", da mesma forma como 10, 12, 13, 14, 28, 32 e 40 gozam de uma significação especial. A qualidade mais elementar de um objeto é ser uno ou múltiplo. O número nos ajuda, antes e acima de tudo, a por ordem no caos das aparências. É o instrumento indicado para criar a ordem ou para apreender uma certa regularidade já presente, mas ainda desconhecida, isto é, um certo ordenamento entre as coisas. É o elemento ordenador mais primitivo do espírito humano, sendo de observar que os números de um a quatro são os de maior frequência e os mais difundidos, pois os esquemas ordenadores primitivos são predominantemente as tríades e as tétradas. A hipótese de que o número tem um fundo arquetípico não parte de mim, mas de certos matemáticos [...]. Por isto não é absolutamente uma conclusão tão ousada definirmos o número como um arquétipo da ordem que se tornou consciente. Fato notável é que as imagens psíquicas da totalidade, produzidas espontaneamente pelo inconsciente ou os símbolos do Self (Si-mesmo) expressos em formas mandálica, possuem estrutura matemática. Geralmente trata-se de quaternidades (ou seus múltiplos). Essas estruturas não exprimem somente a ordem, como a criam também. É por isto que elas geralmente aparecem em épocas de desorientação psíquica, para compensar um estado caótico ou para formular experiências numinosas. Mais uma vez devemos acentuar que estas estruturas não são invenções da consciência mas produtos espontâneos do inconsciente, como a experiência já mostrou de modo suficiente. Naturalmente, a consciência pode imitar estes esquemas ordenadores, mas tais imitações não provam que os originais sejam invenções conscientes. Daqui se deduz incontestavelmente que o inconsciente emprega o número como fator ordenador.
Excertos do livro "Sincronicidade" de Carl Gustav Jung (pag. 32-33)
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