UM PROJETO PARA O BRASIL
DURANTE A ÚLTIMA DÉCADA, PERCORRI o Brasil conversando com a academia, trabalhadores, associações de produtores e outras organizações sociais, debatendo os problemas e propostas para o País, escutando suas inquietações, opiniões e dados, numa das experiências mais ricas da minha vida política. Com isso, a visão e as propostas que eu tinha para o Brasil se refinaram, novas ideias surgiram e o resultado hoje é antes um projeto de todo um campo político do que meu próprio.
É esse projeto que apresentarei aqui com dois objetivos. O primeiro é dar aos brasileiros uma visão clara de como o País tem jeito, como ele pode dar certo, como a solução de nossos principais problemas está ao alcance de nossa organização e vontade política. O segundo é oferecer esse conjunto de ideias aos atuais tomadores de decisão, com os quais estabelecemos o critério programático que orientará nossa atuação política diante deste governo. Mas também definirá o mérito de nossas diferenças com as demais forças que conosco movem a oposição. Da mesma forma, este conjunto de ideias aqui defendidas devem ser a base de nossa cíclica discussão com outras forças da oposição, como o PT. Caso alguma iniciativa dos atuais governantes coincida com nossas ideias e valores, não nos furtaremos ao diálogo. Por outro lado, será a contradição entre o rumo do governo e nossos valores aquilo que orientará nossa dura oposição. Não acreditamos na política do quanto pior melhor, e francamente, não queremos ver o circo pegar fogo para rir da cara do palhaço, porque, nesse caso, o palhaço somos nós, a nação brasileira.
Somos oposição a isso que está aí. Mas somos oposição ao governo, não ao país. Não apostaremos no quanto pior melhor, porque o pior é a ruína da vida de milhares de famílias brasileiras.
Portanto pretendemos apoiar propostas que forem na direção de nosso projeto, e nos opor da maneira mais eficiente possível às propostas do governo que visem à destruição de nossa soberania e dos direitos da população.
HÁ CONDIÇÕES NECESSÁRIAS AO ÊXITO CIVILIZATÓRIO?
Em meu período de estudos em Harvard me dediquei a investigar esse problema. Analisando dados sobre todos os países que alcançaram desenvolvimento econômico e social (o Brasil do pós-guerra ao fim da década de 1970 experimentou basicamente desenvolvimento econômico, acumulando imensa dívida social), busquei identificar algum padrão nessas experiências. Ou seja, me perguntei se por detrás das imensas diferenças entre as nações haveria algo em comum que explicasse por que algumas são desenvolvidas e outras não. Acredito que encontrei três:
1. Alto nível de formação bruta de capital – O fator principal de explicação do desenvolvimento de um país não é o crédito cíclico que ele tenha com a comunidade internacional, mas sim sua taxa interna de poupança. Ele precisa ter como sustentar com seus próprios recursos o investimento necessário para crescer e se modernizar. O crédito é também bem-vindo, mas será tanto melhor e mais barato quanto mais alto for o nível de poupança interna de um país. Nenhuma nação sustenta seu desenvolvimento com dinheiro dos outros. A única exceção a essa condição são os EUA posteriores à quebra do padrão-ouro, porque têm o dólar e podem simplesmente emitir moeda em larga escala para trocar por mercadorias com outros países, porque ela é a moeda aceita nas trocas internacionais. Essa é uma singularidade irrepetível.
Exceção à parte, um alto nível de poupança doméstica vinculada ao investimento está presente em todo experimento civilizatório bem-sucedido. Saindo do economês, poupança interna é o quanto sobra entre o que o país produziu e o que o país consumiu e, portanto, pode reinvestir. Pensemos num agricultor isolado que plantou milho a partir de uma saca de grãos do produto e colheu seis sacas de grãos. Suponhamos ainda que a família dele tenha consumido quatro delas em um ano. No caso, sobraram duas que ele poupou e agora pode usar de insumo para a próxima safra, na expectativa de dobrá-la.
Enquanto a média mundial de formação bruta de capital1 foi de 24,19% do PIB em 2015, a China poupou 45,4% e a Coreia do Sul, 28,9%. Já a União Europeia, estagnada, poupou em 2015 19,8% do PIB. O Brasil poupou somente 17,4%. Em 2017, a situação ainda ficou bem pior, com somente 15% de formação bruta de capital. [2]
Seria bom avaliar aqui, para efeitos de síntese, os casos extremos. A China, país de maior crescimento no mundo nos últimos dez anos, manteve no período uma taxa média de formação de capital de 45,4% do PIB. Sua média desde o ano de 1970 até 2015 foi de 38,5%. Já o Brasil, que alcançou o máximo de média de 22,9% durante o “milagre econômico”, apresenta uma média a partir de 1980 de 19,67% do PIB de poupança interna. [3] Compensamos por muito tempo nossa baixa taxa de formação bruta de capital com empréstimos externos e emissão de moeda. Esta última é uma forma de poupança forçada imposta à sociedade pelo Estado. Seu problema é que, quando provoca oferta maior do que a que pode ser suprida pela capacidade ociosa da economia, tem efeito inflacionário. As restrições trazidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal acabaram com esse expediente heterodoxo no Brasil e ajudaram na estabilidade da moeda e sanidade fiscal, no entanto, não foram acompanhadas do esforço correspondente para elevar as taxas de poupança interna. Muito importante afirmar neste ponto que, ao contrário da retórica passiva neoliberal, o nível de poupança e investimento de um país não é consequência fatalista do acaso, e sim de arranjos institucionais que a política faz ou deixa de fazer.
Trata-se, na prática, de como cada país organiza seu sistema de impostos, seu sistema de Previdência, seu mercado de capitais, ou como suas instituições estabelecem ou não conexões entre a poupança de longo prazo da sociedade e o investimento de longo prazo.
2. Coordenação estratégica governo-empresariado-academia – Não há caso de desenvolvimento econômico e social de uma nação no mundo que não conte com a coordenação de um governo, forte e empoderado, com seus empreendedores e academia nacional. Nosso compromisso é inarredável com a democracia, mas cabe dizer, a bem da verdade, que na história essa coordenação veio indistintamente de governos autoritários ou democráticos. O caso chinês e o coreano são exemplos de coordenações autoritárias, enquanto a recuperação europeia do pós-guerra e o New Deal nos EUA são exemplos de coordenações democráticas. No Brasil, igualmente, já tivemos coordenações dos dois tipos, sempre com resultados muito fortes no PIB.
Nada substitui um projeto nacional, e por sua natureza o mercado não pode oferecer a gestão e a coordenação deste. É o Estado que tem que organizar as forças políticas, econômicas e acadêmicas, criando as condições de investimento e trabalho para superar os gargalos da economia em direção a metas. Deve fazer isso contando com uma academia ocupada em encontrar as respostas tecnológicas aos problemas de desenvolvimento.
3. Investimento em gente – Trabalho técnico, empreendimento, gestão, avanço científico e tecnológico são realizados por pessoas. Assim, parece evidente que outra condição sine qua non do êxito civilizatório é o investimento em gente. Prioritariamente em educação, óbvio, mas não é razoável pedir produtividade de uma nação que condena 200 mil cidadãos à malária por ano em uma única região. E a história confirma essa dedução.
O experimento coreano, por exemplo, tem trinta anos, e foi marcado por investimento maciço em educação, assim como o chinês. Já as primeiras universidades europeias datam do século XIII, as norte-americanas, do século XVII. Atualmente, com o nível de desenvolvimento tecnológico e complexificação das atividades econômicas, um alto nível de escolaridade é imprescindível até para a operação de máquinas, que dirá para a gestão da tecnologia. Mais do que nunca é necessária uma educação que ensine a aprender, relacionar criticamente informações e se adaptar às mudanças rápidas das tecnologias de produção, afastando-se do paradigma fordista que ainda predomina no Brasil.
CONCEITO DE “PROJETO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO”
Neste termo, cada palavra tem um significado muito forte, e implica um conjunto potencial de conflitos políticos. Significa, por exemplo, no concreto, abandonar de uma vez por todas o equívoco da retórica neoliberal de que o desenvolvimento vai ocorrer pelo espontaneísmo individualista das forças de mercado. Isso nunca aconteceu na história da humanidade. Juntas, as palavras “projeto”, “nacional” e “desenvolvimento” formam a essência daquilo que produziu os grandes experimentos civilizatórios da humanidade.
Projeto é um conjunto de metas para as quais se estabelecem prazos, métodos de execução, supervisão, avaliação e controle, bem como orçamentação e definição de fontes de recursos.
Pressupõe recuperar a capacidade de planejamento de curto, médio e longo prazos do país. Ele requer, no caso de um projeto nacional, uma visão de país hegemônica, baseada num diagnóstico realista de que sociedade somos e queremos vir a ser. Só o Estado pode coordenar um projeto nacional, e para tanto ele tem que ter capacidade de planejamento e um corpo técnico competente.
Para que mobilize a sociedade numa democracia, um projeto nacional deve ser fruto de um profundo debate público, efetivando uma aliança entre os trabalhadores, o mundo da produção e a academia.
O “nacional” do termo lembra que não há um modelo universal a ser seguido, pois as condições de empreender, produzir e trabalhar seguem dramaticamente nacionais e não globais. Significa abrir mão da ideia mistificadora de globalização total. Acesso a matérias-primas, parque instalado, geografia, poder militar, condições de financiamento, formação de mão de obra, cultura e tantas outras características é algo radicalmente local e exige a criação de um projeto de desenvolvimento adaptado àquela nação.
Por “desenvolvimento” entendemos o aumento tanto da riqueza produzida por um país como das capacidades e habilidades de seu povo, suas condições de vida e felicidade. Para a superação do subdesenvolvimento não basta o crescimento econômico, é preciso romper com os mecanismos de dependência, e que haja crescimento humano e justiça social, boa distribuição de renda e serviços públicos de qualidade.
Então precisamos de um Projeto Nacional de Desenvolvimento surgido do debate da sociedade, sua academia, sindicatos e classe empresarial produtiva. É nisso que eu tenho me empenhado nestes últimos muitos anos de andanças pelo país, e é sobre nossas ideias para a construção desse projeto que peço sua reflexão agora.
O BRASIL QUE QUEREMOS
Para esboçar o tipo de sociedade que queremos não estou aqui simplesmente adotando os ideais social-democratas e trabalhistas de toda a minha vida pública, nem mesmo o projeto de país assumido em estatuto por meu partido, o PDT, mas sim o conjunto de valores e expectativas que a população brasileira reiteradamente afirma, entre outros meios, por pesquisas de opinião como o Datafolha [4] e o Latinobarômetro. [5]
O retrato do país desejado pelo povo brasileiro que emerge dessas pesquisas de opinião é flagrantemente o de um Estado de bem-estar social, o chamado Welfare State. Consciente ou inconscientemente, nosso modelo almejado de sociedade é o do desenho europeu (ou canadense, ou japonês), baseado em serviços públicos universais, não o modelo dos EUA.
Considerados os critérios usados pela pesquisa Datafolha, a grande maioria dos brasileiros, 76%, acha que o investimento do Estado é que deve ser o motor do desenvolvimento econômico, contra 20% que atribuem esse papel à iniciativa privada. [6] Da mesma forma, consideram como fato dado que saúde e educação são deveres do Estado, e esperam desses serviços gratuidade e qualidade. Uma maioria esmagadora de 90,5% dos brasileiros considera a distribuição de renda do país muito injusta (45%) ou injusta (45,5%), contra somente 6,6% que a consideram justa. [7] Esses dados se harmonizam perfeitamente com outra pesquisa, a Oxfam-Datafolha, que revelou que 91% dos entrevistados concordam que, no Brasil, “poucas pessoas ganham muito dinheiro enquanto muitos ganham pouco”. [8]
Além disso, 72% dos brasileiros apoiam o aumento de carga tributária sobre a renda das pessoas de altíssima renda. Aspiramos, para nós e nossos filhos, a um padrão geral de renda e consumo característicos da classe média.
Então as bases do país que a grande maioria dos brasileiros quer estão dadas. Um Estado de bem-estar que garanta saúde e educação públicas e de qualidade para seu povo, que tenha capacidade de planejamento e investimento na economia, que garanta uma distribuição mais justa da riqueza e uma sociedade civil mais rica, com uma economia baseada na livre-iniciativa.
No entanto, apesar de os valores almejados serem similares aos da social-democracia europeia, os caminhos para construirmos a sociedade sonhada pela maioria dos brasileiros terão que ser próprios, terão que ter seus pés bem calcados na realidade de um país latino-americano no século XXI. Temos que traçar nossas metas a partir da nossa realidade objetiva.
E sejam quais forem nossos caminhos, para viabilizar esse país que queremos não há alternativa que não seja voltar a crescer, e a crescer muito, porque ainda não produzimos riqueza suficiente para sustentar nossas aspirações.
O BRASIL QUE TEMOS
O Brasil que temos é muito diferente do que queremos. Ele é pobre, brutalmente desigual e ainda tem a proporção de gasto estatal deprimida em todos os serviços públicos.
A desigualdade é a maior tragédia brasileira. Somos simplesmente um dos dez países mais desiguais do mundo, só conseguindo ficar atrás de África do Sul, Namíbia, Haiti, Botsuana, República Centro-Africana, Zâmbia, Lesoto e nossos vizinhos Colômbia e Paraguai, [9] mesmo depois de quatorze anos de governos autorreferidos de “esquerda”.
Estudo de 2015 mostra que a concentração de renda brasileira supera a de qualquer outro país com informações disponíveis. A décima parte mais rica de nossa população apropria-se de 52% da renda das famílias brasileiras, o centésimo mais rico, de 23,2%, o milésimo mais rico, de 10,6%, e, pasmem, o meio milésimo mais rico, de 8,5% de nossa renda. São índices incríveis e terríveis. Como termo de comparação, o meio milésimo mais rico no Uruguai se apropria de 3,3% da renda, e na Noruega, de 1,7%. [10]
Já o discurso midiático do Estado inchado no Brasil é o que se chama uma meia-verdade. Tem muita distorção e desperdício, e, por outro lado, muito menos Estado onde ele é necessário. O tamanho médio do Estado brasileiro é a metade do tamanho do Estado nos países desenvolvidos.
Enquanto a proporção de trabalhadores empregados no serviço público nos países da OCDE em 2013 foi de 21,3%, no Brasil, segundo a mesma organização, a proporção foi de 12,11.11 Os EUA, frequentemente citados como modelo pelos defensores da diminuição do Estado, têm 15,3% dos empregados no governo, enquanto países escandinavos como a Dinamarca e a Noruega, nossas referências de serviço público, têm 35% de servidores. Na prática, esqueça as estatísticas e pense você: o Brasil tem mais ou menos polícia do que precisa? O Brasil tem mais ou menos professores do que precisa? O Brasil tem mais ou menos médicos do que precisa?
A alegação de que apesar de poucos nossos funcionários públicos são caros também é uma meia verdade.
De acordo com relatório do Banco Central Europeu, a média dos gastos com salários de servidores públicos na zona do euro era de mais de 10% do PIB em 2008. [12] No Brasil, o gasto com salários de servidores em 2013 foi de 4% do PIB. [13] E não custa lembrar que o PIB per capita europeu é em média três vezes maior do que o nosso. Como se não bastasse, mais uma vez no Brasil os valores médios escondem nossa brutal desigualdade. Para uma correta avaliação do gasto salarial com servidores no Brasil é preciso comparar os vencimentos entre os Poderes e dentro do próprio Executivo. Em 2013, a despesa salarial mensal média do Executivo federal foi de R$6.968, ou seja, menos da metade da vigente no Legislativo (R$14.069) e no Judiciário (R$13.276).
Dentro do Executivo ainda há fortes assimetrias. A média salarial do Banco Central, por exemplo, era de R$20.113, quase três vezes maior que a média do Executivo e duas vezes maior que a das empresas públicas, que era de R$10.776. [14] Distorções injustas precisam ser eliminadas, porém mais uma vez é preciso deixar claro, sem demagogia, que não será daí que poderá sair o dinheiro que tão desesperadamente nos falta para investir. Ou alguém em sã consciência pode achar que o salário de R$2.415,89 de um professor da prefeitura da cidade mais rica do Brasil, a cidade de São Paulo, é salário de marajá?
E ao contrário da propaganda liberal sobre a falta de retorno do serviço público a nossos impostos, a verdade é que com os recursos que efetivamente chegam aos sistemas de educação e saúde o Brasil opera milagres. Eu compreendo a revolta da classe média brasileira com a falta de retorno dos impostos, pois ela paga dobrado para viver ao ser descontada na fonte pelo imposto de renda, sem ter como dele se evadir, e por não acreditar nos serviços públicos paga por saúde, educação e segurança privadas. Evidentemente, apesar disso, nossos serviços públicos estão muito aquém dos oferecidos pelo Japão, Canadá e estados europeus, padrão desejado pela população brasileira e cobrado por sua imprensa. Os motivos principais são basicamente três, e não são nem a incompetência, nem a corrupção, nem o desperdício, apesar de maus exemplos existirem.
Esses motivos são muito simples de entender para quem não quer simplesmente odiar a educação e a saúde públicas: somos hoje em média três vezes mais pobres que os países europeus e ainda pagamos menos impostos sobre a riqueza total produzida do que eles. Como se não bastasse, de nosso pobre orçamento saem centenas de bilhões (cerca de 10% dele) todo ano para o pagamento de juros exorbitantes. Não há mágica que possa compensar esse subfinanciamento.
Sim, apesar da propaganda desinformativa, nossa carga tributária é menor do que a europeia. [15]
Como ela está concentrada nas costas dos pobres e da classe média, a maioria dos eleitores costuma se indignar quando esse mero fato é lembrado. Meu dever, no entanto, é fugir da demagogia, e tentar explicar a verdade ao povo brasileiro.
A carga tributária média na Europa em 2014 foi de 41,5% do PIB. [16] Para citar alguns dos países europeus de melhor nível de vida e suas cargas naquele ano, temos a Bélgica com 47,9%, a Dinamarca com 50,8%, a Alemanha com 39,5%, a França com 47,9%, a Itália com 43,7%, a Noruega com 38,9% e a Finlândia com 44,0%. Já no Brasil, segundo o Tesouro Nacional, a carga tributária em 2017 foi de 32,36% do PIB. [17]
E nossos impostos incidem sobre uma base média de riqueza muito, muito menor. Em 2016, nosso Produto Interno Bruto per capita ajustado por paridade de poder de compra, ou seja, o índice que mede o quanto produz em média cada cidadão brasileiro, foi de US$15.127,81. O da Finlândia foi de US$43.052,72; Bélgica, US$46.383,23; Alemanha, US$48.729,59; Dinamarca, US$49.695,96; França, US$41.466,26; e Noruega, US$59.301,67. [18]
Para resumir, enquanto o Estado dinamarquês tem em média US$25.245,54 para gastar anualmente por cidadão para prover saúde, educação, segurança, Judiciário e Previdência, o Estado brasileiro tem US$4.904,43 para os mesmos objetivos. Exigir serviços da mesma qualidade é inaceitável e mais do que irrealista. Sobretudo se lembrarmos que gastamos hoje o equivalente a 25% de nossa arrecadação com juros de nossa dívida interna. [19] O fato de estarmos pagando esses juros com mais dinheiro emprestado não diminui, mas aumenta essa tragédia transferindo seus custos para o futuro.
Todos os gastos públicos no Brasil, à exceção do serviço da dívida, estão extremamente deprimidos. Consideremos o exemplo da saúde. Caso pertencesse à OCDE, organização de cooperação econômica entre os países desenvolvidos que ainda inclui o Chile e o México, o Brasil seria simplesmente o antepenúltimo em gastos per capita em saúde, atingindo menos de um terço da média da OCDE. Para piorar, teríamos igualmente a terceira pior proporção de gastos públicos em saúde, ou seja, a maior parte desse gasto per capita é privada. Com nossos 3,6% do PIB [20] de gastos públicos em saúde, ficaríamos somente acima de Turquia e México.
Então tudo se resume ao fato de sermos muito mais pobres, pagarmos menos impostos e brutalmente mais juros do que os europeus. Não é a corrupção ou a incompetência que nos faz ter serviços públicos piores. O fato de, apesar de tudo isso, ainda oferecermos um precário sistema universal de saúde e de educação é quase um milagre. Mas esse “milagre” tem nome: o trabalho dos servidores do Estado. Esse reconhecimento não desconsidera meu testemunho de que muitos brasileiros são maltratados em postos de saúde, que muitos jovens brasileiros têm mais medo da polícia do que de bandidos nas comunidades ou ainda que aqui e ali a exacerbação corporativista transforma partes do serviço público em verdadeiras castas.
O QUE FAZER AGORA? [21]
Enquanto pensamos, e temos que pensar, no país que queremos construir para nossos filhos, temos que enfrentar, na partida, a maior depressão de nossa história. Completamos em 2019 a pior década em matéria de desenvolvimento econômico dos últimos 120 anos. A radiografia desse terrível número se encontra por qualquer ângulo que se deixe considerar. Do segundo mandato de Dilma para cá são 13 mil indústrias fechadas, 5 milhões de pequenas empresas às portas da falência, 13 milhões de desempregados, 41,2 milhões de brasileiros, recorde histórico, empurrados para a informalidade, 63,5 milhões de brasileiros com o nome sujo no SPC e Serasa, 65% das famílias, recorde histórico, endividadas e mais de R$1 trilhão e duzentos bilhões (recorde histórico) de endividamento empresarial.
Enquanto isso, o Governo Bolsonaro promete dobrar a dose do veneno que está matando o país desde o fim do primeiro mandato de Dilma: corte de investimentos públicos, congelamento de salários, eliminação de direitos e juros altos na ponta para os consumidores e as empresas (reconheço aqui que uma política acertada do governo tem sido até a última revisão deste livro a queda da taxa Selic, num nível jamais produzido pelo governo do PT. Mas essa medida, que melhora as contas públicas, não tem se refletido na queda dos juros oferecidos aos consumidores e às empresas pelos bancos nacionais, o que continua sufocando a atividade econômica). Uma tentativa de ajuste feita no lombo da classe média e baixa enquanto os ricos seguem em seu paraíso fiscal terrestre.
Não acredito que este governo vá fazer diferente até que seja tarde demais. O que acreditamos que deveria ser feito para debelar a emergência da crise é um conjunto de quatro linhas de ação imediatas.
Precisamos consertar os quatro motores mais importantes da ativação do crescimento econômico colapsado: o consumo das famílias, o investimento empresarial, o investimento público e a política industrial e de comércio exterior.
1 - Recuperar o consumo das famílias: Estamos acostumados a analisar o PIB pelo lado da oferta, da produção, como quando afirmamos que a participação da indústria na produção nacional voltou aos níveis de 1910. Mas o importante quando queremos avaliar os principais fatores que levam ao crescimento é analisá-lo pelo lado da demanda, ou seja, de quem consome o que é produzido pelo país. E cerca de 60% do consumo do que é produzido no Brasil vem das famílias brasileiras. O consumo das famílias é produto imediato de três fatores: emprego, renda e crédito. Emprego e renda vêm depois, no crédito pode-se agir agora. Temos hoje 63 milhões de brasileiras e brasileiros endividados, com o nome sujo no SPC e na Serasa. São de forma geral cidadãs e cidadãos que compraram no cartão de crédito ou fizeram um crediário e foram surpreendidos pela crise e pela alta dos juros no Governo Dilma. Isso tirou sua capacidade de contrair pequenos financiamentos e, portanto, sua capacidade de consumo. A primeira ação para reaquecer a economia deveria ser restituir gradualmente a capacidade de financiamento das classes média e baixa, com um programa de refinanciamento governamental que ajudasse nossos compatriotas a limpar o nome no SPC e Serasa. A dívida média de cada pessoa com nome sujo no Brasil no fim do ano de 2018 era de R$4.200,00. Mas cerca de 80% disso era somente de juros sobre juros, multas, comissão de permanência e outras taxas (no Brasil, os juros ao consumidor são os mais altos do mundo, mais de quatro vezes maior do que a maior taxa de nossos vizinhos latino-americanos). [22] Abaixo há uma lista atualizada do custo das modalidades de crédito ao consumidor até o momento da última revisão. [23] As empresas costumam oferecer planos de refinanciamento individualizados quando avaliam que as dívidas se tornaram impagáveis. O que proponho é que o governo federal use sua força para negociar coletivamente essas dívidas com os credores, conseguindo o máximo de desconto nelas, e derrubá-las para uma média de R$1.400, o que representaria um desconto médio de 70% na dívida (nos atuais leilões da Serasa, o cidadão desprotegido consegue até 90% de desconto).
Em conjunto com a renegociação das dívidas, se abriria uma linha de financiamento nos bancos públicos e nos privados que desejassem participar do programa. As pessoas poderiam parcelar seus saldos devedores, já com desconto, em até 36 vezes e três meses de carência. Com juros decentes e dívida descontada, estimamos que cada parcela média mensal ficaria em torno de R$40 por mês.
Assinando o contrato de parcelamento, o nome do devedor já seria retirado do cadastro negativo. A garantia desses milhões de microfinanciamentos viria de um sistema de aval solidário, muito bem-sucedido em regiões do Brasil como no Programa Crediamigo, do Banco do Nordeste, que apresenta uma taxa de inadimplência de apenas cerca de 1,4%.
Nos últimos dois governos, o Brasil gastou R$354 bilhões para perdoar a dívida de empresas e empresários com a Receita Federal e a Previdência, por meio do Refinanciamento de Dívidas Fiscais (Refis). Que motivo pode ser dado para considerar populista esse tipo de programa, que ajuda as empresas e seus proprietários, é racional e desejável economicamente, e limpa o nome dos pobres e da classe média recuperando sua capacidade de financiamento e senso de dignidade? Infelizmente, no Brasil, tudo o que é voltado para ajudar o povo diretamente é tachado de populismo pela direita. Mas nós vemos a economia como um instrumento para promover a felicidade humana, e não como um fim em si mesmo.
2 - Consolidar o passivo privado : O investimento privado é puxado pela expansão do consumo. Hoje a indústria brasileira está com apenas 66% da sua capacidade instalada ocupada, e o endividamento empresarial, como já disse, é o maior da história. Passa de R$1,2 trilhão o volume dessa dívida na iminência de inadimplir. Ocupação de capacidade instalada vem depois. Porém, o sistema financeiro brasileiro, que criminosamente concentra em apenas cinco bancos 85% de todas as transações financeiras (imprudência produzida pelos governos brasileiros dos últimos dezesseis anos), recusa-se a refinanciar esse passivo. Isso é compreensível, pois deriva de sua aversão ao risco. Não é deles que se deve esperar a responsabilidade pela retomada do crescimento do país.
Temos que procurar ajudar a resolver o problema do endividamento das empresas antes que a onda de falências acabe por destruir completamente o tecido produtivo brasileiro e o próprio sistema bancário por consequência. O Estado, no entanto, não pode mais uma vez simplesmente socializar o prejuízo privado através dos bancos públicos, que é o que geralmente acontece no Brasil quando a banca não aceita mais refinanciar uma grande empresa quebrada. Vimos exemplo recente com a transferência dos passivos da Oi para o Estado. Enquanto era lucrativa recebia financiamento dos bancos privados. Na iminência de quebrar, por um passe de mágica, todas as suas dívidas foram assumidas pelo BNDES, BB e Caixa Econômica Federal. Isto é o neoliberalismo: lucro privado, prejuízo socializado, ou seja, pago pelo povo.
Minha proposta é transferir cerca de US$50 bilhões a US$70 bilhões das reservas brasileiras no exterior (em cerca de US$380 bilhões hoje), em vez de vender dólar barato para cevar a especulação, para um fundo soberano ou mesmo para capitalizar o Banco do Brics, criando uma linha de crédito para as empresas brasileiras. Dado que nossas reservas internacionais não estão remuneradas, pois recebem em média juros negativos, com parte delas criaríamos um grande programa de refinanciamento das empresas brasileiras, oferecendo um redesconto em que os devedores trocariam os juros altos e prazos curtos dos bancos privados nacionais por juros internacionais com prazos maiores. Não é um programa de resgate ou transferência de recursos, é um programa de crédito, mediante garantias contratuais patrimoniais e condicionado à execução de planos de investimento e emprego. Uma vez que os juros estão próximos de zero, o custo de hedge [24] para cobrir eventuais riscos cambiais correria por conta das empresas tomadoras. Tal programa de refinanciamento devolveria às grandes empresas brasileiras a capacidade de investimento e eliminaria o risco de uma crise bancária que desorganizaria dramaticamente nossa economia.
3 - Sanear as finanças públicas: Ninguém precisa ser Nobel em economia para entender que em momentos de forte depressão econômica quem pode e deve tomar iniciativas anticíclicas é o setor público. Saiamos da leitura mofada, que já nenhum intelectual sério reproduz o dogmatismo neoliberal, e observemos a história do mundo. Roosevelt respondeu à depressão de 1929 com o que ele chamou de New Deal, que na prática estabeleceu um choque de investimento público para ressuscitar a economia privada colapsada. O Plano Marshall na Europa destruída obedece à mesma lógica, assim como a experiência de MacArthur no Japão. Os movimentos contemporâneos do BC da Europa e as iniciativas fiscais da Alemanha demonstram a absoluta atualidade dessa lógica. André Lara Resende está escrevendo, mais uma vez de forma atualizada, sobre a relativização, especialmente no curto prazo, da autorreferida “austeridade fiscal”. Larry Summers, ninguém menos do que o ex-secretário do Tesouro americano, vendo a ineficiência dos juros próximos de zero que não estão conseguindo reanimar a economia global desde 2018, já fala claramente que o motor fiscal deve novamente ser chamado a cumprir sua insubstituível tarefa. É preciso ficar claro que não é possível pensarmos em voltar a crescer enquanto o governo gasta R$0,33 (33 centavos de reais) de cada R$100 do orçamento para investimento e gasta cerca de R$10 de cada R$100 para pagamento de juros líquidos. As promessas de retomada do crescimento no governo desde Dilma até Bolsonaro são pura demagogia ou a mais sofrida mentira.
Enquanto o déficit primário do governo foi de R$118 bilhões em 2017, só a União pagou em juros R$328,1 bilhões [25] (segundo estudo da FGV, o setor público inteiro pagou R$400,8 bilhões de juros no mesmo ano). Em 2017, assistimos a um aumento de R$446 bilhões na dívida pública, ou simplesmente 14,33% em relação a 2016. Assumida pelo Governo Temer em abril de 2016 em 66,7%, nossa dívida bruta fechou o ano de 2018 em 76,7% do PIB. [26]
Este é um rumo suicida. O déficit primário de março do atual governo foi de R$18,6 bilhões, um valor maior, volto a lembrar, que o déficit primário do ano inteiro de 2014, no qual grande parte da mídia, a serviço da propaganda regiamente paga pelos bancos, disse que o país estava quebrado. Mas só de juros nominais pagamos no mesmo mês de março de 2019 incríveis R$43,5 bilhões! [27] No acumulado dos últimos 12 meses até março de 2019, gastamos em juros nominais R$384,5 bilhões.
Isso equivale a 5,5% do PIB (tudo o que o Brasil produziu), 10,7% do orçamento da União (tudo o que o governo federal gastou) e 26,4% da arrecadação da União (tudo o que pagamos de impostos para o governo federal), que atingiu em 2018 R$1,457 trilhão. [28] Quem não consegue enxergar que esse estado de coisas é insustentável?
Precisamos ajustar as contas públicas, e só há dois meios para isso: aumentar receitas e diminuir despesas. Devemos fazer um pouco dos dois. Dizer o contrário é enganar o país.
Temos que ter uma política fiscal responsável e transparente, com todas as receitas e todas as despesas públicas amplamente debatidas pela sociedade. Não devemos ter compromisso com qualquer despesa que não seja plenamente justificada. Todas as contas do governo devem ser postas em xeque e rigorosamente avaliadas, garantindo todas as receitas que pudermos para aumentar nossa taxa de investimento. Mas é só olhar para o orçamento da União que salta aos olhos onde as despesas têm que ser cortadas substancialmente: na conta de juros. Temos que trazer os juros brasileiros abaixo da rentabilidade média dos negócios o quanto antes. Uma taxa real de 2% hoje já estaria muito acima da média mundial, hoje negativa.
Na outra ponta, não podemos prescindir de um aumento de receita. Com o Brasil voltando a crescer, as empresas reestruturando suas contas e as famílias gradualmente voltando a consumir, a arrecadação voltará a subir. Mas esse é um efeito de médio prazo, e para o país voltar a crescer temos antes de aumentar o nível de investimento público.
A minha proposta é que retiremos 20% de todas as isenções fiscais distribuídas no país sem qualquer critério ou obrigação de investimento, ainda que, aqui e ali, bem-intencionadas. Só essa providência arrecadaria a preço de hoje algo ao redor de R$66 bilhões por ano. Só esse passo é mais da metade do déficit primário de R$130 bilhões previsto para o ano de 2019.
No entanto, isso não é o suficiente, mesmo porque as vendas já estão deprimidas. Temos que aumentar impostos dos mais ricos, mas devemos fazê-lo de forma comedida e sem afetar a classe média, a produção e o investimento. Como medida imediata de aumento de receita para os estados, que estão, na sua maioria, em situação pior que a União, proponho aumentar imediatamente o imposto sobre grandes heranças (esqueçam a classe média, que não tem mais nada para dar) para 8% em todo o Brasil, teto máximo permitido pela lei atual. O Ceará já cobra assim. A média hoje está em 3,86%, [29] ousaria afirmar, uma das menores taxas do mundo. Isto nos garantiria ao menos R$20 bilhões adicionais de arrecadação por ano, atingindo somente os 0,3% mais ricos do país.
Da mesma forma poderíamos tirar da gaveta o projeto veiculado recentemente da criação de uma alíquota de 35% do imposto de renda para pessoas físicas que ganham acima de R$20 mil por mês. É claro que esse valor é só um exemplo que deve ser negociado. Sou obrigado a lembrar aqui que na minha gestão como ministro da Fazenda eu criei essa alíquota, que FHC revogou assim que assumiu.
Segundo o IBGE, apenas 325,5 mil brasileiros estavam nessa condição em 2015, ou 0,3% da população ocupada no Brasil.
Outra ideia na direção de um sistema tributário que, para além de arrecadar, mude estruturalmente uma das mais perversas distribuições de renda do mundo, é um tributo progressivo sobre patrimônios superiores a R$10 milhões com alíquotas de 0,5% a 1%. Devo lembrar que esse tributo já existe na nossa Constituição e permanesce sem cobrança ou mesmo regulamentação desde 1988.
Mas a medida que nos garantiria um aumento substancial mais rápido de receita seria a volta da tributação na distribuição de lucros e dividendos das grandes corporações. É claro que a volta desse tributo deveria vir acompanhada de uma revisão no imposto de renda da pessoa jurídica. Mas uma alíquota de 27,5%, igual ao imposto de renda dos meros mortais brasileiros, garantiria cerca de R$80 bilhões, sem efeitos inibitórios da atividade econômica, porque só incidiria sobre os recursos retirados da empresa. Todos os países do mundo cobram esse tributo, menos o Brasil e a pequena Estônia, no Leste Europeu. Eu, quando ministro da Fazenda do Governo Itamar Franco, cobrei esse tributo. FHC o revogou e os dezesseis anos dos Governos Lula-Dilma-Temer o mantiveram revogado. Entre 2008 e 2015, dezenove dos 34 países da OCDE elevaram a tributação sobre dividendos para enfrentar a crise, [30] entre eles Reino Unido e EUA. O Brasil, com seu rombo fiscal gigante e 10º país mais desigual do planeta, continua isentando essa renda dos mais ricos.
Há outras providências para tornar o sistema tributário brasileiro menos injusto e regressivo, como demonstraremos adiante. Mas apenas com esses exemplos teríamos cerca de R$170 bilhões a mais, só na perna da receita, para zerar o déficit e dizer de onde vem o dinheiro para uma sólida e expressiva retomada do investimento público.
4 - Superar o desequilíbrio externo: A cada vez que o Brasil, nas últimas décadas, atingiu o número pífio de crescimento de 2,5%, apresentou-se um rombo nas contas em dólar do país com o estrangeiro. Simples de entender. Dos anos 1980 para cá, o país experimenta o pior processo de desindustrialização da história do capitalismo mundial. Ciclicamente, nos últimos tempos, por puro populismo cambial, o Brasil explodiu nessas ocasiões o seu déficit. A última vez que crescemos esse número pífio, ainda com Dilma Rousseff, a diferença entre o que o Brasil exportou de produtos industrializados e o que importou foi de US$124 bilhões, valor que, ao câmbio de 2019, equivaleria a R$515 bilhões por ano. Se faltam dólares nesse volume, o preço do dólar em real, que é a taxa de câmbio, sobe. Subindo o dólar, há uma inevitável tendência de que todos os preços da economia brasileira subam na mesma proporção.
Precisamos ajudar o povo a entender esse preço central de nossa economia. Porque nosso povo, tenho eu repetido em minhas palestras pelo país, não compra dólar, mas come pão. E o pão é feito do trigo que não produzimos em quantidade suficiente, e que, portanto, temos que importar, pagando em dólar. Subindo o dólar, sobe o preço do trigo e, portanto, o preço do pão.
Nosso povo anda de ônibus. Como estamos importando um terço do óleo diesel que usamos e os preços da Petrobras foram dolarizados, toda vez que o dólar sobe, o preço do diesel sobe, bem como o preço das passagens de ônibus. Em outras palavras, subiu o dólar, sobem os preços. O nome disso é inflação, e o governo tem que interromper qualquer crescimento aumentando a taxa de juros, o que explica por que o Brasil não sai do atoleiro. Portanto, se quisermos retomar o crescimento em níveis suficientes para gerar os empregos e a renda de que precisamos, temos que reequilibrar as contas do nosso país em dólar.
É preciso matar, de uma vez por todas, a ilusão de que seremos capazes de pagar a conta da justa aspiração de nosso povo de acessar um padrão de consumo moderno (eletroeletrônicos, química fina, meios diagnósticos médicos, informática e tudo mais de alto valor agregado) com soja, milho, minério de ferro bruto e petróleo bruto. Essa conta não fecha. Para consertar isso, há duas tarefas. Uma de médio e longo prazos e outra de prazo mais curto. A médio e longo prazos, celebrarmos uma política industrial e de comércio exterior explorando cadeias produtivas em que o Brasil tem potencial vantagem comparativa global: cadeia do petróleo, gás e bioenergia, complexo industrial da saúde, complexo industrial da defesa e complexo industrial do agronegócio.
Temos que reequilibrar as contas externas brasileiras, e não o faremos de maneira sustentável mantendo nosso modo de consumo e vendendo produtos de baixo valor agregado. O Brasil precisa se reindustrializar em direção a sua base primária e possibilidades tecnológicas. Veremos isso também nas propostas de longo prazo, mas a curto prazo o que pode ser feito para reequilibrar as contas externas é manter o câmbio num valor realista que fortaleça nossa competitividade sistêmica e enfraqueça o consumismo.
O QUE FAZER PARA O FUTURO: UM PROJETO NACIONAL
As metas que já posso esboçar como base de um novo grande projeto nacional de desenvolvimento são derivadas de dois conjuntos de premissas já expostos neste capítulo. O primeiro é sobre as condições necessárias para o êxito civilizatório. O segundo é sobre o conjunto de conquistas que queremos realizar como nação, o tipo de sociedade que queremos construir. Vou apresentar essas metas aqui em cinco grupos:
1 - Recuperação do Estado – Saneamento estrutural das contas públicas com recuperação da capacidade de investimento através da superação do rentismo, reforma pactuada da Previdência e equilíbrio das contas externas;
2 - Reforma tributária – Visando a simplificação, a desoneração da produção e do investimento, o aumento da poupança interna e a justiça fiscal;
3 - Reindustrialização – Coordenação de um novo grande projeto de industrialização, começando por quatro áreas em que temos vantagem comparativa global potencial, através de uma nova política de ciência, tecnologia e inovação, financiamento, compras governamentais e criação de uma nova geração de empreendedores;
4 - Revolução educacional – A real transformação da educação em prioridade orçamentária e não somente discursiva, aliada a uma reforma pedagógica.
5 - Agregação de valor ao produto rural – A vocação do Brasil de se tornar “celeiro do mundo” está próxima de se tornar realidade. Com um mínimo de vontade política, pode ser um legado de nossa geração.
Vamos ao projeto.
RECUPERAR O ESTADO
Sou obrigado a lembrar, antes de tudo o que tenho a dizer, que meu compromisso, como gestor, com a sanidade fiscal é inquestionável. Quando governador, resgatei no mercado secundário 100% da dívida mobiliária do Ceará com quinze a 25 anos de antecedência de seu vencimento, caso inédito no Brasil, e ainda deixei os títulos no Tesouro para serem usados em caso de necessidade pelos futuros governadores. Fui prefeito, governador e ministro da Fazenda sem ter registrado um único dia de déficit fiscal em minha biografia. A cultura fiscal que ajudei a criar no Ceará permanece até hoje, atravessando gestões como as de meu irmão Cid Gomes e do atual governador Camilo Santana. A crise fiscal que atingiu praticamente todos os estados brasileiros só afetou o Ceará na sua taxa de investimento, sendo que o estado permanece o mais saudável do Brasil em termos fiscais.
A sanidade fiscal estrutural do Estado é essencial para seu funcionamento, para a expectativa dos agentes econômicos nacionais e internacionais e para a condução soberana do desenvolvimento. Um Estado saudável fiscalmente é um Estado capaz de intervir com efetividade em infraestrutura, políticas anticíclicas e programas sociais. Se dizer de esquerda e não gerar excedentes de recursos públicos para financiar a mudança de vida dos mais pobres é só retórica.
Um sacrifício desses não pode ser feito para manter o rentismo e cobrir o custo da agiotagem sobre o povo brasileiro. Precisamos sanear estruturalmente as contas públicas para que o Estado recupere a capacidade de investimento, sem a qual jamais cresceremos acima das taxas vegetativas nas quais patinamos há 38 anos.
Todos os gastos públicos do Brasil com educação, saúde, segurança, ciência e tecnologia estão abaixo da média mundial de países desenvolvidos e até mesmo de países mais pobres do que o nosso. Isso não elimina a necessidade de revisar e extinguir gastos ineficientes dessas áreas, mas evidencia que não é do corte nessas contas que virá a saúde financeira do Estado. Se quisermos fazer um esforço sério de recuperação fiscal do Estado não podemos ficar nas ações pirotécnicas de fechamento de ministérios e demissão de algumas centenas de cargos comissionados, pois, como sabemos bem hoje, isso não dá bilhão.
Precisamos, isso sim, atacar diretamente as duas maiores contas do Orçamento da União: dívida pública e sua despesa de juros, e Previdência Social.
RACIONALIZAR A DÍVIDA PÚBLICA
O único gasto público que ultrapassa, e muito, a média mundial é o gasto com os juros da dívida pública. Essa política suicida fez do Brasil o paraíso do parasitismo, onde uma renda segura e fácil remunera melhor que qualquer atividade produtiva bem-sucedida. Esse modelo, que só serviu a uma minoria de 20 mil famílias, [31] chegou ao seu limite. Se o Brasil não compreender isso profundamente, não teremos como sair da terrível crise em que nos encontramos.
Portanto, para recuperar estruturalmente a saúde das contas públicas precisaremos desarmar bombas atuais e futuras, e tanto diminuir despesas quanto aumentar receitas. No primeiro caso, teremos que enfrentar as duas maiores despesas públicas, com uma reforma previdenciária justa e austeridade na administração da dívida.
Antes de falar da mudança que teremos que promover na gestão da dívida pública, tenho o dever de lembrar que temos que tratar desse assunto com o máximo de responsabilidade. Na dívida pública não estão só os recursos do especulador estrangeiro e da plutocracia rentista nacional; estão também os recursos das poupanças, FGTS e fundos de pensão das brasileiras e dos brasileiros.
Dito isso, temos que dividir o problema da dívida em problemas de estoque e de fluxo. O problema do fluxo é o do custo da dívida. Não podemos voltar a praticar uma alta taxa de juros reais enquanto o mundo pratica taxas de juros negativas. Não podemos perder essa janela de oportunidade histórica para rompermos com mais de duas décadas de rentismo. Mais do que meramente baixar a Selic, precisamos urgentemente reduzir a taxa de juros que se cobra na ponta, dos empresários e consumidores, para um nível abaixo da rentabilidade média dos negócios. Caso contrário, o Brasil mergulhará no processo de sua dissolução.
Na questão do estoque da dívida, ainda temos que distinguir entre o problema de seu volume e o de seu perfil. É preciso encerrar definitivamente quaisquer dúvidas morais ou econômicas que ainda pairem sobre o principal da dívida. Com a garantia intransigente do cumprimento dos contratos, sem dar margem a aventuras, temos que obedecer à ordem constitucional ainda não cumprida de promover uma auditoria da dívida pública. É fundamental que a sociedade saiba, transparentemente, quanto custa sua dívida e como ela se estrutura, como foi contraída, com que contrapartidas, quem ganha com ela, o quanto dela já foi pago e, principalmente, se não há embutida nela qualquer fraude ou ilegalidade. Sem essa transparência, a sociedade brasileira continuará sem controle nem conhecimento da dívida que garroteia nossas vidas. A determinação dessa auditoria está escrita na Constituição Federal Brasileira, no Artigo 26 do Ato das Disposições Transitórias. E é simples de entender. Quem de nós num bar, ao pedir a conta, não a confere antes de pagá-la? Não se trata, portanto, de negar a dívida: trata-se de conferi-la.
Já na questão do perfil é preciso acabar com a farra da oferta de títulos prefixados antes da diminuição das taxas de juros e de pós-fixados antes de seu aumento. Da mesma forma é necessária a imediata interrupção da criação, de poucos anos para cá, de um tipo de operação que existe no mundo inteiro para garantir liquidez entre os bancos, a chamada “operação compromissada”.
Entre nós, isso virou uma escandalosa fraude que atenta contra a Constituição e impõe escuridão sobre praticamente um quarto de toda a dívida pública brasileira. É necessário investigar os impactos dessa operação financeira nos limites do endividamento público.
Pelo caminho da administração austera, podemos começar a aproveitar o deságio de nossos títulos no mercado secundário da dívida, entesourando tantos deles quanto o caixa do Tesouro permitir e o alto deságio durar. Como já lembrei aqui, quando governador do Ceará, consegui entesourar dessa forma 100% da sua dívida mobiliária. Isso não pode ser repetido em escala nacional, mas nada impede que o façamos em parte de nossa dívida. Com todas essas sinalizações de sanidade fiscal presente e futura (contando também com uma reforma previdenciária justa e uma reforma tributária progressiva), podemos começar a precificar esses efeitos futuros numa ampla operação de mudança do perfil da dívida em prazos e tipos de remuneração.
UMA REFORMA DA PREVIDÊNCIA JUSTA [32]
Complementando a tarefa de recuperação da saúde fiscal e capacidade de investimento do Estado, não podemos prescindir da melhoria do perfil de longo prazo do orçamento da Previdência.
A Previdência Social tem o objetivo básico de garantir uma vida digna às pessoas na velhice, particularmente quando perdem a capacidade física para o trabalho. É uma função básica do Estado nas sociedades contemporâneas. Ao mesmo tempo, o mundo passou a encarar, nas últimas décadas, a Previdência como o principal instrumento de formação de capital doméstico, ou poupança vinculada ao investimento e geração de emprego.
Pensamos que uma nova reforma da Previdência brasileira é fundamental por três motivos básicos.
Primeiro, o motivo deste subitem: ajudar a garantir o equilíbrio fiscal do Estado ao longo do tempo.
Segundo, eliminar injustiças do sistema que criou ilhas de privilegiados sustentados pelo povo brasileiro.
Terceiro, transformá-la de fonte de déficit num poderoso instrumento de formação bruta de capital – poupança interna –, aumentando o potencial de investimento do país.
Vou então aqui oferecer, em primeiro lugar, uma explicação sobre a natureza dos diferentes regimes de previdência, seguida de um diagnóstico de nossos principais problemas na área, depois avaliar a reforma do atual governo e, por fim, apresentar nossa proposta para uma nova reforma justa e eficiente da Previdência Social.
- A natureza de nossos regimes de previdência
Temos no Brasil três regimes de previdência. O primeiro é o chamado regime geral do trabalhador do setor privado, o INSS. O segundo é o regime próprio de previdência, de setores do funcionalismo público. Por fim, temos o regime complementar, que pode tanto estar nos planos de capitalização da iniciativa privada como nos fundos públicos como o Funpresp, previdência complementar dos servidores federais, criado pelo governo do PT.
Os dois primeiros desses regimes são regimes de repartição. O regime financeiro de repartição se caracteriza pelo pacto entre contribuintes de hoje repartindo entre si o custo do pagamento dos benefícios dos aposentados de hoje. Eles o fazem na confiança de que os contribuintes do futuro, quando chegar sua hora, pagarão seus benefícios de aposentadoria.
Quando se tem uma base grande de jovens na ativa para cobrir poucos idosos aposentados, pode-se garantir boa aposentadoria com uma contribuição mensal módica, pois como valor das contribuições se calcula somente o necessário para cobrir o pagamento dos benefícios do mesmo período. É um gigantesco seguro coletivo, em que todos diminuem o risco de todos. Embora nada impeça que um regime de repartição eventualmente forme alguma reserva para o futuro, normalmente ele não o faz, pois sua essência é recolher hoje o que repartirá hoje.
Mas há problemas típicos nesse regime, e eles aparecem quando a taxa de natalidade desce, a longevidade sobe e a formalidade diminui. Nesse quadro, no qual a proporção contribuintes/beneficiários diminui, temos que, na mesma proporção, aumentar o valor da contribuição para continuar pagando os benefícios, assim como introduzir financiamentos de natureza tributária, através dos quais a sociedade como um todo paga o desequilíbrio do sistema.
O terceiro de nossos regimes, o complementar, é um regime de capitalização. No regime financeiro de capitalização, o próprio trabalhador, enquanto na ativa, poupa individualmente o volume de recursos que seria necessário para sustentar seu benefício previdenciário. Esse regime tem duas vantagens. A primeira é que cada um poupa uma parcela da própria riqueza que gerou durante a vida laboral, de acordo com o que quer receber de proventos. Não vive da riqueza gerada por outros e não depende dela. A segunda, também muito importante, é que o conjunto dessa riqueza reservada acaba se tornando uma fonte para financiar investimentos de longo prazo que o sistema privado não tem, ou seja, um grande fator de formação bruta de capital da nação (poupança interna).
Mas o regime de capitalização tem também desvantagens, e elas são potencialmente gravíssimas.
É um regime que, se deixado à gestão da iniciativa privada, pode ser muito inseguro e instável. Nele, ao se individualizar as contas, abre-se mão de dividir o risco do infortúnio pessoal de acidentes e doenças e de eventuais prejuízos das instituições financeiras depositárias. Além disso, o cálculo do benefício que será recebido se torna vulnerável às variações das taxas de juros médias dos investimentos dos fundos de capitalização. Outra fragilidade é que o aumento na expectativa de vida na sociedade destrói as estimativas feitas na época de recolhimento do benefício. Uma pessoa que recolhe na expectativa de ter recursos para cobrir benefícios até 85 anos de idade, ao viver 95, fica sem recursos para sua aposentadoria, logo no período de maior vulnerabilidade de sua vida. Por fim, não podemos desconsiderar que a maioria do povo brasileiro hoje não pode nem comer direito com seu salário, e a expectativa de que possam, nesse quadro, poupar adequadamente para a aposentadoria é cínica.
Por isso nós propomos integrar todos os sistemas brasileiros num sistema único e misto, que é hoje adotado na maioria dos países. Esse sistema acaba com grande parte das distorções dos dois sistemas originais e reúne a maior parte de suas qualidades, como veremos à frente em nossa proposta.
- Os desafios da previdência brasileira
Apresentada pela propaganda do governo como a grande vilã do orçamento federal, a Previdência Social consome cerca de 19% dele (R$637,9 bilhões em 2019). [33] No entanto, o valor do conjunto das aposentadorias e pensões pagas no Brasil, quando incluem regimes próprios como o dos militares (que estão escondidos sob a rubrica de despesa de pessoal e encargos), chega até cerca de R$720 bilhões (ou 21% do orçamento). Diante dessa proporção, torna-se irrelevante a questão contábil sobre se a previdência já é hoje deficitária ou não. O problema de fato se trata da decisão do quanto de nossa arrecadação total estamos dispostos a dedicar a essa função. Porque o valor atual é, sim, um valor muito significativo comparado ao orçamento e ao PIB brasileiro, e está ajudando a sufocar nossa capacidade de investimento. A dimensão dessa desproporção pode ganhar materialidade ao compararmos esses R$720 bilhões com os R$114 bilhões previstos para a educação (3% do orçamento) e os mesmos R$114 bilhões previstos para a saúde. [34] Outro dado que impressiona são os R$150 bilhões da Previdência dedicados às pensões de viúvas, o dobro do repasse da União a todos os estados e municípios brasileiros. É importante pontuar que não estou aqui fazendo julgamentos de valor, apenas colocando os números para orientar nossa discussão sem demagogias ou mistificações.
Atualmente o sistema de impostos e contribuições criados ao longo do tempo para dar sustentabilidade à Seguridade Social, por causa das renúncias fiscais, por exemplo, já não cobre suas despesas em cerca de R$50 bilhões, mas isso não era assim há três anos. [35] É sempre impreciso falar de déficit ou superávit da Previdência, já que essa bolsa de impostos foi criada para sustentar a Seguridade Social como um todo e, além da Previdência, engloba, por exemplo, todo o orçamento do Bolsa Família, Loas [36] e Saúde. Esclarecido isso, temos que dizer que o déficit antes da reforma era muito menor do que o propagado pelo governo, apesar da queda recente de arrecadação da Previdência causada pelo rápido aniquilamento de postos formais de trabalho. Em sua maior parte, o problema do suposto déficit que o governo e a mídia alegavam existir era causado pela DRU, a Desvinculação de Receitas da União. Este dispositivo permitia ao governo retirar 30% das receitas vinculadas à Seguridade Social para outras finalidades. O propalado déficit de R$180 bilhões da Previdência era, na verdade, um déficit de financiamento da Assistência Social como um todo, que ficava desse tamanho depois que suas receitas eram tungadas pelos remanejamentos da DRU. Para resumir a tragédia, como você já pode ter intuído, parte do dinheiro da Seguridade Social e de sua aposentadoria também estava servindo para cobrir o buraco dos juros brasileiros.
Mas o fato é que a demografia brasileira mudou muito desde a criação da Previdência por Getúlio Vargas. Nossa estrutura etária era uma pirâmide composta de uma grande base de jovens e pequeno topo de idosos. Tínhamos então cerca de oito trabalhadores na ativa para bancar o benefício de um único aposentado, enquanto o brasileiro médio tinha uma expectativa de vida de cerca de 45 anos. O nível de formalização do trabalho era alto. O regime de repartição era, então, um ótimo negócio.
Tínhamos uma base grande de jovens na ativa para cobrir poucos idosos aposentados, que tinham uma expectativa de vida curta. Podíamos então garantir boas aposentadorias com uma contribuição mensal pequena.
Só que hoje experimentamos no Brasil a taxa de natalidade descendo, a longevidade subindo e a formalidade diminuindo. As novas gerações vão se tornando cada vez menores, e nossos filhos teriam que arcar sozinhos com nossas aposentadorias cada vez mais longas. Nossa antiga pirâmide etária virou um “botijão de gás” etário, com um topo de idosos equivalente à base de jovens, e uma maioria em idade economicamente ativa. Essa inversão forçou uma queda na proporção original de oito para um, para 1,5 trabalhadores por aposentado. E essa piora na proporção, que ainda está longe da estabilização, é um processo comum a todo o mundo, embora mais veloz no Brasil pela renitência da crise dos anos 1980 para cá. Só para termos uma ideia, o Japão levou 110 anos para ter 30% de sua população acima de 70 anos. O Brasil alcançou essa proporção em apenas 40 anos.
É por isso que as sociedades que enfrentaram mais cedo o fenômeno da inversão demográfica foram obrigadas a reformar suas previdências. O regime de repartição puro hoje só é adotado, além do Brasil, por Venezuela e Argentina, que, neste caso, não parecem ser boa companhia. A esmagadora maioria dos países optou por complementar o regime de repartição com o regime de capitalização.
O segundo problema básico da Previdência são os setores específicos altamente deficitários. Em outras palavras, grupos de beneficiados que recebem muito mais do que pagam ou puderam pagar. O principal deles em volume de recursos é o da aposentadoria rural. A previdência rural foi introduzida pela Constituição de 1988, e se trata de um grande esforço reparatório do país a seus trabalhadores do campo, que não tinham quaisquer garantias até então. A generosidade de nossa Constituição de 1988, em meu juízo em muito boa hora, pôs para dentro do sistema para receber, num ato só, 10 milhões de trabalhadores rurais que nunca tinham contribuído. Esse passo, é simples de entender, gera parte do desequilíbrio que estamos estudando. O déficit do setor é insanável a curto prazo, mas tende a diminuir a longo prazo. Em 2015, no entanto, a soma de suas contribuições ao sistema totalizava somente cerca de 2% da arrecadação, enquanto a soma de seus benefícios respondia por 22,5% das despesas. [37]
Há setores de servidores públicos que também contribuem com muito menos do que recebem do Estado. São os de servidores militares, Ministério Público, Poder Judiciário e Poder Legislativo.
Enquanto o déficit per capita do trabalhador do setor privado está em média em R$1.400 por ano, o déficit médio do servidor legislativo está em R$26.000 por ano, e o do servidor militar está em incríveis R$ 127.000. Em outras palavras e números, os servidores militares gastam R$47 bilhões do Estado por ano em benefícios e contribuem com somente R$3 bilhões para seu regime de previdência. Essa diferença sai do bolso de todos os brasileiros, dos impostos que você paga. Recebendo por regimes independentes do regime geral, para esses beneficiários não há teto previdenciário, o que os transforma numa verdadeira casta privilegiada à luz da miséria brasileira. De novo, não antecipo qualquer juízo de valor ou de justiça. Trago os números com a mesma boa-fé, apostando na inteligência de nosso povo para a compreensão do problema.
Assim, podemos sintetizar as causas do problema de financiamento da Previdência em três grandes fatores. O primeiro é universal e inexorável, o problema da mudança do perfil etário da população. O segundo é estrutural e especificamente brasileiro, são as aposentadorias rurais e as ilhas de 2% de privilegiados do sistema que consomem mais de um terço de seus recursos. O terceiro é conjuntural e diz respeito ao aumento do desemprego e da informalidade na crise, com a correspondente diminuição da base de contribuintes, e só pode ser eliminado com a volta do crescimento. A terceirização irrestrita e a precarização do emprego aprovada pela reforma trabalhista, no entanto, tendem a degradar mais essa situação ao longo dos próximos anos.
- O projeto de reforma do governo
A proposta originalmente apresentada pelo Governo Bolsonaro era cruel, injusta e ineficiente. Penalizava o pobre que não conseguiu contribuir tempo o suficiente para se aposentar, o trabalhador da iniciativa privada e a base do funcionalismo público do Executivo. Além disso, escolhia um modelo falido de financiamento que só servia aos bancos privados nacionais.
Ela era cruel, entre outras coisas, porque estabelecia uma idade mínima para homens e mulheres que não costuma ser sequer alcançada como expectativa de vida em certas regiões do país. Ao mesmo tempo, ainda propunha que os benefícios de prestação continuada – conferidos àqueles que atingiram a idade mínima, mas não têm tempo de contribuição suficiente em carteira para a aposentadoria – perdessem a remuneração atual de um salário mínimo e passassem a receber R$400.
Ela era injusta, pois não equalizava todos os regimes de contribuição, deixando a aposentadoria militar como está: a mais deficitária de todas e com regimes de idade e contribuição totalmente independentes do regime geral.
Ela era ineficiente porque extinguia o regime de repartição e defendia a adoção do regime de capitalização puro, sem contribuição patronal, e entregue à gestão privada com todos os riscos a isso inerentes. Este é exatamente o fracassado modelo chileno. O Chile é o único de sessenta países que pesquisamos que adota o regime de capitalização individual puro sem cobrar contribuição patronal. E ao mesmo tempo que no Brasil o governo submete uma proposta ao Congresso para implantar esse modelo, no Chile o Parlamento começa a discutir a sua revogação, pois seu resultado foi a transformação da maior parte dos idosos chilenos em pessoas pauperizadas, desesperadas, deprimidas e com altas taxas de suicídio.
Consideramos que a economia que a reforma do governo alegava que conseguiria ao longo dos próximos dez anos, de cerca de R$1 trilhão e 72 bilhões, era insuficiente e irrealista diante das propostas oferecidas. Pedimos memória de cálculo da alegada poupança com a proposta e não recebemos; ao contrário, lançaram sigilo sobre os supostos dados que a fundamentariam.
A proposta que passou, modificada pelo Congresso, à parte a rejeição do regime de capitalização proposto, não mudou os piores aspectos da proposta de Bolsonaro. Os R$850 bilhões da economia alegada viriam da reparametrização do regime geral, concentrado nos mais pobres beneficiários do sistema. Falando claro: quem conhece o Brasil sabe que jamais encontrará, senão como raras exceções, uma comerciária de 62 anos ou um servente de pedreiro com 65 anos, idades mínimas impostas indiscriminadamente pelo projeto. Pior, ele também impõe quarenta anos de contribuição contínua (segundo o IBGE, em quarenta anos, um trabalhador passa em média pelo menos oito anos sem carteira assinada. O que quer dizer concretamente que, para usufruir da aposentadoria integral, o trabalhador comum terá a idade mínima de 73 anos e receberá, doravante, não mais a média dos 80% melhores salários, mas sim, a média de 100% dos salários de contribuição, o que diminuirá dramaticamente o valor das aposentadorias futuras). Tenhamos clareza: pela proposta originalmente apresentada pelo governo e de fato aprovada pela Câmara, está extinta a aposentadoria dos trabalhadores mais pobres do campo e da cidade.
- A reforma que propomos
Os valores que orientam a nossa proposta de reforma são a criação de um regime de previdência no Brasil finalmente universal, igualitário, distribuidor de riqueza e financeiramente sustentável para o futuro. Temos que adequar a Previdência às transformações no perfil demográfico brasileiro.
Mas uma reforma justa, digna de ser apoiada pelo PDT e pelas forças progressistas, deveria respeitar quatro princípios, três dos quais estão sendo ignorados pelo Governo Bolsonaro:
Primeiro, ela teria que equalizar regras básicas entre profissões de igual tempo de preparação e risco de exercício, eliminando os privilégios previdenciários das Forças Armadas, do Legislativo e do Judiciário. A transição garantiria os direitos adquiridos.
Segundo, teria que prever também um tempo de contribuição menor para as mulheres, já que a continuidade de sua vida profissional e, portanto, de suas contribuições é extremamente comprometida pela maternidade. Além disso, a carga média de trabalho global delas (trabalho doméstico + trabalho fora) ainda é em média um pouco maior do que a dos homens: 53,2 horas por semana contra 50,2. [38]
Terceiro, ela teria que respeitar, ao estabelecer a idade mínima de aposentadoria, diferenças regionais na expectativa de vida, pois em determinadas regiões do país o tempo de vida médio pode chegar a apenas 62 anos.
Quarto, ela teria que considerar características específicas presentes em algumas profissões, como tempo de preparação necessário para seu exercício e expectativa de vida em relação à insalubridade ou à periculosidade. Carreiras que exigem um desgaste físico precoce, como no trabalho rural, ou alto risco de exercício, como a policial, devem ser compensadas com uma idade mínima menor de aposentadoria. Profissões que demandam longo período de preparação para seu exercício, como a do magistério, não podem exigir o mesmo tempo de contribuição para ter direito ao benefício integral.
Então qual é a reforma que propomos?
Ela passa evidentemente pela reparametrização, em outras palavras, pela redefinição de parâmetros de idade, tempo de contribuição, distinções específicas de profissão e região e teto de benefício capaz de ser sustentado pelo Estado. Esta reparametrização é necessária, mas não é capaz de salvar o regime de repartição puro, pois não resolve seu problema estrutural inexorável derivado da mudança do perfil demográfico e da brutal informalidade do mercado atual de trabalho. Para essa, propomos a adoção de uma idade mínima de aposentadoria que esteja vinculada automaticamente, por um fator de ajuste corrigido periodicamente, à expectativa de vida média. Ao vincular a idade mínima a expectativas de vida média auferidas pelo IBGE, eliminaríamos a necessidade recorrente de reformas.
Recebi essa sugestão muito inteligente numa reunião de centrais sindicais brasileiras.
Mas o que realmente importa é mudar a estrutura e a natureza de nosso regime de previdência.
Para isso, propomos um regime de três pilares.
O primeiro pilar é renda mínima universal de cidadania disponível para todos os brasileiros independentemente de terem podido ou não contribuir ao longo da vida. Esse custo vai passar a ser reconhecido como é, um programa de renda mínima universal para aqueles que não puderam contribuir ou não contribuíram o suficiente para a Previdência e, portanto, não podem continuar a ficar na conta do orçamento estrito da Previdência. É uma decisão de gasto que a sociedade brasileira toma para se tornar mais humana e solidária. Todos os seus beneficiados receberiam um salário mínimo pela Assistência Social. É claro que se trata de uma troca de rubrica. Mas tem a função muito importante de dar transparência e racionalidade às contas de Previdência, livrando-a da pecha de deficitária quando na verdade ela tem assumido benefícios de quem nunca pôde contribuir para ela.
O segundo pilar é o velho sistema de repartição. Ele continuaria inalterado, limitado ao teto atual de benefício do INSS, ou, se for de escolha da sociedade, rebaixado ao teto de benefício de R$4 mil. A diferença agora é que esse regime seria geral, de fato, universal, de regras únicas para todos, incorporando todos os regimes próprios dos servidores que ainda não estão incorporados a ele, como por exemplo o dos militares. Aos servidores cuja expectativa de benefícios está além do teto de repartição, uma transição lastreada em títulos da dívida pública seria realizada, garantidos os direitos adquiridos durante essa transição. Ao olhar para o conjunto dos benefícios previdenciários hoje, podemos perceber que a esmagadora maioria dos brasileiros continuaria, nessa reforma, somente sob esse regime, sem precisar contribuir para uma capitalização individual. Caso quisessem uma complementação de aposentadoria além do teto de repartição, precisariam contribuir para o terceiro sistema.
O terceiro pilar é o da capitalização. Seria um regime de previdência complementar com contribuição individual e patronal na mesma proporção. A perna de contribuição patronal é fundamental para o bom funcionamento do sistema, assim como uma gestão pública e fiscalizada dos fundos, porque senão o que temos é nada além de uma previdência privada pessoal. Os fundos públicos seriam administrados por representantes escolhidos pelos trabalhadores e seriam obrigados por lei a constituir sua carteira somente com investimentos produtivos e com classificação de risco equivalente, no princípio, ao triplo A, de risco mínimo no jargão internacional. Além do efeito contábil e da segurança nos investimentos, essa vinculação da poupança da classe média aos investimentos em infraestrutura teria também um importante efeito político no apoio ao enfrentamento dos gargalos de nossa produção.
Assim, como demonstração concreta de nosso compromisso em movimentar uma oposição consciente dos problemas e que se sente moralmente obrigada a cada crítica a mostrar como deveria ser feito, nós, do PDT, decidimos apresentar, por intermédio de seu deputado Mauro Benevides Filho, um substitutivo ao projeto do governo. Nessa proposta, estão disponíveis mais detalhes do descrito aqui.
Sou obrigado mais uma vez a lembrar de meu exemplo pessoal para dar credibilidade a essas propostas. Porque as reflexões que você leu aqui vêm de uma pessoa que, desde os 36 anos de idade, renunciou a três aposentadorias a que tinha direito pela atual legislação (de deputado, governador e prefeito). Essas aposentadorias somadas poderiam ter me garantido por todo esse tempo uma renda mensal de mais de R$80 mil. Recusei o direito por considerá-lo imoral. E é por isso que hoje creio ter alguma credibilidade quando falo no compromisso com o fim desses privilégios injustos.
Já o projeto injusto e covarde do atual governo vem de um presidente que é um membro dessa casta de privilegiados do sistema. Ele foi reformado como capitão do Exército aos 33 anos de idade, com direito a remuneração de cerca de R$9 mil, que acumula até hoje com o salário de presidente.
Agora pasmem, meus compatriotas: esse mesmo presidente, enquanto busca acabar com o sistema de repartição exatamente para os mais fracos, ao mesmo tempo, acumulou, entre sua eleição para presidente e sua posse, mais uma aposentadoria de deputado de R$33.934,7039 por mês. A soma desses benefícios não estará sujeita ao teto do funcionalismo público, graças a mais uma das várias injustiças do sistema atual, e deve atingir em torno de, curiosamente, os mesmos R$80 mil por mês dos quais eu abri mão há quase trinta anos.
A REFORMA TRIBUTÁRIA NECESSÁRIA
Há hoje no Brasil uma doutrinação neoliberal que chega a equalizar o imposto a mero roubo. Segundo esse tipo de doutrina, impostos são riquezas que se transferem de quem trabalha e produz para atividades improdutivas e parasitárias do Estado.
Não dá para levar a sério esse nível de alegação, mas é preciso pontuar aqui que impostos na verdade não são confiscos, mas restituições ao Estado da riqueza imensa e livremente distribuída que ele gera. Porque toda vez que um empresário ou trabalhador produz um bem ou serviço, nesse bem estão também o valor e o trabalho de servidores do Estado. Esse valor está na propiciação da segurança jurídica para o negócio, na segurança física para o mesmo, na iluminação das ruas para que os trabalhadores possam se transportar, assim como na manutenção de seu asfalto, na saúde pública que mantém o trabalhador em condições para o trabalho, na universidade pública que o empresário cursou ou no segundo grau que habilitou o trabalhador à operação de máquinas complexas, na infraestrutura que permite escoar sua produção e nos acordos internacionais que dão acesso a novos mercados e insumos. Enfim, o Estado é gerador de riqueza, enorme, de acesso universal, e deve ser ressarcido por aqueles que usufruem dessa riqueza para gerar outras riquezas. As deformações do Estado brasileiro que conhecemos, sendo a mais grave delas a corrupção, não devem nos retirar a consciência do que acabei de escrever. Temos que as corrigir, mas não é matando a vaca que se vai resolver o problema do carrapato.
Dito isso, é necessário que esse ressarcimento seja justo. E para que tenhamos isso no Brasil, precisamos reformar o sistema tributário não só porque ele onera excessivamente a produção e o emprego ou porque ele é muito complexo e ineficiente, mas principalmente porque ele é um dos mais regressivos do mundo. Em outras palavras, no Brasil, quanto mais pobre você é, maior parte de sua renda você paga em impostos. E quanto mais rico você é, menos de sua renda você paga em impostos.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Pnud, o Brasil é um paraíso tributário para os super-ricos, [40] onde 71 mil pessoas (0,05% da população adulta brasileira, ou meio milésimo dela), além de se apropriarem de 8,5% da renda nacional, ainda se beneficiam de taxas de juros exorbitantes e de uma isenção tributária sobre distribuição de dividendos e lucros que só é praticada aqui e na Estônia. [41]
Isso, devo acrescentar, depois de treze anos de governos autorreferidos de esquerda. A promessa de regulamentar o imposto sobre grandes fortunas e realizar uma reforma tributária para acabar com a regressividade do sistema brasileiro constava do programa de governo de Lula em 2002 como “a primeira das reformas a ser encarada pelo novo governo, ainda no primeiro ano de mandato”. [42]
Desnecessário dizer que nada foi feito até o último.
O que de fato se deu é que, como mostrou estudo da Fipe de 2007, [43] quem ganhava até dois salários mínimos no Brasil pagava 48,8% de sua renda em impostos. Já quem recebia mais de trinta salários gastava em tributos apenas 26,3% de seus rendimentos. Além do problema da regressividade, outro ponto negativo a destacar no sistema tributário brasileiro é a quantidade de impostos indiretos. Como podemos ver nesse mesmo estudo, o Brasil tem o recorde mundial dos custos de compliance (cumprimento) dos impostos indiretos, obrigando uma empresa padrão na indústria de transformação a gastar 2.600 horas anuais para cumprir suas obrigações fiscais, contra 356 horas nos países latino-americanos e 184 nos países da OCDE. [44]
Diante desse quadro se impõe uma reforma tributária que não só sirva ao aumento de produtividade, à desoneração do investimento e à ampliação do emprego formal, mas que sirva também para nos ajudar a abandonar a vergonhosa posição de décimo país mais desigual do mundo. [45]
Gostaria de explicitar os princípios que orientam meu esboço de sistema tributário. Acredito que um bom sistema deva ser indutor do crescimento, além de progressivo, simples e eficaz. Induzir o crescimento é estimular a poupança interna e não prejudicar a competitividade dos produtos nacionais, isentando investimento, produção, exportações e emprego e se concentrando na tributação do consumo, da renda e do patrimônio. A progressividade é instrumento de distribuição de renda e justiça social: um sistema tributário deve cobrar percentualmente mais de quem é mais rico e menos de quem é mais pobre. A simplicidade é necessária para que os custos de cálculo e demonstração de pagamento de impostos sejam baixos, o valor embutido dos impostos seja transparente, as possibilidades de sonegação e litígio sejam minimizadas e as exigências de obrigações assessórias significantemente diminuídas. Por fim, a eficácia é a efetividade em arrecadar de forma fácil e segura os recursos necessários ao financiamento das atividades que a sociedade exige do Estado.
Tendo em vista esses princípios, proponho a seguinte estrutura de impostos para o debate:
1. Imposto de renda (IR) – Reduzir o conjunto de impostos sobre a renda a dois impostos gerais, o de Pessoa Física e o de Pessoa Jurídica. De competência federal, a arrecadação desses impostos seria compartilhada pela União, estados e municípios. Ao IRPJ se incorporariam a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e as contribuições para o Sistema S. Ao IRPF se incorporaria um imposto progressivo sobre lucros e dividendos empresariais para pessoas físicas. O princípio é incentivar a permanência do lucro na empresa para reinvestimento.
Ampliar-se-ia o número de alíquotas para aumentar a progressividade do imposto e diminuir a carga sobre a classe média. Uma proposta é a correção da tabela com a recriação das alíquotas que implantei como ministro da Fazenda (que foram revogadas por FHC e mantidas revogadas por Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro). Adicionadas às atuais, teríamos também uma alíquota menor, de 10,5%, e uma maior, de 35%, aumentando os limites de isenção e corrigindo a tabela inteira. Esta proposta voltou a ser considerada agora através do Sindicato dos Auditores Fiscais (Sindifisco).
2. Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – O caminho ideal a seguir para simplificar o sistema tributário brasileiro seria consolidar os diferentes impostos indiretos em um único imposto sobre valor agregado, com regras simples. [46] Esse imposto teria uma alíquota única, seria arrecadado no destino e incidiria sobre a diferença entre o preço dos insumos e o preço do produto em todas as etapas da produção, transformando cada agente econômico na cadeia produtiva, na prática, em fiscal do Estado interessado em abater de seu imposto devido a quantia já recolhida em etapas anteriores. O IVA aqui proposto fundiria os atuais tributos indiretos ICMS e ISS e acabaria com a guerra fiscal entre os estados. Tem a vantagem de ser um imposto sobre o consumo que não incide sobre investimentos e exportação.
Para compensar a neutralidade do IVA, criaríamos uma alíquota seletiva sobre bens e serviços que causem mal à saúde. A criação do IVA deve vir acompanhada de uma diminuição na alíquota em relação aos impostos dos quais surgiu, porque o espírito geral da reforma é agravar a renda e desagravar o consumo e o emprego, aumentando o incentivo ao investimento e eliminando sua regressividade.
3. Contribuição para o Financiamento da Seguridade e Previdência (Cofisp) – Propomos substituir cinco tributos, PIS/Pasep, Cofins, CSLL, Cide e IPI por um, a Cofisp. Essa contribuição arrecadada pela União incidiria sobre a receita bruta, a base arrecadadora já testada. Seria não cumulativa e teria os recursos vinculados a seguridade, educação e investimentos públicos, não incidindo sobre a exportação. Seria instituída por lei complementar.
4. Impostos sobre a propriedade – O sistema atual de impostos sobre a propriedade, baseado em cinco impostos – ITR (territorial rural), IPTU (predial e territorial urbano), IPVA (veículos), ITCMD (heranças e doações) e ITBI (transmissão de bem imóvel) –, seria alterado em quatro pontos.
O primeiro é a transformação do IPVA em IPV, com abrangência para embarcações e aeronaves particulares.
O segundo é a fusão do ITR e do IPTU no novo ITE.
O terceiro é a transmissão do ITCMD para a esfera municipal.
O quarto é a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto na Constituição de 1988, emenda do então senador Fernando Henrique Cardoso. A alíquota tem que ser moderada o suficiente para dissuadir fuga de capitais. Proponho que seja progressiva entre 0,5% e 1% para os patrimônios superiores a R$10 milhões.
Além disso, propomos a implantação de uma alíquota muito maior sobre as heranças e doações, de caráter progressivo, para não penalizar a classe média e somente incidir sobre heranças acima de R$2 milhões. É importante lembrar aqui que o teto atual da alíquota brasileira desse tipo de imposto é irrisório quando comparado ao de países desenvolvidos (França, 45%; Japão, 55%; EUA, 40%; Bélgica, 80%; Finlândia, 36%; ou Dinamarca, 52,7%), [47] o que explica em grande parte a “generosidade” da burguesia europeia e norte-americana em sua tradição de doações e criação de fundações beneficentes, com as quais foge desse tipo de tributação e ganha poder de gestão sobre esses recursos. Um aumento para 20% no teto da alíquota brasileira também ajudaria a nos tornar mais “altruístas”.
5. Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) – O IOF, que também tem caráter regulatório sobre as operações de crédito, manteria sua configuração atual.
6. Imposto sobre Importação (II) – Estruturalmente não sofreria qualquer alteração.
7. Imposto sobre Exportação (IE) – Estruturalmente não sofreria qualquer alteração.
8. Taxas federais, estaduais e municipais – Estruturalmente não sofreriam qualquer alteração.
Uma reforma tributária dessa abrangência pode ainda causar diminuição de arrecadação para alguns estados e municípios, o que nos obriga a um período médio de transição de cinco anos para a redistribuição progressiva das receitas.
Mas com uma estrutura de tributos voltada para o consumo, a tributação pode finalmente crescer como estímulo e não como ameaça à poupança e ao investimento. A percepção de maior transparência, simplicidade e justiça do sistema de tributos certamente melhoraria a disposição do contribuinte em relação a nossos impostos e diminuiria a sonegação, tanto pelo maior compromisso da população com o sistema quanto pela maior facilidade de fiscalização.
UMA NOVA POLÍTICA INDUSTRIAL
Já argumentei aqui sobre a importância de ampliarmos nossa produção nacional de produtos de alto valor agregado, tanto para substituição de importações como para ampliar nossa pauta de exportações.
Não podemos abrir mão de nossa vocação agropecuária, mas sem indústria forte seremos condenados a padrões de consumo de países pobres, ainda enfrentando uma contínua pressão pela expansão da fronteira agrícola sobre a Amazônia. Já hoje estamos sentindo o dramático efeito da queda dos preços das commodities agrícolas e minerais, tornando nosso balanço de pagamentos insustentável. Assim, temos que pactuar com toda a sociedade – governo, patrões e empregados – uma nova política industrial definindo exatamente o que pretendemos produzir para financiar nossa pauta de importações.
Como vimos, a indústria de transformação, que já respondeu por 35,9% do PIB nacional, [48] tem hoje níveis de participação no PIB próximos aos cerca de 10% que alcançava em 1910. [49] Reverter esse cenário não será possível sem o planejamento, investimento e comando do Estado, garantindo crédito, proteção alfandegária inicial e compras governamentais para a segurança do empreendimento. Da mesma forma, o governo deve promover a coordenação entre as indústrias nascentes e uma academia brasileira que se dedique a resolver os problemas tecnológicos para viabilizar esse novo ciclo de industrialização.
Vimos, no breve panorama que ofereci da história da economia brasileira no século XX, que o Brasil não depende de experiências estrangeiras para saber que caminho trilhar. Sendo o país que experimentou a mais rápida industrialização da história, o que precisamos é aprender com nossos acertos e erros e adaptar nosso caminho próprio para o crescimento aos novos tempos e circunstâncias. O desenvolvimento de nossa indústria não requer estatização ou protecionismo generalizado, nem pode buscar criar do nada setores industriais altamente tecnológicos nos quais estamos três gerações atrasados.
A estratégia segura e realista para começar, pela lei do menor esforço, é a eleição de setores sem grande sofisticação tecnológica e que agreguem valor a produtos que exportamos em estado bruto, em que dispomos de uma base primária sólida e vantagens comparativas. Mas não podemos parar por aí.
Além disso, também devemos levar em conta setores nos quais já possuímos plantas e tecnologias sofisticadas próprias, como é o caso do setor aeroespacial. A tratativa para a entrega da Embraer ao capital estrangeiro, além de ser um dos maiores crimes já cometidos contra nossa soberania, é um completo contrassenso comercial. Estamos discutindo aqui a necessidade de aumentar a exportação de produtos de alto valor agregado e o governo entrega uma de nossas melhores empresas e empregos mais qualificados para a Boeing norte-americana. Buscarei na Justiça, ao lado de muitas brasileiras e muitos brasileiros verdadeiramente comprometidos com o nosso país, reverter essa entrega.
Assim é que, partindo do estudo dos buracos em nosso comércio exterior e das características de nossa economia, tenho amadurecido e investigado a ideia de priorizarmos quatro áreas em nosso novo ciclo de desenvolvimento industrial. Depois de suas descrições sucintas, acrescentarei descrições de outras duas ações setoriais em direção à recuperação de nossa produção industrial:
1. Complexo industrial de petróleo, gás e bioenergia – É uma escolha autoevidente, pois, sendo hoje autossuficientes em petróleo no cômputo geral, ainda o exportamos em estado bruto e importamos seus derivados, gerando um buraco em nossas contas externas que, em anos de preço alto do barril, pode chegar à casa de US$25 bilhões. [50] Além disso, a indústria dos derivados do petróleo depende de uma tecnologia que dominamos e já dispõe hoje de projetos aprovados ou em andamento que podem ser rapidamente acelerados. Temos sobra de mão de obra qualificada na área, que pode rapidamente voltar aos postos de trabalho do setor.
Trata-se não só de eliminar a dependência de refino, mas principalmente de desenvolver uma indústria petroquímica de alto valor agregado. Uma política consistente na área pode em pouco tempo eliminar a importação de gasolina e querosene, e posteriormente de poliéster (PTA) e seus filamentos, polímeros e resina PET.
Além disso, a Petrobras é protagonista mundial no desenvolvimento de tecnologias de extração de petróleo em alto-mar. O pré-sal, não apenas para ser descoberto, mas para ser acessado, exige um enorme desenvolvimento de tecnologias de ponta para perfuração e extração em águas profundas, e nossa indústria do setor está no estado da arte, graças ao investimento público.
2. Complexo industrial da saúde – Todo ano a União importa desde produtos de tecnologia rudimentar, como camas de hospital, próteses, muletas, cadeiras de rodas, até produtos sofisticados, como aparelhos de ressonância magnética e de tomografia computadorizada. Segundo estimativa de Carlos Gadelha, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), cerca de 80% dos medicamentos que importamos e dos componentes químicos usados para produzi-los no Brasil se encontram com a patente vencida. [51]
Apenas a prostração ideológica pode justificar que essa área, que gera um déficit perene de cerca de US$6 bilhões [52] só na conta de medicamentos (sem considerar outros produtos químicos e aparelhos hospitalares) e um custo adicional crescente no nosso sistema público de saúde, não tenha até agora sido objeto de um grande esforço governamental de desenvolvimento industrial nacional. As assimetrias competitivas já abordadas num capítulo anterior exigem uma política de parceria pública com garantias de compras governamentais e financiamento, desde que realizadas com uma política rigorosa de metas, ainda que transitória. [53]
O problema das patentes de medicamentos se tornou gravíssimo no país. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), órgão público brasileiro responsável pela concessão de patentes, tinha, em 2016, cerca de 184 mil pedidos de patentes depositadas e não examinadas [54] em função de sua carência crônica de servidores. Essa economia de milhões de reais em pessoal que deixa de ser contratado gera um prejuízo anual de bilhões de reais ao Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2015, o Ministério da Saúde gastou R$14,8 bilhões com medicamentos, 13,7% do seu orçamento total, o que representou um crescimento de gastos nessa conta de 74% em relação a 2008. [55]
Esse breve vislumbre do problema da área indica que uma política industrial vigorosa de desenvolvimento do complexo industrial da saúde não poderá prescindir de:
a) aprovação de projetos de lei já em tramitação no Congresso que alteram a lei de patentes para que ela se limite aos padrões mínimos requeridos pelo acordo de propriedade intelectual da OMC (o “TRIPS”); [56]
b) criação de institutos nacionais para desenvolver em território nacional a tecnologia necessária à sintetização de componentes básicos de medicamentos com patente já vencida;
c) revitalização do Inpi para habilitá-lo ao exame rápido e eficiente de novos pedidos de patente de medicamentos, garantindo assim o menor período possível para a vigência das patentes concedidas; e
d) criação de uma política de garantias de compras governamentais para o SUS, de forma a atrair investidores para a rápida expansão da área.
O desenvolvimento desse complexo industrial criaria benefícios a se irradiar sinergicamente por muitas áreas da vida nacional, além do balanço de pagamentos. Criação de empregos, diminuição dos custos do SUS, diminuição dos custos dos medicamentos em geral, aumento da arrecadação local, redução dos processos judiciais, impacto deflacionário, desenvolvimento da pesquisa acadêmica no setor, enfim, é uma tarefa que temos que realizar.
3. Complexo industrial do agronegócio – Setor que gera cerca de US$82 bilhões de superávit na nossa balança comercial, responsável por exportações que em 2017 chegaram a US$96 bilhões, mas no qual 40% dos custos de produção ainda vêm de produtos importados. [57] A decisão de desenvolver um complexo industrial numa área na qual temos a base primária mais sólida do mundo é praticamente um imperativo econômico. Esse desenvolvimento seguiria três caminhos básicos. O primeiro é o do incentivo à criação de indústrias de processamento de cereais e frutas para que deixemos de vendê-los somente em estado bruto. O segundo é o da revitalização da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para a retomada de um forte protagonismo no progresso científico e biotecnológico, além de treinamento dos empreendedores e trabalhadores do campo. O terceiro é a criação de uma indústria nacional de defensivos, fertilizantes e implementos agrícolas. Hoje contamos no país somente com a tímida incursão da Petrobras no setor, através de três fábricas nacionais de fertilizantes nitrogenados, cujas subsidiárias, no entanto, o governo atual está fechando.
4. Complexo industrial da defesa – Nosso setor de defesa é deficitário no comércio exterior, mesmo com suas compras atuais extremamente deprimidas. Não só por uma questão de ajuste de balanço de pagamentos, mas principalmente por uma questão estratégica, o Brasil não pode prescindir de uma indústria capaz de produzir itens básicos em território nacional. Não podemos depender de potências estrangeiras para defender nosso país e nossas riquezas. As Forças Armadas precisam ter poder dissuasório autônomo e controle sobre seu sistema de comunicações e defesa.
Precisamos recuperar o projeto de submarino nuclear brasileiro, desenvolver a transferência de tecnologias com nossos parceiros comerciais, a produção de aeronaves de combate e vigilância pela Embraer (que deve ter seu processo de entrega para a Boeing norte-americana revisto [58]), substituir todas as importações de munição e armas convencionais, recuperar o programa de desenvolvimento de foguetes e lançamento de satélites brasileiros, assim como desenvolver nosso próprio sistema de GPS, entre outras medidas que aumentariam nossa autonomia militar e capacidade de defesa.
Temos que observar que não pode haver, em nenhuma hipótese, descontinuidade de fornecimento de material, sob a desculpa de estarmos tentando produzir aqui aquilo para o qual ainda não temos capacidade. A ideia é voltar a fabricar no Brasil os itens mais básicos e ir substituindo paulatinamente os itens de maior complexidade tecnológica, à medida que a indústria nacional de defesa for se sofisticando. Pela especificidade da área, mais do que recursos volumosos, é necessário garantir o investimento contínuo para que as empresas do setor tenham segurança para investir em pesquisa e acompanhem o desenvolvimento técnico entre uma compra e outra. É essa continuidade orçamentária que precisa ser garantida, o que talvez exija legislação específica para impedir contingenciamentos futuros na área.
Além disso, é preciso rever as regras de licitações para as Forças Armadas. O Brasil chega ao cúmulo de importar da China o fardamento de seus soldados, pois é obrigado, pela lei de licitações, a escolher os fabricantes mais baratos. Uma questão tão básica quanto vestir os defensores de nosso território e soberania não pode ficar à mercê de indústrias estrangeiras.
No mundo desenvolvido, compras governamentais para os militares não são colocadas em questão.
As tecnologias mais avançadas e importantes para o desenvolvimento industrial de qualquer país, invariavelmente, são frutos de investimentos de longo prazo no setor militar, a exemplo da Darpa, agência de fomento ligada às Forças Armadas norte-americanas.
5. Reativação da construção civil – Para além desses quatro complexos industriais estratégicos, devemos executar imediatamente, independentemente do necessário ajuste das contas públicas, um plano de reativação da construção civil nacional, que usa muita mão de obra e tem rápido impacto no emprego e na renda. É uma área em que o Brasil tem inegável expertise. Penso que, além de eliminarmos definitivamente o déficit de moradia no Brasil, deveríamos celebrar como espinha dorsal desse projeto um grande plano de metas de transporte público que garanta, no longo prazo, uma constante dotação de recursos. É necessário ampliar nossa infraestrutura logística com investimento em ferrovias setoriais, mas também ampliar os investimentos em planos de metrôs urbanos, coordenados com BRTs e VLTs. Investir em transporte urbano é investir no bem mais valioso e insubstituível dos brasileiros: tempo de vida. O tempo médio de ida e volta do trabalho no Rio e em São Paulo é atualmente de mais de uma hora e meia. [59] Nas oito maiores capitais brasileiras, 20% dos trabalhadores perdem mais de duas horas diárias no trânsito para trabalhar. Isso é custo alto para o orçamento familiar, poluição nas grandes cidades e tempo subtraído do lazer e da família. Uma dose diária de estresse, risco e prejuízo para milhões de brasileiras e brasileiros.
6. Apoio público à inovação e ao empreendedorismo – Nem só de grandes projetos deve viver nosso desenvolvimento industrial. Hoje há nas escolas técnicas e universidades toda uma nova geração cheia de ideias inovadoras. No entanto, isso não se materializa em novos empreendimentos, porque de fato faltam os meios para a criação de um negócio. O neoliberalismo apresenta o discurso pronto acusando os impostos e a burocracia pelo desperdício desses talentos e energia inovadora, mas, na verdade, eles estão sendo desperdiçados pela falta de financiamento; em outras palavras, pelas taxas de juros reais ao consumidor e investidor mais altas do mundo. Muito mais altos que a rentabilidade média dos negócios, os juros nacionais desestimulam qualquer jovem a contrair empréstimos para iniciar uma empresa, pois mesmo sendo bem-sucedido dificilmente conseguirá obter de seu negócio um rendimento superior ao custo do dinheiro que tomou. Isso elimina também qualquer possibilidade de se desenvolver a base de uma cultura de venture capital [60] no Brasil. Esse tipo de financiamento é que dá seguimento ao surgimento de empresas revolucionárias como a Apple e a Microsoft, que só foram possíveis pelo prévio investimento de longo prazo do Estado norte-americano, principalmente na indústria militar.
Em seu livro O Estado empreendedor, Mariana Mazzucato mostra que o iPhone não existiria sem sua tela touch screen, sem o GPS, sem sua inteligência artificial acionada por voz, a Siri, e muito menos sem a internet. Todos esses elementos são tecnologias militares desenvolvidas e cedidas livremente pelo Estado norte-americano. E são apenas quatro das doze tecnologias integradas nos aparelhos da Apple que foram desenvolvidas em pesquisas governamentais. [61]
Para superar esses entraves ao nascimento de indústrias e empresas inovadoras, podemos criar um órgão público para fomentar mecanismos de venture capital, uma vez que não há uma tradição da iniciativa privada brasileira na modalidade. A proposta é que o novo empreendedor que tenha uma ideia inovadora submeta um pedido a um comitê constituído por membros da sociedade civil, que por sua vez avaliaria a concessão pelo Estado desse capital de risco. A taxa de retorno das iniciativas bem-sucedidas comporia um fundo que replicaria o sistema, que pouco oneraria os cofres públicos, se é que não daria lucro. Além disso, algumas dessas iniciativas já poderiam ser garantidas, em seu início, por incubadoras de empresas e compras governamentais.
Por fim, gostaria de reafirmar aqui, neste item sobre nossa política industrial, que acredito que o Brasil precisa investir fortemente nessa nova geração de empreendedores vindos das classes populares. Temos que democratizar a formação de capital e ajudar a contrabalançar os interesses de grandes corporações e da velha classe empresarial brasileira que se viciou no rentismo.
Hoje o Brasil assiste a um fenômeno novo: o de uma nova classe média, emergida das classes populares a partir do meio dos anos 2000, que superou a precarização dos anos 1990 e tem uma proporção considerável de seus membros de micro ou pequenos empresários que trabalham com seus eventuais funcionários ombro a ombro em suas pequenas lojas, serviços, microindústrias ou oficinas.
Esses novos empreendedores, que ascenderam por esforço pessoal dentro do período de crescimento econômico do Governo Lula, aprenderam a desprezar o Estado, que não os contempla em suas políticas públicas com financiamento, orientação e formação especializada. Eles não conseguem ver o papel que o Estado tem em suas vidas nem o que ele pode vir a ter para melhorar seus negócios.
Levar aos novos empreendedores, tradicionais ou inovadores, o poder fomentador do Estado é tarefa urgente. Mas todas essas políticas aqui esboçadas não darão certo sem a estrutura geral que abordei em itens anteriores: uma taxa de juros reais mais baixa que a rentabilidade média dos negócios, a recuperação da capacidade de investimento do Estado, a manutenção de uma taxa de câmbio realista, que evite o populismo fácil do consumo de importados e dê segurança para os novos investimentos e, finalmente, uma forte coordenação entre governo, empreendedores e uma academia dedicada a produzir os avanços tecnológicos necessários para a criação de novos setores industriais nacionais. E é essa a questão que quero abordar agora.
CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA O DESENVOLVIMENTO
A tecnologia é hoje muito mais central para o desenvolvimento industrial do que há cinquenta anos. Não só porque a velocidade dos ciclos tecnológicos torna os produtos industriais, ou mesmo seus meios de produção, cada vez mais rapidamente obsoletos, mas também porque hoje os próprios processos e métodos de organização da produção vão se reinventando continuamente, sob o impacto da disseminação das novas tecnologias da informação.
Esse processo é o que Mangabeira Unger denominou “economia do conhecimento”, [62] a acumulação de ciência, tecnologia e experimentalismo aplicada à atividade produtiva. Hoje vivemos num processo contínuo de inovação não só de produtos, mas de métodos de trabalho, que permitem um novo ciclo de aumento de produtividade e de demandas mais customizadas de produtos. Esse ritmo frenético, que causa um impacto na saúde mental do trabalhador, precisa ser enfrentado, não pode ser sustentado por uma sociedade que não seja dedicada a criar e generalizar o uso de novas tecnologias, assim como a educar seus novos cidadãos para aprenderem a aprender, pensar criticamente e criativamente e atuar de forma experimentalista no processo de inovação, aplicando a forma de pensar da ciência no dia a dia da produção.
Para além do domínio e da generalização das novas tecnologias da informação, ainda permanece central a questão tradicional do papel da tecnologia num mundo globalizado. Para uma indústria poder competir no mercado internacional, ela deve estar de posse da tecnologia de ponta no seu campo.
Tecnologia é o caminho não só para produzir mais, mais barato e mais rápido, mas para produzir produtos melhores, com um nível de qualidade compatível com as melhores indústrias internacionais do setor.
Todos os países capitalistas que ostentam alto nível tecnológico em suas indústrias têm forte e íntima participação do Estado no financiamento da pesquisa e sua coordenação com a iniciativa privada, particularmente do complexo industrial-militar. Exemplos notáveis dessa participação estatal são os próprios EUA e a China, as duas maiores economias do mundo. O desenvolvimento científico e tecnológico ou é bancado pelo Estado ou não existe. E nós precisamos que ele exista.
Para isso, a coordenação entre as universidades e fundações públicas e as empresas estatais e privadas desses setores será condição fundamental. Muitos imaginam o Brasil incapaz de produzir tecnologia inovadora, mas a verdade é que já estivemos na vanguarda tecnológica em muitos setores.
Desenvolvemos não só a fibra óptica como também a tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, novos biocombustíveis, o carro a álcool, uma técnica própria e barata de enriquecimento de urânio, e adaptamos várias modalidades de grãos ao nosso cerrado. Esses avanços seguiram os mesmos padrões das descobertas norte-americanas: foram obtidos ou por órgãos estatais ou no bojo de projetos bancados pelo Estado. Desde 2016, o governo federal tem cortado dramaticamente gastos em ciência, tecnologia e inovação, o que agravará fortemente nosso atraso tecnológico. Em 2017, o governo tinha gasto o percentual de investimento mais baixo da história do país em ciência e tecnologia até então: 0,2%. [63] O Governo Bolsonaro bateu esse recorde vergonhoso na previsão do orçamento para o ano de 2020: 0,18%, ou míseros R$7 bilhões. [64] Programas estratégicos para nossa segurança energética e militar, como o nuclear, foram estrangulados pela falta de recursos. Ao abrir mão da pesquisa em setores que ainda estão próximos da ponta tecnológica, estamos comprometendo o futuro do que restou de nossa indústria.
UMA REVOLUÇÃO EDUCACIONAL
Não podemos mais adiar a revolução que nosso desenvolvimento exige. Chegou a hora de transformar a educação de prioridade retórica em prioridade orçamentária.
Tributário de uma tradição de luta pela educação que vem de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, o PDT não vê o investimento maciço em educação básica somente como um projeto de diminuição das desigualdades ou qualificação de mão de obra, mas também de emancipação nacional.
Um projeto que tem por objetivo primário fazer florescer nosso maior patrimônio: nossos filhos. Nossa independência e sustentação de um projeto nacional ao longo do tempo dependem de um povo que compreenda sua história, seu lugar e seu papel no mundo.
Igualmente, a educação voltada para o desenvolvimento do pensamento crítico e da capacidade de selecionar e integrar a avalanche de informações do mundo contemporâneo é condição necessária para o progresso civilizatório e econômico, porque aumenta a produtividade do trabalho, a capacidade de adaptação às mudanças tecnológicas e sociais e o aproveitamento de novos talentos científicos.
A educação básica continua negligenciada pelo Estado brasileiro. Sendo atribuição constitucional fundamentalmente de municípios, tem hoje do governo federal basicamente os repasses do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica (Fundeb).
A escolarização média brasileira em 2013 ainda era a menor da América do Sul, 7,2 anos de estudo por pessoa com mais de 25 anos, e sua taxa de alfabetização, a segunda pior, atrás somente do Peru. [65] No ensino superior avançamos, mas ainda temos somente 18% dos jovens de 18 a 25 anos matriculados. A taxa bruta de matrícula na educação superior brasileira ainda era, em 2008, metade da argentina e menos de um terço da cubana. [66]
A média salarial do professor do ensino básico no Brasil, nas folhas de pagamento das prefeituras, é muito baixa e ainda constitui o maior obstáculo à nossa educação pública. Antes mesmo de começar a carreira, perdemos milhões de jovens que não seguem sua vocação porque optam por salários maiores em outras profissões. No início da carreira, perdemos jovens professores e professoras que não encontram no magistério meios de financiar o nível de vida que almejam possuir. E de perdas em perdas ficamos com carência de profissionais em várias áreas de ensino e com um profissional desmotivado. Como se não bastasse, o governo de Michel Temer conseguiu congelar, na Constituição, os gastos com educação por vinte anos no Brasil.
Independentemente do rumo que venhamos a pactuar para nossa educação, teremos que revogar esse congelamento ou todas as áreas da administração federal entrarão em colapso em mais dois ou três anos. [67]
Mas nem só de subfinanciamento se faz o fracasso de nossa educação básica. Comparado com os países da OCDE, o Brasil estaria em último lugar no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), índice que mede a qualidade do desempenho dos alunos em matemática, leitura e ciências, atrás de países como Chile e México. [68] O gasto médio por estudante, que cresceu muito nos Governos Lula e Dilma, ainda é de 42% do gasto médio da OCDE. Mas se levarmos em consideração que o PIB per capita brasileiro é hoje 40% da média dos países dessa mesma organização, fica claro que o problema é mais do que dinheiro, e que esse aumento de recursos para a área não foi acompanhado de aumento de aprendizagem correspondente, já que as notas dos estudantes brasileiros estão praticamente estagnadas desde 2000. Países como Colômbia, México e Uruguai gastam menos por estudante do que o Brasil e têm desempenhos melhores no índice. Por exemplo: o Chile, que gasta praticamente o mesmo que o Brasil por estudante, tem um desempenho muito maior em ciências. [69]
Mas os bons exemplos não vêm só de fora, como me sinto obrigado a dizer aqui. Há bons exemplos no país que provam que podemos fazer muito mais com os recursos que temos hoje. Minha cidade, o município de Sobral, no interior do Ceará, encravada no semiárido nordestino, tem o maior Ideb [70] – índice que mede o desempenho escolar brasileiro – do ensino fundamental do país, com nota 9,1 em 10. [71] Fizemos isso gastando, em 2013, R$2.221,73 por aluno, o que dá R$929,79 a menos do que gastou no mesmo ano por aluno a cidade de São Paulo, [72] que só conseguiu, no último Ideb, a nota 6,0.
Essa foi uma obra realizada por nosso grupo político e liderada por meu irmão, Cid Gomes, nos dezesseis anos de seus mandatos extraordinários como prefeito de Sobral (8) e governador do Ceará (8). Conseguimos então a coesão social necessária para a continuidade de políticas públicas de longo prazo que mostraram resultados. Apostamos em plano de gestão, na erradicação completa do analfabetismo, na diminuição da evasão escolar e na valorização salarial e social do professor através de um regime meritocrático. Como resultado, o Ideb de Sobral, que tem hoje o índice de 9,1, já superava, em 2017, a meta federal para 2022, e está no patamar da educação de países desenvolvidos. O Ceará, que generalizou o modelo, tinha no levantamento de 2015 simplesmente as 24 melhores escolas públicas do país no ensino fundamental (a maioria no interior do semiárido) e 77 das 100 melhores. [73] No levantamento de 2017 ele ainda ampliou essa liderança. Hoje, o estado tem 82 das 100 melhores escolas públicas de ensino fundamental do país. [74]
Alcançando a liderança do Brasil, Sobral agora mira outros padrões. Com a mesma coragem que Cid teve em 2000, quando uma auditoria externa contratada pela prefeitura mostrou o estado precário em que se encontrava a educação em nosso município, em 2017 a gestão de meu outro irmão, Ivo Gomes, realizou outra avaliação externa em Sobral. Agora a cidade não persegue mais padrões nacionais, mas sim internacionais.
A Fundação Lemann, através de técnicos da Fundação Cesgranrio, aplicou o Pisa para Escolas em dezesseis escolas públicas de Sobral. [75] O desempenho delas foi maior que os resultados do Brasil, com sua rede pública e privada incluída, no Pisa. Houve uma escola [76] que, inclusive, com nota 505,72, superou a nota média de países ricos e membros da OCDE como Austrália, França e Reino Unido.
Sabemos que a educação de Sobral ou do Ceará ainda está longe do que queremos para o Brasil. Mas nos orgulhamos imensamente não só do que ela é, mas principalmente do que ela se torna a cada dia, num esforço permanente e incansável. Não é meu justo orgulho por pertencer a esse movimento que produz esses resultados tão extraordinários, que me faz trazer estes dados até aqui. Na verdade, é uma pergunta: se uma cidade pobre do sertão do Nordeste Semiárido pode, o que dizer de um país extraordinário como o Brasil? É a política.
Os exemplos de Sobral e do Ceará mostram que mesmo com limitação orçamentária e o modelo pedagógico atual a educação brasileira poderia estar em patamares bem superiores. No entanto, não devemos nos contentar com as condições atuais. Acredito que precisamos assumir a tarefa de promover uma verdadeira revolução na educação brasileira baseada em cinco princípios:
1) Federalização da gestão do ensino básico por meio de um programa de abrangência nacional, de adesão voluntária, que estabeleça liberação de recursos mediante contrapartidas municipais, adesão às metas definidas e avaliação de resultados.
2) Mudança radical no conteúdo da educação básica brasileira, abandonando o foco na memorização de fatos e fórmulas e direcionando-o para o desenvolvimento de capacidades analíticas que habilitem o estudante a entender conceitos e relacionar conteúdos de forma crítica.
3) Priorizar seriamente o investimento no preparo e na remuneração dos professores, em regime meritocrático.
4) Entrada da educação pública na era da informática, através da informatização de procedimentos de avaliação dos serviços escolares por alunos e pais, de acompanhamento escolar de alunos e disponibilização de conteúdo educacional aberto e atraente para a nova geração de brasileiros e todos os cidadãos.
5) Apoio material à criança pobre para permanência na escola, trazendo a família para o acompanhamento da vida escolar. Esse é o exemplo não só de Sobral, mas que nos é legado pela tradição trabalhista de Leonel Brizola, que construiu mais de seis mil escolas como governador do Rio Grande do Sul nos anos 1960 e que como governador do Rio de Janeiro, nos anos 1980 e 1990, construiu mais de quinhentos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), projeto educacional moderno que propiciava, em horário integral, alimentação, saúde e lazer às crianças e aos adolescentes de famílias carentes.
Defendo convictamente que a principal habilidade a ser desenvolvida pela educação no mundo atual é a capacidade de aprender a aprender e de lidar criticamente com o excesso de informações.
Num mundo com tecnologias em permanente mudança, o brasileiro do presente e do futuro precisa ter uma capacidade adaptativa que só o pensamento crítico genuíno, fonte de todo o conhecimento humano, pode dar. Não existe mais lugar no mundo para o professor reprodutor de fórmulas e informações, simplesmente porque um volume incomensurável de informações está à distância de um clique. O professor, no entanto, retém seu papel fundamental de tutor de um aluno perdido num mar de dados sem saber como avaliá-los ou relacioná-los, de interlocutor individual capaz de identificar e intervir em dificuldades particulares de aprendizado, mostrando ao aluno a falha particular de pensamento que o impede de dominar determinado conteúdo ou habilidade. Enfim, cabe ao professor sempre ajudar a desenvolver no aluno o genuíno espírito crítico que, bem longe de ser a doutrinação ideológica que muitas vezes o termo esconde, é exatamente seu inverso: ensinar a abordar o mesmo problema ou conteúdo de pontos de vista diferentes.
A CULTURA E SUA DIMENSÃO EDUCACIONAL E ECONÔMICA
A cultura de um povo deve ser o centro da afirmação de uma identidade nacional, que hoje está gravemente ameaçada, não só pelo neocolonialismo e por hábitos de consumo, mas também por uma estética internacional pasteurizada, consumista e ostentadora.
Nesse sentido ela é fundamental para a afirmação de um Projeto Nacional de Desenvolvimento. Que papel tiveram o ambiente cultural modernista e nomes como Villa-Lobos para a afirmação do projeto liderado por Vargas? Ou da bossa nova e do Cinema Novo para a afirmação do projeto liderado por JK? Só podemos ter certeza de que foi muito grande, porque por natureza o papel das artes em nosso cotidiano é imensurável.
Precisamos incentivar a política cultural para além do mecenato, fazendo com que o estímulo à cultura tenha a ênfase necessária para que o Brasil se reconheça como nação na sua diversidade regional, nas suas expressões tradicionais e na valorização de seu patrimônio histórico. Não se trata, é claro, de deixar de promover as novas estéticas, o experimentalismo de vanguarda, mas somente de generalizar a compreensão de nosso lugar na cultura universal. É preciso educar as novas gerações em nosso legado cultural, privilegiando o financiamento de sua apresentação através de meios e estéticas próprios.
Para isso é importante o estabelecimento de uma política e de um marco regulatório para a cultura e as artes no Brasil que consolidem em um único instrumento legal toda a regulação desse setor da economia.
A meu ver, essa política cultural e esse marco legal deveriam direcionar o investimento em cultura em duas frentes.
A primeira é a democratização do acesso, fruição e consumo de bens e serviços culturais, implementando políticas que ampliem e popularizem o acesso à cultura e ao lazer, criando espaços de fomento, formação de plateia, desenvolvimento e interação, e valorizando os espaços já existentes, principalmente nas periferias. Em relação à democratização do acesso, é fundamental o avanço das Políticas Nacionais de Inclusão Digital com vistas a promover a infraestrutura para acesso universal à internet 5G num futuro próximo.
A segunda é a democratização da produção, com estímulos a novos agentes e cooperativas culturais que surjam da facilidade e do barateamento que as novas mídias trouxeram à espontaneidade de manifestações culturais até então inéditas.
Também não podemos esquecer que a cultura nacional tem sido objeto de interesse internacional ao longo das décadas, e devemos começar a pensar em sua produção de ponta como um item da balança comercial brasileira de serviços. Nesta conta em que somos altamente deficitários, podemos melhorar nossa posição ao incentivar serviços de streaming nacionais, produções locais de séries, filmes e novelas – em que temos reconhecidamente líderes mundiais, como a Rede Globo.
É importante começarmos a pensar seriamente em construir uma indústria cultural, no melhor sentido do termo, que não pode ser tomado como sinônimo de produção de baixa qualidade ou de lucro fácil. Esse tipo de preconceito nos impede de estruturar as atividades culturais em nosso país em bases mais profissionais. É a presença de uma sólida indústria cultural que permite o florescimento e a sustentação das formas artísticas de vanguarda, não o contrário. Qualquer produto dramatúrgico para consumo, por exemplo, seja uma peça de teatro ou uma série superproduzida, tem por trás um grande universo de profissionais, conhecimento acumulado e infraestrutura necessários à sua realização e reprodução. Isso se dá igualmente com shows e clipes musicais, desde um solo a uma orquestra.
Desenvolver uma indústria cultural significa dar organicidade a todas essas manifestações culturais dentro de um projeto que nos permita, assim como queremos fazer com os demais bens industriais que importamos, oferecer alternativas nacionais aos produtos que circulam no país utilizando o financiamento da indústria cultural estrangeira, além de exportar nossa cultura para o mundo.
BRASIL, O CELEIRO DO MUNDO
Minha ênfase na necessidade da retomada do desenvolvimento industrial em nenhuma hipótese significa que devemos negar ou negligenciar nossa vocação para ser o maior produtor de alimentos do mundo. Nenhum país pode abrir mão de suas vantagens comparativas num projeto de desenvolvimento, e não é o Brasil, com sol o ano inteiro, a maior quantidade de terras agricultáveis e a maior reserva de água doce do mundo, que o fará. Nossas condições para a agricultura são incomparáveis. Estamos destinados a ser a maior potência agrícola mundial.
Hoje estamos realizando esse destino através do agronegócio. Sua produtividade é imensa e, junto à mineração, sustenta nosso modo de vida e padrão de importações por meio dos recursos que gera com a exportação de nossas commodities. O setor primário é o único setor superavitário da balança comercial brasileira.
Não deveria ser necessário dizer que nosso agronegócio deve ser respeitado. No entanto, vemos seguidamente se levantarem contra ele acusações, generalizações e apreciações negativas, que ao longo dos anos contaminaram o imaginário popular.
Evidentemente que tais generalizações e acusações são, na maioria das vezes, baseadas em eventos dramáticos e reais. São geradas por casos de violência e exploração no campo, trabalho escravo, conflitos com sem-terra e indígenas, não cumprimento da legislação ambiental, grilagem e concentração fundiária.
Cabe ao Estado ser inflexível no combate ao trabalho escravo e à violência no campo, garantindo o cumprimento da lei por todos os que fazem dessa atividade o esteio do país.
Por outro lado, também cabe ao Estado garantir o suporte financeiro ao agronegócio, já que o sistema bancário nacional não cumpre sua função. Mais importante do que isso é fazer o Estado voltar a promover o avanço biotecnológico que um dia nos permitiu produzir soja no cerrado.
A agricultura brasileira, no entanto, não vive somente do agronegócio. No país convivem dois modelos agrícolas distintos, e o segundo deles é o da agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos que consumimos internamente [77] e por 75% dos trabalhadores do campo. [78]
Uma coisa que a maioria do povo brasileiro não sabe é que, apesar de fazer maior uso de mão de obra, a agricultura familiar tira mais da terra: responde por 38% do valor da produção agrícola, ocupando apenas um quarto da área produtiva brasileira. Mesmo cultivando uma área menor, a agricultura familiar garante a segurança alimentar do país. [79]
No entanto, o modelo familiar apresenta três desafios para seu desenvolvimento:
1) em comparação ao agronegócio, os custos são hoje mais altos para a maioria dos produtos, devido ao maior uso de mão de obra;
2) as dificuldades de armazenamento e escoamento de produtos perecíveis são maiores;
3) suas condições de financiamento são piores.
Assim, levando em conta esses dois modelos distintos que convivem em nosso país, temos que pensar numa política agrícola que atenda às necessidades de ambos os modelos e nos leve ainda mais longe em nossa produtividade. Acredito que tal política deveria ter os seguintes eixos:
- retomada dos grandes projetos de infraestrutura para eliminar gargalos logísticos do escoamento de nossa safra; - revitalização da Embrapa para que ela volte a produzir soluções tecnológicas para o desenvolvimento no Brasil de
a) culturas que oneram nossa balança comercial, como o trigo;
b) preservação e armazenamento das produções de frutas e legumes;
c) sementes mais resistentes ao nosso clima e a pragas; e
d) fertilizantes e defensivos nacionais;
- retomada da facilidade de crédito com a queda dos juros e a concessão pelo Estado de linhas de crédito especiais para a agricultura familiar;
- assistência técnica e jurídica do Estado para a produção, armazenamento e formação de cooperativas de processamento industrial, evitando o perecimento das safras familiares;
- retomada dos assentamentos de reforma agrária direcionados pelo Estado, com estreita observância à paz e ao direito no campo, integrando os novos núcleos às outras políticas descritas.
Esse arcabouço geral, no entanto, não substitui a criação de projetos locais, adaptados às regiões e às suas especificidades de clima, escoamento, mercado e população. A coordenação de projetos locais com esse arcabouço de apoio governamental pode oferecer igualmente a solução para assentamentos bem-sucedidos de reforma agrária. Ao Estado cabe o papel de destravar o pequeno produtor, oferecendo-lhe assistência técnica, crédito e acesso ao mercado.
Não falo, novamente devo lembrar, como mero diletante. O modelo que proponho aqui foi aplicado por mim quando ministro da Integração Nacional. Um exemplo que sempre gosto de citar do efeito que a coordenação do Estado com o pequeno produtor agrícola pode causar é o da transformação do Ceará no maior produtor brasileiro de abacaxi. Em pouco mais de dois anos, saímos do zero para a liderança nacional com um projeto de estado que não só financiou o empreendimento, como também ofereceu ao pequeno produtor a assistência técnica agrícola e administrativa para a formação de cooperativas e garantias de escoamento da produção.
NÃO PODEMOS ESCOLHER ENTRE PRODUZIR E PRESERVAR
Apresentei neste livro um esboço de projeto nacional de desenvolvimento para ajudar no debate nacional. Expus ideias sobre ajuste fiscal, dívida pública, reforma tributária, projeto industrial, educação e agricultura.
Não posso deixar de abordar aqui, portanto, o problema ambiental, que deve ser sempre considerado em conjunto com o problema do desenvolvimento. Essa questão tão fundamental para nosso tempo é, por isso mesmo, muito instrumentalizada para mobilizar parte das novas gerações contra o desenvolvimento de seu próprio país, muitas vezes, subdesenvolvido.
Sou comprometido com a questão ecológica há muito tempo, desde antes de implantar a primeira comissão de meio ambiente do Ceará. Na década passada, coordenei o projeto de transposição do rio São Francisco, ajudando o presidente Lula a tirar do papel esse sonho brasileiro que vem desde os tempos do Império. Ao fazê-lo, desenvolvi ao mesmo tempo o projeto de sua revitalização e o comitê de bacia hoje responsável por sua gestão.
No entanto, também sou totalmente comprometido com o desenvolvimento do Brasil. Não tenho vocação para mentir e não creio que se possa eludir o fato de que o desenvolvimento das forças produtivas de uma nação tende a estressar o meio ambiente. Esse é um problema que tem que ser encarado de frente e sem demagogia, porque a natureza tem que ser preservada tanto quanto as pessoas têm que comer e ter uma vida digna.
Europa, Japão e EUA podem se dar ao luxo de escolher não crescer, ou, ao menos, cercear seus padrões de consumo. Mas eles pouco ou nada fazem, exceto no discurso. São países desenvolvidos, cuja população já parou de crescer e tem um nível de vida inconcebível para os cidadãos mais pobres de nosso país.
O Brasil, no entanto, não tem essa opção. Somos um país pobre em termos relativos. Precisamos aumentar nossa produção não só porque ainda temos um nível de vida e de consumo baixo, mas também porque nossa população ainda não parou de crescer.
Não podemos optar entre o desenvolvimento e o meio ambiente, precisamos encontrar meios de compatibilizá-los. Temos que cobrar responsabilidade de todos os envolvidos no problema. Das organizações que lutam pelo meio ambiente cobremos a solução produtiva real, não demagógica; e dos que lutam para produzir cobremos a adequação e compensação ecológica real.
A questão ambiental no Brasil não pode, em nenhuma hipótese, ser conduzida por ONGs internacionais que só têm compromisso, ao menos até onde podemos provar, com a preservação da natureza. Tampouco pode ser conduzida pelo agronegócio, cujos únicos interesses são a expansão da produção e da fronteira agrícola. Não só o agronegócio, mas também a extração ilegal de madeira é responsável pela expansão do desmatamento na Amazônia. Da mesma forma, ONGs internacionais se espalharam pela Amazônia Legal, comprando terras e ampliando o poder político sobre regiões ricas em minério.
É por esses motivos que a questão ambiental no Brasil é um problema de Estado e de soberania nacional. Se vamos enfrentá-la seriamente, precisamos retomar o controle daquele território nacional, contando com uma ampla ocupação militar da região e monitoramento por satélite e em tempo real de ações de desmatamento ilegal e queimadas.
Não estamos em posição desfavorável para isso, muito pelo contrário. Somos um país ainda pouco povoado para a extensão de nosso território, e que o utiliza pouco para a produção agrícola, tendo uma das menores taxas de utilização do mundo. Esse dado foi confirmado pela Nasa, a agência espacial norte-americana, que calculou em 7,6% o uso do território brasileiro para agricultura, abaixo dos dados da própria Embrapa, que calculava esse uso em 7,8%. [80] Esses números são extraordinários se levarmos em conta a potência agrícola que sabemos que o Brasil é. Em comparação, o resto do mundo utiliza de 20 a 30% do seu território para a agricultura (EUA, 18%; União Europeia, mais de 45%; e Alemanha, 56%).
Além disso, temos a matriz energética mais limpa do planeta. A questão dos impactos ambientais de grandes hidrelétricas está superada, porque já criamos todos os grandes reservatórios que a hidrologia brasileira nos permitia. Findo o ciclo hidrelétrico, teremos que decidir como gerar energia daqui para a frente com responsabilidade.
Pode parecer paradoxal, mas sustento que um novo ciclo de desenvolvimento industrial pode ajudar a deter o desmatamento no país. Sem opções econômicas para sustentar seu padrão de consumo, a pressão da sociedade brasileira sobre a floresta, exercida através da pecuária, da agricultura e da mineração, será irresistível. Precisamos igualmente oferecer alternativas econômicas para a população amazônica, lançando mão de ferramentas de desenvolvimento sustentável como o zoneamento econômico ecológico.
Com as nossas especificidades de solo, de clima, de cobertura vegetal, de recursos hídricos, de diversidade mineral e de alternativas energéticas, trata-se de entender que meio ambiente e ecologia não são temas identitários. Mas que seus valores e conceitos devem permear toda a estratégia de desenvolvimento ou, ao menos, de forma mais clara e direta: se há um país no mundo que pode dar concretude à ideia generosa e nunca praticada até o presente momento no mundo de desenvolvimento sustentável, este é o Brasil. Sem falar no extraordinário potencial enriquecedor de uma economia verde praticável entre nós como em nenhum outro espaço do planeta Terra.
1 Indicador que representa quanto as empresas aumentaram seus bens de capital. “Bens de capital” são os bens que usamos para produzir outros bens, como máquinas e equipamentos. Sua relevância é indicar se a capacidade de produção de um país está crescendo ou não.
2 World Bank Data. Gross capital formation. Disponível em: http://data.worldbank.org/indicator/NE.GDI.TOTL.ZS?locations=CN-BR-KR-DE-EU
3 Idem.
4 Datafolha. Esquerda-direita 2017. Disponível em: http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2017/07/03/d2a8a70683c9fa81dcaebffab0375823df9674ca.pdf
5 Latinobarômetro 2016. Disponível em: http://www.latinobarometro.org/latNewsShowMore.jsp?evYEAR=2016&evMONTH=9
6 Datafolha. Esquerda-direita 2017. Op. cit.
7 Latinobarômetro 2015. Disponível em: http://www.latinobarometro.org/latNewsShow.jsp
8 “Pesquisa Oxfam Brasil/Datafolha revela a percepção sobre desigualdades no Brasil.” Oxfam Brasil. Disponível em: https://oxfam.org.br/noticias/pesquisa-oxfam-brasil-datafolha-revela-apercepcao-sobre-desigualdades-no-brasil/
9 Pnud. Relatório de Desenvolvimento Humano 2015. Disponível em: http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr15_overview_pt.pdf
10 GOBETTI, S.; ORAIR, R. “Tributação e distribuição da renda no Brasil: novas evidências a partir das declarações tributárias das pessoas físicas.” IPC-IC, 2015. Disponível em: http://www.ipcundp.org/pub/port/OP312PT_Tributacao_e_distribuicao_da_renda_no_Brasil_novas_evidencias_a_p
11 OECD iLibrary. Government at a Glance 2015. Disponível em: http://www.oecdilibrary.org/governance/government-at-a-glance-2015/employment-in-the-public-sector_gov_glance-2015-22-en
12 HOLM-HADULLA, F.; KAMATH, K.; LAMO, A.; PÉREZ, J.; SCHUKNECHT, L. Public Wages in the Euro Area Towards Securing Stability and Competitiveness. European Central Bank, 2010. Disponível em: https://www.ecb.europa.eu/pub/pdf/scpops/ecbocp112.pdf
13 FREIRE, A.; PALOTTI, P. (Orgs.). “Servidores públicos federais: novos olhares e perspectivas.” Brasília: Enap Cadernos, 2015. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2396/1/Caderno_42_Servidores%20p%C3%BAblicos%20f
14 PALLOTI, P. & FREIRE, A. “Perfil, composição e remuneração dos servidores públicos federais: trajetória recente e tendências observadas.” Brasília: Consad, 2015. Disponível em: http://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2237/1/009.pdf
15 Apesar disso é alta se compararmos com os países emergentes. A carga tributária na China em 2019 ficou em torno de 17,5%; na Rússia, 24,2%; e na Argentina, 30,2%. Os EUA (cerca de 27%) e o Chile (cerca de 20%) devem ser comparados com ressalvas, pois o primeiro, além de sustentar seu modo de vida imprimindo a moeda mundial, não tem sistema público de saúde, e o segundo não oferece previdência.
16 Eurostat. Total receipts from taxes and social contributions. Disponível em: http://ec.europa.eu/eurostat/statisticsexplained/images/c/ca/Total_tax_revenue_by_country%2C_1995-2014_%28%25_of_GDP%29.png
17 Tesouro Nacional. “Carga tributária bruta do Governo Geral foi de 32,36% do PIB em 2017.” Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/-/carga-tributaria-bruta-do-governo-geral-foi-de-32-36-do-pib-em-2017
18 World Bank Data. Disponível em: https://datacatalog.worldbank.org/
19 O cálculo é com base na estimativa de R$340,9 bilhões de pagamento de juros líquidos da União em 2017 (BC) contra uma receita primária de R$1.342,4 trilhão no mesmo ano (Receita Federal).
20 OCDE Brasil. Relatórios econômicos da OCDE: Brasil 2015. Disponível em: http://www.oecd.org/eco/surveys/Brasil-2015-resumo.pdf
21 Todo esse cenário, que ao fim de 2019 era terrível, será dramaticamente piorado com o surto do novo coronavírus. Tudo o que proponho aqui continua, em minha opinião, tendo que ser feito, mas provavelmente precisaremos de medidas muito mais amplas depois da crise, que só teremos condições de avaliar em alguns meses.
22 CAMPOS, Elisa. “Juros do cartão de crédito no Brasil são os mais altos entre as principais economias da América Latina.” Época Negócios. Disponível em: http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,ERT287278-16357,00.html
23 BOMFIM, Mariana. “Juro do cheque especial sobe para 318%; rotativo do cartão vai a 295,5%.” Uol, mar. 2019. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/03/27/juroscheque-especial-cartao-de-credito-banco-central.htm
24 Hedge: seguro que protege uma operação financeira do risco de grandes flutuações de preço de um determinado ativo financeiro.
25 Relatório anual da dívida pública – 2017. Receita Federal. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/web/stn/relatorio-anual-da-divida
26 BC. Nota para a imprensa. Publicada em 31/01/2019.
27 BC. Nota para a imprensa. Publicada em 30/04/2019.
28 “Arrecadação federal de 2018 tem melhor resultado em quatro anos.” Governo do Brasil, jan. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestaopublica/2019/01/arrecadacao-federal-de-2018-tem-melhor-resultado-em-quatro-anos
29 PINTO, Bianca. “Brasil é um dos que menos tributam herança no mundo.” Estado de S. Paulo, maio 2014. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-e-um-dos-quemenos-tributam-heranca-no-mundo-imp-,1170532
30 GOBETTI, S.; ORAIR, R. Op. cit.
31 CAMPOS, A.; BARBOSA, A.; POCHMANN, M.; AMORIN, R.; SILVA, R.. Atlas da exclusão social volume 3: Os ricos no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2004.
32 A última versão deste livro foi concluída antes da aprovação final do texto da reforma da Previdência de 2019. Continuo acreditando que ajustes na reforma são necessários.
33 Lei Orçamentária Anual – 2019. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/orcamento-anual-de-2019
34 Idem.
35 MELO, Karine. “Relatório de CPI do Senado diz que Previdência Social não tem déficit.” Agência Brasil, out. 2017. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-10/relatoriode-cpi-do-senado-diz-que-previdencia-social-nao-tem-deficit
36 Lei Orgânica da Assistência Social.
37 Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil & Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social e Tributário. “Análise da Seguridade Social 2015.” Brasília: Anfip, 2016. Disponível em: https://www.anfip.org.br/wpcontent/uploads/2018/12/20161013104353_Analise-da-Seguridade-Social-2015_13-10-
2016_Anlise-Seguridade-2015.pdf
38 Pnad 2017. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101560_informativo.pdf
39 “Bolsonaro e outros 141 ex-deputados poderão se aposentar com até R$ 33,7 mil.” Uol, jan. 2019. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/economia/bolsonaro-e-outros-141-exdeputados-poderao-se-aposentar-com-ate-r-337-mil/
40 Pnud. Relatório de Desenvolvimento Humano 2015. Op. cit.
41 GOBETTI, S. & ORAIR, R. Op. cit.
42 Partido dos Trabalhadores. Programa de Governo 2002. Disponível em: https://www1.uol.com.br/fernandorodrigues/arquivos/eleicoes02/plano2002-lula.pdf
43 ZOCKUN, Maria Helena (Org.) “Simplificando o Brasil: propostas de reforma na relação econômica do governo com o setor privado.”, São Paulo: Fipe, 2007. Disponível em: https://downloads.fipe.org.br/publicacoes/textos/texto_03_2007.pdf
44 OCDE Brasil. Relatórios Econômicos da OCDE: Brasil 2015. Op. cit.
45 Pnud. Relatório de Desenvolvimento Humano 2015. Op. cit.
46 Analisei os efeitos de tal imposto em mais detalhes no meu livro O próximo passo, escrito em parceria com Mangabeira Unger.
47 EY. World Estate and Inheritance Tax Guide, 2016. Disponível em:
http://www.ey.com/Publication/vwLUAssets/ey-worldwide-estate-and-inheritance-tax-guide-june-2016/$FILE/ey-worldwide-estate-and-inheritance-tax-guide-june-2016.pdf
48 Fiesp. Panorama da Indústria de Transformação brasileira, 18ª edição, 2019. Disponível em:
https://www.fiesp.com.br/indicespesquisas-e-publicacoes/panorama-da-industria-de-transformacaobrasileira/
49 BONELLI, R.; GONÇALVES, R. Para onde vai a estrutura industrial brasileira. Rio de Janeiro: Ipea,
1998. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?
option=com_content&view=article&id=3806
50 Por exemplo, no ano de 2013. Dados disponíveis no Comex Stat: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral
51 Comunicação pessoal.
52 Média aproximada entre 2013 e 2017. Disponível no Comex Stat: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral
53 Diante da tragédia indizível da pandemia que nos atinge nos dias da revisão para a publicação deste livro, pudemos ter uma demonstração cabal da importância estratégica de um complexo industrial da saúde forte, quando muitos descobrem, chocados, que hoje o Brasil não consegue sequer produzir máscaras cirúrgicas em quantidade suficiente ou os reagentes necessários para a realização de testes em massa de Covid-19, bem como respiradores e equipamentos de UTI.
54 CHEVRAND, César. “Patentes e saúde pública são temas de debate na Fiocruz.” Agência Fiocruz de Notícias, ago. 2016. Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/patentes-e-saude-publica-saotemas-de-debate-na-fiocruz
55 DAVID, G., ANDRELINO, A.; BEGHIN, N. “Direito a medicamentos: avaliação das despesas com medicamentos no âmbito federal do Sistema Único de Saúde entre 2008 e 2015.” Brasília: Inesc, 2016. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/maio/17/Livro-Direito-amedicamentos-
Avalia----o-das-despesas-INESC--2016.pdf
56 “O peso das patentes no preço dos medicamentos.” CEE-Fiocruz. Disponível em: http://cee.fiocruz.br/?q=node/509
57 Fiesp. Balança Comercial Brasileira do Agronegócio 2017. Disponível em: http://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/balanca-comercial/
58 Após a revisão geral deste livro, em 25 de abril de 2020, o acordo da venda da Embraer para a
Boeing norte-americana foi desfeito.
59 PEREIRA, R.; SCHWANEN, T. “Tempo de deslocamento casa-trabalho no Brasil (1992-2009): diferenças entre regiões metropolitanas níveis de renda e sexo.” Brasília: Ipea, fev. 2013. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=16966
60 Capital de risco sem garantias que se associa a ideias inovadoras, ou mais especificamente, no jargão atual do mercado, seed money ou angel money.
61 MAZZUCATO, Mariana. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014.
62 UNGER, Roberto Mangabeira. A economia do conhecimento. São Paulo: Autonomia Literária,
2018.
63 Projeto de Lei Orçamentária Anual – Ploa 2017. Disponível em: http://www.orcamentofederal.gov.br/clientes/portalsof/portalsof/orcamentos-anuais/orcamento-2017/p_ploa
64 LDO 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/Lei/L13898.htm#art21
65 Pnud. Relatório de Desenvolvimento Humano 2015. Op. cit.
66 Unesco. Compendio Mundial de la Educación 2010. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0019/001912/191218s.pdf
67 No momento em que se termina a edição deste livro, assistimos atônitos aos danos e às limitações
causadas por esse teto diante da crise pandêmica da Covid-19.
68 Pisa 2015. OCDE. Disponível em: http://www.oecd.org/pisa/pisa-2015-Brazil.pdf
69 No último Pisa divulgado antes da revisão final deste livro, referente ao ano de 2017, o Brasil caiu ainda mais. Foi da 63ª para a 67ª colocação em ciências e da 66ª para a 71ª em matemática. Dois terços dos brasileiros de quinze anos sabem menos que o básico de matemática, um dos dez piores desempenhos nessa disciplina no mundo. O mais preocupante é que na avaliação de 2015 já tínhamos caído nos três parâmetros, o que indica uma tendência. Isso quer dizer que, em termos comparativos, estamos ficando para trás também aqui.
70 Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
71 Inep. Ideb. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/ideb
72 Todos pela Educação. Caderno Especial. Disponível em: http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/30185/melhora-do-ensino-ditacrescimento/
73 MADEIRO, Carlos. “Referência em ensino público, Ceará pode exportar modelo a outros estados?” UOL, mar. 2018. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/noticias/2018/03/03/referencia-emensino-publico-ceara-pode-exportar-modelo-a-outros-estados.htm
74 Inep. Ideb. http://portal.inep.gov.br/ideb
75 “Estudantes de Sobral têm desempenho em leitura acima da média de países ricos.” Prefeitura de Sobral, maio 2019. Disponível em: http://www.sobral.ce.gov.br/informes/principais/estudantes-desobral-tem-desempenho-em-leitura-acima-da-media-de-paises-ricos
76 Escola Estadual de Ensino Profissional Lysia Pimentel Gomes.
77 Ministério do Desenvolvimento Agrário. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/economia-eemprego/2015/07/agricultura-familiar-produz-70-dos-alimentos-consumidos-por-brasileiro. Acessado em 18 de maio de 2018.
78 Incra. Disponível em: http://www.incra.gov.br/censo-confirma-agricultura-familiar-produz-mais-emmenor-
area. Acessado em 18 de maio de 2018.
79 Idem.
80 “Lavouras são apenas 7,6% do Brasil, segundo a NASA.” Embrapa, dez. 2017. Disponível em:
https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/30972444/lavouras-sao-apenas-76-do-brasilsegundo-a-nasa
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