sábado, 8 de fevereiro de 2020

Cada dia é uma vida.....


CADA DIA É UMA VIDA

A vida é um fluxo oscilante entre alegrias e tristezas… Nada é estático, tudo é um fluir constante. O amanhã é sempre novo, pois “o Sol não apenas, como Heráclito diz, é novo cada dia, mas sempre novo continuamente“. A vida, da mesma forma, é um fluxo continuamente renovador e renovado, e nós somos uma multiplicidade de fluxos, e estes múltiplos fluxos vitais que aparentemente se repetem em nossas vidas são únicos, pois tudo que vivemos ou sofremos tem o selo de exclusividade. 

Na vida tudo se vive uma única vez, um dia é uma vida toda. Por isso, precisamos viver a fluidez do dia com muita intensidade e atenção, são singularidades, assim nunca teremos a sensação de repetição e, com isso, não sentiremos nenhum tédio, enfado ou coisa do gênero, que rotulamos de rotina. 

Adicionada a essa atitude de viver com intensidade e atenção, precisamos viver o dia como se o não houvesse o amanhã. Como escreveu o filósofo estoico Sêneca: “Apressa-te a viver bem e pensar que CADA DIA É, por si só, UMA VIDA”. O dia é uma vida, por isso Camus, mesmo estando numa posição diferente e até antagônica a filosofia estoica, no seu livro O Estrangeiro, escreveu que: “um homem que houvesse vivido um único dia, poderia sem dificuldade passar 100 anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se entediar”. 

Cada dia um turbilhão de sensações, pensamentos e realizações. 

Além de Camus, James Joyce ao escrever seu Ulisses nos revela a densidade de um dia. Nesse livro, Joyce narra um dia de seu personagem em sua cidade natal, Dublin, na Irlanda, em mais de 800 páginas de uma narrativa densa. Mas, isso só é possível quando não banalizamos a riqueza de nossos dias. A invenção mental da rotina é na verdade a própria banalização do dia. 

Se vivêssemos nossos dias com atenção, percebendo e saboreando cada instante teríamos condições de narrar páginas e páginas como Joyce. A sensação de repetição teria seu fim com essa atitude de sentir cada instante com seu sabor e sua singular intensidade. O remédio contra a doença da banalização da vida é viver o presente, entretanto, parece difícil nos concentrarmos nele. Temos uma estranha postura: oscilamos entre o passado e o futuro, somos indiferentes aos acontecimentos cotidianos, ficamos muitas vezes impacientes com o tempo mais importante da vida, o presente. 

Seria bom viver colado no presente. Como escreveu o filósofo Arthur Schopenhauer: “Apreciaríamos e desfrutaríamos melhor o presente se, nos dias de bem-estar e saúde, não deixássemos de refletir sobre como, durante a enfermidade ou a aflição, as lembranças das horas que decorreram sem dor e privação nos pareceram dignas de inveja – como um paraíso perdido, um amigo esquecido ao qual não demos o merecido valor. Porém, vivemos nossos dias sem percebê-los; só quando chegamos aos dias ruins desejamos recuperá-los. Deixamos passar mil horas alegres e agradáveis sem conceder-lhes um sorriso, e depois suspiramos por elas quando os tempos são sombrios. Em vez disso, deveríamos aproveitar cada momento presente que seja suportável, mesmo o mais corriqueiro, que deixamos passar com indiferença ou mesmo apressamos impacientemente. Deveríamos sempre ter em mente que tais momentos no mesmo instante estão se precipitando na apoteose do passado, onde a memória os preservará transfigurados e brilhantes com uma luz imortal, e representarão a nossos olhos o objeto de nossos anseios mais profundos quando, especialmente nas horas de infortúnio, a recordação vem a levantar o véu”. 

Com essa postura schopenhaueriana somada com aquela do estoicismo de Sêneca colocaríamos um fim na banalização do dia, viveríamos… Não só um dia de cada vezes, mas compreendendo que um dia é, em si e por si só, uma vida.

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