quarta-feira, 9 de julho de 2014

O Sionismo é uma forma de Racismo (II)


O Sionismo é uma forma de Racismo (II)

Herzl traça as linhas gerais da criação do lar nacional judaico prevendo “um plano previamente organizado”, que incluía a compra de “grandes extensões de terra” (HERZL, 1956: 73), a construção de “caminhos, pontes, estradas” (idem, 65), além do estabelecimento de telégrafos, retificação de rios e edificação de moradias. Herzl recusa a adoção do hebraico como língua nacional, posto que poucas pessoas compreendiam esse idioma: “Cada um guarda a sua língua, que é a cara pátria do seu pensamento. No que concerne à possibilidade do federalismo de línguas, a Suíça nos oferece exemplo decisivo” (idem, 129), previsão que não se tornou realidade no estado israelense, que reabilitou o hebraico como idioma nacional e jurídico, embora outras línguas sejam faladas no trato cotidiano na multinacional sociedade israelense. A jornada de trabalho seria de sete horas diárias, com um regime hierárquico militarizado nas empresas, e as mulheres estariam isentas da execução de trabalhos pesados. O novo estado, embora étnico, não seria teocrático: conforme escreve Herzl: “O exército e o clero devem ser tão altamente honrados quanto as suas belas funções o exigem e merecem. No estado que os distingue, eles nada têm a dizer, porque de outra forma provocariam dificuldades exteriores e interiores” (idem, 129), passagem que hoje soa irônica, face ao caráter cada vez mais militarizado e teocrático do Estado de Israel, onde a cidadania plena é concedida apenas a indivíduos que tenham mãe judia, conforme critério biológico de raça e nacionalidade. O serviço militar é obrigatório para homens e mulheres e o orçamento militar israelense é um dos mais elevados do Oriente Médio. A ironia é ainda maior nesta passagem: “Cada um é completamente livre na sua fé ou na sua incredulidade como na sua nacionalidade. E se acontece que fieis de outra confissão, membros de outra nacionalidade habitam também conosco, conceder-lhes-emos proteção honrosa e a igualdade de direitos” (idem), o que nunca foi realizado nos territórios tomados dos palestinos, onde se encontram comunidades árabes religiosas cristãs e muçulmanas que em nenhum momento tiveram igualdade de direitos em relação aos judeus. Em outra discrepância entre profecia e realidade, Herzl afirma que “os judeus, sem dúvida, não terão mais inimigos no seu próprio estado” (idem, 137), tese desmentida pelo constante conflito não apenas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mas também nas cidades israelenses, onde vivem mais de um milhão de árabes, vítimas frequentes de ataques racistas por parte de grupos sionistas radicais. Como exemplo recente, podemos citar a punição coletiva ao povo palestino exercida por militares e colonos sionistas armados em julho de 2014, em represália a um caso não-esclarecido de sequestro e assassinato de três jovens israelenses. A verdadeira operação de guerra levada a cabo por Israel vitimou um total de vinte civis palestinos, incluindo crianças e adolescentes, nas duas primeiras semanas, além de um número desconhecido de feridos pelos bombardeios da Força Aérea israelense na Faixa de Gaza. Cerca de 700 civis palestinos foram detidos para investigação no mesmo período, 800 casas foram revistadas por soldados e várias em seguida demolidas, a partir da suspeita de vínculo de seus proprietários com acusados de terrorismo, e pelo menos mil estabelecimentos comerciais foram fechados na Cisjordânia sob a mesma alegação e com o propósito não-declarado de prejudicar a economia palestina e o abastecimento da população civil. Um caso especialmente chocante registrado nessa guerra não-declarada é o do jovem palestino Mohammed Abu Judair, de 16 anos, sequestrado, torturado e queimado vivo por colonos sionistas, sem que houvesse apuração policial e punição dos assassinos.

O sionismo é uma forma de racismo

O meticuloso projeto de ocupação da Palestina para a criação do lar nacional judaico seguiu desde o início uma lógica de tipo colonialista, que imagina o imigrante europeu como o artífice da civilização e da cultura em terras onde reina o “primitivismo” e a “barbárie” (a deformação deliberada da imagem do mundo árabe e muçulmano para justificar sua exploração pelas potências ocidentais é o tema do livro clássico de Edward Said, Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente). Em nenhum momento, Herzl se refere à população nativa da Palestina, como se ela não existisse (um dos futuros slogans do movimento sionista seria justamente esse: “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Na década de 1970, a primeira-ministra israelense Golda Meir atualizaria o axioma, declarando que “os palestinos não existiam” e que eram um “povo inventado ”). A ocultação de que a Palestina já existia como país e tinha uma população estabelecida na região há milhares de anos nada teve involuntária ou ingênua: conforme escreve Norman Finklestein, autor do polêmico livro A indústria do Holocausto, “a liderança sionista não tinha nenhuma ilusão de que seu projeto não teria que ser imposto sobre a extensa maioria árabe ou que sua implementação poderia ser cumprida sem a violação egrégia das normas democráticas” (in GATTAZ, 2002: 27). 

O componente racista do sionismo, apenas implícito no opúsculo de Herzl, seria desenvolvido por outros pensadores judeus na segunda metade do século XIX, entre eles Heinrich Graetz (1817-1891), autor de Roma e Jerusalém (1862), e Max Nordau (1849-1923), autor de Entartung (Degeneração). A ideia de uma nação judaica como “entidade étnica”, segundo Shlomo Sand, “era comum, em vários graus, a todas as ramificações do pensamento sionista, e a nova “ciência” biológica conheceu então um grande sucesso” (SAND, 2011: 460-461). Um dos mais destacados autores sionistas, Nathan Birnbaum (1864-1937), considerava a biologia, e não a língua ou a cultura, como a base para a formação das nações. Sem a herança genética, acreditava Birnbaum, não seria possível compreender a existência de uma nação judaica, cujos integrantes provêm de diferentes países, falam numerosas línguas e possuem pouca coisa em comum além da fé religiosa. Aplicando sua interpretação peculiar da biologia à história das mentalidades, Birnbaum escreve: “É por conta da oposição entre as raças que o alemão e o eslavo pensam e sentem de forma diferente que o judeu. Assim se explica igualmente o fato de o alemão ter criado a Canção dos niebelungos, enquanto o judeu deu origem à Bíblia” (idem). Max Nordau, por sua vez, “introduziu na concepção nacional judaica uma dimensão ideológica mais significativa”, escreve Shlomo Sand. Conforme o teórico húngaro, autor de Degeneração, “os judeus constituíam claramente um povo de origem biológica homogênea” (idem, 464), que deveria educar-se no trabalho com a terra, a ginástica e a educação física ao ar livre para o “progresso da raça” (idem). O pensamento de Nordau, que mesclava conhecimentos superficiais de biologia e história com toda sorte de preconceitos do conservadorismo europeu da época, faria inveja a Himmler e Julius Streicher: o irrequieto sionista procurou prevenir o mundo contra os supostos perigos da arte moderna, da homossexualidade e das doenças mentais, todas elas, segundo o seu parecer, fatores de “deterioração física da raça” (idem, 463). Martin Buber (1878-1965), por sua vez, considerava que “o sangue é uma força que constitui nossas raízes e nos vivifica (...). As camadas mais profundas de nosso ser são determinadas por ele, (...) nosso pensamento e nossa vontade lhe devem seu mais íntimo colorido. (...) O sangue, o mais profundo e o mais poderoso substrato da alma” (idem, 465-466). O ponto máximo discurso racista desenvolvido pelo sionismo, no entanto, foi sem dúvida atingido pelo ucraniano Vladimir (Ze’ev) Jabotinsky (1880-1940), para quem, segundo Shlomo Sand, “a formação das nações tem como base grupos raciais (que hoje chamaríamos ‘etnias’), e a origem biológica constitui o psiquismo (a ‘mentalidade’ na linguagem atual) dos povos” (idem, 467). Como os judeus não possuem história ou língua comuns, “nem território onde teriam vivido juntos durante séculos e sobre os quais uma cultura etnográfica unificada poderia ter se cristalizado”, Jabotinsky conclui que “o sentimento da identidade reside no ‘sangue’ do homem, em seu tipo físico e racial” (idem, 467). O “tipo físico do povo”, escreve Jabotinsky, “reflete sua estrutura mental de maneira ainda mais total e perfeita que o estado de espírito individual” (idem). A partir dessas premissas, o autor ucraniano conclui: “É fisicamente impossível que um judeu, nascido há várias gerações de pais de sangue judeu livre de qualquer miscigenação, se adapte ao estado de espírito de um alemão ou de um francês, assim como é impossível para um negro deixar de ser negro” (idem). Jabotinsky, além do trabalho realizado como escritor, tradutor, jornalista e militante do movimento sionista, foi o criador da Irgun (em hebraico ארגון‎, "organização"), milícia paramilitar dissidente da Haganá (em hebraico ההגנה, "defesa") que operou na Palestina na época do Mandato Britânico, entre as décadas de 1930 e 1940, realizando diversas atividades terroristas contra alvos britânicos e palestinos, sendo a mais célebre o atentado ao King David Hotel, em 1946, que matou 91 pessoas, de diversas nacionalidades. A ação terrorista foi coordenada por um jovem militante sionista que se tornaria conhecido internacionalmente: Menachen Begin (1913-1992), o futuro primeiro-ministro israelense que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1978, pela assinatura dos acordos de Camp David com Egito. Quatro anos depois, Begin foi responsável pela invasão do Sul do Líbano, que resultou na morte de milhares de civis em Beirute e imediações, destacando-se o tristemente célebre massacre dos campos de refugiados de Sabra e Chatila (em árabe (em árabe مذبحة صبرا وشاتيلا‎,).

Postado e responsável: Cláudio Daniel
Fonte: http://cantarapeledelontra.blogspot.com.br/

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