Sionismo (em hebraico ציונות) é a ideologia desenvolvida na segunda metade do século XIX pelo jornalista e pensador político austríaco Theodor Herzl (1860-1904), que defendia a criação de um estado nacional para os judeus na Palestina, na época administrada pelo Império Otomano. A doutrina de Herzl incorporou conceitos do pensamento político europeu do período, em especial o nacionalismo, o darwinismo social[1] e o colonialismo. Em seu livro Der Judenstaat (O estado judeu), publicado em 1896, o autor afirma: “Não considero a questão judaica nem como uma questão social, nem como uma questão religiosa, qualquer que seja, aliás, o aspecto particular sob o qual ela se apresenta, conforme os tempos e lugares. É uma questão nacional” (HERZL, 1956: 42). A afirmação dos judeus como povo ou nação, porém, é reconhecida pelo autor como problemática, uma vez que há muitos séculos os judeus se espalharam por diferentes países, especialmente no Leste da Europa, onde são conhecidos como ashkenazis (em hebraico אַשְׁכֲּנָזִי ), na Espanha e no norte da África, onde estão os sefaraditas (em hebraico ספרדים), e também nos Estados Unidos, na Ásia Central, África Negra e no Oriente Médio, onde se encontram descendentes de povos convertidos ao judaísmo na antiguidade, como os falashas (em hebraico ביתא ישראל,) da Etiópia, os chiang-min e os yutai da China e os menashe (em hebraico בני מנשה;) da Índia (o caráter proselitista do judaísmo nos primeiros séculos da era cristã é referido pelo historiador israelense Shlomo Sand no livro A invenção do povo judeu, onde afirma que os próprios sefaradins e ashkenazis seriam descendentes de povos convertidos à fé judaica. O pensamento judaico tradicional considera que a diversidade étnica dos judeus deriva das treze tribos da Israel bíblica). Herzl estabelece o princípio de que “nossa comunidade étnica é particular, única: a bem dizer, nós não nos reconhecemos como pertencentes à mesma raça senão pela fé dos nossos pais” (idem, 129), e ainda por “certos sinais exteriores relativos aos vestuários, aos hábitos da vida, aos usos e a língua” (idem, 44), sendo esta última não o antigo hebraico, que caíra no esquecimento, mas sobretudo o iídiche, derivado do antigo idioma alemão, falado nas comunidades judaicas espalhadas na Europa Central e do Leste, enquanto na Península Ibérica e no Norte da África surgiu o dialeto judeu-espanhol, ou ladino. A ênfase na herança genética como elemento constitutivo da nacionalidade está ausente no livro de Herzl e seria elaborada por outros autores sionistas, entre eles Max Nordau (1849-1923), Martin Buber (1878-1965) e Vladimir Jabotinsky (1880-1940), expoente do sionismo revisionista, para quem “uma terra natural, uma língua, uma história comuns, tudo isso não constitui a própria essência da nação, mas sua simples descrição (...). A essência da nação (...) reside em seu atributo físico específico, na fórmula de sua composição racial” (in SAND, 2011: 467-468). O acréscimo de um pensamento biológico e de um messianismo religioso no nacionalismo judeu laico seria essencial para a formatação da ideologia sionista e da própria base jurídica do moderno Estado de Israel, como veremos mais adiante.
Recusa da assimilação
A diáspora judaica pelo mundo, conforme o pensamento de Herzl, em vez de levar a uma completa assimilação dos judeus nas sociedades em que viviam, contribuiu para o surgimento do antissemitismo[2]: “Ninguém negará a situação infeliz dos judeus. Em todos os países onde vivem, por menos numerosos que sejam, a perseguição os atinge” (idem, 55). Com efeito, a sucessão de pogroms nos anos 1880, especialmente na Rússia, Romênia e em outros países da Europa Oriental, somada à repressão policial e às restrições legais impostas pelo czarismo, levaram milhões de judeus ao exílio. Conforme escreve Shlomo Sand, historiador israelense da Universidade de Tel Aviv, “entre 1880 e 1914, por volta de 2 milhões e meio de judeus de língua iídiche refluíram para países ocidentais, passando pela Alemanha, e parte deles chegou até as margens da terra prometida do continente americano” (SAND, 2011: 453-454). O fluxo migratório, porém, teve escassa relação com o projeto sionista: “menos de três por cento dos judeus escolheram emigrar para a Palestina otomana, a qual, em sua maioria, abandonaram em seguida” (idem). Por outro lado, a igualdade de direitos entre judeus e gentios, embora fosse garantida na legislação de vários países europeus, não garantia sua segurança ou reconhecimento como cidadãos plenos, sendo que “os postos médios no exército, na administração, e os empregos particulares lhes são inacessíveis” (HERZL, 1956: 55). Os judeus, prossegue Herzl, seriam atacados “no seio dos parlamentos, das assembléias, na imprensa, do alto do púlpito sagrado, na rua, em viagem”, concluindo o autor que “os povos entre os quais habitam judeus são, sem exceção, aberta ou disimuladamente, antissemitas” (idem, 57). A partir do sombrio diagnóstico da situação dos judeus na Europa, Herzl afirma a inutilidade de qualquer tentativa de adaptação das comunidades judaicas aos estados nacionais em que viviam há incontáveis gerações — motivo pelo qual se opõe aos casamentos mistos[3] entre judeus e não-judeus, como no caso da Hungria, onde, segundo ele, “a forma atual da instituição do casamento aumentou ainda por diferentes modos as dissidências que existem na Hungria entre os cristãos e os judeus e, por esse processo, tem prejudicado mais do que servido à fusão das duas raças” (idem, 44). Recusando a assimilação, que considera empresa fadada ao fracasso, Herzl propõe como alternativa a criação de um estado nacional para os judeus, que seria vantajosa, conforme o seu pensamento, para os próprios países europeus, que assim ficariam “livres” dos judeus[4]. Além disso, o estabelecimento de um estado nacional judeu na Palestina representaria “um pedaço de fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie” (idem, 73). “Ficaríamos como estado neutro, em relações constantes com toda a Europa, que deveria garantir a nossa existência” (idem), conclui, antecipando a relação privilegiada que o futuro Estado de Israel teria com os Estados Unidos, França e Inglaterra, exercendo um papel estratégico no controle do Oriente Médio conforme os interesses dos países imperialistas (e recordemos aqui o conflito de 1956, em que as Forças Armadas israelenses tiveram um papel destacado na ocupação do Canal de Suez). A guarda dos lugares sagrados da tradição judaico-cristã é também pensada por ele como atribuição do estado judeu: “Formaríamos a guarda de honra em volta dos lugares santos e garantiríamos com a nossa existência o cumprimento deste dever. Essa guarda de honra seria para nós o grande símbolo da solução da questão judaica, depois de dezoito séculos de cruéis sofrimentos” (idem). A guarda dos lugares santos de Jerusalém, efetivamente, passou para o controle de Israel, a partir da Guerra dos Seis Dias, em 1967, com a anexação ilegal de Jerusalém Oriental, contrariando decisão da ONU. Nesta cidade reverenciada pelas três religiões do deserto – judaísmo, cristianismo, islamismo – encontram-se o Muro das Lamentações, que a tradição judaica considera como um vestígio do Segundo Templo de Salomão, destruído pelos romanos em 70 d.C., e também a mesquita de Al-Aqsa (المسجد الاقصى) e o Domo da Rocha, os lugares mais sagrados na religião islâmica ao lado das cidades de Meca e Medina. O controle da Esplanada das Mesquitas pelas forças de segurança israelenses tem provocado constantes conflitos com os fieis muçulmanos, como ocorreu em setembro de 2000, quando a visita de Ariel Sharon ao Monte do Templo, protegido por um grande aparato policial, foi o estopim da Segunda Intifada.
Palestina ou Argentina?
Para a realização de seu projeto de fundação de um estado nacional judaico, Herzl propõe a criação de duas entidades: a Sociedade dos Judeus, responsável pela escolha do país onde seria estabelecida a entidade sionista – o autor sugere a Palestina ou a Argentina – e a Companhia dos Judeus, que iria se ocupar “da liquidação dos interesses materiais dos judeus que se retiram” (idem, 64) para a nova pátria, bem como pela organização das relações econômicas no estado judeu. Comparando os benefícios oferecidos pela instalação da comunidade judaica na região do rio da Prata ou nas margens do Jordão, Herzl escreve em seu opúsculo: “Devemos preferir a Palestina ou a Argentina? A Sociedade aceitará o que lhe derem, tendo em consideração as manifestações da opinião pública judia a esse respeito” (idem, 73), frase em que está implícito o desejado apoio da comunidade europeia ao seu propósito territorial. “A Argentina é um dos países naturalmente mais ricos da Terra”, prossegue, “de uma superfície colossal, com uma fraca população e um clima temperado” (idem), juízo que recorda o parecer do movimento sionista em relação à Palestina, que seria uma “terra sem povo”. “A Argentina teria interesse em ceder-nos um pedaço de território”, continua. “A atual infiltração judaica produziu aí, é certo, mau humor. Seria preciso explicar à República Argentina a diferença essencial de nova migração judia”, conclui, insinuando, novamente, a suposta missão civilizacional do estado judeu. Em relação à Palestina, Herzl é mais enfático: “A Palestina é a nossa inolvidável pátria histórica. Esse nome por si só seria um toque de reunir poderosamente empolgante para o nosso povo. Se S.M. o Sultão nos desse a Palestina, poderíamos tornar-nos capazes de regular completamente as finanças da Turquia” (idem). Argentina e Palestina, no entanto, não seriam as únicas opções discutidas no interior do movimento sionista. Conforme escreve André Gattaz no livro A guerra da Palestina, “outros locais foram considerados, como Chipre, Quênia, Congo e Península do Sinai – alguns dos primeiros sionistas chegaram mesmo a propor que banqueiros judeus comprassem parte do território do oeste dos Estados Unidos para destinar à nação judaica” (GATTAZ, 2002: 22). A escolha final, porém, recaiu sobre a Palestina, “devido a suas implicações religiosas, pois se caracterizava, no discurso judaico, como a ‘Terra Prometida’” (idem). Convém recordar que até o início do século XX havia cerca de 60 mil judeus na região, sendo que muitos resolveram imigrar para a Terra Santa por sentimentos religiosos, enquanto a população palestina árabe nativa era calculada em torno de 500 mil pessoas.
[1] O darwinismo social é um pensamento derivado teoria da seleção natural de Charles Darwin, que explica a evolução das espécies pela capacidade de sobrevivência dos mais aptos. De acordo com o darwinismo social, existiriam características biológicas e sociais que determinariam a “superioridade” ou “inferioridade” de determinados grupos sociais, compreendidos como raças. O darwinismo social influenciou o pensamento político, a historiografia e a prática colonialista de diversos países europeus entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX e um de seus autores mais conhecidos é o teórico racista inglês Houston Stewart Chamberlain (1855-1927), autor do livro Os fundamentos do século XX (1899).
[2] A esse respeito, Herzl escreve: “O antissemitismo de hoje não deve ser confundido com o ódio religioso que votavam aos judeus outrora, se bem que, em certos países, tenham ainda atualmente uma cor confessional. O caráter do grande movimento antijudaico da hora presente é outro. Nos principais países do antissemitismo, este é a conseqüência da emancipação dos judeus”. (...) “A causa remota” (do antissemitismo) “é a perda da nossa assimilabilidade, sobrevinda na Idade Média; a causa próxima, a nossa superprodução de inteligências médias”, responsável, nas camadas proletárias, pelo surgimento de lideranças nos “partidos subversivos”, e nas altas esferas, por sua “temida potência financeira.” (...) “Depois de curtos períodos de tolerância, a hostilidade contra nós se desperta sempre e sem cessar. A nossa prosperidade parece conter em si qualquer coisa de irritante, porque o mundo estava habituado de há muitos séculos a ver em nós os mais desprezíveis dos pobres. (...) A opressão só fez reviver em nós a consciência da nossa origem. E o ódio dos que nos cercam novamente faz de nós estrangeiros.” (HERZL, 1956: 60-63)
[3] O casamento civil misto entre judeus e gentios é hoje interditado em Israel. A esse respeito, escreve o historiador israelense Shlomo Sand em seu livro A invenção do povo judeu: “Desde 1947, foi decidido na prática que os judeus não poderiam ali desposar não-judeus: o pretexto cívico dessa segregação, em uma comunidade na qual a maioria era então perfeitamente laica, era aparentemente o desejo de não criar um fosso entre laico e religioso. (...) Em 1953, a promessa política de não instituir o casamento civil em Israel foi posta em bases legais. A lei que definiu o estatuto legal dos tribunais rabínicos determinou que estes teriam jurisdição exclusiva sobre casamentos e divórcios em Israel.” (SAND, 2011: 504-505)
[4] “Imagino que os governos, voluntariamente ou sob a pressão dos antissemitas, prestarão alguma atenção a este escrito, e talvez mesmo, num ou noutro lugar, acolherão, desde o começo, o projeto com simpatia e darão provas disso á Society of jews. Porque, pela imigração dos judeus, que tenho em vista, não há a temer nenhuma coisa econômica. Semelhantes crises que deveriam fatalmente produzir-se em seguida às perseguições contra os judeus seriam, ao contrário, impedidas pela realização deste projeto. Um grande período de prosperidade começaria nos países atualmente antissemitas. Assim como já o disse muitas vezes, a imigração interior dos cidadãos cristãos dar-se-á para as posições dos judeus, lentamente e metodicamente abandonadas. Se não somente nos deixarem fazer, mas se ainda nos ajudarem, o movimento será por toda parte fecundo em bons resultados.” (idem, 133)
Postado e responsável: Cláudio Daniel
Fonte: http://cantarapeledelontra.blogspot.com.br/
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