quinta-feira, 29 de maio de 2014
segunda-feira, 26 de maio de 2014
O lucro ou as pessoas?
INTRODUÇÃO
Robert W. McChesney
O neoliberalismo é o paradigma econômico e político que define o nosso tempo. Ele consiste em um conjunto de políticas e processos que permitem a um número relativamente pequeno de interesses particulares controlar a maior parte possível da vida social com o objetivo de maximizar seus benefícios individuais. Inicialmente associado a Reagan e Thatcher, o neoliberalismo é a principal tendência da política e da economia globais nas últimas duas décadas, seguida, além da direita, por partidos políticos de centro e por boa parte da esquerda tradicional. Esses partidos e suas políticas representam os interesses imediatos de investidores extremamente ricos e de menos de mil grandes empresas.
À parte alguns acadêmicos e membros da comunidade de negócios, o termo neoliberalismo é pouquíssimo conhecido e utilizado pelo grande público, especialmente nos Estados Unidos. Nesse país, ao contrário, as iniciativas neoliberais são caracterizadas como políticas de livre mercado que incentivam o empreendimento privado e a escolha do consumidor, premiam a responsabilidade pessoal e a iniciativa empresarial e freiam a mão pesada do governo incompetente, burocrático e parasitário que não é capaz de fazer nada bem feito mesmo quando bem-intencionado, o que raramente é o caso. Uma geração inteira de esforços de relações públicas financiadas pelas empresas conferiu a essas palavras e ideias uma aura quase sagrada. Como resultado, os seus reclamos raramente necessitam de defesa e são invocados para justificar qualquer coisa, da redução de impostos para os ricos e sucateamento das regulamentações ambientais ao desmantelamento da educação pública e dos programas de seguridade social. Na verdade, qualquer atividade que se interponha ao domínio da sociedade pelas grandes empresas é imediatamente considerada suspeita, porque estaria se interpondo ao funcionamento do livre mercado, tido como o único alocador racional, justo e democrático de bens e serviços. No melhor de sua eloquência, os defensores do neoliberalismo falam como se estivessem prestando aos pobres, ao meio ambiente e a tudo o mais um fantástico serviço quando aprovam políticas em benefício da minoria privilegiada.
Robert W. McChesney
O neoliberalismo é o paradigma econômico e político que define o nosso tempo. Ele consiste em um conjunto de políticas e processos que permitem a um número relativamente pequeno de interesses particulares controlar a maior parte possível da vida social com o objetivo de maximizar seus benefícios individuais. Inicialmente associado a Reagan e Thatcher, o neoliberalismo é a principal tendência da política e da economia globais nas últimas duas décadas, seguida, além da direita, por partidos políticos de centro e por boa parte da esquerda tradicional. Esses partidos e suas políticas representam os interesses imediatos de investidores extremamente ricos e de menos de mil grandes empresas.
À parte alguns acadêmicos e membros da comunidade de negócios, o termo neoliberalismo é pouquíssimo conhecido e utilizado pelo grande público, especialmente nos Estados Unidos. Nesse país, ao contrário, as iniciativas neoliberais são caracterizadas como políticas de livre mercado que incentivam o empreendimento privado e a escolha do consumidor, premiam a responsabilidade pessoal e a iniciativa empresarial e freiam a mão pesada do governo incompetente, burocrático e parasitário que não é capaz de fazer nada bem feito mesmo quando bem-intencionado, o que raramente é o caso. Uma geração inteira de esforços de relações públicas financiadas pelas empresas conferiu a essas palavras e ideias uma aura quase sagrada. Como resultado, os seus reclamos raramente necessitam de defesa e são invocados para justificar qualquer coisa, da redução de impostos para os ricos e sucateamento das regulamentações ambientais ao desmantelamento da educação pública e dos programas de seguridade social. Na verdade, qualquer atividade que se interponha ao domínio da sociedade pelas grandes empresas é imediatamente considerada suspeita, porque estaria se interpondo ao funcionamento do livre mercado, tido como o único alocador racional, justo e democrático de bens e serviços. No melhor de sua eloquência, os defensores do neoliberalismo falam como se estivessem prestando aos pobres, ao meio ambiente e a tudo o mais um fantástico serviço quando aprovam políticas em benefício da minoria privilegiada.
As consequências econômicas dessas políticas têm sido as mesmas em todos os lugares e são exatamente as que se poderia esperar: um enorme crescimento da desigualdade econômica e social, um aumento marcante da pobreza absoluta entre as nações e povos mais atrasados do mundo, um meio ambiente global catastrófico, uma economia global instável e uma bonança sem precedente para os ricos. Diante desses fatos, os defensores da ordem neoliberal nos garantem que a prosperidade chegará inevitavelmente até as camadas mais amplas da população – desde que ninguém se interponha à política neoliberal que exacerba todos esses problemas!
No final, os neoliberais não têm como apresentar, como não apresentam de fato, a defesa empírica do mundo que estão construindo. Ao contrário, eles apresentam – ou melhor, exigem uma fé religiosa na infalibilidade do mercado desregulado, que remonta a teorias do século 19 que pouco têm a ver com o nosso mundo. O grande trunfo dos defensores do neoliberalismo, no entanto, é a alegada inexistência de alternativas. As sociedades comunistas, social democracias e mesmo estados de bem estar modestos, como os EUA, falharam, proclamam os neoliberais, razão pela qual os seus cidadãos aceitaram o neoliberalismo como o único caminho viável. Pode ser imperfeito, mas é o único sistema
econômico possível.
No início do século 20, alguns críticos diziam que o fascismo era “o capitalismo sem luvas”, querendo dizer que esse sistema era o capitalismo puro, sem organizações nem direitos democráticos. Mas sabemos que o fascismo é algo infinitamente mais complexo. O neoliberalismo, sim, é de fato o “capitalismo sem luvas”. Ele representa uma época em que as forças empresariais são maiores, mais agressivas e se defrontam com uma oposição menos organizada do que nunca. Nesse ambiente político elas tratam de normatizar o seu poder político em todas as frentes possíveis, razão pela qual fica cada vez mais difícil contestá-las, tornando complicada – no limite da impossibilidade – a simples existência de forças extra mercado, não comerciais e democráticas.
É justamente na opressão das forças extra mercado que se vê como opera o neoliberalismo, como sistema não apenas econômico, mas também político e cultural. Fica clara então a sua notável diferença em relação ao fascismo, que se caracteriza não só pelo desprezo pela democracia formal, como também por uma forte mobilização social de cunho racista e nacionalista. O neoliberalismo funciona melhor num ambiente de democracia eleitoral formal, mas no qual a população é afastada da informação, do acesso e dos fóruns públicos indispensáveis a uma participação significativa na tomada das decisões. Como diz Milton Friedman, guru do neoliberalismo, em seu livro Capitalismo e Liberdade, dado que a busca do lucro é a essência da democracia (Como assim?), todo governo que seguir uma política anti mercado estará sendo antidemocrático, independentemente de quanto apoio popular informado seja capaz de granjear. Portanto, o melhor a fazer é dar aos governos a tarefa de proteger a propriedade privada e executar contratos, além de limitar a discussão política a questões menores.
Os problemas reais da produção e distribuição de recursos e da organização social devem ser resolvidos pelas forças do mercado.
Equipados com essa perversa concepção de democracia, neoliberais como Milton Friedman não sentiram nenhum mal estar com o golpe militar que derrubou, em 1973, o presidente chileno, democraticamente eleito, Salvador Allende, porque o governo estava tentando impor controles sobre os negócios da sociedade. Depois de quinze anos de uma ditadura brutal e selvagem – sempre em nome do livre mercado democrático – a democracia formal foi restaurada em 1989, com uma Constituição que tornava muito mais difícil, senão impossível, aos cidadãos contestar o domínio empresarial-militar sobre a sociedade chilena. É a democracia liberal numa casca de noz: debates triviais sobre questões menores entre partidos que seguem basicamente as mesmas políticas pró grande empresa, independentemente de diferenças formais e de discussões de campanha. A democracia é admissível desde que o controle dos negócios esteja fora do alcance das decisões populares e das mudanças, isto é, desde que não seja democracia.
O sistema neoliberal tem, por conseguinte, um subproduto importante e necessário – uma cidadania despolitizada, marcada pela apatia e pelo cinismo. Se a democracia eleitoral pouco afeta a vida social, é irracional dedicar-lhe demasiada atenção; nos Estados Unidos, o criatório da democracia neoliberal, a abstenção bateu todos os recordes nas eleições para o Congresso em 1998: apenas um terço dos cidadãos com direito a voto compareceu as urnas. Embora cause uma certa preocupação entre os partidos que costumam atrair o voto dos despossuídos, como é o caso do Partido Democrata dos EUA, o baixo comparecimento eleitoral tende a ser aceito e incentivado pelos poderes fáticos como uma coisa ótima, já que entre os não eleitores há, como era de esperar, uma maioria de pobres e de trabalhadores. As políticas que poderiam aumentar rapidamente o interesse do eleitor e os índices de participação são obstruídas antes mesmo de ingressar na arena pública.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os dois principais partidos ligados ao mundo dos negócios se recusaram, com o apoio da comunidade empresarial, a reformar a legislação que toma praticamente impossível a criação e a efetivação de novos partidos políticos (que poderiam atrair interesses não empresariais). Apesar da marcante insatisfação do público, tantas vezes observada, com republicanos e democratas, a política eleitoral é uma área onde as noções de concorrência e livre escolha têm escasso significado. Sob certos aspectos, a qualidade do debate e das opções nas eleições neoliberais é mais parecida com a que se vê num Estado comunista de partido único do que com a de uma democracia de verdade.
Mas este ainda é um pobre indicativo das perniciosas implicações do neoliberalismo para uma cultura política centrada no civismo. Por um lado, a desigualdade social gerada pelas políticas neoliberais solapa todo e qualquer esforço de realização da igualdade de direitos necessária para que a democracia tenha credibilidade. As grandes empresas têm meios de influenciar a mídia e controlar o processo político, e assim o fazem. Na política eleitoral dos Estados Unidos, por exemplo, 0,25 por cento dos americanos mais ricos são responsáveis por 80 por cento do total de contribuições políticas individuais, e a contribuição das grandes empresas supera a dos trabalhadores em uma proporção de 10 para 1. Sob o neoliberalismo tudo isso faz sentido, uma vez que as eleições refletem princípios de mercado. Já as contribuições são tratadas como investimento. Desse modo, reafirma-se a irrelevância da política eleitoral para a maioria das pessoas e confirma-se o domínio incontrastável das grandes empresas.
Por outro lado, para que a democracia seja efetiva é necessário que as pessoas se sintam ligadas aos seus concidadãos e que essa ligação se manifeste por meio de um conjunto de organizações e instituições extra mercado. Uma cultura política vibrante precisa de grupos comunitários, bibliotecas, escolas públicas, associações de moradores, cooperativas, locais para reuniões públicas, associações voluntárias e sindicatos que propiciem formas de comunicação, encontro e interação entre os concidadãos. A democracia neoliberal, com sua ideia de mercado über alles, nunca tem em mira esse setor. Em vez de cidadãos, ela produz consumidores. Em vez de comunidades, produz shopping centers. O que sobra é uma sociedade atomizada, de pessoas sem compromisso, desmoralizadas e socialmente impotentes.
Em suma, o neoliberalismo é o inimigo primeiro e imediato da verdadeira democracia participativa, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o planeta, e assim continuará no futuro previsível.
É justo que Noam Chomsky seja hoje a mais importante figura intelectual da luta pela democracia e contra o neoliberalismo em todo o mundo. Na década de 1960, nos Estados Unidos, Chomsky foi um notável crítico da guerra do Vietnã, vindo a se tornar, quem sabe, o mais incisivo analista dos métodos utilizados pela política externa norte-americana para solapar a democracia, sufocar os direitos humanos e promover os interesses da minoria rica. Na década de 1970, Noam Chomsky e Edward S. Herman iniciaram uma pesquisa sobre as atividades da mídia norte-americana a serviço dos interesses das elites e em detrimento da capacidade de efetivo exercício do auto governo democrático por parte dos concidadãos. Manufacturing Consent, publicado em 1988, continuará sendo o ponto de partida para qualquer investigação séria sobre o papel da imprensa. Ao longo desses anos, Chomsky, que pode ser caracterizado como um anarquista ou mais precisamente talvez como um socialista libertário, foi um opositor e crítico democrático principista, consistente e franco dos Estados e partidos políticos comunistas e leninistas. Ensinou a um número incontável de pessoas, até mesmo a mim, que a democracia é uma pedra angular, inegociável, de qualquer sociedade pós-capitalista na qual valha a pena viver ou pela qual valha a pena lutar. Ao mesmo tempo, demonstrou o absurdo de equiparar capitalismo com democracia ou de acreditar que as sociedades capitalistas, mesmo nas mais favoráveis circunstâncias, irão algum dia abrir o acesso à informação ou à tomada de decisões para além das possibilidades mais estritas e controladas. Não conheço outro autor, à exceção talvez de George Orwell, que tenha fustigado de maneira tão sistemática a hipocrisia dos dirigentes e ideólogos de ambas as sociedades, a capitalista e a comunista, que reclamam ser a sua a única forma verdadeira de democracia à disposição da humanidade.
Nos anos 1990, todos esses elementos da obra política de Chomsky – do anti imperialismo e da análise crítica da mídia aos textos sobre a democracia e o movimento dos trabalhadores – se juntaram, culminando em obras, como a presente, sobre a democracia e a ameaça neoliberal.
Chomsky contribuiu muito para fortalecer a compreensão das exigências sociais da democracia, recorrendo tanto aos antigos gregos como aos grandes pensadores das revoluções democráticas dos séculos 17 e 18. Como deixa claro, é impossível ser ao mesmo tempo proponente de uma democracia participativa e defensor do capitalismo ou de qualquer outra sociedade dividida em classes. Ao avaliar as lutas pela democracia ao longo da história, Chomsky mostra também que o neoliberalismo não é absolutamente algo de novo, senão a versão atual da longa guerra da minoria opulenta pela limitação dos direitos políticos e do poder civil da maioria.
Chomsky talvez seja também o maior crítico do mito do mercado “livre” natural, este alegre cântico sobre a economia competitiva, racional, eficiente e justa que é continuamente martelado em nossas cabeças. Como assinala Chomsky, os mercados quase nunca são competitivos. A maior parte da economia é dominada por empresas gigantescas que possuem um formidável controle sobre seus mercados e que, portanto, praticamente desconhecem aquele gênero de concorrência descrito nos livros de economia e nos discursos dos políticos. E essas empresas são, elas próprias, organizações totalitárias que funcionam com critérios não democráticos. O fato de a economia girar em torno dessas instituições compromete gravemente a nossa capacidade de construir uma sociedade democrática.
O mito do livre mercado também sugere que os governos são instituições ineficientes que devem ser limitadas para não prejudicar a magia do mercado natural do laissez-faire. Na verdade, como Chomsky enfatiza, os governos são peças-chave no sistema capitalista moderno. Eles subsidiam prodigamente as grandes empresas e trabalham para promover os interesses empresariais em numerosas frentes. O regozijo dessas mesmas empresas com a ideologia neoliberal é, geralmente pura hipocrisia: querem e esperam que os governos canalizem para elas o dinheiro dos impostos, que lhes proteja dos concorrentes, mas querem também que não lhes apliquem impostos e que nada façam em benefício de interesses não empresariais, especialmente dos pobres e da classe trabalhadora. Os governos são hoje maiores do que nunca, mas sob o neoliberalismo já não se mostram nem de longe tão preocupados em dar atenção a interesses extra empresariais. E não existe processo em que a centralidade dos governos e da formulação de políticas seja mais visível do que a ascensão da economia de mercado global. Aquilo que os ideólogos dos interesses empresariais apresentam como expansão natural do livre mercado para além-fronteiras é, na verdade, rigorosamente o oposto. A globalização é o produto da ação de governos poderosos, especialmente o dos Estados Unidos, que empurram garganta abaixo dos povos do mundo tratados comerciais e acordos de negócios que ajudam as grandes empresas e os ricos a dominarem as economias das nações sem quaisquer obrigações para com as respectivas populações. Esse processo nunca foi tão claro quanto na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) no princípio dos anos 1990 e, mais recentemente, nas negociações secretas para a implantação do Acordo Multilateral sobre o Investimento (AMI).
Na verdade, a incapacidade de propiciar uma discussão sincera e honesta sobre o neoliberalismo é realmente uma das mais notáveis características da globalização. A crítica da ordem neoliberal em Chomsky realmente supera os limites da análise corrente, apesar de sua força empírica e por causa do seu compromisso com os valores democráticos. Nesse ponto, é bastante útil a análise de Chomsky do sistema doutrinário das democracias capitalistas. A mídia empresarial, a indústria das relações públicas, os ideólogos acadêmicos e a cultura intelectual em geral jogam o papel decisivo de fomentar as “ilusões necessárias” para que essa situação intolerável pareça racional, positiva e necessária, quando não necessariamente desejável. Como destaca Chomsky, não se trata aqui de uma conspiração formal de interesses poderosos: não precisa ser. Por meio de uma ampla gama de mecanismos institucionais, enviam-se sinais aos intelectuais, aos eruditos e aos jornalistas, compelindo-os a ver o status quo como o melhor dos mundos possíveis e a não contestar aqueles que dele se beneficiam. O trabalho de Chomsky é um apelo direto aos ativistas democráticos pela reconstrução da nossa mídia, para que ela se abra a perspectivas e investigações anti neoliberais e anti grande empresa. É também um desafio a todos os intelectuais, pelo menos àqueles que afirmam ter compromisso com a democracia, para que se olhem bem no espelho e se perguntem em nome de quais interesses ou de quais valores fazem o seu trabalho.
A descrição chomskiana do controle neoliberal/empresarial da economia, da política, da imprensa e da cultura é tão poderosa e avassaladora que pode provocar em alguns leitores um sentimento de resignação. Nestes tempos de desmoralização política, alguns poderão ir além e concluir que estamos enredados neste sistema retrógrado porque, infelizmente, a humanidade é mesmo incapaz de construir uma ordem social mais humana, igualitária e democrática.
Na verdade, talvez a maior contribuição de Chomsky seja a sua insistência nas inclinações democráticas fundamentais dos povos do mundo e no potencial revolucionário implícito em tais impulsos. A melhor prova dessa possibilidade é o ponto a que chegam as forças empresariais para barrar a existência de uma verdadeira democracia política. Os governantes do mundo sabem, implicitamente, que o seu sistema foi estabelecido para atender às necessidades da minoria, não da maioria, e por isso não podem jamais permitir que a maioria questione e modifique o poder das grandes empresas. Mesmo nas democracias claudicantes de fato existentes, a comunidade empresarial trabalha incessantemente para evitar que assuntos importantes como o AMI venham a ser publicamente debatidos. E a comunidade de negócios gasta fortunas financiando um enorme aparato de relações públicas para convencer os norte-americanos de que este é o melhor dos mundos possíveis. Por essa lógica, a hora de se preocupar com a possibilidade de uma mudança social para melhor será aquela em que a comunidade empresarial resolver abandonar as relações públicas e a compra de cargos eletivos, permitir uma mídia representativa e instalar, de moto próprio, uma democracia participativa genuinamente igualitária, por já não temer o poder da maioria. Mas não há razão para pensar que isso acontecerá um dia.
A mensagem mais enfática do neoliberalismo é a de que não há alternativa para o status quo – a humanidade já alcançou o nível mais elevado. Chomsky chama a atenção para o fato de que já houve muitos outros períodos designados como o “fim da história”. Nas décadas de 1920 e 1950, por exemplo, as elites norte-americanas alardeavam que o sistema estava funcionando e que a passividade das massas refletia a satisfação generalizada com o status quo. Mas os acontecimentos logo se encarregaram de mostrar a tolice dessa crença. Assim que as forças democráticas conquistarem algumas vitórias tangíveis – creio –, o sangue voltará a correr em suas veias e o discurso elitista de que nenhuma mudança é possível terá o mesmo destino de todas as fantasias pregressas sobre um glorioso domínio que há de durar mil anos.
A ideia de que não pode existir alternativa melhor do que o status quo é, mais do que nunca, artificial nos dias de hoje, diante de tantas maravilhas tecnológicas capazes de melhorar a condição humana. É verdade que ainda não está claro como estabelecer uma ordem pós-capitalista viável, livre e humana, ideia que guarda em si mesma algo de utópico. Mas todo progresso histórico, desde a abolição do escravismo e estabelecimento da democracia até a extinção formal do colonialismo, teve de superar, em algum momento, a ideia de sua própria impossibilidade pelo fato de nunca ter sido realizado antes. E, como Chomsky faz questão de destacar, é à atividade política organizada que devemos o grau de democracia que desfrutamos hoje, o sufrágio universal, o direito da mulher, os sindicatos, os direitos civis, as liberdades democráticas. Mesmo que a ideia de uma sociedade pós capitalista pareça inatingível, sabemos que a atividade política dos homens pode tornar muito mais humano o mundo em que vivemos. Quando nos convencermos disso, talvez voltemos a ser capazes de pensar em construir uma economia política baseada nos princípios da cooperação... da igualdade, da autodeterminação e da liberdade individual. Até lá, a batalha pelas mudanças sociais não é um problema hipotético. A atual ordem neoliberal gerou imensas crises políticas e econômicas, do leste da Ásia à Europa Oriental e América Latina. É frágil a qualidade de vida nas nações desenvolvidas da Europa, América do Norte e Japão, sociedades que passam por consideráveis turbulências. Convulsões sociais terríveis nos esperam nos próximos anos e décadas. No entanto, há muitas dúvidas acerca do resultado dessas convulsões e poucas razões para pensar que elas levarão automaticamente a um desfecho democrático e humano, o qual estará determinado pelo modo como nós, o povo, nos organizarmos, respondermos e agirmos.
Como diz Chomsky, se agirmos com a ideia de que não haverá possibilidade de mudança para melhor, estaremos garantindo que não haverá mudança para melhor. A escolha é nossa, a escolha é sua.
Madison, Wisconsin
Outubro de 1998
sábado, 24 de maio de 2014
Carlos Nelson Coutinho
O que eu posso fazer se o texto de Coutinho e os textos referenciados por eles batem tão profundamente em minha alma. Leio passagens que, muito antes de eu me interessar pelo socialismo vs capitalismo, ecoam em minha alma. Eu com 16 anos, depois com meus 20 e poucos anos, antes de ter contato real com qualquer pensador da filosofia socialista, já desenvolvia em minha mente esse tipo de argumento. Obviamente não tão complexo assim, mas direcionada para essa visão. Não fui responsável pelo desenvolvimento disso em mim, ele simplesmente cresceu comigo.
Carlos Nelson Coutinho: “Sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia”
Carlos Nelson Coutinho, um dos intelectuais marxistas mais respeitados do Brasil, recebeu a Caros Amigos em seu apartamento no bairro do Cosme Velho, Rio de Janeiro, para uma conversa sobre os caminhos e descaminhos da esquerda brasileira, sua decepção com o governo Lula e as possibilidades de superação do capitalismo.
Estudioso de Antonio Gramsci, Coutinho defende a atualidade de Marx e reafirma o que disse em seu polêmico artigo “Democracia como valor universal”, publicado há 30 anos: “Sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia”
Hamilton Octávio de Souza - Queremos saber da sua história. Onde nasceu, onde foi criado, como optou por esta carreira ..
Carlos Nelson Coutinho – Nasci na Bahia, em uma cidade do interior chamada Itabuna, mas fui para Salvador muito pequenininho, com uns 3 ou 4 anos. Me formei em Salvador, e as opções que eu fiz, fiz em Salvador. Eu nasci em 1943, glorioso ano da batalha de Stalingrado. Me formei em filosofia na Universidade Federal da Bahia, um péssimo curso, e com meus 18 ou 19 anos sabia mais do que a maioria dos professores. Meus pais eram baianos também. Meu pai era advogado e foi deputado estadual durante três legislaturas da UDN. Publicamente ele não era de esquerda, mas dentro de casa ele tinha uma posição mais aberta. Eu me tomei comunista lendo o Manifesto Comunista que o meu pai tinha na biblioteca. Ele era um homem culto, tinha livros de poesia. Minha irmã, que é mais velha, disse que eu precisava ler o Manifesto Comunista. Foi um deslumbramento. Eu devia ter uns 13 ou 14 anos. Aí fiz faculdade de Direito por dois anos porque era a faculdade onde se fazia política, e eu estava interessado em fazer política. Me dei conta que uma maneira boa de fazer política era me tomando intelectual. Aos 17 anos entrei no Partido Comunista Brasileiro, que naquela época tinha presença. O primeiro ano da faculdade foi até interessante porque tinha teoria geral do Estado, economia política, mas quando entrou o negócio de direito penal, direito civil, ai eu vi que não era a minha e fui fazer filosofia.
Renato Pompeu – Mas quais eram as suas referências intelectuais?
Carlos Nelson Coutinho – Em primeiro lugar, Marx, evidentemente, mas também foram muito fortes na minha formação intelectual o filósofo húngaro George Lukács e Gramsci. Eu tenho a vaidade de ter sido um dos primeiros a citar Gramsci no Brasil, porque aos 18 anos eu publiquei um artigo sobre ele na revista da faculdade de Direito. Aí eu vim para o Rio e fui trabalhar no Tribunal de Contas. Me apresentei ao João Vieira Filho para trabalhar e ele me falou: “meu filho, vá pra casa e o que você precisar de mim me telefone”, Eu fiquei dois ou três anos aqui sem trabalhar, mas a situação ficou inviável. Pedi demissão e fui, durante Um bom tempo, tradutor. Eu ganhava a vida como tradutor, traduzi cerca de 80 ou 90 livros. Em 76, eu fui para a Europa. Passei 3 anos fora, não fui preso, mas senti que ia ser, foi pouco depois da morte do Vlado. Então morei na Europa por três anos, onde acho que aprendi muita política. Morei na Itália na época do florescimento do eurocomunismo, que me marcou muito. O primeiro texto que publiquei é exatamente este artigo da “Democracia como valor universal” que causou, sem modéstia, um certo auê na esquerda brasileira na época. Até hoje há citações de que é um texto reformista, revisionista. Enfim, voltei do exílio e entrei na universidade, na UFRJ, onde eu estou há quase 28 anos. Passei por três partidos políticos na vida. Entrei no PCB, como disse antes, aos 17 anos, onde fiquei até 1982, quando me dei conta que era uma forma política que tinha se esgotado. Nesse momento, surge evidentemente uma coisa que o PC não esperava e não queria, que é um partido realmente operário, no sentido de ter uma base operária. O mal-estar do PCB contra o PT no primeiro momento foi enorme. Eu saí do PCB, mas não entrei logo no PT. Só entrei no PT no final da década de 80, entrei junto com o [Milton] Temer e o Leandro Konder. Fizemos uma longa discussão para ver se entrávamos ou não, e ficamos no PT até o governo Lula, quando nos demos conta que o PT não era mais o PT. Saí e fui um dos fundadores do PSOL, que ainda é um partido em formação. Ele surge num momento bem diferente do momento de formação do PT, de ascensão do movimento social articulado com a ascensão do movimento operário. E o PSOL surge exatamente em um momento de refluxo. Nessa medida, ele é ainda um partido pequeno, cheio de correntes. Eu sou independente, não tenho corrente. Podemos dizer o seguinte: eu tinha um casamento monogâmico com o PCB, com o PT já me permitia traições e no PSOL é uma amizade colorida.
Tatiana Merlino – Em uma entrevista recente o senhor falou sobre o avanço e o triunfo da pequena política sobre a grande política dentro do governo lula. Você pode falar um pouco sobre isso?
Carlos Nelson Coutinho – Gramsci faz uma distinção entre o que chama de grande política e pequena política. A grande política toma em questão as estruturas sociais, ou para modificá-las, ou para conservá-las. A pequena política, para ele, Gramsci, é a política da intriga, do corredor, a intriga parlamentar, não coloca em discussão as grandes questões. Durante algum tempo, o Brasil passou por uma fase de grande política. Se a gente lembrar, por exemplo, a campanha presidencial de 89, sobretudo o segundo turno, tinha duas alternativas claras de sociedade. Não sei se, caso o PT ganhasse, ia cumpri-la, mas, do ponto de vista do discurso, tinha uma alternativa democrático-popular e uma alternativa claramente neoliberal. Até certo momento, no Brasil, nós tivemos uma disputa que Gramsci chamaria de grande política. A partir, porém, sobretudo, da vitória eleitoral de Lula, eu acho que a redução da arena política acaba na pequena política, ou seja, que no fundo não põe em discussão nada estrutural. Eu diria que é a política tipo americana. Obviamente o Obama não é o Bush, mas ninguém tem ilusão de que o Obama vai mudar as estruturas capitalistas dos Estados Unidos, ou propor uma alternativa global de sociedade. Então, o que está acontecendo no Brasil é um pouco isso, dando Dilma ou dando Serra não vai mudar muita coisa não. Até às vezes desconfio que o Serra pode fazer uma política menos conservadora, mas depois vão me acusar de ter aderido a ele. Eu até faço uma brincadeira, dizendo que a política brasileira “americanalhou”, virou essa coisa … Então, neste sentido eu entrei no PSOL até com essa ideia de criar uma proposta realmente alternativa. Infelizmente o PSOL não tem força suficiente para fazer essa proposta chegar ao grande público, mas é uma tentativa modesta de ir contra a pequena política.
Renato Pompeu – Você não acha que esse americanalhamento aconteceu na própria pátria do Gramsci?
Carlos Nelson Coutinho – Ah, sem dúvida. A predominância da pequena política é uma tendência mundial. Me lembro que logo depois da abertura eu escrevi uns dois ou três artigos em que dizia que o Brasil se tornou uma sociedade complexa. O Gramsci a chamaria de ocidental, que é uma sociedade civil desenvolvida, forte e tal. Mas há dois modelos de sociedade ocidental. Há um modelo que eu chamava de americano, que é este onde há sindicalismo, mas o sindicalismo não se opõe às estruturas, há um bipartidarismo, mas os partidos são muito parecidos, e o que eu chamava de modelo europeu, onde há disputa de hegemonia. Ou seja, se alguém votava no partido comunista na Itália, sabia que estava votando em uma proposta de outra ordem social. Se alguém votava no Labour Party na Inglaterra, durante um bom tempo, pelo menos o programa deles era socialista, de socialização dos meios de produção. E quem votava no partido conservador queria conservar a ordem. O Brasil tinha como alternativa escolher um ou outro modelo. Por exemplo, havia partidos que são do tipo americano, como o PMDB, mas havia partidos que são do tipo europeu, como o PT. Havia um sindicalismo de resultado e um sindicalismo combativo (CUT, por exemplo), mas tudo isso era naquela época. Depois a hegemonia neoliberal, em grande parte, americanalhou a política mundial. A Europa hoje é exatamente isso, são partidos que diferem muito pouco entre si. Há um “americanalhamento”. É um fenômeno universal e é uma prova da hegemonia forte do neoliberalismo.
Tatiana Merlino – Então o avanço da pequena sobre a grande política está sendo mundial?
Carlos Nelson Coutinho – É um fenômeno mundial, não é um fenômeno brasileiro. Mas, veja só, começam a surgir na América Latina formas que tentam romper com este modelo da pequena política. Estou falando claramente de Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, ainda que eu não seja um chavista, até porque eu acho que o modelo que o Chávez tenta aplicar na Venezuela não é válido para o Brasil, que é uma sociedade mais complexa, mais articulada. Mas certamente é uma proposta que rompe com a pequena política. Quando o Chávez fala em socialismo, ele recoloca na ordem do dia, na agenda política, uma questão de estrutura.
Tatiana Merlino – Então é um socialismo novo, do século 21. Que socialismo é esse?
Carlos Nelson Coutinho – Eu não sei, aí tem que perguntar para o Chávez. Olha, eu não gosto dessa expressão “socialismo do século 21″, eu diria “socialismo no século 21″.
Renato Pompeu – E como seria o socialismo no século 21?
Carlos Nelson Coutinho – Socialismo não é um ideal ético ao qual tendemos para melhorar a ordem vigente. O socialismo é uma proposta de um novo modo de produção, de uma nova forma de sociabilidade, e nesse sentido eu acho que o socialismo é, mesmo no século 21, uma proposta de superar o capitalismo. Novidades surgiram, por exemplo: quem leu o Manifesto Comunista, como eu, vê que Marx e Engels acertaram em cheio na caracterização do capitalismo. A ideia da globalização capitalista está lá no Manifesto Comunista, o capitalismo cria um mercado mundial, se expande e vive através de crises. Essa ideia de que a crise é constitutiva do capitalismo está lá em Marx. Mas há um ponto que nós precisamos rever em Marx, e rever certas afirmações, que é o seguinte: Quem é o sujeito revolucionário? Nós imaginamos construir uma nova ordem social. Naturalmente, para ser construída, tem que ter um sujeito. Para Marx, era a classe operária industrial fabril, e ele supunha, inclusive, que ela se tomaria maioria da sociedade. Acho que isso não aconteceu. O assalariamento se generalizou, hoje praticamente todas as profissões são submetidas à lei do assalariamento, mas não se configurou a criação de uma classe operária majoritária. Pelo contrário, a classe operária tem até diminuído. Então, eu diria que este é um grande desafio dos socialistas hoje. Hoje em dia tem aquele sujeito que trabalha no seu gabinete em casa gerando mais-valia para alguma empresa, tem o operário que continua na linha de montagem .. Será que esse cara que trabalha no computador em casa se sente solidário com o operário que trabalha na linha de montagem? Você vê que é um grande desafio. Como congregar todos esses segmentos do mundo do trabalho permitindo que eles construam uma consciência mais ou menos unificada de classe e, portanto, se ponham como uma alternativa real à ordem do capital?
Renato Pompeu – Aí tem o problema dos excluídos …
Carlos Nelson Coutinho – Eu tenho sempre dito que as condições objetivas do socialismo nunca estiveram tão presentes. Prestem atenção, o Marx, no livro 3 do “Capital”, diz o seguinte: O comunismo implica na ampliação do reino da liberdade e o reino da liberdade é aquele que se situa para além da esfera do trabalho, é o reino do trabalho necessário, é o reino onde os homens explicitarão suas potencialidades, é o reino da práxis criadora. Até meio romanticamente ele chega a dizer no livro “A Ideologia Alemã” que o socialismo é o lugar onde o homem de manhã caça, de tarde pesca e de noite faz critica literária, está liberto da escravidão da divisão do trabalho. E ele diz que isso só pode ser obtido com a redução da jornada de trabalho. O capitalismo desenvolveu suas forças produtivas a tal ponto que isso se tornou uma possibilidade, a redução da jornada de trabalho, o que eliminaria o problema do desemprego. O cara trabalharia 4 horas por dia, teria emprego pata todos os outros. E por que isso não acontece? Porque as relações sociais de produção capitalista não estão interessadas nisso, não estão interessadas em manter o trabalhador com o mesmo salário e uma jornada de trabalho muito menor. Então, eu acho que as condições para que a jornada de trabalho se reduza e, portanto, se crie espaços de liberdade para a ação, para a práxis criadora dos homens, são um fenômeno objetivo real hoje no capitalismo. Mas as condições subjetivas são muito desfavoráveis. A morfologia do mundo do trabalho se modificou muito .. Muita gente vive do trabalho com condições muito diferenciadas, o que dificulta a percepção de que eles são membros de uma mesma classe social. Então, esse é um desafio que o socialismo no século 21 deve enfrentar. Um desafio também fundamental é repensar a questão da democracia no socialismo. Eu diria que, em grande parte, o mal chamado “socialismo real” fracassou porque não deu uma resposta adequada à questão da democracia. Eu acho que socialismo não é só socialização dos meios de produção – nos países do socialismo real, na verdade, foi estatização – mas é também socialização do poder político. E nós sabemos que o que aconteceu ali foi uma monopolização do poder político, uma burocratização partidária que levou a um ressecamento da democracia. A meu ver, aquilo foi uma transição bloqueada. Eu acho que os países socialistas não realizaram o comunismo, não realizaram sequer o socialismo e temos que repensar também a relação entre socialismo e democracia. Meu texto, “Democracia como valor universal”, não é um abandono do socialismo. Era apenas uma maneira de repensar o vinculo entre socialismo e democracia. Era um artigo ao mesmo tempo contra a ditadura que ainda existia e contra uma visão “marxista-leninista”, o pseudônimo do stalinismo, que o partido ainda tinha da democracia. Acho que este foi o limite central da renovação do partido.
Marcelo Salles – E nesse “Democracia como valor universal”, você disse recentemente que defende uma coisa que não foi muito bem entendida: socialismo como condição da plena realização da democracia …
Carlos Nelson Coutinho – Uma alteração que eu faria no velho artigo era colocar não democracia como valor universal, mas democratização como valor universal. Para mim a democracia é um processo, ela não se identifica com as formas institucionais que ela assume em determinados contextos históricos. A democratização é o processo de crescente socialização da política com maior participação na política, e, sobretudo, a socialização do poder político. Então, eu acredito que a plena socialização do poder político, ou seja, da democracia, só pode ocorrer no socialismo, porque numa sociedade capitalista sempre há déficit de cidadania. Em uma sociedade de classes, por mais que sejam universalizados os direitos, o exercício deles é limitado pela condição classista das pessoas. Neste sentido, para a plena realização da democracia, o autogoverno da sociedade só pode ser realizado no socialismo. Então, eu diria que sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia. Acho que as duas coisas devem ser sublinhadas com igual ênfase.
Hamilton Octávio de Souza – Nós saímos de um período de 21 anos de ditadura militar, essa chamada democracia que nós vivemos, qual é o limite? O que impende o avanço mesmo que não se construa uma nova sociedade?
Carlos Nelson Coutinho – Eu acho que temos uma tendência, que me parece equivocada, de tratar os 21 anos da ditadura como se não houvesse diferenças de etapas. Eu acho, e quem viveu lembra, que, de 64 ao AI-5, era ditadura, era indiscutível, mas ainda havia uma série de possibilidades de luta. Do AI-5 até o final do governo Geisel, foi um período abertamente ditatorial. No governo Figueiredo, há um processo de abertura, um processo de democratização que vai muito além do projeto de abertura da ditadura. Tem um momento que os intelectuais mais orgânicos da ditadura, como o Golbery, por exemplo, percebem que “ou abre ou pipoca”. O projeto de abertura foi então atravessado pelo que eu chamo de processo de abertura da sociedade real. Eu não concordo com o Florestan Fernandes quando ele chama a transição de conservadora. Eu acho que ocorreu ali a interferência de dois processos: um pelo alto, porque é tradicional na história brasileira as transformações serem feitas pelo alto, o que resultou na eleição de Tancredo. Mas também houve a pressão de baixo. A luta pelas “Diretas” foi uma coisa fundamental, também condicionou o que veio depois. Esta contradição se expressa muito claramente na Constituição de 88, que tem partes extremamente avançadas. Todo o capítulo social é extremamente avançado, embora a ordem econômica tenha sido mais ou menos mantida. Mas a Constituição é tanto uma contradição que o que nós vimos foi a ação dos políticos neoliberais, dos governos neoliberais de tentar mudá-la, de extirpar dela aquelas conquistas que nós podemos chamar de democráticas. Eu acho que o Brasil hoje é uma sociedade liberal-democrática no sentido de que tem instituições, voto, partidos e tal. Mas, evidentemente, é uma democracia limitada, sobretudo no sentido substantivo. A desigualdade permanece.
Hamilton Octávio de Souza – Mas hoje o que está mais estrangulado para o avanço na democracia ainda no marco de uma sociedade capitalista?
Carlos Nelson Coutinho – Eu acho que a ditadura reprimiu a esquerda, nos torturou, assassinou muitos de nós, nos obrigou ao exílio, mas não nos desmoralizou. Eu acho que a chegada do Lula ao governo foi muito nociva para a esquerda. Ninguém esperava que o governo Lula fosse empreender por decreto o socialismo, mas pelo menos um reformismo forte, né? Eu acho que a decepção que isso provocou, mais toda a história do mensalão e tal, é um dos fatores que limitam o processo de aprofundamento da democracia no Brasil. Entre outras coisas porque o governo Lula, que é um governo de centro, cooptou os movimentos sociais. Temos a honrosa exceção do MST que não é assim tão exceção porque eles são obrigados … tem cesta básica nos assentamentos e tal, eles são obrigados também a fazer algumas concessões, mas a CUT … Qual a diferença da CUT e da Força Sindical? Eu acho que essa transformação da política brasileira em pequena política, que se materializou com o governo Lula, que não é diferente do governo Fernando Henrique, foi o fator que bloqueou o avanço democrático. Até 2002, havia um acúmulo de forças da sociedade brasileira que apontava para o aprofundamento da democratização, e O sujeito deste processo era o PT, o movimento social. Na medida em que isso se frustrou, eu acho que houve um bloqueio no avanço democrático na época. O neoliberalismo enraizou-se muito mais fortemente na Argentina do que no Brasil porque aqui havia uma resistência do PT e dos movimentos sociais. Com a chegada ao governo, essa resistência desapareceu. Então, de certo modo, é mais fácil a classe dominante hoje fazer passar sua política em um governo petista do que em um governo onde o PT era oposição.
Tatiana Merlino – Então a conjuntura seria um pouco menos adversa se estivesse o José Serra no poder e o PT como oposição?
Carlos Nelson Coutinho – Eu não gostaria de dizer isso, mas eu acho que sim. Mas isso coloca uma questão: e se demorasse mais quatro anos para o PT chegar ao governo, ia modificar estruturalmente o que aconteceu com o PT? Até um certo momento, é clara no partido uma concepção socialista da política. A partir de um certo momento, porém, antes de Lula ir ao governo, o PT abandonou posturas mais combativas. Ele fez isso para chegar ao governo. Mas se demorasse mais quatro anos, ou oito anos, não aconteceria o mesmo? Não sei. Não quero ser pessimista também, não era fatal o que aconteceu com o PT.
Renato Pompeu – Você é professor de qual disciplina?
Carlos Nelson Coutinho – De teoria política.
Renato Pompeu – Você é um cientista político ou um filósofo da política?
Carlos Nelson Coutinho – Não, não. Filósofo tudo bem, mas cientista político não. Porque ciência política para mim; aquela coisa que os americanos fazem, ou seja, pesquisa dc opinião, sistema partidário, a ciência política é a teoria da pequena política. Eu sou professor da Escola de Serviço Social.
Hamilton Octávio de Souza – Que projeto que você identifica hoje no panorama brasileiro: a burguesia nacional tem um projeto? As correntes de esquerda têm um projeto? Existe um projeto de nação hoje?
Carlos Nelson Coutinho – Isso é um conceito interessante, porque este é um conceito criado em grande parte pela Internacional Comunista e pelo PCB, de que haveria uma burguesia nacional oposta ao imperialismo. Eu me lembro quando eu entrei no partido, eu era meio esquerdista e vivia perguntando ao secretário-geral do partido na Bahia: Quem são os membros da burguesia nacional? E um dia ele me respondeu: “José Ermírio de Moraes e Fernando Gasparian”. Olha, duas pessoas não fazem uma classe. Do ponto de vista nosso, da esquerda, uma das razões da crise do socialismo, das dificuldades que vive o socialismo hoje, é a falta de um projeto. A social-democracia já abandonou o socialismo há muito tempo, e nos partidos de esquerda antagonistas ao capitalismo há uma dificuldade de formulação de um projeto exequível de socialismo. Na maioria dos casos, esses partidos defendem a permanência do Estado do bem-estar social que está sendo desconstruído pelo liberalismo. É uma estratégia defensivista. Essa é outra condição subjetiva que falta, a formulação clara de um projeto socialista. Do ponto de vista das classes dominantes, eu acho que eles têm um projeto que estava claro até o momento da crise do neoliberalismo. Foi o que marcou o governo Collor e o governo Fernando Henrique e o que está marcando também o governo Lula, com variações. Evidentemente, há diferenças, embora a meu ver, não estruturais. Esse é o projeto da burguesia. Com a crise, eu acho que algumas coisas foram alteradas, então, uma certa dose de keynesianismo se tomou inevitável, mas sempre em favor do capital e nunca em favor da classe trabalhadora. Tenho um amigo que diz. “Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital”. No fundo, é essa a proposta do neoliberalismo: desconstrução de direitos, concessão total de todas as relações sociais ao mercado, subordinação do público ao privado, ao capital internacional. Não há burguesia anti-imperialista no Brasil, definitivamente. Pode haver um burguês que briga com o seu concorrente e o seu concorrente é um estrangeiro, mas nem assim ele vai ser anti-imperialista.
Hamilton Octávio de Souza – Você vê alguma alteração a curto prazo?
Carlos Nelson Coutinho – O que poderia mudar isso seria um fortalecimento dos movimentos sociais, da sociedade civil organizada sob a hegemonia da esquerda. E pressionar para que reformas fossem feitas e se retomasse uma política econômica mais voltada para as classes populares, Tem um mote de Gramsci que eu acho muito válido, que é: “pessimismo da inteligência e otimismo da vontade”. A esquerda não pode ser otimista numa análise do que está acontecendo no mundo porque a esquerda tem perdido sucessivas batalhas. Então ser otimista frente a um quadro desses é difícil. Quanto mais nós somos pessimistas, mais otimismo da vontade temos de ter, mais a gente deve ter clareza que só atuando, só dedicando todo o nosso empenho à mudança disso é que essa coisa pode ser mudada. Então, a esperança de mudança seguramente há, há potencialidades escondidas na atual sociedade que permitem ver e pensar a superação do capitalismo. O capital não pode perdurar. A alternativa ao socialismo, como dizia a Rosa Luxemburgo, é a barbárie. Se o capitalismo continuar, teremos cada vez mais uma barbarização da sociedade que nós já estamos assistindo,
Hamilton Octávio de Souza – Por conta do neoliberalismo, tivemos um aumento do desemprego estrutural, a informalidade do trabalho, o desrespeito à legislação trabalhista, estamos numa condição de perdas de conquistas, direitos. Como é que se explica a fraqueza do movimento social diante disso?
Carlos Nelson Coutinho – À certeza que nós temos de que o capitalismo não vai resolver os problemas nem do mundo nem do Brasil nos faz acreditar que, primeiro, a história não acabou, e, portanto, ela está se movendo no sentido de contestar a independência barbarizante do capital. Onde eu vejo focos, no Brasil de hoje, é no MST. Uma coisa que funciona muito bem no MST é a preocupação deles com a formação dos quadros. Eu fui de um partido, o PCB, que tinha curso, mas as pessoas iam para Moscou, faziam a escola do partido. O PT nunca se preocupou com formação de quadros, não; tinham escolas, e o MST tem. Eu acho que o MST tem uma ambiguidade de fundo que é complicada. Ele é um movimento social e, como todo movimento social, ele é particularista, defende o interesse dos trabalhadores que querem terra. Essa não pode ser uma demanda generalizada da sociedade. Eu não quero um pequeno pedaço de terra, nem você. O partido político é quem universaliza as demandas, formula uma proposta de sociedade que engloba as demandas dos camponeses, proletários, das mulheres … O MST tem uma ambiguidade porque ele é um movimento que frequentemente atua como partido. Eu acho que isso às vezes limita a ação do MST.
Marcelo Salles – O termo “Ditadura do Proletariado” que vez ou outra algum liberal usa…
Carlos Nelson Coutinho – Na época de Marx, ditadura não tinha o sentido de despotismo que passou a ter depois. Ditadura é um instituto do direito romano clássico que estabelecia que, quando havia uma crise social, o Senado nomeava um ditador, que era um sujeito que tinha poderes ilimitados durante um curto período de tempo. Resolvida a crise social, voltava a forma não ditatorial de governo. Então, quando o Marx fala isso, ele insiste muito que é um período transitório: a ditadura vai levar ao comunismo, que para ele é uma sociedade sem Estado. Ele se refere a um regime que tem parlamento, que o parlamento é periodicamente reeleito, e que há a revogabilidade de mandato. Então, essa expressão foi muito utilizada impropriamente tanto por marxistas quanto por antimarxistas. Apesar de que em Lênin eu acho que a ditadura do proletariado assume alguns traços meio preocupantes. Em uma polêmica com o Kautsky, ele diz: ditadura é o regime acima de qualquer lei. Lênin não era Stálin, mas uma afirmação desta abriu caminho para que Stálin exercesse o poder autocrático, fora de qualquer regra do jogo, acima da lei. Tinha lei, tinha uma Constituição que era extremamente democrática, só que não valia nada.
Marcelo Salles – Estão sempre dizendo que não teria liberdade de expressão no socialismo, porque o Estado seria muito forte, e teria o partido único …
Carlos Nelson Coutinho – Em primeiro lugar, não é necessário que no socialismo haja partido único, e não é desejável, até porque, poucas pessoas sabem, mas no início da revolução bolchevique o primeiro governo era bipartidário. Era o partido bolchevique e o partido social-revolucionário de esquerda. Depois, eles brigaram e ficou um partido só. Mas não é necessário que haja monopartidarismo. Segundo, Rosa Luxemburgo, marxista, comunista, que apoiou a revolução bolchevique, dizia o seguinte: liberdade de pensamento é a liberdade de quem pensa diferente de nós. Então, não há na tradição marxista a ideia de que não haja liberdade de expressão, mas uma coisa é liberdade de expressão e outra coisa é o monopólio da expressão. Liberdade de expressão sim, contanto que não seja uma falsa liberdade de expressão. Eu acho que o socialismo é condição de uma assertiva liberdade de expressão.
Fonte: Caros Amigos de dezembro de 2009
Carlos Nelson Coutinho: “Sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia”
Carlos Nelson Coutinho, um dos intelectuais marxistas mais respeitados do Brasil, recebeu a Caros Amigos em seu apartamento no bairro do Cosme Velho, Rio de Janeiro, para uma conversa sobre os caminhos e descaminhos da esquerda brasileira, sua decepção com o governo Lula e as possibilidades de superação do capitalismo.
Estudioso de Antonio Gramsci, Coutinho defende a atualidade de Marx e reafirma o que disse em seu polêmico artigo “Democracia como valor universal”, publicado há 30 anos: “Sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia”
Hamilton Octávio de Souza - Queremos saber da sua história. Onde nasceu, onde foi criado, como optou por esta carreira ..
Carlos Nelson Coutinho – Nasci na Bahia, em uma cidade do interior chamada Itabuna, mas fui para Salvador muito pequenininho, com uns 3 ou 4 anos. Me formei em Salvador, e as opções que eu fiz, fiz em Salvador. Eu nasci em 1943, glorioso ano da batalha de Stalingrado. Me formei em filosofia na Universidade Federal da Bahia, um péssimo curso, e com meus 18 ou 19 anos sabia mais do que a maioria dos professores. Meus pais eram baianos também. Meu pai era advogado e foi deputado estadual durante três legislaturas da UDN. Publicamente ele não era de esquerda, mas dentro de casa ele tinha uma posição mais aberta. Eu me tomei comunista lendo o Manifesto Comunista que o meu pai tinha na biblioteca. Ele era um homem culto, tinha livros de poesia. Minha irmã, que é mais velha, disse que eu precisava ler o Manifesto Comunista. Foi um deslumbramento. Eu devia ter uns 13 ou 14 anos. Aí fiz faculdade de Direito por dois anos porque era a faculdade onde se fazia política, e eu estava interessado em fazer política. Me dei conta que uma maneira boa de fazer política era me tomando intelectual. Aos 17 anos entrei no Partido Comunista Brasileiro, que naquela época tinha presença. O primeiro ano da faculdade foi até interessante porque tinha teoria geral do Estado, economia política, mas quando entrou o negócio de direito penal, direito civil, ai eu vi que não era a minha e fui fazer filosofia.
Renato Pompeu – Mas quais eram as suas referências intelectuais?
Carlos Nelson Coutinho – Em primeiro lugar, Marx, evidentemente, mas também foram muito fortes na minha formação intelectual o filósofo húngaro George Lukács e Gramsci. Eu tenho a vaidade de ter sido um dos primeiros a citar Gramsci no Brasil, porque aos 18 anos eu publiquei um artigo sobre ele na revista da faculdade de Direito. Aí eu vim para o Rio e fui trabalhar no Tribunal de Contas. Me apresentei ao João Vieira Filho para trabalhar e ele me falou: “meu filho, vá pra casa e o que você precisar de mim me telefone”, Eu fiquei dois ou três anos aqui sem trabalhar, mas a situação ficou inviável. Pedi demissão e fui, durante Um bom tempo, tradutor. Eu ganhava a vida como tradutor, traduzi cerca de 80 ou 90 livros. Em 76, eu fui para a Europa. Passei 3 anos fora, não fui preso, mas senti que ia ser, foi pouco depois da morte do Vlado. Então morei na Europa por três anos, onde acho que aprendi muita política. Morei na Itália na época do florescimento do eurocomunismo, que me marcou muito. O primeiro texto que publiquei é exatamente este artigo da “Democracia como valor universal” que causou, sem modéstia, um certo auê na esquerda brasileira na época. Até hoje há citações de que é um texto reformista, revisionista. Enfim, voltei do exílio e entrei na universidade, na UFRJ, onde eu estou há quase 28 anos. Passei por três partidos políticos na vida. Entrei no PCB, como disse antes, aos 17 anos, onde fiquei até 1982, quando me dei conta que era uma forma política que tinha se esgotado. Nesse momento, surge evidentemente uma coisa que o PC não esperava e não queria, que é um partido realmente operário, no sentido de ter uma base operária. O mal-estar do PCB contra o PT no primeiro momento foi enorme. Eu saí do PCB, mas não entrei logo no PT. Só entrei no PT no final da década de 80, entrei junto com o [Milton] Temer e o Leandro Konder. Fizemos uma longa discussão para ver se entrávamos ou não, e ficamos no PT até o governo Lula, quando nos demos conta que o PT não era mais o PT. Saí e fui um dos fundadores do PSOL, que ainda é um partido em formação. Ele surge num momento bem diferente do momento de formação do PT, de ascensão do movimento social articulado com a ascensão do movimento operário. E o PSOL surge exatamente em um momento de refluxo. Nessa medida, ele é ainda um partido pequeno, cheio de correntes. Eu sou independente, não tenho corrente. Podemos dizer o seguinte: eu tinha um casamento monogâmico com o PCB, com o PT já me permitia traições e no PSOL é uma amizade colorida.
Tatiana Merlino – Em uma entrevista recente o senhor falou sobre o avanço e o triunfo da pequena política sobre a grande política dentro do governo lula. Você pode falar um pouco sobre isso?
Carlos Nelson Coutinho – Gramsci faz uma distinção entre o que chama de grande política e pequena política. A grande política toma em questão as estruturas sociais, ou para modificá-las, ou para conservá-las. A pequena política, para ele, Gramsci, é a política da intriga, do corredor, a intriga parlamentar, não coloca em discussão as grandes questões. Durante algum tempo, o Brasil passou por uma fase de grande política. Se a gente lembrar, por exemplo, a campanha presidencial de 89, sobretudo o segundo turno, tinha duas alternativas claras de sociedade. Não sei se, caso o PT ganhasse, ia cumpri-la, mas, do ponto de vista do discurso, tinha uma alternativa democrático-popular e uma alternativa claramente neoliberal. Até certo momento, no Brasil, nós tivemos uma disputa que Gramsci chamaria de grande política. A partir, porém, sobretudo, da vitória eleitoral de Lula, eu acho que a redução da arena política acaba na pequena política, ou seja, que no fundo não põe em discussão nada estrutural. Eu diria que é a política tipo americana. Obviamente o Obama não é o Bush, mas ninguém tem ilusão de que o Obama vai mudar as estruturas capitalistas dos Estados Unidos, ou propor uma alternativa global de sociedade. Então, o que está acontecendo no Brasil é um pouco isso, dando Dilma ou dando Serra não vai mudar muita coisa não. Até às vezes desconfio que o Serra pode fazer uma política menos conservadora, mas depois vão me acusar de ter aderido a ele. Eu até faço uma brincadeira, dizendo que a política brasileira “americanalhou”, virou essa coisa … Então, neste sentido eu entrei no PSOL até com essa ideia de criar uma proposta realmente alternativa. Infelizmente o PSOL não tem força suficiente para fazer essa proposta chegar ao grande público, mas é uma tentativa modesta de ir contra a pequena política.
Renato Pompeu – Você não acha que esse americanalhamento aconteceu na própria pátria do Gramsci?
Carlos Nelson Coutinho – Ah, sem dúvida. A predominância da pequena política é uma tendência mundial. Me lembro que logo depois da abertura eu escrevi uns dois ou três artigos em que dizia que o Brasil se tornou uma sociedade complexa. O Gramsci a chamaria de ocidental, que é uma sociedade civil desenvolvida, forte e tal. Mas há dois modelos de sociedade ocidental. Há um modelo que eu chamava de americano, que é este onde há sindicalismo, mas o sindicalismo não se opõe às estruturas, há um bipartidarismo, mas os partidos são muito parecidos, e o que eu chamava de modelo europeu, onde há disputa de hegemonia. Ou seja, se alguém votava no partido comunista na Itália, sabia que estava votando em uma proposta de outra ordem social. Se alguém votava no Labour Party na Inglaterra, durante um bom tempo, pelo menos o programa deles era socialista, de socialização dos meios de produção. E quem votava no partido conservador queria conservar a ordem. O Brasil tinha como alternativa escolher um ou outro modelo. Por exemplo, havia partidos que são do tipo americano, como o PMDB, mas havia partidos que são do tipo europeu, como o PT. Havia um sindicalismo de resultado e um sindicalismo combativo (CUT, por exemplo), mas tudo isso era naquela época. Depois a hegemonia neoliberal, em grande parte, americanalhou a política mundial. A Europa hoje é exatamente isso, são partidos que diferem muito pouco entre si. Há um “americanalhamento”. É um fenômeno universal e é uma prova da hegemonia forte do neoliberalismo.
Tatiana Merlino – Então o avanço da pequena sobre a grande política está sendo mundial?
Carlos Nelson Coutinho – É um fenômeno mundial, não é um fenômeno brasileiro. Mas, veja só, começam a surgir na América Latina formas que tentam romper com este modelo da pequena política. Estou falando claramente de Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, ainda que eu não seja um chavista, até porque eu acho que o modelo que o Chávez tenta aplicar na Venezuela não é válido para o Brasil, que é uma sociedade mais complexa, mais articulada. Mas certamente é uma proposta que rompe com a pequena política. Quando o Chávez fala em socialismo, ele recoloca na ordem do dia, na agenda política, uma questão de estrutura.
Tatiana Merlino – Então é um socialismo novo, do século 21. Que socialismo é esse?
Carlos Nelson Coutinho – Eu não sei, aí tem que perguntar para o Chávez. Olha, eu não gosto dessa expressão “socialismo do século 21″, eu diria “socialismo no século 21″.
Renato Pompeu – E como seria o socialismo no século 21?
Carlos Nelson Coutinho – Socialismo não é um ideal ético ao qual tendemos para melhorar a ordem vigente. O socialismo é uma proposta de um novo modo de produção, de uma nova forma de sociabilidade, e nesse sentido eu acho que o socialismo é, mesmo no século 21, uma proposta de superar o capitalismo. Novidades surgiram, por exemplo: quem leu o Manifesto Comunista, como eu, vê que Marx e Engels acertaram em cheio na caracterização do capitalismo. A ideia da globalização capitalista está lá no Manifesto Comunista, o capitalismo cria um mercado mundial, se expande e vive através de crises. Essa ideia de que a crise é constitutiva do capitalismo está lá em Marx. Mas há um ponto que nós precisamos rever em Marx, e rever certas afirmações, que é o seguinte: Quem é o sujeito revolucionário? Nós imaginamos construir uma nova ordem social. Naturalmente, para ser construída, tem que ter um sujeito. Para Marx, era a classe operária industrial fabril, e ele supunha, inclusive, que ela se tomaria maioria da sociedade. Acho que isso não aconteceu. O assalariamento se generalizou, hoje praticamente todas as profissões são submetidas à lei do assalariamento, mas não se configurou a criação de uma classe operária majoritária. Pelo contrário, a classe operária tem até diminuído. Então, eu diria que este é um grande desafio dos socialistas hoje. Hoje em dia tem aquele sujeito que trabalha no seu gabinete em casa gerando mais-valia para alguma empresa, tem o operário que continua na linha de montagem .. Será que esse cara que trabalha no computador em casa se sente solidário com o operário que trabalha na linha de montagem? Você vê que é um grande desafio. Como congregar todos esses segmentos do mundo do trabalho permitindo que eles construam uma consciência mais ou menos unificada de classe e, portanto, se ponham como uma alternativa real à ordem do capital?
Renato Pompeu – Aí tem o problema dos excluídos …
Carlos Nelson Coutinho – Eu tenho sempre dito que as condições objetivas do socialismo nunca estiveram tão presentes. Prestem atenção, o Marx, no livro 3 do “Capital”, diz o seguinte: O comunismo implica na ampliação do reino da liberdade e o reino da liberdade é aquele que se situa para além da esfera do trabalho, é o reino do trabalho necessário, é o reino onde os homens explicitarão suas potencialidades, é o reino da práxis criadora. Até meio romanticamente ele chega a dizer no livro “A Ideologia Alemã” que o socialismo é o lugar onde o homem de manhã caça, de tarde pesca e de noite faz critica literária, está liberto da escravidão da divisão do trabalho. E ele diz que isso só pode ser obtido com a redução da jornada de trabalho. O capitalismo desenvolveu suas forças produtivas a tal ponto que isso se tornou uma possibilidade, a redução da jornada de trabalho, o que eliminaria o problema do desemprego. O cara trabalharia 4 horas por dia, teria emprego pata todos os outros. E por que isso não acontece? Porque as relações sociais de produção capitalista não estão interessadas nisso, não estão interessadas em manter o trabalhador com o mesmo salário e uma jornada de trabalho muito menor. Então, eu acho que as condições para que a jornada de trabalho se reduza e, portanto, se crie espaços de liberdade para a ação, para a práxis criadora dos homens, são um fenômeno objetivo real hoje no capitalismo. Mas as condições subjetivas são muito desfavoráveis. A morfologia do mundo do trabalho se modificou muito .. Muita gente vive do trabalho com condições muito diferenciadas, o que dificulta a percepção de que eles são membros de uma mesma classe social. Então, esse é um desafio que o socialismo no século 21 deve enfrentar. Um desafio também fundamental é repensar a questão da democracia no socialismo. Eu diria que, em grande parte, o mal chamado “socialismo real” fracassou porque não deu uma resposta adequada à questão da democracia. Eu acho que socialismo não é só socialização dos meios de produção – nos países do socialismo real, na verdade, foi estatização – mas é também socialização do poder político. E nós sabemos que o que aconteceu ali foi uma monopolização do poder político, uma burocratização partidária que levou a um ressecamento da democracia. A meu ver, aquilo foi uma transição bloqueada. Eu acho que os países socialistas não realizaram o comunismo, não realizaram sequer o socialismo e temos que repensar também a relação entre socialismo e democracia. Meu texto, “Democracia como valor universal”, não é um abandono do socialismo. Era apenas uma maneira de repensar o vinculo entre socialismo e democracia. Era um artigo ao mesmo tempo contra a ditadura que ainda existia e contra uma visão “marxista-leninista”, o pseudônimo do stalinismo, que o partido ainda tinha da democracia. Acho que este foi o limite central da renovação do partido.
Marcelo Salles – E nesse “Democracia como valor universal”, você disse recentemente que defende uma coisa que não foi muito bem entendida: socialismo como condição da plena realização da democracia …
Carlos Nelson Coutinho – Uma alteração que eu faria no velho artigo era colocar não democracia como valor universal, mas democratização como valor universal. Para mim a democracia é um processo, ela não se identifica com as formas institucionais que ela assume em determinados contextos históricos. A democratização é o processo de crescente socialização da política com maior participação na política, e, sobretudo, a socialização do poder político. Então, eu acredito que a plena socialização do poder político, ou seja, da democracia, só pode ocorrer no socialismo, porque numa sociedade capitalista sempre há déficit de cidadania. Em uma sociedade de classes, por mais que sejam universalizados os direitos, o exercício deles é limitado pela condição classista das pessoas. Neste sentido, para a plena realização da democracia, o autogoverno da sociedade só pode ser realizado no socialismo. Então, eu diria que sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia. Acho que as duas coisas devem ser sublinhadas com igual ênfase.
Hamilton Octávio de Souza – Nós saímos de um período de 21 anos de ditadura militar, essa chamada democracia que nós vivemos, qual é o limite? O que impende o avanço mesmo que não se construa uma nova sociedade?
Carlos Nelson Coutinho – Eu acho que temos uma tendência, que me parece equivocada, de tratar os 21 anos da ditadura como se não houvesse diferenças de etapas. Eu acho, e quem viveu lembra, que, de 64 ao AI-5, era ditadura, era indiscutível, mas ainda havia uma série de possibilidades de luta. Do AI-5 até o final do governo Geisel, foi um período abertamente ditatorial. No governo Figueiredo, há um processo de abertura, um processo de democratização que vai muito além do projeto de abertura da ditadura. Tem um momento que os intelectuais mais orgânicos da ditadura, como o Golbery, por exemplo, percebem que “ou abre ou pipoca”. O projeto de abertura foi então atravessado pelo que eu chamo de processo de abertura da sociedade real. Eu não concordo com o Florestan Fernandes quando ele chama a transição de conservadora. Eu acho que ocorreu ali a interferência de dois processos: um pelo alto, porque é tradicional na história brasileira as transformações serem feitas pelo alto, o que resultou na eleição de Tancredo. Mas também houve a pressão de baixo. A luta pelas “Diretas” foi uma coisa fundamental, também condicionou o que veio depois. Esta contradição se expressa muito claramente na Constituição de 88, que tem partes extremamente avançadas. Todo o capítulo social é extremamente avançado, embora a ordem econômica tenha sido mais ou menos mantida. Mas a Constituição é tanto uma contradição que o que nós vimos foi a ação dos políticos neoliberais, dos governos neoliberais de tentar mudá-la, de extirpar dela aquelas conquistas que nós podemos chamar de democráticas. Eu acho que o Brasil hoje é uma sociedade liberal-democrática no sentido de que tem instituições, voto, partidos e tal. Mas, evidentemente, é uma democracia limitada, sobretudo no sentido substantivo. A desigualdade permanece.
Hamilton Octávio de Souza – Mas hoje o que está mais estrangulado para o avanço na democracia ainda no marco de uma sociedade capitalista?
Carlos Nelson Coutinho – Eu acho que a ditadura reprimiu a esquerda, nos torturou, assassinou muitos de nós, nos obrigou ao exílio, mas não nos desmoralizou. Eu acho que a chegada do Lula ao governo foi muito nociva para a esquerda. Ninguém esperava que o governo Lula fosse empreender por decreto o socialismo, mas pelo menos um reformismo forte, né? Eu acho que a decepção que isso provocou, mais toda a história do mensalão e tal, é um dos fatores que limitam o processo de aprofundamento da democracia no Brasil. Entre outras coisas porque o governo Lula, que é um governo de centro, cooptou os movimentos sociais. Temos a honrosa exceção do MST que não é assim tão exceção porque eles são obrigados … tem cesta básica nos assentamentos e tal, eles são obrigados também a fazer algumas concessões, mas a CUT … Qual a diferença da CUT e da Força Sindical? Eu acho que essa transformação da política brasileira em pequena política, que se materializou com o governo Lula, que não é diferente do governo Fernando Henrique, foi o fator que bloqueou o avanço democrático. Até 2002, havia um acúmulo de forças da sociedade brasileira que apontava para o aprofundamento da democratização, e O sujeito deste processo era o PT, o movimento social. Na medida em que isso se frustrou, eu acho que houve um bloqueio no avanço democrático na época. O neoliberalismo enraizou-se muito mais fortemente na Argentina do que no Brasil porque aqui havia uma resistência do PT e dos movimentos sociais. Com a chegada ao governo, essa resistência desapareceu. Então, de certo modo, é mais fácil a classe dominante hoje fazer passar sua política em um governo petista do que em um governo onde o PT era oposição.
Tatiana Merlino – Então a conjuntura seria um pouco menos adversa se estivesse o José Serra no poder e o PT como oposição?
Carlos Nelson Coutinho – Eu não gostaria de dizer isso, mas eu acho que sim. Mas isso coloca uma questão: e se demorasse mais quatro anos para o PT chegar ao governo, ia modificar estruturalmente o que aconteceu com o PT? Até um certo momento, é clara no partido uma concepção socialista da política. A partir de um certo momento, porém, antes de Lula ir ao governo, o PT abandonou posturas mais combativas. Ele fez isso para chegar ao governo. Mas se demorasse mais quatro anos, ou oito anos, não aconteceria o mesmo? Não sei. Não quero ser pessimista também, não era fatal o que aconteceu com o PT.
Renato Pompeu – Você é professor de qual disciplina?
Carlos Nelson Coutinho – De teoria política.
Renato Pompeu – Você é um cientista político ou um filósofo da política?
Carlos Nelson Coutinho – Não, não. Filósofo tudo bem, mas cientista político não. Porque ciência política para mim; aquela coisa que os americanos fazem, ou seja, pesquisa dc opinião, sistema partidário, a ciência política é a teoria da pequena política. Eu sou professor da Escola de Serviço Social.
Hamilton Octávio de Souza – Que projeto que você identifica hoje no panorama brasileiro: a burguesia nacional tem um projeto? As correntes de esquerda têm um projeto? Existe um projeto de nação hoje?
Carlos Nelson Coutinho – Isso é um conceito interessante, porque este é um conceito criado em grande parte pela Internacional Comunista e pelo PCB, de que haveria uma burguesia nacional oposta ao imperialismo. Eu me lembro quando eu entrei no partido, eu era meio esquerdista e vivia perguntando ao secretário-geral do partido na Bahia: Quem são os membros da burguesia nacional? E um dia ele me respondeu: “José Ermírio de Moraes e Fernando Gasparian”. Olha, duas pessoas não fazem uma classe. Do ponto de vista nosso, da esquerda, uma das razões da crise do socialismo, das dificuldades que vive o socialismo hoje, é a falta de um projeto. A social-democracia já abandonou o socialismo há muito tempo, e nos partidos de esquerda antagonistas ao capitalismo há uma dificuldade de formulação de um projeto exequível de socialismo. Na maioria dos casos, esses partidos defendem a permanência do Estado do bem-estar social que está sendo desconstruído pelo liberalismo. É uma estratégia defensivista. Essa é outra condição subjetiva que falta, a formulação clara de um projeto socialista. Do ponto de vista das classes dominantes, eu acho que eles têm um projeto que estava claro até o momento da crise do neoliberalismo. Foi o que marcou o governo Collor e o governo Fernando Henrique e o que está marcando também o governo Lula, com variações. Evidentemente, há diferenças, embora a meu ver, não estruturais. Esse é o projeto da burguesia. Com a crise, eu acho que algumas coisas foram alteradas, então, uma certa dose de keynesianismo se tomou inevitável, mas sempre em favor do capital e nunca em favor da classe trabalhadora. Tenho um amigo que diz. “Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital”. No fundo, é essa a proposta do neoliberalismo: desconstrução de direitos, concessão total de todas as relações sociais ao mercado, subordinação do público ao privado, ao capital internacional. Não há burguesia anti-imperialista no Brasil, definitivamente. Pode haver um burguês que briga com o seu concorrente e o seu concorrente é um estrangeiro, mas nem assim ele vai ser anti-imperialista.
Hamilton Octávio de Souza – Você vê alguma alteração a curto prazo?
Carlos Nelson Coutinho – O que poderia mudar isso seria um fortalecimento dos movimentos sociais, da sociedade civil organizada sob a hegemonia da esquerda. E pressionar para que reformas fossem feitas e se retomasse uma política econômica mais voltada para as classes populares, Tem um mote de Gramsci que eu acho muito válido, que é: “pessimismo da inteligência e otimismo da vontade”. A esquerda não pode ser otimista numa análise do que está acontecendo no mundo porque a esquerda tem perdido sucessivas batalhas. Então ser otimista frente a um quadro desses é difícil. Quanto mais nós somos pessimistas, mais otimismo da vontade temos de ter, mais a gente deve ter clareza que só atuando, só dedicando todo o nosso empenho à mudança disso é que essa coisa pode ser mudada. Então, a esperança de mudança seguramente há, há potencialidades escondidas na atual sociedade que permitem ver e pensar a superação do capitalismo. O capital não pode perdurar. A alternativa ao socialismo, como dizia a Rosa Luxemburgo, é a barbárie. Se o capitalismo continuar, teremos cada vez mais uma barbarização da sociedade que nós já estamos assistindo,
Hamilton Octávio de Souza – Por conta do neoliberalismo, tivemos um aumento do desemprego estrutural, a informalidade do trabalho, o desrespeito à legislação trabalhista, estamos numa condição de perdas de conquistas, direitos. Como é que se explica a fraqueza do movimento social diante disso?
Carlos Nelson Coutinho – À certeza que nós temos de que o capitalismo não vai resolver os problemas nem do mundo nem do Brasil nos faz acreditar que, primeiro, a história não acabou, e, portanto, ela está se movendo no sentido de contestar a independência barbarizante do capital. Onde eu vejo focos, no Brasil de hoje, é no MST. Uma coisa que funciona muito bem no MST é a preocupação deles com a formação dos quadros. Eu fui de um partido, o PCB, que tinha curso, mas as pessoas iam para Moscou, faziam a escola do partido. O PT nunca se preocupou com formação de quadros, não; tinham escolas, e o MST tem. Eu acho que o MST tem uma ambiguidade de fundo que é complicada. Ele é um movimento social e, como todo movimento social, ele é particularista, defende o interesse dos trabalhadores que querem terra. Essa não pode ser uma demanda generalizada da sociedade. Eu não quero um pequeno pedaço de terra, nem você. O partido político é quem universaliza as demandas, formula uma proposta de sociedade que engloba as demandas dos camponeses, proletários, das mulheres … O MST tem uma ambiguidade porque ele é um movimento que frequentemente atua como partido. Eu acho que isso às vezes limita a ação do MST.
Marcelo Salles – O termo “Ditadura do Proletariado” que vez ou outra algum liberal usa…
Carlos Nelson Coutinho – Na época de Marx, ditadura não tinha o sentido de despotismo que passou a ter depois. Ditadura é um instituto do direito romano clássico que estabelecia que, quando havia uma crise social, o Senado nomeava um ditador, que era um sujeito que tinha poderes ilimitados durante um curto período de tempo. Resolvida a crise social, voltava a forma não ditatorial de governo. Então, quando o Marx fala isso, ele insiste muito que é um período transitório: a ditadura vai levar ao comunismo, que para ele é uma sociedade sem Estado. Ele se refere a um regime que tem parlamento, que o parlamento é periodicamente reeleito, e que há a revogabilidade de mandato. Então, essa expressão foi muito utilizada impropriamente tanto por marxistas quanto por antimarxistas. Apesar de que em Lênin eu acho que a ditadura do proletariado assume alguns traços meio preocupantes. Em uma polêmica com o Kautsky, ele diz: ditadura é o regime acima de qualquer lei. Lênin não era Stálin, mas uma afirmação desta abriu caminho para que Stálin exercesse o poder autocrático, fora de qualquer regra do jogo, acima da lei. Tinha lei, tinha uma Constituição que era extremamente democrática, só que não valia nada.
Marcelo Salles – Estão sempre dizendo que não teria liberdade de expressão no socialismo, porque o Estado seria muito forte, e teria o partido único …
Carlos Nelson Coutinho – Em primeiro lugar, não é necessário que no socialismo haja partido único, e não é desejável, até porque, poucas pessoas sabem, mas no início da revolução bolchevique o primeiro governo era bipartidário. Era o partido bolchevique e o partido social-revolucionário de esquerda. Depois, eles brigaram e ficou um partido só. Mas não é necessário que haja monopartidarismo. Segundo, Rosa Luxemburgo, marxista, comunista, que apoiou a revolução bolchevique, dizia o seguinte: liberdade de pensamento é a liberdade de quem pensa diferente de nós. Então, não há na tradição marxista a ideia de que não haja liberdade de expressão, mas uma coisa é liberdade de expressão e outra coisa é o monopólio da expressão. Liberdade de expressão sim, contanto que não seja uma falsa liberdade de expressão. Eu acho que o socialismo é condição de uma assertiva liberdade de expressão.
Fonte: Caros Amigos de dezembro de 2009
quinta-feira, 15 de maio de 2014
Seven
Seven
Fever Ray
I've got a friend who I've known since I was seven
We use to talk on the phone, if we have time, if it's the right time
Accompany me by the kitchen sink
We talk about love, we talk about dishwasher tablets, illness
And we dream about heaven
I know it, I think I know it from a hymn
They've said so, it doesn't need more explanation
A box to open up with light and sound
Making you cold
Very cold
I leave home at seven
Under a heavy sky, I ride my bike up, I ride my bike down
November smoke and your toes go numb
A new colour on the Globe
It goes from white to red, a little voice in my head says oh, oh, oh
I know it, I think I know it from a hymn
They've said so, it doesn't need more explanation
A box to open up with light and sound
And if you don't
You're on your own
When I Grow Up
Feche os olhos...... respire fundo.....
When I Grow Up
Fever Ray
When I grow up, I want to be a forester
Run through the moss on high heels
That's what I'll do, throwing out boomerang
Waiting for it to come back to me
When I grow up, I want to live near the sea
Crab claws and bottles of rum
That's what i'll have staring at the seashell
Waiting for it to embrace me
I put my soul in what I do
Last night I drew a funny man
with dark eyes and a hanging tongue
It goes way bad, I never liked a sad look
From someone who wants to be loved by you
I'm very good with plants
When my friends are away
they let me keep the soil moist
On the seventh day I rest
for a minute or two
then back on my feet and cry for you oooh oh
You've got cucumbers on your eyes
Too much time spent on nothing
waiting for a moment to arise
The face in the ceiling and arms too long
I wait for him to catch me
When I Grow Up
Fever Ray
When I grow up, I want to be a forester
Run through the moss on high heels
That's what I'll do, throwing out boomerang
Waiting for it to come back to me
When I grow up, I want to live near the sea
Crab claws and bottles of rum
That's what i'll have staring at the seashell
Waiting for it to embrace me
I put my soul in what I do
Last night I drew a funny man
with dark eyes and a hanging tongue
It goes way bad, I never liked a sad look
From someone who wants to be loved by you
I'm very good with plants
When my friends are away
they let me keep the soil moist
On the seventh day I rest
for a minute or two
then back on my feet and cry for you oooh oh
You've got cucumbers on your eyes
Too much time spent on nothing
waiting for a moment to arise
The face in the ceiling and arms too long
I wait for him to catch me
sábado, 10 de maio de 2014
Feeling Good - Nine Simone
Feeling Good
Nine Simone
Birds flying high you know how I feel
Sun in the sky you know how I feel
Breeze driftin' on by you know how I feel
(refrain:)x2
It's a new dawn
It's a new day
It's a new life
For me
And I'm feeling good
Fish in the sea you know how I feel
River running free you know how I feel
Blossom on the tree you know how I feel
(refrain)
Dragonfly out in the sun you know what I mean, don't you know
Butterflies all havin' fun you know what I mean
Sleep in peace when day is done
That's what I mean
And this old world is a new world
And a bold world
For me
Stars when you shine you know how I feel
Scent of the pine you know how I feel
Oh freedom is mine
And I know how I feel
(refrain)
Modigliani - Guy Farley
Esse filme é de extrema beleza. Conta a história de pessoas as quais foi dado o poder de não fazer mais nada que não fosse seu propósito de vida. Uma força que não há força humana capaz de sobrepujar. Não dá valor a vida como a conhecemos como significado, e sim como a única razão de viver, respirar ser através do que faz.
Essa atriz Elsa Zuylberstein não podia ter sido melhor escolhida, pois a sua beleza é a síntese das obras de Modigliani.
sexta-feira, 9 de maio de 2014
Bandolins...
Entendo pessoas que gostam de funk, só não entendo como quem gosta de funk não se dá o direito de gostar disso....
Bandolins
Oswaldo Montenegro
Como fosse um par que nessa valsa triste
Se desenvolvesse ao som dos bandolins
E como não e por que não dizer
Que o mundo respirava mais se ela apertava assim
Seu colo e como se não fosse um tempo
Em que já fosse impróprio se dançar assim
Ela teimou e enfrentou o mundo
Se rodopiando ao som dos bandolins
Como fosse um lar, seu corpo a valsa triste iluminava
E a noite caminhava assim
E como um par o vento e a madrugada iluminavam
A fada do meu botequim
Valsando como valsa uma criança
Que entra na roda, a noite tá no fim
Ela valsando só na madrugada
Se julgando amada ao som dos bandolins
Bandolins
Oswaldo Montenegro
Como fosse um par que nessa valsa triste
Se desenvolvesse ao som dos bandolins
E como não e por que não dizer
Que o mundo respirava mais se ela apertava assim
Seu colo e como se não fosse um tempo
Em que já fosse impróprio se dançar assim
Ela teimou e enfrentou o mundo
Se rodopiando ao som dos bandolins
Como fosse um lar, seu corpo a valsa triste iluminava
E a noite caminhava assim
E como um par o vento e a madrugada iluminavam
A fada do meu botequim
Valsando como valsa uma criança
Que entra na roda, a noite tá no fim
Ela valsando só na madrugada
Se julgando amada ao som dos bandolins
Dr. Dalmo Dallari sobre Gilmar Mendes
Artigo que o Dr. Dalmo de Abreu Dallari publicou na Folha, em 8 de maio de 2002:
Degradação do Judiciário
Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.
Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.
Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.
Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.
Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.
É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.
É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.
Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.
Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que “não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.
E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de liminares”.
A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público -do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários- para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou “ação entre amigos”. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.
Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.
Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.
Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.
Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.
É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.
É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.
Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.
Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que “não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.
E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de liminares”.
A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público -do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários- para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou “ação entre amigos”. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.
quinta-feira, 8 de maio de 2014
quinta-feira, 1 de maio de 2014
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