segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A busca


—I—
Longamente peregrinei
Por este mundo de coisas efêmeras.
Dele conheci os passageiros deleites. Como o belo arco-íris,
Que muito cedo em nada se desfaz,
Assim, desde as origens do mundo, Vi todas as coisas passarem
— Belas, festivas, deleitáveis.
Na busca do Eterno
Perdi-me entre as coisas finitas;
De todas provei, em busca da Verdade.
No perpassar das idades,
Conheci as delicias do mundo efêmero — A terna mãe com seus filhos, O arrogante e o livre,
O mendigo que erra pela face da terra,
O conforto dos ricos, A mulher tentadora, O belo e o feio,
O autoritário, o poderoso,
O homem importante, o benfeitor, o protetor, O oprimido e o opressor, O libertador e o tirano,
O homem de muitas posses,
O renunciante — o sannyasi,
O homem prático e o sonhador,
O arrogante sacerdote de suntuosas vestes —e o humilde devoto, O poeta, o artista, o criador.
Prostrei-me diante de todos os altares do
— mundo, Todas as religiões me conheceram,
Cerimônias inúmeras pratiquei,
Regalei-me das pompas do mundo, Combatente fui, de batalhas ganhas
— e perdidas, Desprezei e fui desprezado,
Conheci as tristezas e agonias
De inúmeras desditas,
Nadei em prazeres e na opulência.
Nos secretos recantos de meu coração,
— exultei, Conheci nascimentos e mortes sem conta,
Todas essas efêmeras esferas percorri,
Entre êxtases passageiros, crendo-as eternas, No entanto, jamais encontrei o eterno
— Reino da Felicidade.
Outrora
Eu Te buscava —
Ó Verdade imperecível, Ó Felicidade eterna,
Culminância de toda Sabedoria! —
No topo da montanha, No céu constelado,
Nas sombras do terno luar, Nos templos do homem, Nos livros dos doutos, Na tenra folha primaveril, Nas águas irrequietas, No rosto do homem,
No regato cantarolante, Na tristeza, na dor,
Na alegria e no êxtase — Mas não Te encontrei.
Assim como o montanhista ascende
— aos altos picos,
Largando a cada passo seus múltiplos fardos, Assim também me alcei ás alturas, Abandonando as coisas transitórias.
Como o sannyasi de áureas vestes, A buscar felicidade, com sua taça
— de mendicante, Assim também renunciei.
Como o jardineiro que mata
As ervas daninhas de seu jardim, Assim também aniquilei o ego.
Como os ventos,
Sou livre e sem entraves.
Forte e diligente como o vento
Que penetra os ocultos recantos do vale, Rebusquei
Os recessos de minha alma,
Purificando-me de todas as coisas, Passadas e presentes.
Qual o silêncio que, de súbito,
Se estende sobre o mundo rumoroso, Assim também, subitamente, Te encontrei No fundo do coração de todas as coisas
— e do meu próprio.
Sobre a trilha da montanha,
Sentado numa pedra,
A meu lado e dentro em mim Te encontrei E, em Ti e em mim contidas, todas as coisas. Feliz o homem que encontra a Ti e a mim Em todas as coisas.
Na luz do sol poente,
A filtrar-se entre as delicadas rendas
— de uma árvore primaveril, Eu Te contemplei.
Nas lucilantes estrelas
Te contemplei.
Na ave que passa rápida
E desaparece no negror da montanha, Te contemplei.
Tua glória despertou a glória que em mim —dormia.
Tendo encontrado, ó mundo, A Verdade, a Felicidade eterna, Dela desejo dar.
Vem, meditemos juntos,
Juntos ponderemos e sejamos felizes, Raciocinemos juntos e façamos surgir
— a Felicidade.
Tendo provado
E conhecido a pleno as tristezas e dores, Os êxtases e alegrias
Deste mundo efêmero,
Compreendo tua aflição.
A glória de uma borboleta só dura um dia, Assim também, ó mundo, são teus deleites
— e prazeres. Como as tristezas da criança,
Assim, ó mundo, são tuas tristezas e dores, Teus prazeres, que levam a muitas tristezas, Tuas desditas, que levam a maiores desditas, Incessante luta e fúteis vitórias.
Como o delicado botão,
Após padecer longo inverno,
Desabrocha e de fragrâncias o ar embalsama,
Para murchar antes de cair o sol,
Assim são tuas lutas, teus grandes feitos, — e tua morte -
- Uma roda de dor e de prazer, De nascimento e morte.
Assim como andei perdido entre as coisas — transitórias,
Em busca daquela eterna Felicidade, Assim também tu, ó mundo, estás perdido —na esfera do efêmero.
Desperta e reúne tuas forcas, Olha em torno e medita.
Aquela Felicidade imarcescível, Felicidade que é a única Verdade, Que é o fim de toda busca,
De toda indagação e dúvida,
Que liberta do nascimento e da morte, Felicidade que é a única lei,
O único refúgio,
A fonte de todas as coisas,
Que dá perene conforto,
Essa real Felicidade, que é Iluminação, Em ti habita.
'Fendo-me fortalecido,
Desejo dar
Desta Felicidade.
Tendo alcançado o desapego afetuoso,
Desejo dar
Desta Felicidade.
Tendo alcançado a tranqüilidade apaixonada,
Desejo dar
Desta Felicidade.
Tendo vencido a vida e a morte,
Desejo dar
Desta Felicidade.
Larga, ó mundo, tuas vaidades
E segue-me,
Pois sei o caminho que leva
— ao alto da montanha, Sei o caminho que leva ao fim
— desta agitação e tormento.
Só existe
Uma Verdade,
Uma Lei, Um Refúgio,
Um Guia
Para aquela eterna Felicidade.
Desperta, ergue-te,
Medita e reúne tuas farsas.


— II —
Assim como por uma só noite
As aves repousam numa árvore, Assim também privei com estranhos, Em minha longa viagem
Por muitas terras.
De cada feixe de trigo Tirei uma espiga.
De cada dia,
Tirei algum proveito.
Da árvore pejada de frutos, Colhi um fruto maduro.
Mais velozes que a lançadeira do tecelão São os meus dias.



— III —
Como, através de estreita janela, Contemplamos uma única folha verde,
— uma nesga do vasto céu azul, Assim também comecei a Te perceber,
— no começo de todas as coisas. E, como a folha se descolorou e murchou, E de escura nuvem a nesga de céu se encobriu, Assim também Tu esmaeceste e desapareceste, Para renascer outra vez,
Como aquela folha verde e a nesga de céu — azul.
Por muitas vidas vi passar o frigido inverno
— e a verde primavera.
Aprisionado em minha pequena alcova, Eu não via a árvore inteira e todo o céu, E jurava que não existia a árvore
— nem o vasto céu — Para mim, era aquela a Verdade.
Com a ação destruidora do tempo,
Minha janela cresceu.
E contemplei então
Um ramo com muitas folhas
Uma vasta expansão do céu,
— com muitas nuvens,
Esqueci a folha verde solitária
— e aquela nesga da imensidão azul. Jurava que não existia a árvore,
— nem o céu imenso — Para mim, era aquela a Verdade.
Cansado da prisão,
Da estreita cela,
Revoltei-me contra minha janela,
Com os dedos a sangrar,
Arranquei tijolo após tijolo,
E contemplei então
A árvore inteira, seu tronco majestoso, Seus ramos numerosos, suas miríades de
— folhas, E uma imensa parte do céu.
Jurava que não existia outra árvore, nem —outra parte do céu — Era aquela a Verdade.
Aquela prisão já me não retém, Saí a voar, através da janela,
Ó amigo,
Agora contemplo todas as árvores
— e a vastidão do céu sem limites.
E embora eu viva em cada folha e
— em cada nesga do vasto céu azul,
Embora eu viva em cada prisão,
— a espreitar por estreitas frestas,
Sou livre.
Não! Nada mais me prenderá —
ESTA é a Verdade.



— IV —
Ó mundo,
Em toda a parte buscas Felicidade.
Em todos os climas, Entre todas as pessoas,
Entre os animais e entre as verdes árvores, À margem das águas turbulentas,
Nas montanhas altaneiras,
Nos refrescantes vales
E nas terras crestadas de sol,
Sob o céu sereno e estrelado,
No esplendor do sol poente,
No frescor da madrugada —
Todas as coisas buscam essa Felicidade.
Ainda que teus filhos cerquem seus domínios De impenetráveis muralhas,
Vedando o acesso à Felicidade desejada, Ainda que teus doutos sacerdotes lutem
Em defesa dos deuses que mandam adorar,
Ainda que o conforto dos ricos lhes de a — estagnação,
Ainda que os oprimidos e explorados estejam — a sofrer,
Ainda que o pensador não tenha encontrado — a solução final,
Ainda que o sannyasi, renunciando ao mundo,
— não tenha alcançado a Iluminação,
Ainda que o mendigo, implorando compaixão
— de casa em casa, não tenha achado agasalho,
Ainda que teus filhos prefiram a escuridão — da noite à luz do dia,

E convertam a noite em dia —
Todos estão buscando aquela
— Felicidade eterna.
Como a árvore desolada sofre e anseia
— pela primavera e seu alegre verdor, Assim todos os teus filhos buscam
— aquela Felicidade eterna.
A dama mundana, apegada a seu luxo e — riquezas, A mulher de rosto pintado,
A donzela leviana,
O homem que nos trajos busca a felicidade,
O bebedor insaciável,
O homem que só pode ser feliz
— ocupado com algo,
O homem que mata para deleitar-se,
O sacerdote de vestes pomposas,
O homem cingido de simples tanga,
O ator vestido ao gosto dos espectadores,
O artista a lutar por criar,
O poeta a exprimir em palavras a — imensidade de seus pensamentos e sonhos,
O músico cuja alma vibra em sons,
O santo com seu ascetismo,
O pecador, se existe, esquecido de Deus
— ou do homem,
O burguês, de tudo amedrontado — Todos estão em busca da Felicidade.
Eles compram e vendem,
E constroem palácios magníficos,
Cercam-se de toda a beleza
Que o dinheiro pode comprar,
Plantam jardins, para regalo ,de seus — gostos requintados, Cobrem-se de jóias,
Ora disputam, ora se mostram cordiais, Bebem sem comedimento,
Comem sem moderação,
Ora rancorosos, ora pacíficos,
Rezam e amaldiçoam,
Amam e odeiam,
Morrem e tornam a nascer,
São cruéis para com o homem e o bruto, Destroem e criam,
Constroem e destroem —
Mas todos estão buscando a Felicidade, Felicidade nas coisas transitórias.
A rosa, tão bela e gloriosa, Está destinada A morrer amanhã.
Em busca da Felicidade,
Erguem soberbas estruturas,
Chamam-nas igrejas
E nelas entram,
Mas a Felicidade lhes foge, tal como
— nas ruas desadornadas.
Inventam um Deus, para ter satisfação, Mas, n'Ele nunca encontram
— aquilo a que aspiram.O incenso, as flores, as velas acesas,
As vestes esplêndidas, a música empolgante, São meros estímulos àquela busca.
A nota profunda do sino distante,
A oração monótona,
Os apelos, prantos e rogos,
São meros tateios no escuro
Em busca daquela Felicidade eterna.
Em busca da felicidade,
Edificam templos frios, gigantescos, Produto de muitas mentes, Trabalho de muitas mãos;
Os cânticos, o fumo da cânfora queimada, A beleza do lúpus sagrado, Não satisfazem seus anseios.
Em busca da Felicidade,
Subornam e corrompem, profanam
A Terra, os mares e montanhas.
Suas imagens esculpidas não respondem
— a seus chamados. Como o enxurro se precipita da montanha,
— tudo devastando em seu caminho, Assim, num instante, é destruída
— sua estrutura de felicidade; Com seu amor ciumento,
— mutuamente se destroem.
Em busca da Felicidade
Conferem títulos e nomes sonorosos Uns aos outros
E pensam ter encontrado
A fonte da Eternidade,
Pensam ter resolvido
O problema de seu sofrimento,
Em busca da Felicidade,
Casam-se e inebriam-se desta novel felicidade; São felizes como a flor,
Que se abre ao sol,
Para com o sol morrer.
Trocam de amor, para renovar seus deleites.
Transbordam de êxtase e,
Num instante,
A desdita é o epílogo de sua fugaz alegria.
Como a nuvem pejada, que se fende e esgota E desaparece dos ares,
Deixando o céu outra vez desnudo,
Assim é seu amor,
Que é rico e forte,
Que cria e destrói.
Seu amor, tão triunfante ao nascer,
Tão ardoroso em seus desejos,
Tão belo em pleno florescer,
Tão irrefreável em seu preenchimento, Fenece como a folha,
Para renascer e,
Como a folha,
De novo morrer.
Como a árvore tristonha
Que perdeu sua ridente folhagem, Assim é o homem
Que buscou a Felicidade
No amor.
Na solidão,
E nas ruas apinhadas,
Busca-se a Felicidade.
Todo o mundo clama por Felicidade. As brisas sussurram,
As procelas rugem ameaças,
Mas o homem busca a Felicidade
Nas coisas passageiras, Nas coisas transitórias,
Nas coisas que pode tocar e ver,
E geme e lamenta a perda de sua felicidade, Como a criança chora A boneca quebrada.
Porque sua felicidade murcha e morre Como a folha tenra.
Investiga suas esperanças,
Seus anseios, Seus desejos, Seu egoísmo,
Suas disputas e zangas,
Seus títulos de nobreza,
Suas ambições,
Suas glórias,
Suas recompensas, Suas distinções —
E encontrarás desilusão,
Vaidade,
Infelicidade.
Investiga suas distinções de classes, Suas distinções espirituais, Suas limitações,
Sua vulnerabilidade,
Seus preconceitos,
Seus afetos —
Encontrarás inconstância de propósitos, Inconstância de felicidade.
Aonde quer que olhes, Onde quer que andes,
Em qualquer clima que habites,
Há sofrimento, há dor, Vácuos impreenchíveis, Feridas abertas e doloridas, Descobertas e expostas, Ou cobertas com a armadura De festivos folguedos. Nenhum homem pode dizer: "Minha felicidade é indestrutível".
Em toda a parte há declínio e morte,
E a renovação da vida.
Assim são os que buscam a felicidade
— nas coisas transitórias — Sua felicidade é momentânea,
Como a borboleta que prova do mel
— de todas as flores E, no mesmo dia,
Morre.
Como o deserto que recebe abundantes chuvas Mas permanece terra desolada e sem sombras, Assim é sua felicidade.
Como as areias do mar são suas ações Na busca da Felicidade.
Como a árvore velha e possante, Sobranceira às outras, ao céu se eleva, Mas sucumbe aos golpes do machado, Assim é sua felicidade.
A Felicidade buscam
No que é transitório,
Fugidio,
Objetivo,
E não a encontram.
Assim é sua felicidade, que logo se acaba —sem satisfazer.
Pode-se cultivar em areia a árvore
— da Felicidade?
A Felicidade que nunca se gasta,
Que cresce com a ação,
Que aumenta com o sentimento,
Que nasce ,da Verdade, Que jamais declina,
Que não conhece começo nem fim,
Que é livre,
A Felicidade Eterna
Que eles jamais provaram;
A Felicidade
Que não conhece solidão,
Que é certeza imensa,
Que é desapego,
Que é amor impessoal,
Que é livre de preconceitos, Que não depende de tradição, De autoridade,
De superstições,
De nenhuma religião,
A Felicidade não subordinada a outrem,
A nenhum sacerdote,
Nenhuma seita,
Que não necessita de títulos, Que a nenhuma lei está sujeita, Que não pode ser abalada por
— nenhum Deus ou homem,Que é solitária e tudo abarca,
Que sopra das montanhas nevadas, Que sopra do deserto adusto, Que arde,
Que cura,
Que destrói,
Que cria,
Que se alegra na solidão e na multidão,
Que preenche a alma para toda a Eternidade, Que é Deus,
Que é a esposa, a mãe,
O marido, o pai,
O filho.
Que de nenhuma classe é, Porém da divina aristocracia, Que é a suma purificação,
Que é sua própria filosofia,
Vasta como os mares,
Ampla como os céus,
Profunda como o lago,
Tranquila como o vale silencioso, Serena como a montanha,
Livre da sombra da morte,
Da limitação do nascer,
Que é como a firmeza dos montes,
Que encerra o fruto de muitas gerações, Que é a consumação de todos os desejos, A suma Finalidade,
A fonte de toda existência,
O poço cujas águas nutrem os mundos, O êxtase, a alegria,
A luzente estrela de nosso ser,
Que .dá o divino descontentamento, Que nasce da Eternidade,
Que é a destruição do ego,
O reservatório da Sabedoria,
Que cria felicidade em outros,
Que tem domínio sobre todas as coisas — Esta Felicidade, ó mundo,
Jamais conheceste.
Porque de outrem recebeste tua nutrição Ensinado foste pelos lábios de outrem, Aprendeste a tirar tua farsa de outrem, Que tua felicidade depende de outrem,
Que tua redenção está nas mãos de outrem, A sabedoria na boca de outrem,
Que a Verdade só é alcançável
— através de outrem, Ensinaram-te a adorar o Deus de outrem,
A prostrar-te ante o altar de outrem, Disciplinar-te sob a autoridade de outrem, Moldar-te segundo o modelo de outrem, Permanecer à sombra de outrem, Crescer sob a proteção de outrem, A basear tuas opiniões nas de outrem, Ouvir com os ouvidos de outrem, Sentir com o coração de outrem, Pensar com a mente de outrem. Nutrido foste do estímulo
— das coisas transitórias, Do alimento que nunca satisfaz,
Do saber que desaparece, da luta. Nutrido foste pelas mãos dos satisfeitos, Com o que é falso e efêmero.
Foste nutrido pelas leis, pelos governos, — pelas filosofias, Dirigido, impelido e influenciado,
Abrigado foste na sombra
Que a todo instante muda,
Nutrido de falsas verdades e falsos deuses, Estimulado por falsos desejos,
Alimentado de falsas ambições,
Sustentado com os frutos da terra,
Ó mundo!
Ensinaram-te a buscar a Verdade
— no que é passageiro, E te nutriste de coisas transitórias;
Nestas jamais encontrarás a Felicidade Pela qual tua alma anseia e sofre.
Mas,
Como o mergulhador que desce ao fundo —do mar,
Em busca da pérola,
Arriscando a vida pelo gozo transitório,
Deves tu também penetrar fundo
— em ti mesmo,
Em busca da Eternidade.
Como o audaz alpinista, que escala e —conquista os altos cumes,
Deves tu também ascender àquela
— altura vertiginosa
De onde todas as coisas são vistas
— em suas verdadeiras proporções.
Como o lótus que, rompendo o lodo,
— ao céu se eleva,
Deves tu também arredar todas as coisas — transitórias,
Se queres descobrir aquele
— Reino da Felicidade.
Como a árvore majestosa, cuja farsa — depende de suas ocultas raízes
E alegremente enfrenta os vendavais,
Deves tu também assentar profundamente — em ti mesmo Tua farsa oculta,
Para enfrentar as vicissitudes do mundo. Como a rápida corrente conhece sua nascente, Deves tu também conhecer teu próprio ser. Como o manso lago azul
—de ignota profundeza,
Deve ser insondável a tua profundeza. Como o mar encerra uma multidão de seres
— vivos, Em ti jazem ocultos
— segredos de todos os mundos. Como na encosta da montanha, em altitudes
— várias, diferentes flores crescem, Assim também em ti existem
Gradações da beleza.
Como a terra em seu seio abriga
Tesouros que o homem jamais viu,
Em ti jazem ocultos
— ignorados segredos.
Como a imensa e inesgotável farsa dos ventos, Em ti reside imensa e invencível energia. Como os cumes das montanhas
— alegrados de sol, Deves tu exultar
Na luz do conhecimento de ti mesmo. Como a trilha tortuosa da montanha
— descortina a cada instante vistas novas, Assim também em ti há uma revelação
— constante. Como a estrela remota a cintilar
— em noite escura, É aquele que descobriu a si próprio.
Só em ti se encontra Deus, pois outro Deus
— não existe, És o Deus que todas as religiões e nações
— adoram,
Só em ti há alegria, êxtase, energia e farsa, Só em ti existe o poder de crescer, mudar,
— alterar, Só em ti se encontram acumuladas
— as experiências de muitas idades, Só em ti, a fonte de todas as coisas — Amor, ódio, ciúme, medo, furor e brandura — Só em ti se encerra o poder de criar e destruir, Só em ti, o começo de todo pensamento,
— sentimento e ação. Só em ti reside a nobreza,
Só em ti não há solidão.
De todas as coisas és senhor, De todas as coisas, a fonte.
Só em ti reside o poder de fazer bem
— e fazer mal,
Só em ti, o poder de criar Céu e Inferno, Só em ti, o poder de reger o futuro
— e o presente. És o senhor do Tempo,
Só em ti está o Reino da Felicidade,
Só em ti a Verdade Eterna,
Só em ti a fonte inesgotável do amor.
Ó mundo,
Se queres conhecer todos os segredos, Os tesouros de muitas idades,
As experiências de muitos séculos,
A farsa acumulada de muitas gerações, O pensamento do passado,
Os êxtases e alegrias, as tristezas e dores
— de passadas eras, E as ações grandes e fúteis das muitas vidas
— que para trás deixaste, Os séculos de incerteza e de dúvida,
Se queres conhecer o futuro imenso,
A jubilosa acepção a sublimes alturas,
A aventura do bem e cio mal,
O produto de todo pensamento, de todos os —sentimentos e ações, Das muitas vicias, passadas e futuras,
Se queres conhecer teus ódios, teus ciúmes, Tuas agonias, teus prazeres e dores, Teu amor extático, teu ditoso enlevo, Tua ardente devoção, teu borbulhante
— entusiasmo, Teu ditoso zelo, teu culto doloroso,
Tua incontida adoração,
Se queres conhecer o perdurável,
O eterno, o indestrutível,
A Divindade, a Imortalidade,
A Sabedoria, que é o tesouro do Céu,
Se queres conhecer o eterno
— Reino da Felicidade,
A Beleza que nunca se desvanece ou declina, Se queres conhecer a Verdade imperecível
— e única --Então, ó mundo,
Perscruta tuas próprias profundezas,
Com olhos límpidos — se queres perceber —todas as coisas.
Como o lago tranqüilo que reflete o céu, Assim deverão todas as coisas em ti se refletir. Como a flor que desabrocha
— à branda luz cio sol, Deves tu te abrir, se te queres conhecer.
Como a águia aos ares se alça incontida e livre, Deves tu ascender, se te queres conhecer. Como o rio desce alegre para o mar,
Deves tu alegrar-te, se te queres conhecer. A montanha forte e pujante
Deves igualar-te, se te queres conhecer. Como a gema que cintila ao sol,
Deves tu cintilar, se te queres conhecer. Como a mãe que o filho aconchega com terna
— afeição,
Assim deves ser, se te queres conhecer. Como os ventos são livres, e nada os entrava, Assim deves ser, se te queres conhecer.
Se de todas as coisas queres provar,
Ó mundo,
E comigo entrar no Reino da Felicidade, Livra-te deste veneno que corrompe
— a Verdade —
O preconceito.
Porque és imenso em teus preconceitos, Tanto velhos como novos.
Livra-te da estreiteza de tuas tradições, Convenções, hábitos, sentimentos
— e pensamentos, Da estreiteza de tua religião, de teu culto
— e adoração, De teu nacionalismo,
De teu lar e teu sentimento de posse,
De teu amor,
De tua amizade,
De teu Deus e da maneira de o venerares,
De tua concepção da beleza, De tuas ocupações e deveres, De teus feitos e glórias;
Da estreiteza de tuas recompensas e punições, De teus desejos, ambições e fins,
De teus anseios e satisfações,
De teus contentamentos e descontentamentos, De tuas lutas e vitórias, De tua ignorância e de teu saber,
De tuas doutrinas e leis,
De tuas idéias e opiniões — De tudo isso — livra-te!
O preconceito é como a sombra No flanco da montanha,
Como a nuvem negra
No céu límpido,
Como a rosa que murchou
E já não deleita o mundo,
Como a praga que destrói
A seiva que amadurece o fruto. Como a ave que perdeu
O vigor de suas asas,
Como o homem que não tem ouvidos
E é surdo para a música melodiosa, Como o homem que não tem olhos
E é cego para o esplendor do crepúsculo, Como as sensações deleitosas Para o homem sem vigor.
O preconceito é como o lago agitado,
Que não reflete a beleza do céu,
Como a rocha nua da montanha,
Como a terra árida de uma região
— sem sombras, Como o leito seco do rio,
Há muitos verões
Privado do frescor das águas,
Como a árvore que perdeu a felicidade
— de seu verdor, Como a mulher estéril,
Como o sopro do inverno
Que mirra todas as coisas,
Como a sombra da morte
Sobre uma fértil região.
O preconceito é mau,
Corruptor do mundo,
Destruidor do belo,
Raiz de todas as desditas,
Medra na ignorância,
É um estado de total escuridão, — impenetrável à luz. É abominação,
Pecado contra a Verdade.
Se te queres conhecer,
Livra-te dessa erva daninha que te enleia, Te sufoca,
Te destrói a visão,
Te mata a afeição,
Te tolhe o pensamento.
Quando livre fores, sem peias,
Teu corpo bem controlado,
— sem tensão nenhuma, Teus olhos capazes de todas as coisas perceber
— em sua pura nudez, Teu coração sereno e rico de afeição,
Tua mente bem equilibrada,
Então, ó mundo,
Os portões daquele Jardim,
Do Reino da Felicidade,
Estarão abertos.


-V-
Desde o começo dos tempos, Desde as origens da Terra, Eu conhecia
O Destino de todas as coisas.
Como o impetuoso rio conhece Desde sua nascente,
O alvo de sua longa jornada, Ainda que percorra muitas terras, Assim também eu conhecia
A meta.
Como na estação do Inverno
A árvore nua conhece
As alegrias da vindoura Primavera, Assim também eu conhecia
A meta.
Longamente peregrinei Através de muitas vidas, Por muitas terras,
Entre muitos povos, Em busca daquela meta Que eu conhecia.
Como as águas estagnadas
Se purificam
Com a vinda das chuvas,
Assim também eu ficara
Inerte
Até que a tormenta das lágrimas Me veio purificar.
Carreguei o pesado fardo
De muitas posses,
Das riquezas do mundo,
Dos confortos que fazem a estagnação.
Regalei-me
Das delícias da abundância,
Até que a tormenta das lágrimas Lavou-me o orgulho da riqueza. E como as terras do deserto, Sem sombras,
Assim se tornou minha vida. Prostrei-me ante os altares
Dos santuários que encontrei
— à margem da estrada;
Seus Deuses me recusaram A meta que eu conhecia.
Seus sacerdotes me cativaram
Com a magia de suas palavras,
A embriaguez de seu incenso.
Abrigado nas sombras,
— entre as paredes do templo, Na treva permaneci,
A implorar aquela meta
Que eu conhecia.
E, então, de novo,
O turbilhão da dor
Jogou-me para a estrada.
Criei filosofias e credos,
Complicadas teorias da vida, Entranhei-me
Das criações intelectuais do homem, Com elas me engrandeci em arrogância. E, tão súbito
Como a tempestade desaba,
Vi-me nu,
Esmagado pela agonia
Das coisas transitórias.
A tudo renunciando,
Nu como estava,
Retirei-me do mundo dos prazeres, Para a solidão.
À sombra das grandes árvores,
No recolhimento do vale silencioso, Busquei a meta
Que minha alma implorava,
A meta que eu conhecera
Através dos tempos.
Grande era o meu amor,
Grande a satisfação que me dava, Eu cantava,
Eu dançava,
No êxtase de meu amor,
Mas, assim como a terna rosa Emurchece
Em pleno verão,
Assim meu amor mirrou Em pleno folguedo.
Fiquei vazio como o amplo céu, Implorando a meta
Que eu conhecia.
Como o construtor dispõe Tijolo sobre tijolo,
Para o edifício de seus sonhos, Assim, desde a antiguidade, Desde as origens da Terra, Eu ajuntei
Os resíduos da experiência De vidas sucessivas,
Para a consumação
Dos anelos de meu coração.
Como a flor dorme de noite, Reservando sua glória Para as alegrias da manhã, Assim, reunindo minhas farsas,
Penetrei fundo
Nos arcanos de meu coração,
Para gozar as alegrias do descobrimento. E como o homem que a luz discerne
No fim de extenso túnel, Assim eu discerni
O alvo de minha busca, A meta que eu conhecia.
Olha!
Minha casa está pronta e bem abastecida, E agora sou livre
Para iniciar a viagem.
Como o rio potente conhece Desde sua nascente
A meta de sua longa jornada, Eu também conhecia
A meta.
Assim como em tempo de Inverno
A árvore desnuda
Conhece as alegrias da vindoura Primavera, Eu também conhecia
A meta.
Desde a mais remota antiguidade, Desde as origens da Terra,
Eu conhecia
A meta final de todas as coisas.
Olha! É chegada a hora,
A hora que eu aguardava,
Liberto estou
Da vida e da morte.
Tristeza e prazer já me não visitam, Liberto estou do apego na afeição, Emancipado do mito dos Deuses.
Como o luar claro e sereno
Da estação das colheitas,
Assim eu sou
Na minha Libertação.
Simples como a tenra folha —
Pois em mim tenho guardados
Muitos Invernos e muitas Primaveras.
Como a gota de orvalho é a filha do mar, Assim também eu nasci No oceano da Libertação.
Como o rio misterioso Que no largo mar se lança, Adentro me lancei
No mundo da Libertação: A meta que eu conhecia.

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